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1 Gamearte em realidade aumentada móvel na construção de espaços cíbridos para a arte Camila Cavalheiro Hamdan mestranda em Arte e Tecnologia sob orientação da Profª Drª Suzete Venturelli, Universidade de Brasília/UnB camilahamdan@gmail.com. Resumo: As novas tecnologias têm permitido que informações sobre determinado local sejam visualizadas, e/ou interferidas e compartilhadas pelo uso de dispositivos móveis em realidade aumentada, transformando os espaços em eventos sócio-culturais no momento da ação, o que possibilita diálogos entre os lugares e os dispositivos informacionais, formando um jogo entre os sentidos, pela hibridização das linguagens e cibridização dos espaços, nos quais o gamearte atua como um novo campo de experimetação. Desta forma, o presente artigo apresenta e discute a utilização de tais dispositivos na composição de espaços cíbridos para a arte. Palavras-chave: gamearte, realidade aumentada, espaço cíbrido. A realidade aumentada móvel como cíbrido A realidade aumentada (RA) é definida (MILGRAN; KISHINO, 1994) como uma particularidade da realidade mista, na qual a fusão do mundo real com mundos virtuais produz um novo ambiente onde objetos físicos e digitais coexistem e podem interagir. Na RA, estes dados do mundo real são aumentados através de tecnologias eletrônicas de interface (softwares e hardwares) que, de forma direta e móvel pelo uso de dispositivos (óculos HDM, celulares, laptops) de ratreamento e orientação no espaço (InertiaCube, Global Positioning System/GPS) em redes sem fio (Wi-Fi, Wi-Max, Bluetooth, RFID1), faz com que os espaços reais dialoguem com dispositivos informacionais. 1 Etiqueta de identificação por rádio freqüência. 2 Os jogos realizados nos espaços urbanos, denominados como Wireless Mobile Games2, são classificados como mídia locativa digital a partir de suas funções em Aplicações de Realidade Aumentada Móvel3, pelas quais os jogadores utilizam dispositivos móveis de interação como palms, celulares em redes wi-fi pela Internet. O conteúdo de um conjunto de tecnologias e processos info-comunicacionais vincula-se a um local específico através de diversas ligações, permitindo a releitura do espaço urbano pela apropriação e ressignificação das cidades. (LEMOS, 2007) Neste novo contexto, os espaços urbanos tornam-se eventos sócio-culturais. A mistura de elementos reais e virtuais produz uma hibridização de linguagens que, quando conectados pela Internet (on/off line), permitem que as informações transitem pela rede. Desta forma, o espaço é formado pelo múltiplo das possibilidades que se desdobram em hibridações, independente da noção de um lugar, e assumem, desta forma, princípios característicos das multipheidades (DELEUZE; GUATTARI, 2000). Dentre tais características está o modelo rizomático que pelo sistema-radícula, ou raiz fasciculada apresenta princípios de conexão, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura, territorialização e desterritorialização. A estética que parte do estudo da experiência adquirida pela sensibilidade através das inovações tecnológicas, do trânsito e do contínuo devir, instauram uma estética do fluxo cuja qualidade, ato ou efeito é o de fluir, facilitando a fusão das coisas, deixando de funcionar de forma estável, acabada e fixa, ressaltando a fluidez e os fluxos de informação (ARANTES, 2007). Pode ser relacionada a este sistema a soma dos conceitos sobre o híbrido e o ciberespaço. Peter Andres propõe o espaço cíbrido (ciber + híbrido) para conceituar algo que se encontra no espaço de transição entre objetos reais e os dados virtuais. No entanto, o questionamento sobre o contexto de leitura mediado por interfaces conectadas pela Internet permite reciclar os mecanismos de leitura já instituídos pelas experiências possibilitadas pela hibridização das linguagens e cibridização dos espaços (on line e off line), permitindo novas formas de significar, ver e memorizar. (BEIGUELMAN, 2004) Os jogos Realidade Aumentada Móvel (RAM) possibilitam o trânsito do jogador entre o ‘dentro’ e o ‘fora’ dos espaços reais, entre os ambientes fechados/abertos e entre os mundos real/virtual, proporcionado pela experiência de interação dinâmica entre os mundos. Esta prática é denominada, segundo Ashwini Sahu (2005), experiências Outdoor AR e Indoor AR, que podem ser vistas no jogo FOOD-CHAIN4 (HAMDAN, 2007). 2 Uncle Roy All Around You desenvolvido pelo grupo britânico Blast Theory, Disponível em: http:// www.blasttheory.co.uk 3 Mobile Augmented Reality Applications (MARA). 4 Jogo desenvolvido pela Nanyang Technological University, Singapura, em parceria com a University of Southern California/ USC. SAHU, Ashwini K. Project Reference Guide on FOOD-CHAIN: a location based mixed reality experience. 3 No contexto cíbrido há a combinação destas experiências. No jogo FOOD-CHAIN, um jogador (o Terran5) tem a experiência no espaço aberto em RA ao percorrer um ambiente real6, enquanto outro jogador (o Avian) compartilha do jogo pela experiência no espaço fechado em RA, na sala de um laboratório, conectado a rede, em frente ao mesmo ambiente, mas modelado. Neste jogo, as experiências se desenvolvem de múltiplas formas compondo, segundo Sahu, um ‘ecossistema real/virtual’ com a presença de dois personagens dotados de inteligência artificial (IA). Este jogo propõe um ecossistema sob o conceito de ‘cadeia alimentar’. De forma hierárquica, no topo desta cadeia está um Predador IA que tenta capturar o Avian, que tenta capturar o Terran, para quem ele é o predador. Terran, por sua vez, tenta fugir de Avian e capturar uma Presa IA. A experiência se desenvolve para os quatro jogadores, como presa e/ou predador, no espaço cíbrido. Neste ponto é importante que destaquemos o que disse Merleau-Ponty (1999), que toda a sensação é espacial porque é constitutiva de um meio de experiência entre o sensível e aquele que sente, ou seja, de um espaço. Gamearte em RA na composição e interação dos espaços Gamearte é um conceito que, na linguagem dos jogos eletrônicos, procura desenvolver uma poética artística interativa e de compartilhamento de espaços virtuais em instalações e/ou na Internet. (MACIEL; VENTURELLI, 2004) A utilização da arte como cenário para o jogo em RA pode ser observada em um jogo de mistério que tem sido desenvolvido pela Universidade Nova de Lisboa7, cujo espaço experimental cíbrido baseia-se em uma galeria de arte. O espectador-jogador assume a identidade de um detetive inexperiente que busca resolver um caso de mistério que ocorreu na galeria. No jogo, elementos reais do espaço como, por exemplo, duas obras do pintor americano Edward Hopper, Nighthawks e Drugstore, serviram de base para a construção dos mundos sintéticos e estão posicionadas em partes distintas do espaço da galeria. Para aumentar a interface do jogador e permitir novas experiências foram criados modelos 3D virtuais relacionados a tais obras. Neste espaço, a trama do jogo é desenvolvida através de pistas nos mundos virtuais que podem implicar na interação no mundo real pelo transito do jogador no espaço da galeria, como ocorre na busca pelo diário do pintor. O final do jogo se dá quando todas as pistas e interações são 5 Sua posição e localização são rastreadas por uma unidade de GPS, por orientação especial (InertiaCube), conectados a dispositivos vestíveis (mochila contendo um lap top e óculos HDM). 6 Campus da University of Southern California/ USC, Los Angeles. USA. 7 J. Santiago, L. Romero, N. Correia, “A Mixed Reality Mystery Game”, Proceedings of The Second International Conference on Entertainment Computing, USA, 2003. 4 concluídas e quando o suspeito é encontrado num dos mundos virtuais que representa um dos quadros.(CORREIA; CHAMBEL, 2004) A fim de contribuir para o cenário das novas manifestações artísticas, estamos desenvolvendo um gamearte a partir da produção de uma obra imersiva colaborativa em RAM, com a colaboração do Laboratório de Arte e Novas Tecnologias nas Artes Visuais/Lab. NTAV, da Universidade de Caxias do Sul/UCS8, a partir de pesquisas teóricas, prática e técnica, que visam compartilhar conhecimentos entre a área tecnológica e a área artística. O gamearte será formado por três personagens: um jogador real, um virtual e um terceiro jogador com inteligência artificial (IA). Os três personagens farão parte de uma ecologia híbrida entre imagens de tatuagens e cicatrizes como formas vivas, criando uma experiência de interação física com os objetos do ambiente real e criaturas com vida. O 1º jogador percorrerá um espaço aberto, delimitado para o jogo, no Campus da Universidade de Brasília/UnB, interagindo com os objetos em RA pelo uso do dispositivo de entrada Twiddler9 e tendo sua posição e localização rastreadas através de dispositivos eletrônicos10 conectados a dispositivos vestíveis (óculos HDM e colete contendo um Laptop). O jogador acionará imagens de cicatrizes e tatuagens que formarão diversas tramas tematicamente relacionadas e que possibilitarão direções a serem escolhidas no Campus. Estas imagens11 serão exibidas como cenários no jogo pela Internet, para permitir a interação do usuário no jogo. O 2º jogador estará em um espaço fechado no Laboratório de NTAV, interagindo virtualmente com o 1º jogador em frente a um dispositivo Estereoscópio 3D de parte do Campus modelado, base da arena do jogo. A construção do 3º jogador partirá da escolha de uma tatuagem (enviada pelos usuários) modelada e com inteligência artificial (IA) que possibilitará formar uma criatura sintética como forma viva. Para este projeto, serão explorados e aperfeiçoados os softwares Sopro da Vida (2007)12 e Living Tatoos (2007) 13 , já em desenvolvimento. O primeiro permite a interação da imagem em RA pelo sopro como interface natural de interação, já o segundo software faz a passagem das imagens 2D para 3D, convertendo-as em objeto/imagem pela linguagem orientada a objeto e pela técnica morphing de imagens. Segundo Diana Domingues (2007)14, identidades baseadas em tatuagens 8 Grupo ARTECNO coordenado pela Profª Drª Diana Domingues. 9 Teclado de mão utiliza a reconfiguração de hardware in wearable computing, sistema embutido móvel que reage aos eventos do ambiente através de sensores acoplados ao corpo humano. 10 Usaremos o GPS Garmin (Global Positioning System) com exatidão acima de 50 metros e um rastreador de orientação InertiaCube 3 (3DOF). 11 Os usuários serão convocados pela Internet, em sites especialidados de arte e cultura, a enviarem, para o site do nosso projeto, imagens fotográficas ou videográficas de cicatrizes e tatuagens. 12 Coordenado pela Profª Drª Suzete Venturelli. Universidade de Brasília/UnB. 13 Idem 8. 14 DOMINGUES, Diana. Softwares sociais: o autor como produtor de ciberativismo cultural. In: COMPÓS/ Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2007. 5 eliminariam noções de geografia, etnia, classes sociais, gênero e outras diferenças que historicamente assolaram a humanidade. Considerações finais Neste artigo, vimos parte das relações sobre tecnologia nos jogos de entretenimento em realidade aumentada móvel e a possibilidade de sua aplicação no cenário das artes. Definimos realidade aumentada e apresentamos seus dispositivos em redes sem fio de interface, de rastreamento e de orientação no espaço. Apresentamos o conceito de mídia locativa a partir de suas funções de realidade aumentada e de wireless games nos espaços urbanos transformados em espaços sócio-culturais. Definimos os processos de cibridização dos espaços e de hibridização das imagens, relacionando-os às características dos princípios do modelo rizomático de Deleuze e Guattari e ao conceito da estética do fluxo. Denominamos as experiências do espectador-jogador nos espaços fechados e abertos exemplificadas pelas pesquisas em jogos em realidade aumentada que tem sido desenvolvidas pela Nanyang Technological University e pela Universidade Nova de Lisboa e por fim, conceituamos gamearte e apresentamos a proposta de desenvolvimento de um gamearte em realidade aumentada móvel. Desta forma, definimos as bases teóricas necessárias para apresentar o jogo imersivo colaborativo em RAM, que será resultado de pesquisa do mestrado em Arte e Tecnologia do Instituto de Artes da Universidade de Brasília/UnB, que visa construir um espaço cíbrido. Estes espaços destinados a fluidez, ao trânsito de informações, a interatividade, a intervenção, a territorialização, desterritorialização e a colaboração, ressignificam o espaço urbano pela apropriação e multiplicação que o desdobram e o relêem como espaço para a arte. São possibilitadas, assim, novas formas de percepção, de poética e estética em que a arte pode ser vista em qualquer lugar, por qualquer um, sem delimitações de um “interior do cubo branco”, pois, como postula do Brian O'Doherty, “[o] espaço é hoje apenas o lugar onde as coisas acontecem; as coisas fazem o espaço existir.” (2002: 36) Referências bibliográficas ARANTES, Priscila. Estéticas Tecnológicas: da forma ao fluxo. In: Anais do 6º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: interseções entre arte e pesquisas tecno-científicas. Brasília, maio, 2007. 6 BEIGUELMAN, Giselle. Admirável Mundo Cíbrido. 2004. Disponível em: www.pucsp.br/~gb/texts/cibridismo.pdf. Acesso em: 07/09/2007. CORREIA, Nuno; CHAMBEL, Teresa. Integração Multimédia em Meios e Ambientes Aumentados nos Contextos Educativos e Culturais . In: Arte e Ciência #2, maio, 2004. CORREIA, N; ROMERO, L; SANTIAGO, J. 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