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LFB – 09/05/2023 1 FPM VII – GASTRO DIARREIA CONSIDERAÇÕES INICIAIS O hábito intestinal normal varia de 1-2 evacuações por dia (3x por semana a 3x por dia), mas deve-se atentar ao que é normal para a pessoa individualmente. A defecação é controlada pelo sistema nervoso central (voluntário e involuntário). O cólon tem três funções importantes, que consistem em reabsorção de água, manutenção de grande população de bactéria intraluminal e controle da eliminação de fezes. DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA Diarreia pode ser definida pelo aumento do peso das fezes, da quantidade da parte líquida ou da frequência de evacuações, ou > 200 g ou 200 ml / 24 horas, ou fezes líquidas > 3x em 24 horas. Ocorre por excesso de fluidos tanto por secreção anormal quanto por absorção anormal. A disenteria é um sinal, e não uma doença, e consiste em fezes sanguinolentas, com muco, e associadas ao tenesmo. Trata-se de uma importante causa de morbimortalidade em menores de 5 anos em países em desenvolvimento, além de uma das principais causas de mortalidade em menores de 6 meses, sem aleitamento materno. No Brasil, houve uma redução grande da mortalidade por diarreia em crianças. A diminuição de casos está relacionada a melhora nas condições de saneamento e na qualidade da água, além de aumento na duração da amamentação total e exclusiva, redução na prevalência de desnutrição e melhora no acesso à assistência à saúde com o uso da terapia de reidratação oral. CLASSIFICAÇÃO Pode ser classificada em osmótica, secretória, exsudativa, motora e invasiva. OSMÓTICA Na diarreia osmótica temos grande quantidade de moléculas hidrossolúveis, levando a retenção osmótica no lúmen intestinal. Bactérias podem fermentar o açúcar, o que leva a formação de gazes e diminuição do pH das fezes, podendo causar até mesmo dermatite (assaduras). Tem como causas o uso de laxativos, má absorção de carboidratos, deficiência de lactose. SECRETÓRIA Trata-se de um aumento de secreção intestinal de água e eletrólitos, principalmente os ânions cloreto e bicarbonato. Esse aumento pode ser causado por presença de vírus, enterotoxinas bacterianas, como Vibrio cholerae e Escherichiacoli, neoplasias que produzem hormônios gastrointestinais (VIP), síndrome de Zollinger-Ellinson, ácidos graxos de cadeia longa (esteatorréia), ácidos biliares (ressecção ileal) e catárticos, derivados da antraquinona. A desidratação ocorre rapidamente. Cursa com maior volume fecal (> 10 ml/kg/h), com sódio fecal elevado (> 70 mEq/L) e osmolalidade fecal na diarreia secretora é < ou = 100 mOsm/kg. EXSUDATIVA Exsudação de proteínas do soro, sangue, muco ou pus, a partir de áreas inflamadas, de doenças ulcerativas ou infiltrativas, aumenta o volume fecal e causa diarreia. Tem como causas doenças inflamatórias intestinais, neoplasias intestinais, colite induzida por antibióticos e parasitose (giardíase). MOTORA O aumento da peristalse causa inadequada mistura do alimento com as enzimas digestivas, como no hipertireoidismo e Sd. do intestino irritável. Há pouco contato com a superfície absortiva, por ressecção intestinal ou fístulas enteroentéricas. INVASIVA Produz lesão da célula epitelial do intestino e impede a absorção de nutrientes. As bactérias invadem a mucosa e podem chegar à submucosa, com consequente aparecimento de sangue e leucócitos nas fezes (> 5 leucócitos por campo). Está relacionada com a presença de Shigella, Salmonella, Campylobacter. DIAGNÓSTICO Idade, sexo, duração e se é alta (intestino delgado) ou baixa (intestino grosso). ANAMNESE a. Características do início da diarreia: congênita, início abrupto ou gradual; b. Padrão de diarreia: contínua ou intermitente; c. Duração do sintoma: aguda ou crônica; d. Fatores epidemiológicos: viagens antes do início da diarreia, exposição a alimento ou água contaminada LFB – 09/05/2023 2 FPM VII – GASTRO e doenças em membros da família ou em pessoa da relação do paciente, comunidade ou hospitalar; e. Características das fezes: aquosas, sanguinolentas (misturado com as fezes ou após evacuar) ou esteatorréia; f. Presença ou ausência de incontinência fecal; g. Presença ou ausência de dor abdominal e sua característica; h. Dor abdominal: doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável e isquemia mesentérica; i. Perda de peso: desidratação, diminuição da ingesta para tentar diminuir o sintoma. A perda de peso acentuada pode estar relacionada a má-absorção, neoplasia ou isquemia; j. Fatores agravantes, como alimentação ou estresse; k. Fatores de melhora, como alterações na alimentação ou remédios; l. Resultados de exames já realizados; m. Fatores iatrogênicos - História pregressa de ingestão de medicações, radioterapia e cirurgias; n. Diarreia factícia, provocada pela ingestão de laxantes, deve ser considerada em todo paciente com o sintoma. Ela está, geralmente, associada a desordens na alimentação, ganhos secundários ou antecedentes de simulação de doença; o. Presença de doença sistêmica: hipertireoidismo, diabetes melito, doenças do colágeno, doenças inflamatórias, neoplasias ou síndrome da imunodeficiência adquirida. DIARREIA AGUDA E CRÔNICA A diarreia aguda (infecciosa) tem período de 0-2 semanas (raramente 6-8 semanas). A diarreia persistente dura >14 dias, e a diarreia crônica > 4 semanas. CLASSIFICAÇÃO OMS 5 PASSOS PARA AVALIAÇÃO DA DIARREIA A DIARREIA EXISTE MESMO? É necessário descartar incontinência (perda involuntária das fezes) por meio da anamnese e toque retal, além de pesquisar a impactação fecal devido a LFB – 09/05/2023 3 FPM VII – GASTRO constipação fecal, que leva a distensão retal e alargamento do esfíncter anal interno (aumenta secreção nessa região). USO DE DROGAS QUE CAUSAM DIARREIA É muito importante avaliar o tempo de início da medicação e da diarreia, buscando por efeitos dos antiácidos, suplementos de magnésio, antibióticos, inibidores de bomba de próton, inibidores seletivos da receptação de serotonina, anti-inflamatório não esteroidal. A cafeína aumenta secreção intestinal, pois aumenta os níveis intracelular de monofosfato de adenosina cíclico. Os antibióticos alteram a flora intestinal, aumentam a fermentação devido à má absorção de carboidratos, e podem levar a infecção por Clostridium difficile. Os anti-inflamatórios e micofenolato de mofetil podem levar a inflamação intestinal. Por fim, após quimioterapia podemos encontrar danos às criptas, diminui absorção de água e apoptose dos enterócitos. DIARRÉIA AGUDA X CRÔNICA A diarreia aguda tem duração < 2 semanas e geralmente apresenta causa infecciosa e autolimitada. Realiza-se investigação laboratorial e das fezes, se imunocomprometidos, se > 65 anos, desidratação severa, presença de sangue nas fezes, febre, dor abdominal severa, uso recente de antibiótico, suspeita de doença inflamatória intestinal, trabalhador que manuseia a comida e se crianças < 3 meses. Já a diarreia crônica tem duração > 4 semanas e necessitam investigação. DIARRÉIA INFLAMATÓRIA, GORDUROSA E AQUOSA DIARREIA INFLAMATÓRIA Apresenta episódios frequentes e de pequeno volume, com presença de sangue nas fezes, além de tenesmo, febre, dor abdominal severa. Ao exame de fezes observa-se a presença de leucócitos e proteínas leucocitárias (calprotectina ou lactoferrina), em que a calprotectina <50 – nl, > 150 causa orgânica. Pode apresentar aumento de PCR e VHS e queda de albumina. Está relacionada a DII, colite isquêmica, infecção (C. difficile, CMV, Tb, Entamoeba histolytica), e a conduta consiste em sigmoidoscopia ou colonocoscopia. DIARREIA GORDUROSA Relacionada a perda de peso, fezes gordurosas (“pegajosas”) e presença de óleo no vaso sanitário. O teste de Sudan detecta gordura nas fezes (na maioriados casos). Por definição, ao ingerir 100 g de gordura há a esteatorreia, que leva a eliminação de 7 gramas de gordura em 24 horas. Tem como causas a má absorção (transporte inadequado da mucosa), como o que acontece na doença celíaca (dosagem de IgA total e anti-transglutaminase IgA), e a má digestão por defeito da hidrólise dos triglicerídeos devido a insuficiência exócrina pancreática, como na pancreatite crônica ou função anormal exócrina do pâncreas, e a concentração inadequada de bile no duodeno, como na cirrose ou supercrescimento bacteriano no intestino delgado – SIBO. Na endoscopia realiza-se biópsia de intestino delgado para avaliar doença celíaca e aspirado do intestino delgado detecta supercrescimento de bactérias, que causa desconjugação dos ácidos biliares e baixa concentração de bile. O teste de respiração de hidrogênio detecta o supercrescimento de bactérias, e os fatores predisponentes de SIBO são estase intestinal, acloridria, insuficiência pancreática ou imunodeficiência. Se excluída causa do intestino delgado é preciso realizar TC ou US endoscópico para avaliar pancreatite crônica. Já se pâncreas normal é necessário avaliar função exócrina do pâncreas. Comprova-se o diagnóstico com TESTE DE SUDAN Quando positivo, é necessário diferenciar entre má absorção e má digestão, isso é, é no pâncreas ou no intestino delgado? LFB – 09/05/2023 4 FPM VII – GASTRO tratamento empírico com enzimas pancreáticas. Uma observação: pode também solicitar elastase fecal na suspeita de pancreatite. DIARREIA AQUOSA Pode ser dividida em secretória, que há alteração do transporte de eletrólitos pelo epitélio e a diarreia não altera com o jejum e osmótica, em que há a ingestão de íons que são pouco absorvíveis (laxantes, antiácidos) e açúcares (pouco absorvíveis – intolerância à lactose ou álcoois de açúcar – manitol, sorbitol) e o volume de fezes diminui com o jejum. Elas se diferenciam através do cálculo do GAP osmótico fecal. DIARREIA OSMÓTICA O pH fecal determina se a diarreia osmótica é secundária a baixa absorção de carboidratos. As bactérias fermentam carboidratos em ácidos graxos de cadeia curta. O pH fecal < 5,6 resulta em baixa absorção de carboidratos. DIARREIA SECRETÓRIA Secreção de íon ou inibição da absorção. Tem como causas a infecção (diarreia aguda), tumores endócrinos secretores de peptídeos (<1%, gastrinoma), má absorção de ácidos biliares, doença inflamatória intestinal, alteração neurológica (pós vagotomia, neuropatia diabética), neoplasias (linfoma, carcinoma de cólon, adenoma viloso) e diarreia secretória idiopática. DIARREIA FACTÍCIA - QUANDO CONSIDERAR? A maior causa é a ingestão de laxantes, sendo responsável por 15% dos pacientes que procuram por causa de diarreia. Pensar em diarreia factícia quando não encontramos uma causa após avaliação, principalmente em mulheres com alto poder aquisitivo que trabalham na área da saúde. Fazer exames complementares como osmolaridade, endoscopia, pesquisa de laxantes nas fezes e urina. Segundo a OSM > 600 (soluções hipertônicas) e < 290 (não é possível ser menor que a plasmática) é factícia. Na colonoscopia, presente pseudo-melanose colônica. Apresenta descoloração acastanhada da mucosa causada pelo acúmulo de lipofuscina em macrófagos da lâmina própria, secundário ao uso de laxantes de antraquinona, chá verde. CONDUTAS PARA DIARREIA AGUDA 1. A maioria dos episódios de diarreia aguda é autolimitado; 2. A cultura de fezes é positiva em uma minoria de episódios; 3. A maioria das cepas de Escherichia coli, Salmonela e Shigella é sensível às quinolonas; 4. A probabilidade de infecção por Shigella é expressiva, quando há hematoquesia; 5. Em indivíduos imunocompetentes, a evolução do quadro clínico de Shigellose, mas não de Salmonellose, é influenciada, favoravelmente, pela administração de antimicrobianos; 6. O risco para a síndrome hemolítico/urêmica é elevado, quando se administram antibióticos a portadores de Escherichia coli O157 H7 (portadora do bacilo de Shiga); 7. O uso de antibióticos contribui para o desenvolvimento de cepas de microrganismos resistentes, implica em risco de iatrogenia e de colite pseudomembranosa; 8. As manifestações da infecção pelo Campylobacter jejuni são abreviadas pela administração de eritromicina. A grande maioria se beneficiará apenas com a hidratação, que pode ser domiciliar em casos de desidratação leve, moderada, que necessita de atendimento de urgência ou grave, que requer internação. DIARREIA AGUDA Se febre e presença de sangue nas fezes deve-se avaliar possibilidade de bactérias enteropatogênicas (Salmonella, Shiguella e Campylobacter), avaliar viagens, exposição a comida contaminada, avaliar desidratação, hemoculturas para crianças < 3 meses, pacientes sépticos e possibilidade de bactérias invasivas, além de colher coprocultura. AIDS: Cryptosporidium, Cyclospora, Cystoisospora, microsporidia, Mycobacterium avium complex, and cytomegalovirus (strong, moderate) Considerar antibiótico em diarreias invasivas ou muito prolongadas. Doença severa; diarreia sanguinolenta; febre; >6 dejecções/d; duração > 48h; dor abdominal severa; antibioterapia; idade > 70 anos ou imunodeprimidos. LFB – 09/05/2023 5 FPM VII – GASTRO Probióticos – Lactobacillus GG and Saccharomyces boulardi – efeito benéfico – estudos em países desenvolvidos. Manter dieta usual, com fibras e gordura. Complicações de diarreia aguda Depleção de volume
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