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AULA 1 TEORIA DA COMUNICAÇÃO E COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA Profª Valéria Maria Navarro 2 CONVERSA INICIAL As teorias desenvolvidas ao longo da história recente da humanidade procuram conceituar a própria evolução da comunicação humana e seu imenso rol de possibilidades e consequências, dada a complexidade das relações que se estabelecem na sociedade pela capacidade do homem de se comunicar. TEMA 1 – COMUNICAR É COMUNGAR A comunicação humana sempre foi objeto de estudo de pensadores que se dedicaram a pesquisar seu desenvolvimento e evolução, nas mais diversas formas, desde os tempos das cavernas até a atualidade. Essas pesquisas, que surgiram com a popularização das tecnologias midiáticas – inicialmente o rádio (final do século 19), e posteriormente a televisão (início do século XX) – e seu uso durante os regimes totalitários da Europa (fascismo e nazismo), geraram inúmeras teorias. Comunicar é comungar, ou seja, participar em conjunto com o outro, formar comunidade, em um processo no qual cada ser oferece ao outro algo que continua a lhe pertencer, pois já foi anteriormente incorporado em sua cultura. Essa ação em comum se refere ao processo de transmitir a informação com a propriedade da compreensão. As Teorias da Comunicação se concentram em três grandes áreas: as gerais – que enxergam a comunicação como um processo complexo de interações simbólicas; as básicas – que compreendem que o sistema de emissão e recepção das mensagens codificadas formadas nos processos de pensamento humano resultam em mudanças; e as contextualizadas – que organizam o ato comunicativo em quatro formas de comunicação: interpessoal, grupal, organizacional e comunicação de massas. Desde cedo, aprendemos que, para que aconteça a comunicação, são necessários: um emissor (fonte ou origem), um receptor (que decodificará a mensagem) e uma mensagem. E para que a mensagem seja transmitida, é necessária a utilização de um sistema de sinais linguísticos comum a ambos, receptor e emissor. Com essa finalidade, existe um meio, um contexto e um canal. No entanto, sendo a comunicação também um processo psicológico, as ideias, os sentimentos participam dos sinais da mensagem. Por isso, classificamos a comunicação em verbal e não verbal. 3 A comunicação verbal é realizada por meio da linguagem, com sua respectiva estrutura simbólica, compartilhada e conhecida pelos membros de um mesmo grupo, pertinente a determinada cultura. A comunicação verbal pode ser oral (diálogos, conversas, debates, discussões) ou escrita (cartas, mensagens, bilhetes, livros, jornais, revistas, entre outros). A comunicação não verbal é empática, realizada nos movimentos expressivos e em outros códigos similares, que conferem significados adicionais à linguagem. Ela é realizada por troca de sinais, por olhar, gestos, postura, mímica, entre outros. 1.1 A informação Do latim informatio, onis (“delinear”, “conceber”). A informação é o resultado do processamento, da organização de dados, que gera uma modificação quantitativa ou qualitativa no conhecimento geral do sistema. As informações estão nos questionamentos, nas conversas, nas palestras, nas propagandas, nas revistas, nos jornais, nas músicas, na televisão e em todo universo que nos cerca, o tempo todo, em processo constante de emissão e recepção. Imprecisa por sua inconstância, uma informação nem sempre é clara, nem sempre é verdadeira, nem sempre precisa ser dita. Mesmo um ruído indesejado feito para prejudicar o fluxo da comunicação acaba gerando de igual forma uma informação. Segundo Fonseca (1998), a comunicação difere da informação na medida em que pressupõe a existência de duas ou mais consciências que estabelecem uma relação, consciente ou inconscientemente. Informar é transmitir, mas transmitir não é comunicar, já que a informação é a mera difusão de dados, independentemente dos processos e sujeitos envolvidos e do complexo número de relações e resultados que ocasione. No entanto, a comunicação dependente da informação, pois sem ela não ocorre a transmissão da mensagem. 1.2 Entropia, redundância e ruídos A palavra entropia foi muito utilizada na física para designar a segunda lei da termodinâmica. Segundo Freixo (2006): “Todo o sistema natural, quando deixado livre, evolui para um estado de máxima desordem, correspondente a uma entropia máxima. Dito de outra forma, todo o sistema isolado tende para a maior 4 homogeneidade possível pelo abrandamento e depois pela paragem de trocas no seu meio”. Quanto mais organizado for um sistema, menor a sua entropia, e vice- versa. Na comunicação, a entropia está relacionada com o grau de desorganização da mensagem: quanto mais desorganizada, mais entrópica. Na mesma proporção, quanto mais organizada, mais previsível. A imprevisibilidade da entropia pode dar à comunicação um toque mais original; nesse sentido, há muitos meios, deixando-se de lado as técnicas e teorias tradicionais, podemos adotar estruturas menos convencionais e mais criativas. A redundância é o excesso, a repetição excessiva, o pleonasmo. Quanto mais provável seja uma informação, mais redundante. A redundância é o oposto da entropia. Resulta de uma previsibilidade elevada. Assim, uma mensagem de baixa previsibilidade é entrópica e, com muita informação, inversamente, uma mensagem de elevada previsibilidade é redundante e com pouca informação. Curioso observar que justamente a redundância desempenha um papel fundamental na comunicação, pois se mantém a compreensibilidade da mensagem. Do ponto de vista da teoria da informação, a redundância é a repetição de informações, cuja função é proteger as mensagens contra possíveis falhas. Shannon e Weaver, em sua teoria matemática da informação, foram os primeiros a citar o ruído como fator responsável pelas interferências que podem prejudicar a transmissão da mensagem. O ruído é identificado na comunicação como conjunto de obstáculos, acréscimos ou decréscimos, e distorções que prejudicam a compreensão da mensagem. Isso significa que nem sempre aquilo que o emissor deseja informar é precisamente aquilo que o receptor compreende. De modo geral, a palavra ruído significa barulho ou poluição sonora entre a transmissão e a recepção que gera distúrbios na compreensão da mensagem. Em breve daremos atenção especial aos ruídos de comunicação e suas consequências nos processos de comunicação. 5 TEMA 2 – EPISTEMOLOGIA DA COMUNICAÇÃO Pensar a pipa como um objeto é omitir o vento – esquecer que ela é, antes de tudo, uma pipa-no-ar. E, assim parece, o voo da pipa é resultado da interação entre uma pessoa (quem a empina) e um objeto (a pipa); enquanto tal, ele só pode ser explicado imaginando que a pipa seja dotada de um princípio animador interno, uma agência, que a coloca em movimento, na maioria das vezes contraria a vontade daquele que a empina. De modo mais geral, sugiro que o problema da agência nasce da tentativa de reanimar um mundo de coisas já morto ou tornado inerte pela interrupção dos fluxos de substância que lhe dão vida. (In: Trazendo as coisas de volta a vida, Tim Ingold) Epistemologia é um conjunto de conhecimentos teóricos e metodológicos que permitem a investigação de um objeto. O objetivo da epistemologia da comunicação é compreender o que de fato é a comunicação. A ciência tem sido, ao longo da história da humanidade, o principal portal de acesso ao conhecimento. A epistemologia aborda a forma como esse acesso acontece. Desse ponto de vista, somos sempre falaciosos, uma vez que criamos uma informação a partir de um único acesso ao conhecimento, portanto incompleto. Assim como a pipa, a comunicação não pode ser vista como fator isolado pelo único acesso de suas teorias, ainda que pautadas nas mais diferentes épocas e realidades, a partir dos mais detalhados estudos e pesquisas.As ciências da comunicação garantem acesso aos processos comunicacionais, mas a pluralidade epistemológica de abordagens (filosofia, história, sociologia, psicologia, política, entre outras) cria acessos e não um único acesso. A ciência é uma forma de acesso ao mundo, mas não é o próprio mundo. A influência dos meios de comunicação é inegável; o estudo dessas influências vai depender da dinâmica das novas tecnologias, das ideologias, dos movimentos da cultura e até da resistência acadêmica. Muitas vezes, nos meios acadêmicos, as mesmas velhas teorias são repassadas sem qualquer atualização ou questionamento. A epistemologia é a tentativa de refletir os meios de comunicação nos vários acessos do conhecimento. 6 TEMA 3 – AS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO 3.1 Teoria hipodérmica A teoria americana behaviorista (estímulo/resposta) da década de 30, que teve como precursor Harold Lasswell, baseia seus estudos na comunicação de massa, e afirma que uma mensagem repassada pela mídia ao público é aceita integralmente e espalhada entre os receptores em igual proporção. Também chamada de agulha hipodérmica ou bala mágica ou teoria dos efeitos ilimitados, afirma que todo estímulo causado por uma mensagem irá gerar uma resposta, sem encontrar resistência por parte do receptor. A passividade do receptor é o ato central dessa teoria, e por isso está diretamente ligada às formas de dominação e manipulação social e a interesses econômicos e políticos. 3.2 Teoria de Lasswell Em 1948, o sociólogo e cientista político Harold Lasswell, professor das faculdades de Yale e Columbia, desenvolveu um modelo que ficou conhecido como 5 Qs. Nele, Lasswell investiga o emissor (quem?), a mensagem (o quê?), o canal (em que canal?), o receptor (a quem?) e os efeitos (com que efeito?). Também para esse estudiosos a propaganda tem efeito de convencimento na vida das pessoas. 3.3 Teoria da persuasão A Teoria da persuasão, ou Teoria empírico-experimental, desenvolvida inicialmente nos anos 1940, baseia-se em aspectos psicológicos, também na linha behaviorista de causa e efeito, afirmando que grupos de pessoas reagem de forma diferente a uma mesma mensagem, e que ela não é assimilada imediatamente, pois depende de fatores ligados ao receptor e ao meio; a mensagem não é manipuladora, mas de persuasão. 3.4 Teoria dos efeitos limitados Desenvolvida em 1940 por Paul Lazarsfeld, de cunho sociológico, se opõe à Teoria da persuasão, e aponta que o poder de persuação da mídia tem limites e ocorre de forma indireta. Ou seja, assim como igrejas, partidos políticos e outras 7 organizações, a mídia influencia mas não manipula os receptores; sendo apenas mais um instrumento na vida social. Nesta teoria, há o estudo das gratificações (pesquisa para saber os motivos que levam os receptores a assistirem determinados tipos de programas); o estudo dos líderes de opinião (líder local – aquele que conhece um grande número de pessoas e suas opiniões são baseadas no senso comum; e líder cosmopolita – tem competências específicas e domina assuntos segmentados em áreas de interesse). 3.5 Teoria funcionalista Desenvolvida na década de 1970, em Chicago, por Paul Lazarsfeld e Robert Merton, trata-se de um estudo sociológico positivista. O foco não está mais nos efeitos que os meios de comunicação de massa exercem na sociedade: Funções ligadas à sociedade: (vigilância (perigos e ameaças), coesão (correlação das partes da sociedade), transmissão da herança social (cultural e educativa), recreativa (divertir e entreter); Funções relativas aos indivíduos: reforçar o status, atribuir posição social e reforçar as normas. Os pesquisadores da Teoria funcionalista perceberam uma disfunção, chamada de disfunção narcotizante, que ocorre quando o receptor é exposto constantemente a um grande número de informações oriundas dos mais diversos meios. Ocorre devido à incapacidade de levar o receptor a uma ação, exposto que está ao excesso de mensagens. Em nosso dia a dia, somos bombardeados pelos inúmeros meios, de tal forma que não conseguimos formular nada e não somos capazes de opinar a respeito de nada. 3.6 Teoria do paradigma matemático-informacional Desenvolvida em Chicago por Claude Shannon, que baseou seus estudos nas teorias Norber Wiener, matemático fundador da cibernética. Nela há um sistema geral de comunicação: fonte (origem da informação); mensagem (conteúdo da informação); codificador (transforma a mensagem em códigos); canal (meio que transporta os códigos); decodificador (transforma o código recebido novamente em mensagem); destinatário (a quem a mensagem se dirige). Segundo Shanon, o objetivo da comunicação seria reproduzir num ponto de chegada uma mensagem exata àquela gerada em um ponto de partida. No 8 entanto, essa informação sempre está sujeita aos ruídos de comunicação em seu percurso, a depender das características técnicas do meio transmissor e receptor, semânticas e de eficácia. 3.7 Teoria crítica Theodor Adorno e Max Horkheimer foram os precursores dessa teoria, pesquisada em Frankfurt, na Alemanha, em 1924, e baseada nas teorias marxistas. Segundo seus pesquisadores, a mídia é um instrumento de manipulação capitalista que padroniza a arte como produto, a chamada “indústria cultural”, que é consumida de forma passiva pelas massas. Para eles, a democratização da cultura promovida pelos meios de comunicação de massa é um engano, pois esse processo tem finalidades econômicas, levando o público a consumir até o que não precisa, com a implantaçao da necessidade de consumo e a falsa criação de um bem-estar imediato ligado à dependência de produtos, marcas e serviços. 3.7.1 Contracultura Importante salientar que a contracultura, na década de 1960, e também a Escola de Frakfurt, na Alemanha, com seu precursor Herbert Marcuse, é tida como um movimento de constestação, de caráter social e cultural, que assumiu as vertentes do movimento hippie. O movimento hippie apresentou características bem delineadas para toda uma geração de seguidores, com duas vertentes distintas: uma que apregoava o distanciamento e a libertação dos valores da sociedade comum capitalista, e outra ligada a movimentos sociais mais revolucionários, que tinham a clara intenção de enfrentar o sistema vigente, buscando novos valores. 3.8 Teoria culturológica Criada na década de 1960, na escola sociológica europeia, teve como base principal o livro de Edgar Morin Cultura de massa no século XX: o espírito do tempo. Outro teórico fundamental dessa vertente é MacLuhan, que dividiu socialmente a comunicação em sociedade primitiva e tribal, sociedade letrada, e sociedade planetária – que ficou conhecida com o termo aldeia global. 9 Essa teoria coloca as influências dos meios de comunicação em um segundo plano na sociedade contemporânea, se opondo ao pensamento da Teoria crítica, no qual a mídia é um meio de alienação. Seu foco está na relação entre consumidor e objeto de consumo. A principal conclusão é de que a cultura de massa não é autônoma, como defendem as demais teorias, mas parte integrante da cultura nacional, religiosa ou humanística. A cultura de massa utiliza a padronização previamente desenvolvida no imaginário popular, não a impõe. É ela quem corrompe e desagrega as demais culturas existentes em uma sociedade moderna, cumprindo uma dupla função: atender às exigências do espectador e cumprir a padronização industrial exigida pela produção artística. A cultura de massa se adaptaria aos desejos dos membros da massa, transitando entre o real e o imaginário, criando fantasias a partir de fatos reais e vice-versa. 3.9 Teoria do agendamento Se ocupa de estudar a capacidade dos meios de comunicação de evidenciar ou não determinado tema. Essa teoria foi proposta na década de 1970,pelos pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw, que afirmavam que é a mídia quem determina quais assuntos estarão presentes na realidade dos consumidores. Seu poder não está em dizer como pensar, mas o que pensar. Atualmente, a Teoria do agendamento pode ser vista nos meios de comunicação, que se dedicam quase que integralmente a um só assunto, criando uma superexposição. Dessa superexposição, resulta que a população passa a acreditar que o tema é fundamental e, dessa forma, o reproduz em todas as rodas de conversa. Independentemente da importância ou não do tema, todos os demais assuntos são deixados em segundo plano, como se nada mais estivesse ocorrendo naquele dado momento histórico. 3.10 Os guardiões do portão Gatekeepers, ou “guardiões do portão”, são os profissionais de comunicação responsáveis por decidir ou filtrar o que será notícia nos meios de comunicação. Quais os critérios utilizados para liberar ou não uma notícia? 10 O termo foi criado pelo psicólogo Kurt Lewin, em 1947, sendo aplicado na área da comunicação em 1950 por David Manning White. White observou o fluxo das notícias em uma redação, observando os critérios utilizados para o descarte de grande parte delas, e a especial escolha de algumas. A maior parte dos estudiosos da área acredita que esse processo é arbitrário e intencional, fazendo com que o jornalismo siga uma linha sempre tendenciosa, pois esses profissionais estão imersos em uma cultura com certa política empresarial, uma vez que os donos dos meios de comunicação são, antes de mais nada, empresários com interesses econômicos específicos. Os críticos dessa teoria dizem que White não considerou importantes filtros usados pelos profissionais, como tempo ou espaço. Com a Internet e as redes sociais, o jornalista já não pauta sozinho o que é notícia, pois qualquer pessoa pode produzir conteúdo por esses meios. TEMA 4 – A VISÃO DE HABERMAS O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (nascido em Düsseldorf, Alemanha, em 1929), membro da Escola de Frankfurt, participa da tradição da teoria crítica e do pragmatismo. Dedicou-se ao estudo da democracia por meio de suas teorias do agir comunicativo, da política deliberativa e da esfera pública. Habermas ultrapassa Weber, Adorno e Horkheimer, autores que procuraram demonstrar o processo pelo qual o Iluminismo, considerado agente de libertação social do século XVIII, se transformou em ideologia de dominação que legitima a sociedade capitalista; ele propõe um salto do paradigma da consciência (pensador solitário buscando compreender o mundo) para o paradigma da comunicação. Afirmou Habermas (1990): “pretendo arguir que uma mudança de paradigma para o da teoria da comunicação tornará possível um retorno à tarefa que foi interrompida com a crítica da razão instrumental; e isto nos permitirá retomar as tarefas, desde então negligenciadas, de uma teoria crítica da sociedade”. Seu conceito de racionalidade encontra fundamentos nos processos de comunicação, pois acredita que é na estrutura da linguagem cotidiana que está a própria exigência da racionalidade, uma vez que o homem que comunica pretende ser compreendido. 11 4.1 Razão comunicativa A razão comunicativa de Habermas diferencia os mundos objetivo, social e subjetivo, abandonando a relação sujeito e objeto e assumindo que as interpretações variam de acordo com a realidade social e natural, enquanto as crenças e valores variam de acordo com o mundo objetivo e social. Para ele, a ação comunicativa ocorre sempre que os envolvidos estiverem coordenados entre si, buscando o entendimento, e não por meio de cálculos egocêntricos de sucesso. Na ação comunicativa, os participantes não estão orientados para o sucesso individual, mas procuram harmonizar seus planos de ação com os demais. 4.2 Ação comunicativa “A ação comunicativa acontece enquanto interação de sujeitos, capazes de falar e agir, que estabelecem relações interpessoais com o objetivo de alcançar uma compreensão da situação e dos respectivos planos de ação coordenados pelo entendimento; consequência da própria ação comunicativa” (Rezende Pinto, 1995). Os atores comunicativos situam e seus pronunciamentos em espaços sociais e tempos históricos, e seu pronunciamento depende do conhecimento cultural anteriormente adquirido. Para Habermas, a ação comunicativa renova o saber cultural. 4.3 Teoria da modernidade “A Teoria da modernidade de Habermas diz que à medida que o potencial inerente à ação comunicativa se mostra o sistema normativo abre caminho para a racionalização, para a universalização da lei e da moralidade e para uma aceleração dos processos de individuação” (Rezende Pinto, 1995). Para ele, a coesão social não pode ser garantida somente pelos processos comunicativos de busca do entendimento. Existem “duas formas básicas de integração de um sistema de ação: por consenso alcançado normativamente e/ou por regulação não normativa das decisões individuais; via mecanismos autorregulados como o mercado ou a burocracia” (Rezende Pinto, 1995). O processo de evolução social, na visão de Habermas, é marcado pela crescente racionalização dos mecanismos imbuídos de alcançar entendimentos mediados linguisticamente, que acabam sobrecarregados. Essa sobrecarga dos 12 processos comunicativos abre espaço para os “meios deslinguistificados” (dinheiro, mercado, poder, administração burocrática), e para o consumismo e o individualismo. A incapacidade da formação espontânea da opinião possibilita a manipulação das massas destituídas de pensamento crítico, e tem como consequência a ausência dessa massa nas decisões históricas de que deveriam poder participar. Esse processo acontece por meio da despolitização, e no uso da tecnologia e da burocracia como meios de eliminar o caráter prático na resolução dos problemas. Por isso, para Habermas, os conflitos surgirão não da luta de classes, mas do direcionamento da opinião pública pelos meios de comunicação. TEMA 5 – A VISÃO DE MARTÍN-BARBERO Jesús Martín-Barbero é semiólogo, antropólogo e filósofo, nascido na Espanha, que viveu na Colômbia a partir de 1963 e desde 2000 mora no México. Atualmente com 82 anos, é considerado um dos expoentes nas teorias e pesquisas da comunicação e cultura, sendo autor do livro Dos meios às mediações (1985). Martín-Barbero retoma Habermas, mas identifica que a crise da razão e do projeto de modernidade é consequência de um processo de desordenamento. Habermas constrói uma nova teoria crítica da sociedade, baseada nas sociedades capitalistas desenvolvidas. Martín-Barbero constrói suas teorias com base nos processos de formação de capitais, internacionalização dos mercados, difusão dos conhecimentos e tecnologias, globalização e novas estruturas comunicativas da sociedade, propondo uma reflexão sobre a hegemonia comunicacional do mercado na sociedade. Ele atribui ao Estado um papel íntimo com o capital, e sugere que nas sociedades capitalistas a lógica de mercado irá determinar o comportamento do Estado. Tem sido assim na atualidade, quando o Estado mínimo se adaptou às exigências do neoliberalismo: o Estado se transformou no Estado Neoliberal, sem um modelo econômico alternativo. De acordo com Martín-Barbero, a América Latina não pode ser pensada fora das novas estruturas comunicativas da sociedade, uma vez que elas sintetizam apostas e pesadelos de um continente em que a hegemonia da razão comunicacional se caracteriza pela “opacidade discursiva”, “ambiguidade política” e “mediação tecnológica e mercantil”. 13 Segundo Martín-Barbero, os meios de comunicação de massa levam os latino-americanos ao equívoco da homogeneização total, que interessa tão somente o mercado global. Mas a mensagem que os meios comunicam é transformada pela mediação das favelas e dos bairros da periferia, nos clubes,nas organizações comunitárias, nos movimentos sociais, nas famílias; sempre em constante transformação. Martín-Barbero observa que nas mais humildes comunidades falta tudo, menos uma antena de televisão. Por isso os meios de comunicação tiveram papel fundamental na formação cultural e na nacionalidade dos povos latino- americanos. O cinema e as novelas mexicanas, os jornais impressos sensacionalistas, a música periférica brasileira que tomou as ruas do país – são exemplos de identificação e mediação popular na América Latina. No final do século XX, quando a hegemonia norte americana disseminou seu estilo de vida pelo planeta, os latino-americanos se submeteram a onda uma de dominação, cujos rastros podem ser vistos na miscigenação cultural predominante. Durante entrevista para o programa de entrevistas Roda Viva, em 2003, Jesus Martín-Barbero (2003) deixa claro que “o popular não é algo externo ao massivo, mas sobrevive dentro dele. Na sociedade de massas são massivos o sistema de educação, as formas de participação política, os modelos de consumo e até a religião”. 14 REFERÊNCIAS ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ARAGÃO, L. M. de C. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. São Paulo: Tempo Brasileiro, 1992. FONSECA, F. I. Comunicação. In: Enciclopédia Verbo. Lisboa: Edição Século XXI, 1998. FREITAG, B. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1998. FREIXO, M. J. V. Teorias e modelos de comunicação. Lisboa: Instituto Piaget, 2006. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. JESUS Martín-Barbeiro. Roda viva, 2003. Entrevista. Disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/62/mart%EDn- barbero/entrevistados/jesus_martinbarbero_2003>. Acesso em: 29 maio 2019. MARCONDES-FILHO, C. Até que ponto de fato nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2007. MARTÍN-BARBERO, J. 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