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APOSTILA - HISTÓRIA E TRADIÇÕES RELIGIOSAS

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Prévia do material em texto

História e Tradições 
Religiosas
Professora Me. Laís Azevedo Fialho
APRESENTAÇÃO 
Professor Me. Laís Azevedo Fialho 
 
● Mestre em História, Cultura e Narrativas (Universidade Estadual de 
Maringá). 
● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (Universidade 
Estadual de Maringá). 
● Licenciada em História (Universidade Estadual de Maringá). 
● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV). 
● Professor Conteudista na UniFatecie. 
● Experiência como professora de História da Rede básica de Educação 
em 2016. 
● Atuou como Pesquisadora Bolsista Capes em 2018 e 2019. 
● Coordenou e organizou diversos Projetos de Extensão abordando as 
Religiões e Religiosidades Afro-brasileiras, na Universidade Estadual de 
Maringá, entre 2015 e 2019. 
● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da 
Universidade Estadual de Maringá (LERR/UEM). 
● É integrante do Coletivo Yalodê-badá. 
 
Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase 
nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias Anti-racistas. 
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO DA APOSTILA 
 
Seja muito bem-vindo(a)! 
Prezado(a) estudante(a), iniciamos agora uma jornada pelo mundo das 
ideias, crenças, práticas religiosas e religiosidades. Se você chegou até aqui já 
é motivo de muita alegria, denota seu interesse pelo tema. Espero que 
possamos construir juntos esse processo formativo. Tais conteúdos foram 
pensados para aperfeiçoar sua formação na área de História das Religiões e 
Tradições Religiosas. 
Nosso debate parte de categorias analíticas, e apontamentos teóricos 
produzidos nas Ciências Humanas, desenrolando-se no debate científico 
contemporâneo, de modo interdisciplinar. Nosso objetivo instrumentalizar o(a) 
leitor(a) para compreender a historicidades das práticas, crenças e discursos 
religiosos. Analisando-os em seu contexto histórico, social, político e 
econômico, além de percebê-los dentro de uma lógica própria do fenômeno 
religioso. 
Na unidade I trataremos dos mitos. Buscaremos estabelecer as disputas 
conceituais em torno dos mitos cosmogônico e os mitos de origem. 
Apresentaremos os tipos de mitos conceituados no campo de estudo das 
religiões e religiosidades e algumas possibilidades de abordagens teóricas 
metodológicas das mitologias na pesquisa científica e docência. De modo 
didático selecionamos também algumas narrativas mitológicas que fazem parte 
da cultura brasileira para narrá-las em diálogo com os conceitos. 
Já na unidade II pensaremos os símbolos. Vamos estabelecer as 
disputas conceituais em torno desse objeto nas Ciências Humanas. 
Analisaremos de que modo tem sido sistematizado o estudo dos símbolos no 
campo das religiões e religiosidades. Apresentaremos algumas possibilidades 
de abordagens teórico metodológicas para o uso dos símbolos na pesquisa 
científica e no âmbito escolar. 
Depois, nas unidade III e IV vamos pensar as histórias da/de fé e os 
ritos, partindo da mesma abordagem. Ou seja, conceituando-os de modo 
interdisciplinar e apresentando possibilidades de abordagens teórico-
metodológicas e pedagógicas. 
Me alegro com a sua participação nesse processo e reforço o convite 
para que que realize o exercício da reflexão juntamente comigo sobre tantos 
assuntos abordados no presente material. Esperamos contribuir para seu 
crescimento pessoal e profissional. 
 
Muito obrigada e bom estudo! 
 
UNIDADE I 
MITO FUNDADOR 
Professora Me. Laís Azevedo Fialho 
 
Plano de Estudo: 
• Mitos - Sentidos e significações, algumas conceituações do termo. 
• Mitos Cosmogônicos e Mitos de Origem, definições e disputas. 
• Os mitos e as possibilidades de abordagens teórico-metodológicas na pesquisa e 
docência. 
• Mitos Afro-brasileiros e Indígenas no âmbito escolar. 
 
Objetivos de Aprendizagem: 
• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos mitos cosmogônico e os mitos de 
origem, bem como de suas funções e estruturas. 
• Identificar os tipos de mitos conceituados no campo de estudo das religiões e 
religiosidades. 
• Apresentar as possibilidades de abordagens teórico metodológicas das mitologias na 
pesquisa científica e docência. 
• Conceituar e contextualizar algumas narrativas mitológicas que fazem parte da cultura 
brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Olá, estudante da disciplina de História e Tradições Religiosas. Fico muito feliz 
em compartilhar com você esse conteúdo que foi produzido pensando unicamente no 
seu processo de formação. Essa disciplina é bastante significativa, espero que ela 
proporcione ferramentas teórico-metodológicas relevantes para sua atuação como 
pesquisador(a) e/ou educador(a). Proponho que esse seja um espaço de partilha e 
aprendizado. Convido você para essa imersão no mundo dos mitos e das diversas 
explicações possíveis sobre a origem do mundo e das coisas que ele contém. 
Considerando a relevância do estudo dos mitos para a disciplina de História e 
Tradições Religiosas, organizamos esta unidade com o objetivo de estabelecer as 
disputas conceituais em torno do mito, compreendendo os tipos de mitos conceituados 
no campo de pesquisa especializado, e conceituando e contextualizando algumas 
narrativas mitológicas que fazem parte da cultura brasileira. Para isso, apresentaremos 
alguns conceitos e definições sobre os mitos cosmogônicos e os mitos de origem, bem 
como das suas estruturas e funções. Iremos também elencar algumas possibilidades 
teórico-metodológicas para adotar o mito como objeto ou fonte de uma pesquisa 
historiográfica. Além disso, apresentaremos, também, modos de se utilizar a mitologia 
como recurso educativo no âmbito escolar. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 MITOS - SENTIDOS E SIGNIFICAÇÕES, ALGUMAS CONCEITUAÇÕES DO 
TERMO 
 
 No presente tópico buscamos refletir sobre os estudos dos mitos nas Ciências 
Humanas e os múltiplos sentidos e significações para esse conceito. Mais do que 
elaborar um panorama da historiografia especializada, sistematizamos diversas 
abordagens, produzidas em diferentes tempos, espaços e culturas. Iremos explorar 
algumas correntes teóricas passando por pesquisadores conceituados do tema, que 
balizam até o presente momento as noções conceituais de mito. O filósofo Ernst 
Cassirer, autor clássico desse objeto, explica que a noção de linguagem é considerada 
um dos primeiros modos de representação e comunicação entre os seres humanos no 
período pré-histórico. A pintura e a gravura seriam tidas, em seguida, como modos de 
fixar essas representações. Por conseguinte, o mito passa a ser componente da 
relação entre o homem com o meio social. 
 
A linguagem e o mito são parentes próximos. Nos primeiros 
estágios da cultura humana, sua relação é tão íntima e sua 
cooperação tão óbvia que é quase impossível separar um do 
outro. São brotos diferentes de uma mesma raíz. Sempre que 
encontramos o homem, vemo-lo em possessão da faculdade da 
fala e sob a influência da função de fazer mito (CASSIER, 2001, 
p. 181). 
 
Em uma sociedade sem escrita, marcada pela oralidade, a memória coletiva 
torna-se um cantar mítico da tradição. Obedece, em geral, a três princípios: diz respeito 
aos anos de existência coletiva do grupo, que se funde nos mitos de origem (idades do 
ouro, prata, bronze e ferro etc.); relaciona-se às genealogias, manifestando a 
autoridade dos grupos dominantes; e conecta-se aos saberes técnicos, transmitidos 
por fórmulas práticas mescladas à magia religiosa. Nesse sentido, o aparecimento da 
escrita foi um dos fatores fundamentais na transformação da memória coletiva. Cassier 
(2001) destaca em sua análise a relação entre mito e religião e como essas estruturas 
interferem na existência do homem e no desenvolvimento de suas atividades 
cotidianas. 
Eliade (1972), mitólogo reconhecidoem nosso campo, denomina os homens do 
período sem escrita como arcaicos ou primitivos. Nesse conteúdo utilizaremos tais 
 
palavras sem valoração moral, mas como reprodução da categoria histórica que o 
pesquisador adota. Conforme o historiador, o mito é muito importante nas sociedades 
arcaicas, porque ensina as "histórias" exemplares que fundaram sua existência. 
Demonstra os eventos míticos que afetam sua noção de si e forma de estar no Cosmo. 
Nesse sentido, o homem arcaico sente a necessidade não somente de conhecer os 
mitos de sua sociedade, mas também de reatualizá-los. Essa seria, para o autor, uma 
diferença fundamental entre o homem arcaico e o homem moderno, a possibilidade de 
reviver uma temporalidade. Um tempo mítico existiria somente para o primeiro, 
enquanto o segundo estaria condicionado ao tempo histórico: “o ritual abole o tempo 
profano, cronológico, e recupera o tempo sagrado do mito. Torna o homem 
contemporâneo das façanhas que os deuses efetuaram in illo tempore” (ELIADE, 1972, 
p. 124). 
Era uma prática do homem arcaico distinguir narrativas míticas de fabulações 
sem valor sagrado. A legitimidade atribuída à algumas narrativas as diferenciavam de 
outras a partir do que era considerado verdadeiro no discurso, admitindo que o próprio 
discurso cria realidades. Assim, o mito é fruto de uma produção coletiva, que pertence 
a toda uma comunidade. O fato de ouvintes aceitarem uma narrativa demanda estarem 
adequadas a um conjunto de ideais do público. A audiência torna-se coautora da 
fabulação mítica, porque, sem ela, não teria valoração (ELIADE, 1972). 
Conforme Eliade (1972), os mitos do politeísmo euroasiático, que são as 
primeiras civilizações históricas, demonstram um interesse progressivo pelo que se 
passou depois da criação do mundo e do homem. O interesse passa a se concentrar 
no que aconteceu com os deuses, ao invés do que eles criaram. O historiador destaca 
que sempre se evidencia o “criador” nas sagas divinas, mas que paulatinamente é a 
sequência dos episódios e não mais o resultado dessa aventura o que mais interessa. 
 
As inumeráveis aventuras de Baal, de Zeus, de Indra ou de seus 
colegas nos respectivos panteões, representam os temas 
mitológicos mais "populares". Mencionemos igualmente os mitos 
dos jovens Deuses que morrem assassinados ou por acidente 
(Osiris, Tamuz, Atis, Adônis, etc.) e algumas vezes ressuscitam, 
ou de unia deusa que desce aos Infernos (Ishtar), ou de uma 
Donzela divina que é forçada a descer ao Hades (Perséfone) [...] 
As grandes mitologias — consagradas por poetas como Homero 
e Hesíodo e pelos bardos anônimos do Mahâbhârata, ou 
 
elaboradas pelos ritualistas e pelos teólogos (como no Egito, na 
Índia e na Mesopotámia) — são cada vez mais solicitadas a 
narrar os gesta dos Deuses. E, em determinado momento da 
História, sobretudo na Grécia e na Índia, mas também no Egito — 
uma elite começa a perder o interesse por essa história divina e 
chega (como na Grécia) a não acreditar mais nos mitos, embora 
pretendendo ainda acreditar nos deuses (ELIADE, 1972, p. 87). 
 
 Em Heródoto, grego erudito nascido no século V a.C. e considerado pai da 
História, é encontrada algumas menções ao conceito mythos (mito). Marcel Detienne 
(1992, p. 97) nos diz que: “A palavra mito é empregada duas vezes nos nove livros do 
rapsodo viajante a quem os historiadores mais convictos atribuem, hoje como outrora, 
a paternidade de seu saber”. 
A sua primeira citação diz respeito a reflexões em torno das fontes do Rio Nilo e 
suas inundações. No contexto de elaboração de tais noções, Heródoto estava frustrado 
com a falta de informações dos sacerdotes egípcios sobre as nascentes e a formação 
do Nilo. Buscando entre os próprios gregos, pessoas sábias que detivessem aquele 
conhecimento, encontrou algumas versões. Duas delas, segundo Heródoto, nem 
mereciam discussão, uma tentava demonstrar que as cheias do Nilo ocorriam devido 
aos “ventos estivais”, que desviariam as águas, impedindo-as de desaguarem no mar. 
A outra, adotava a ideia de que a Terra estaria envolta pelo mar Oceano e que o Nilo 
estaria sujeito às enchentes, porque vem do Oceano. Ao negar essas explicações, 
Heródoto afirma que recorrem a uma fábula (mythos) obscura e não mereciam sequer 
serem refutadas. “Por mim, não conheço rio algum que se possa denominar Oceano, e 
penso que Homero ou algum outro poeta mais antigo, tendo inventado esse nome, 
introduziu-o na poesia” (HERÓDOTO, 2001, p. 23). 
O mito era, para os gregos do período, recorrentemente associado a algo 
fabuloso e poético, como o que não pode ser visto, investigado e comprovado. Sobre 
isso, o historiador Hartog (2003, p. 37) afirma o seguinte: “Como reconhecer e rejeitar 
um mythos? Usando uma noção de eikós (plausível, provável) como ferramenta crítica, 
de modo geral, o termo eikós ajudava a escolher entre diferentes versões propostas 
e proporcionava um meio de organizar a lógica da narrativa”. Para Heródoto, as 
fronteiras entre os termos mythos e lógos não eram totalmente delimitadas. Nota-se, 
em suas histórias, a significação da lógos como narrativa, em oposição a mythos 
 
(fábula, mentira, discurso enganoso). Contudo, ao criticar Hecateu de Mileto, autor das 
Genealogias, denomina-o como logopoiós (fazedor de lógos): “Assim fala (mytheitai) 
Hecateu de Mileto: escrevo isso como me parece ser verdadeiro; pois os relatos 
(lógoi) dos gregos são, como me parecem, muitos e ridículos” (HARTOG, 2003, p. 
41). 
Quando Heródoto utiliza o termo logopoiós para fazer uma crítica a Hecateu, 
assim como o fez também com Esopo, os designa como fazedores de mitos. Isso 
demonstra que, para o historiador grego, a divisão entre os dois termos não era bem 
definida – mythos e lógos – e que o sentido empregado dependia de outros fatores e 
contexto ao qual ele referia-se. Cabe destacar que a escrita de Heródoto está situada 
no período de transição entre o mythos e o lógos. Os sentidos atribuídos aos mitos, por 
Heródoto, e essa linha tênue sustentada por ele com o lógos, devem ser localizados 
em seu momento histórico (entre 480/420 a.C.), de efervescência cultural, e 
relacionados à mentalidade grega do século V, na qual incidia a herança do imaginário 
social dos helenos. 
 
[...] nas investigações de Heródoto, o mito também não é um 
objeto; é apenas um simples resto, às vezes rumor excitado, 
palavra de ilusão, sedução enganadora, às vezes narrativa 
incrível, discurso absurdo, opinião sem fundamento. O mito 
permanece apenas uma palavra, como um gesto apontando o 
que ele denuncia como incrível, o que ele repele ou descarta 
(DETIENNE, 1992, p. 101-102). 
 
No final do século V, o mito encontra o seu estudioso mais intransigente. 
Tucídides, que viveu entre 460 e 400 a.C., e sendo historiador, registrou a Guerra do 
Peloponeso, se posiciona duramente contra o mito. Mesmo que o autor continuasse 
reproduzindo narrativas épicas em seus escritos e apresentasse resquícios dos 
poemas homéricos, no discurso que demonstra sua metodologia de pesquisa ele 
descredibiliza o mito. 
 
A luz da evidência apresentada até agora, todavia, ninguém 
erraria se mantivesse o ponto de vista de que os fatos na 
antigüidade foram muito próximos de como descrevi, não dando 
muito crédito, de um lado, às versões que os poetas cantaram, 
adornando e amplificando os seus temas, e de outro 
considerando que os logógrafos compuseram as suas obras mais 
 
com a intenção de agradar aos ouvidos que de dizer a verdade 
uma vez que suas estórias não podem ser verificadas, e eles em 
sua maioria enveredaram, com o passar do tempo, para a 
região da fábula (mythos), perdendo, assim, a credibilidade 
(apístos) (TUCÍDIDES, 2001, p. 21). 
 
 Refletindo sobre o processo histórico de desmitificação, o Mitólogo Mircea Eliade 
(1972) aponta que os gregos são os primeiros na história das religiões a 
progressivamente buscar esvaziar o mitode seu caráter religioso. Para demonstrar tal 
afirmação, ele aponta alguns trabalhos de Xenófanes, filósofo grego pré-socrático que 
viveu entre 565 e 470 a.C. “Em contraposição ao logos; assim como, posteriormente, a 
história, o mythos acabou por denotar tudo o que não pode existir realmente” (ELIADE, 
1972, p. 6). 
O autor chama a atenção para o fato histórico de que nas culturas arcaicas já 
haviam mitos despojados de um significado religioso, transformados em lendas ou 
contos infantis. Contudo, destaca que nessas sociedades muitos mitos continuavam 
vivos. Para ele, é diferente do que ocorreu na Grécia dos pré-socráticos, marcado por 
um fenômeno cultural ordenado e seus incontáveis desdobramentos. O historiador 
aponta que esse processo impossibilitou que as mitologias representassem para as 
suas elites algo que haviam representado para os seus antepassados. Isso porque as 
elites citadas não procuravam mais o “essencial” em uma narrativa dos Deuses, mas 
sim em uma situação primordial. Ou seja, os gregos passaram a buscar suas 
explicações de mundo em um constante “voltar atrás”. Progressivamente substituíram 
seus rituais pela força do pensamento. “Pode-se dizer que as primeiras especulações 
filosóficas derivam das mitologias: o pensamento sistemático esforça-se por identificar 
e compreender o ‘princípio absoluto’ de que falam as cosmogonias” (ELIADE, 1972. p. 
81). 
No século XIX, período marcado pela difusão de noções iluministas surgidas no 
século anterior, os intelectuais ocidentais passaram a conceber o mito por uma 
perspectiva que contrasta sensivelmente com a do século XVIII. Esse período também 
se destaca por essa modificação dos significados atribuídos à mitologia. Nesse 
momento, o mito passa a ocupar o lugar de uma história verdadeira, exemplar, 
primordial e singular por seu caráter sagrado, e não mais como fábula, invenção ou 
 
ficção, como era considerada por eruditos do século anterior influenciados também 
pela filosofia grega. 
Para os Historiadores da Religião da contemporaneidade, o mito conta uma 
história verdadeira, sagrada e que dá sentido à existência humana. A sua função ética 
norteia o sujeito social em sua interpretação da vida e sua interação com seu meio. 
Assim, os especialistas comumente reforçam que o mito é uma realidade cultural 
extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de 
perspectivas múltiplas e complementares. Alguns são enérgicos ao dizer que não se 
deve incorrer no erro de considerar o mito uma fábula, uma mentira ou mesmo algo 
primitivo. Para eles, por mais que o mito tenha surgido em tempos longínquos, caminha 
conjuntamente com a ética que é o lhe atribui significado e valor em uma realidade 
social. Apontam que um mito não seria norteador de um grupo social se não lhe fosse 
atribuído sentidos próprios daqueles que o compõem. 
Joseph Campbell (1990), pesquisador famoso por seus estudos sobre mitologia 
e história comparada, defende que os mitos em geral, independente da cultura em que 
são produzidos, apresentam uma estrutura comum, com semelhanças marcantes. À 
essa busca por comunalidades o autor conceitua como monomito. Considerando essa 
categoria teórico-metodológica que admite os arquétipos do herói, o pesquisador 
analisa sua convocação para a jornada de aventuras, sua aproximação com o velho 
sábio, a prova heroica e as incumbências e o grande desafio final. Veremos nos tópicos 
seguintes, de modo um pouco mais detalhado, como se dá o estudo das mitologias 
comparadas. 
A história das religiões é bastante interdisciplinar por considerar outras áreas do 
conhecimento importantes para noções conceituais dos nossos objetos. Se, para 
realizar uma pesquisa em História, utiliza-se principalmente métodos formulados por 
outros historiadores – no trato com as fontes, na análise documental, na construção da 
narrativa –, do ponto de vista teórico, temos mais abertura para dialogar com outros 
campos das Humanidades. Digo isso para justificar o recorte em que trago Carl Gustav 
Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, que fundou a psicologia analítica e dedicou-se 
também aos estudos dos mitos. Para ele, os mitos são um conjunto de símbolos 
inventados inconscientemente. O pesquisador postula que eles são moldados 
 
conforme o seu uso na vida dos indivíduos, a partir de uma elaboração racional e 
também emocional. Os indivíduos em grupos sociais, relacionando suas ambições e 
significações, estão sempre à mercê dos mitos e símbolos que são gerados nesse 
processo (JUNG, 2008). 
Já Roland Barthes (2001), crítico literário francês, admite o mito não como um 
objeto encerrado em si, uma ideia, mas como um modo de significação. Ou seja, ele 
defende que o material do mito demanda um significante consciente, e por ele 
raciocina-se ao enquanto desconsidera-se sua substância, compondo um modelo 
integrado por três dimensões: o sinal, o significante e o significado. 
Não seria possível nos debruçar profundamente no que cada um desses autores 
produziu sobre os mitos ou o modo como atribuiu sentido a eles. Contudo, buscamos 
demonstrar nesse tópico como existe um longo e amplo debate em torno do mito e 
como é possível se apropriar de noções teóricas distintas quando falamos de mitologia. 
O historiador das religiões tem um rico e amplo campo de pesquisa quando considera 
as minúcias, as diferenças e semelhanças no modo como o mito foi significado em 
diversas culturas e sociedades, além da forma como os próprios teóricos adotam esse 
vocábulo como categoria analítica. Em geral, é consenso no nosso ofício postular que o 
mito é um conjunto de representações que fundamentam um modelo de vida, um 
modelo que define o que é sucesso, o que é reconhecimento e o que realmente vale a 
pena. Essa esfera de influências é passível de ser mitologizada, como afirma Campbell 
(1990). 
No próximo tópico continuaremos nossos estudos buscando entender um pouco 
melhor as estruturas e tipologias dos mitos. Será que em pleno século XXI os mitos 
continuam sendo relevantes para entender a cultura humana? Te convido a fazer essas 
reflexões comigo nos próximos tópicos. 
 
SAIBA MAIS 
“As narrativas da criação de Pandora e de Eva têm como elemento central a produção 
de um corpo. Mas, se a carne é o traço significativo para a compreensão do corpo da 
mulher na narrativa cristã, o mesmo não acontece na narrativa hesiódica. Nesta, o 
corpo da mulher não é criado, mas fabricado, e, para sermos precisos, é fabricado sob 
 
encomenda por Zeus, a fim de ‘presentear’ os homens. Esse corpo vem do barro, é 
moldado como a argila por um artesão habilidoso. O fato das duas narrativas 
enfatizarem o surgimento de um corpo para fundamentar a existência de dois seres - o 
homem e a mulher - levanta a questão da relação entre corpo e gênero”. 
Fonte: Ilva e Andrade (2009, s.p.) 
#SAIBA MAIS# 
 
REFLITA 
Caro(a) estudante, você já havia parado para refletir sobre a herança grega no uso 
habitual da palavra mito como sinônimo de mentira? É comum dizer que algo é um mito 
quando na verdade se quer dizer que algo é uma fábula ou uma invenção. Quando 
estudamos história compreendemos um pouco mais sobre a bagagem histórica das 
palavras. 
#REFLITA # 
 
 
 
2 MITOS COSMOGÔNICOS E MITOS DE ORIGEM, DEFINIÇÕES E DISPUTAS. 
 
Olá, querido(a) estudante! Nesse tópico iremos estudar algumas perspectivas 
metodológicas usais para o estudo dos mitos cosmogônicos e dos mitos de origem. 
Também iremos elencar algumas posturas teóricas dentro dos estudos de Religiões e 
Religiosidades. Nesse sentido, é importante compreender que produzir um mito pode 
significar construir uma explicação fenomenológica para uma cultura, um grupo ou um 
povo, em um determinado tempo e lugar. É esse caráter que atribui historicidade às 
narrativas mitológicas, o fato de que elas ganham roupagens diferentes em tempos 
distintos, por mais que, por vezes, mantenhamalgumas estruturas fundamentais em 
comum, o que já citamos anteriomente, que Cambpell (1990) denomina como 
Monomito. 
Para o mitólogo Eliade (1972), os mitos são narrativas que explicam a origem do 
mundo e a criação de todas as coisas que ele contém, tais como a fauna, a flora, o ser 
humano. Além disso, os mitos seriam também os responsáveis por fundar os 
acontecimentos primordiais que explicam como o homem se transformou no que é nos 
dias atuais: alguém que sabe da finitude da vida, que se reproduz sexualmente, que se 
organiza em sociedade, que trabalha para sobreviver, obedece um conjunto de regras 
para organizar-se coletivamente etc. “Se o Mundo existe, se o homem existe, é porque 
os Entes Sobrenaturais desenvolveram uma atitude criadora no ‘princípio’.” (ELIADE, 
1972, p. 13). 
Conforme o pesquisador, após a criação do cosmos, do ser humano e dessa 
realidade, denominada como cosmogonia, sucederam outros episódios míticos que 
fundamentam diretamente a condição humana. Ou seja, a partir dessa compreensão, o 
ser humano, tal como o conhecemos hoje, é fruto de episódios que o antecederam, que 
ocorreram em um tempo primordial e exemplar. Esses eventos são o motivo pelo qual 
o homem é um ser mortal, por exemplo: 
 
Ele é, mortal porque algo aconteceu in illo tempore. Se esse algo 
não tivesse acontecido, o homem não seria mortal — teria 
continuado a existir indefinidamente, como as pedras; ou poderia 
mudar periodicamente de pele, como as serpentes, sendo capaz, 
 
portanto, de renovar sua vida, isto é, de recomeçá-la 
indefinidamente. Mas o mito da origem da morte conta o que 
aconteceu in illo tempore, e, ao relatar esse incidente, explica por 
que o homem é mortal (ELIADE, 1972, 13). 
 
Conforme a teoria defendida pelo historiador, existem distinções entre os mitos 
cosmogônicos e os mitos de origem. Enquanto os primeiros buscam explicar a origem 
do universo, da vida e de quando tudo passou a existir, os outros, explicam o 
nascimento da fauna, da flora e da natureza num geral. Eliade (1972) defende que 
seria possível investigar o mito cosmogônico sem considerar a cosmogonia, mas não o 
contrário. 
Para os estudos das Religiões e Religiosidade, os mitos cosmogônicos somente 
podem ser captados em sua totalidade por meio de um foco sobre a mitologia como um 
todo, como é o caso dos itans cosmogônicos iorubanos: 
 
Olodumare-Olofim vivia só no infinito, cercado apenas de fogo, 
chamas e vapores, onde quase nem podia caminhar. Cansado 
desse seu universo tenebroso, cansado de não ter com quem 
falar, cansado de não ter com quem brigar, decidiu pôr fim àquela 
situação. Libertou as suas forças e a violência. Delas fez jorrar 
uma tormenta de águas. As águas debateram-se com rochas que 
nasciam e abriram no chão profundas e grandes cavidades. A 
água encheu as fendas ocas, fazendo-se mares e oceanos, em 
cujas profundezas Olocum foi habitar (PRANDI, 2001, p. 380). 
 
O mundo foi criado por Olorum e sua mulher Olocum. Eles tinham 
a mesma idade. Da união de Olocum com Aiê, a Terra, nasceu 
Iemanjá. Da união de Iemanjá e Aganju nasceram os outros 
deuses (PRANDI, 2001, p. 403) 
 
Nessas narrativas africanas e afro-brasileiras, catalogadas pelo sociólogo 
Reginaldo Prandi na obra Mitologia dos orixás, identificamos o mito cosmogônico em 
sua estrutura, como representação da origem da vida, do cosmo e do universo. Como o 
tempo no qual a realidade passou a existir a partir dos orixás, divindades africanas 
cultuadas pelos povo étnico-linguístico denominados como iorubas e pelos adeptos do 
culto dos orixás no Brasil. A partir dessa existência, o que se sucede é denominado 
como mito de origem e teogonia. A teogonia designa o momento mítico em que os 
deuses passam a existir em uma concepção de genealogia. Seria a junção do mito 
cosmogônico e do mito de origem. Nessa perspectiva, as divindades são criadoras e 
 
criaturas, pois compõem o Cosmos, e são classificadas, ao mesmo tempo, como 
elementos da natureza, por isso, também de origem. Desse modo, teogonia 
corresponde à uma classificação de personagens que podem criar outros seres e 
gerações. 
Se considerarmos a mitologia grega, o Caos e a Terra seriam os seres 
teogônicos e cósmicos, já que a Terra teria produzido outros deuses por defluência. 
Inicialmente por cissiparidade e em seguida por cruzamento com seu filho Céu. A terra 
representaria o assentamento dos mortais e imortais. O Caos, por sua vez, daria início 
à criação produzindo por cissiparidade Érebos e Noite. 
Conforme a Teogonia de Hesíodo e a Biblioteca de Apolodoro, Gaia (Terra) teria 
emergido do Caos e gerado, de modo espontâneo, três descendentes: Uranos (o Céu), 
as Montanhas e Pontos (o Mar). Em seguida, da união de Gaia e Uranos nasceram os 
Titãs, os Ciclopes e os Hecatonquiros. Devido ao caráter violento de seus filhos, 
Uranos os isolava e os mantinham distantes da criação, nas entranhas da Terra. 
Descontente com a condição subordinada de seus filhos, Gaia arquiteta um atentado 
contra o deus-Céu. 
 
[...], convence os Titãs que ataquem o pai e fornece a Cronos 
uma foice de aço. Eles todos, exceto Oceano, o atacaram; 
Cronos cortou os testículos do pai e os jogou no mar [...]. E 
depois de destronarem Uranos, {os Titãs} fizeram voltar do 
Tártaro os seus irmãos e entregaram o governo a Cronos 
(HESÍODO, 1996, Teogonia: L. II, 4). 
 
Conforme Eliade (1972), a mitologia grega localiza esse evento como ocorrido 
em um tempo mítico, período em que as forças celestes e telúricas se encontram pela 
primeira vez e constituem as primeiras criaturas viventes. Assim, para o mitólogo, a 
cosmogonia é anterior ao tempo, anterior a tudo, pois é exatamente o momento em que 
uma realidade passa a existir. 
 Para exemplificar sobre a estrutura dos mitos cosmogônicos utilizando mitos de 
outras culturas, elencamos a mitologia nórdica. Os mitos cosmogônicos nórdicos, 
relatados no Poema Voluspá da Edda Poética, contam que no princípio não havia nada 
além de um enorme abismo mágico e duas regiões isoladas. A primeira dela, Niflheimr, 
era representada pelo gelo e a neblina e relacionada ao mundo dos mortos de onde 
 
corriam 11 rios, a segunda, Múspel, era representada como a claridade e a luz, era 
também protegida pelo gigante Surtr. Quando o gelo de de Niflheimr derreteu devido ao 
calor de Múspel emergiu o grande Ymire, a vaca nutridora Auðhumla. Ao passo que o 
animal lambia o gelo nasciam três seres: Oðinn, Vile e Vé. Eles exterminaram o gigante 
Ymirque, ao sangrar demais, causou o afogamento de todos os gigantes. Apenas um 
deles escapou da morte, acompanhado de sua mulher, no entanto seu corpo 
desmembrado passou a constituir toda a estrutura do universo. “De sua carne 
formaram a terra, seus ossos deram origem aos rochedos, de seus cabelos foram 
formadas as nuvens; do sangue derramado surgiu o mar e do seu crânio o firmamento” 
(LANGER, 2009, p. 133). A narrativa é comparada por alguns historiadores ao mito 
bíblico da origem do Universo, registrado no livro de Gêneses. A narrativa conta que no 
princípio não havia nada, só o verbo que era Deus, e todas as coisas se formaram em 
sete dias, a partir da sua palavra. 
Ainda cabe destacar que mitos cosmogônicos que se baseiam no suplício pelo 
esquartejamento do corpo de um gigante em um tempo mítico, para origem do céu, 
terra, montanhas, rios e mares são identificados em outras culturas. Um exemplo é o 
Rigveda da Índia antiga, na figura de Purusa (Homem primordial), nos mitos de Tiamat 
e de P’na-ku (ELIADE, 1972). Essa postura analítica que busca encontrar estruturas 
comuns em narrativas mitológicas de culturas diferentes é uma abordagem 
metodológica encontrada nas mitologias comparadas, amplamente utilizada por 
historiadores e cientistas das Religiões da contemporaneidade, como Cruz (2007, p. 2), 
para quem: 
 
Os mitos cosmogónicos apresentam uma série de diversidades, 
mas as suas estruturas são semelhantes,ou seja, são triádicos. 
Eles partem de um ponto unitário original, de onde emergem em 
dois elementos que se contrapõem, um ativo (masculino) e o 
outro passivo (feminino). Esta contraposição de elementos 
(masculino/feminino – ativo/passivo) repete-se em todos seres do 
cosmo, e todos eles tendem a buscar a unidade perdida. 
 
A pesquisadora Rosa Maria Marangon (2007) parte do mesmo pressuposto 
teórico de Eliade ao admitir que os mitos cosmogónicos se diferem dos mitos de 
origem. Para ela, os primeiros revelam o surgimento do Universo, enquanto os outros 
 
fundam uma situação nova. Na perspectiva adotada, estes últimos servem para 
continuar e integrar o mito cosmogónico e, como estão contidos nele mesmo, quase 
sempre se iniciam com uma descrição da cosmogonia. 
 
Os mitos cosmogónicos são geralmente atualizados nos rituais 
por remeterem a um tempo original, forte, sagrado. O mito de 
origem só tem sentido quando explicado através da cosmogonia 
que seria o seu estado anterior. Qualquer coisa se origina depois 
que o mundo já estava formado. A origem de qualquer coisa está 
intimamente ligada à ideia de criação desta coisa (MARANGON, 
2007, p. 4) 
 
A pesquisadora Ocean Malandra (2015) defende que, independentemente dos 
mitos serem histórias verdadeiras ou não, sua função é transportar uma sabedoria que 
opera como uma verdade metafórica. Para ela, os mitos são ilustrações de verdades 
no fazer, o que pode significar a personificação de objetos e/ou forças que em outras 
realidades seriam consideradas inanimadas. Ela destaca que o mito não somente 
explica, mas também atribui um significado existencial para os eventos básicos da vida. 
É o que também postula a pesquisadora Davidson. 
 
A mitologia de um povo é muito mais que uma coletânea de 
fábulas bonitas ou assustadoras recontadas em estilo articulado 
às nossas crianças na escola. É o comentário de homens de uma 
era ou civilização específica sobre os mistérios da existência e da 
mente humana, seu modelo para um comportamento social e a 
tentativa de definir, em histórias de deuses e demônios, sua 
percepção das realidades interiores. Podemos aprender muito 
com as mitologias dos povos antigos, se tivermos a humildade de 
respeitar estilos de pensamentos muitos diferentes dos nossos. 
Em muitos aspectos podemos ser mais inteligentes que eles, mas 
não necessariamente mais sábios (DAVIDSON, 2004, p. 7). 
 
Neste tópico buscamos conceituar os mitos cosmogônicos e os mitos de origem, 
a partir de noções teórico metodológicas difundidas nas pesquisas de História das 
Religiões e Religiosidades. Elucidamos que é amplamente utilizada a perspectiva 
analítica de que esses mitos se diferem e são classificados de modo distinto, sendo o 
segundo tipo dependente e extensão do primeiro. No próximo tópico abordaremos 
algumas funções sociais dos mitos, bem como os modos como eles são operados 
analiticamente em nosso campo de atuação. 
 
 
SAIBA MAIS 
Caro(a) estudante, você já havia parado para pensar que podemos considerar a teoria 
do Big Bang, produzida pela ciência atual, como um mito cosmogônico? Segundo esta 
teoria, o Universo teria surgido de uma grande explosão há cerca de 13 bilhões de 
anos. É uma narrativa tão verdadeira e explicativa da criação do Universo como outras. 
Agora que já compreendemos que o mito não é uma fábula ou uma mentira, podemos 
dizer que a ciência é um tipo de mito, sem desconsiderar sua credibilidade e 
importância para a humanidade. 
#SAIBA MAIS# 
 
REFLITA 
“A história é nosso mito”, “combina o ‘pensável’ e a origem, de acordo com o modo pelo 
qual uma sociedade se compreende”. 
Fonte: Certeau (1982, p. 33) 
#REFLITA# 
 
 
 
3 OS MITOS E A HISTÓRIA CULTURAL, POSSIBILIDADES DE ABORDAGENS 
METODOLÓGICAS 
 
Olá, prezado(a) estudante! Nesse tópico iremos elencar algumas posturas 
teóricas e metodológicas acerca das estruturas e funções dos mitos, a partir dos 
estudos de Religiões e Religiosidades. Refletiremos também sobre como a História 
Cultural tem se apropriado dos mitos como fonte para pesquisa de diferentes temas em 
tempos e espaços distintos. Desse modo, apresentaremos como pesquisadores desse 
campo têm sistematizado o conhecimento acerca dos usos sociais dos mitos e os 
classificados a partir de contextos sociais, culturais, políticos e religiosos. 
Iniciamos esse estudo destacando que, utilizando o método da mitologia 
comparada e privilegiando os mitos gregos, solidificaram-se estudos marcadamente 
eurocêntricos, que focam em elementos tais como a vida agrícola, o poder, a realeza e 
a guerra. Para alguns críticos, isso é problemático, porque tais planos são pertinentes à 
cultura eleita como modelo, mas podem não ser quando aplicadas a civilizações 
historicamente distintas. Por exemplo, o mito agrário não se adapta às sociedades 
caçadoras (VERNANT, 1995, p. 49). 
Tendo isso em vista, é importante destacar que o historiador das Religiões deve 
sempre levar em consideração não somente as estruturas mitológicas de sociedades 
antigas entre si, mas suas estruturas econômicas, políticas, culturais, religiosas. É o 
que defende Detienne (2004) na obra Comparar o incomparável. Nesse trabalho o 
historiador advoga na defesa de uma construção de elementos comparáveis de um 
modo experimental. O pesquisador helenista Jean-Pierre Vernant e o historiador norte-
americano Moses Finley, em algum momento de suas carreiras profissionais, se 
dedicaram à mitologia comparada também, mas a rejeitam à posteriori diante das 
limitações metodológicas e optam por continuar uma pesquisa dentro dos quadros de 
uma história nacional. 
 A esse respeito, Detienne (2004) indica que o exercício da comparação deve 
iniciar-se pela escolha de um elemento específico que não seja muito particular. Desse 
modo, pode aplicar-se a contextos distintos. 
 
 
Comparamos entre historiadores e antropólogos para construir 
comparáveis, analisar microssistemas de pensamento, esses 
encadeamentos que decorrem de uma escolha inicial, uma 
escolha que temos a liberdade de apresentar ao olhar de outros, 
escolhas exercidas por sociedades que, no mais das vezes, não 
se conhecem entre si (DETIENNE, 2004, p. 65). 
 
Vejamos o exemplo de alguns mitos iorubás para tratar de tal questão, a 
importância de localizar a narrativa mitológica em seu contexto. Um deles narra que 
Obatala, a grande divindade criadora, veio a existir da contração de uma Ia Mi 
Oxorongá, que seria o próprio ventre universal e a expressão da totalidade. Ela seria a 
interioridade e a absorção, ele seria a exterioridade e a atividade, por isso ocuparia o 
mundo como a sabedoria criativa na criação (CARNEIRO DA CUNHA, 1984). É 
possível atestar que algumas perspectivas da cultura iorubá não se dobram à noção de 
complementaridade do feminino com o masculino, mas sim sobre o feminino, pois 
considera o masculino o próprio feminino, apenas com uma função diferencial. José 
Marianno Carneiro da Cunha (1984, p. 9) afirma que a Iá Mi Oxorongá: 
 
[...] é o poder em si, ela tem tudo dentro de seu ser. Ela pode 
tudo. Ela é um ser autossuficiente, ela não precisa de ninguém, é 
um ser redondo primordial, esférico, contendo todas as oposições 
dentro de si. Elas são andróginas, elas têm em si o bem e o mal. 
[...] Elas têm a feitiçaria, antifeitiçaria, elas têm absolutamente 
tudo. 
 
O antropólogo Pierre Verger (1994, p. 16) aponta que “na região ioruba, as 
atividades das feiticeiras [Iá Mi Oxorongá] ligam-se aos orixás, e aos mitos da criação 
do mundo”. Ou seja, o grande criador do mundo só existe porque elas sempre 
existiram. Podemos conjecturar que muitas dessas noções ontológicas e cosmológicas 
da mitologia ioruba foram apagadas na difusão cultural para dar lugar ao masculino, 
por influência das disputas e hierarquizações de gênero que privilegiam a cultura 
patriarcal. Do mesmo modo, a retomada das narrativas mitológicas que atribuem 
grande importância ao femininodeve-se às disputas de conferir maior importância à 
mulher na sociedade contemporânea. Não só o papel desempenhado pelas Iá Mi na 
mitologia, mas também das guerreiras Obá, Oxum e Iansã, por exemplo, o feminino é 
associado à fertilidade, força, astúcia e independência. Iansã é definida como aquela 
 
que, além de lutadora aguerrida, é capaz de se disfarçar de animais e comandar 
tempestades. De acordo com os mitos, ela é a grande guerreira que comanda os 
ventos: “É livre e violenta como a tempestade que ela comanda” (AUGRAS, 1983, p. 
150). 
Mitos como “Oiá recebe o nome de Iansã, mãe dos nove filhos (PRANDI, 2001, 
p. 294), “Oiá transforma-se num búfalo” (PRANDI, 2001, p. 297), “Oiá é disputada por 
Xangô e Ogum” (PRANDI, 2001, p. 307) demonstram o feminino associado a aspectos 
como poder, transformação e fertilidade. Isso se dá porque, na organização social 
ioruba, as mulheres desempenhavam diversas funções na vida pública, dividindo 
espaços de poder com os homens (VERGER, 2002). Elucidar esses valores 
socioculturais e políticos presentes na sociedade ioruba nos auxilia a compreender 
melhor a respeitável posição feminina na mitologia dos orixás. Tais aspectos, diferente 
dos sentidos atribuídos às representações judaico-cristãs, como o mito da Mãe de 
Jesus, não são associadas somente à virgindade, pureza ou submissão. 
Os mitos narrados em uma cultura correspondem ao que ela considera 
pertinente à vida, em um tempo e espaço específicos e em sua roupagem, portanto, 
condizente ao ambiente e à condição histórica. Eles aparelham questões universais no 
tocante à existência humana e influenciam a vida de todos, legando procedimentos 
para um bom viver. A mitologia se apresenta por meio de narrativas que se articulam 
entre si e que se repetem ao longo dos tempos, fornecendo símbolos à humanidade. 
Servem de metáforas para as preocupações e anseios humanos (CAMPBELL; 
MOYERS, 1990). 
A História Cultural tem sido um terreno fecundo para o estudo das mitologias na 
contemporaneidade. Esse campo da história objetiva reconhecer a maneira como, em 
diferentes espaços e temporalidades, certa realidade social é produzida, observada, 
dada a ler. Nesse contexto, se inserem as representações sociais. Podemos conceber 
uma história cultural que “tome por objetivo a compreensão das representações do 
mundo social, que o descrevem como pensam que ele é ou como gostariam que fosse” 
(CHARTIER, 1990, p. 19). 
As representações são dispostas de acordo com as orientações dos grupos 
sociais que as concebem e com suas visões de mundo. Elas são manifestadas por 
 
padrões, normas, instituições e imagens. Constituem-se em objetos capazes de 
substituir na memória o outro ausente, ao mesmo tempo que revelam sua presença 
como a apresentação pública de algo ou alguém (CHARTIER, 1990). 
As narrativas mitológicas são tomadas pelos historiadores das religiões como 
fonte para identificar questões fundamentais de uma cultura. Não somente por ser um 
resultado de reflexos sociais, mas também para compreensão sobre como elas podem 
ser compreendidas e ressignificadas em seu tempo histórico. Ou seja, a roupagem que 
uma mitologia assume em um tempo, espaço e cultura definida indica uma perspectiva 
de verossimilhança, efeito de real e encarnam noções de imaginários possíveis das 
divindades e seu caráter, por exemplo. É o que Sandra Pesavento (2006, s.p.) 
denomina como verdade do simbólico. 
 
A literatura é narrativa que, de modo ancestral, pelo mito, pela 
poesia ou pela prosa romanesca fala do mundo de forma indireta, 
metafórica e alegórica. Por vezes, a coerência de sentido que o 
texto literário apresenta é o suporte necessário para que o olhar 
do historiador se oriente para outras tantas fontes e nelas consiga 
enxergar aquilo que ainda não viu. 
 
A pesquisadora Malandra (2015) afirma que a função dos mitos não é somente 
outorgar uma sequência de fatos explicativos do começo do cosmos e da sociedade, 
mas oferecer um contexto harmonioso e significativo que justifique as circunstâncias do 
presente. Conforme a autora, o mito opera como lição alegórica e como aviso que 
determina uma conduta adequada. Para demonstrar isso, ela cita diversas narrativas, 
inclusive a do Jardim do Éden, na qual se sublinha a liberdade do ser humano em 
escolher comportar-se de forma desarmoniosa relativamente à criação original. Em sua 
visão, esses mitos funcionam tal qual uma telenovela divina, em que as ações 
harmoniosas e desarmoniosas entre deuses servem de metáfora para as razões que 
explicam certos eventos da esfera mundana. 
Ainda sobre as funções dos mitos, passamos ao mitólogo Campbell (1990), que 
as sistematiza em quatro principais. São elas: a Função Mística ou Metafísica, a 
Função Cosmológica, a Função Sociológica e a Função Psicológica ou Pedagógica. A 
primeira designa a função religiosa da mitologia, que desperta na psique humana um 
sentimento de assombro. 
 
 
Quer concebamos a mitologia em termos da afirmação do mundo 
como ele é, da negação do mundo como ele é ou da restauração 
do mundo ao que deve ser, a primeira função da mitologia é de 
despertar na mente um sentimento de assombro perante essa 
situação mediante uma entre três formas de participar dela: 
exteriorizando, interiorizando ou efetuando uma correção 
(CAMPBELL, 1990, p. 18). 
 
 A segunda é da ordem cosmológica, e liga o ser humano à realidade por meio 
de uma imagem consistente do universo, apresentando as sociedades como 
pertencentes à ordem cósmica. A terceira função de ordem sociológica, legitima e 
respalda uma ordem moral específica: “por meio desta terceira função, a mitologia 
reforça a ordem moral moldando a pessoa às exigências de um grupo social específico 
geográfica e historicamente condicionado” (CAMPBELL, 1990, p. 20). A última função, 
chamada de psicológica ou pedagógica possibilita: 
 
[...] conduzir o indivíduo através dos vários estágios e crises da 
vida, isto é, ajudar as pessoas a compreender o desdobramento 
da vida com integridade. Essa integridade supõe que os 
indivíduos experimentarão eventos significativos a partir do 
nascimento, passando pelo meio da existência até a morte em 
harmonia, primeiramente com eles mesmos, em segundo lugar 
com sua cultura, em terceiro lugar com o universo e, finalmente, 
com aquele que transcende a eles próprios e a todas as coisas 
(CAMPBELL, 1990, p. 20). 
 
O mito permite entender que o mundo, o homem e a vida têm todos uma origem 
e uma história e que é através dele que dado indivíduo pode sair da 
contemporaneidade, do tempo cronológico e introduzir-se no tempo primordial, vivendo 
e experienciando pela primeira vez um certo evento. Essa história transforma-se, 
assim, em algo relevante e inspirador. Para apresentar ainda outra perspectiva teórica 
sobre as funções dos mitos convocamos Bronislaw Malinowski (apud CRIPPA, 1975, p. 
16), para quem: 
 
O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação 
destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma 
narrativa que faz reviver uma realidade primeva, que satisfaz a 
profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a 
pressões e a imperativos de ordem social, e mesmo a exigências 
práticas. Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma 
 
função indispensável: ele exprime, enaltece e codifica a crença; 
salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do 
ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. O 
mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana; longe 
de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário uma realidade viva, à 
qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria 
abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira 
codificação da religião primitiva e da sabedoria prática. 
 
Conforme os estudos de Religiões e Religiosidades, as pessoas comumente 
relacionam o mito a algo distante de suas realidades, como a fantasia que só os menos 
intelectualizadosvivenciam ou vivenciaram. Contudo, de acordo com a teoria 
apresentada até o momento, cabe posicionar muitas narrativas míticas ao cotidiano 
contemporâneo, ainda que esses mitos sejam atualizados pelas modificações sociais, 
econômicas, políticas e até mesmo religiosa. A obra A psicanálise na Terra do Nunca: 
ensaios sobre a fantasia, de autoria de Diana Corso e Mario Corso, nos auxilia nessa 
compreensão. Um exemplo disso é o mito de João e Maria, que se relaciona à 
economia. Conta-se que as duas crianças foram abandonadas na floresta porque eram 
muito gulosas. Tendo comido até as paredes da própria casa, foram punidas com o 
abandono. A questão da fome e do abandono infantil era muito mais presente no 
período medieval do que apressadamente cogita o senso comum. A noção de infância 
nesse período não era como a que temos nos dias atuais, as crianças eram tidas como 
pequenos adultos. Ainda podemos verificar nessa narrativa algumas doutrinas 
religiosas que indicam que o ser humano não pode ser guloso e que a gulodice é 
pecado, devendo ser evitada, assim como qualquer forma de excesso (CORSO, D.; 
CORSO, M., 2011). Outro exemplo que a pesquisadora aponta é o do mito da Terra do 
Nunca: 
 
A Terra do nunca pode ser um lugar existente e muito ativo, 
capaz de ir ao encontro de seus visitantes, mas ao mesmo tempo 
eles sentem-se participantes dele antes mesmo de colocar seus 
pés ali. A familiaridade com essa terra mágica é comum para 
qualquer criança que brinque e para as pessoas crescidas que 
tiveram infância. Frequenta-se esse lusco fusco entre o que está 
fora e dentro da nossa cabeça toda vez que se brinca e sempre 
que se sonha (CORSO, 2011, p. 24). 
 
 
Para explorarmos um pouco mais sobre as narrativas míticas na 
contemporaneidade trazemos a obra fílmica Novíssimo Testamento (que poderia 
inclusive ser utilizada como recurso para discutir o tema em sala de aula). O filme é 
narrado em primeira pessoa, por Ea, que busca transformar o mundo em que vive. Ela 
é filha de Deus, o todo poderoso, quem decide sobre o futuro da humanidade com um 
comando do seu computador. Esse também teria sido o modo como ele criou o 
universo, mais por tédio do que para ter uma criação para cuidar. Sua esposa é 
maltratada por ele, passiva e submissa, J.C. o filho mais velho foi embora, sua filha não 
aceita a naturalização da violência e invade o computador para mudar a história do 
mundo. Para isso conta com ajuda de algumas pessoas, os discípulos, que possuem 
uma conduta moral nada exemplar. Em seguida ela foge de casa, seu mundo, para o 
convívio das pessoas do mundo externo, coisa inédita em sua vida. A historiadora 
Vanda Fortuna Serafim (2017) utiliza o filme como narrativa que reatualiza mitos 
judaico-cristãos e revela algumas questões sobre as crenças contemporâneas. 
Destaca também o retorno da Deusa como aspecto cada vez cada vez mais presente 
nos mitos. 
 
Ao ir para o mundo atrás de Ea, os poderes de Deus são 
anulados, ele é um simples humano que para os demais, pensa 
que é Deus. Já não onipotente, onisciente e onipresente. É fraco, 
franzino, estúpido, arrogante e prepotente. Suas contínuas 
tentativas de ser Deus sendo homem geram o riso [...] Nos 
divertimos com a desgraça de Deus, uma vez que ele seria 
responsável pelas nossas desgraças. Deus não é o todo 
poderoso, ele sequer tem poderes, não consegue fazer milagres. 
A sua autoridade está na manipulação por meio de um 
computador e na intervenção destruidora na vida das pessoas. 
Como um Deus assim se mantem no poder? Dentro de uma 
família patriarcal, onde a mãe, anteriormente Deusa, sofre abusos 
constantes e é silenciada. O filho, Jesus Cristo, tenta desafiar o 
pai, mas não se desvincula totalmente deste. É a filha, Ea, 
ocultada das narrativas que toma as dores da mãe, do irmão e de 
si mesmo, após ser espancada pelo pai pelo fato de questioná-lo, 
que subverte a ordem do pai. Ao instaurar ao caos, ela abre 
espaço para que a mãe reassuma o poder e se inicie uma nova 
era, mais colorida e leve (SERAFIM, 2017, p. 100). 
 
Tendo discutido no presente tópico: as diversas funções dos mitos, a depender 
da postura teórica que se assume para analisá-los; a prática metodológica de perceber 
 
as comunalidades ou particularidades dos mitos, como a mitologia comparada; a 
História Cultural como exemplo de abordagem historiográfica contemporânea que 
atribui importância ao estudo dos mitos, tidos como representação do imaginário da 
sociedade que o produz; alguns exemplos de reatualização dos mitos na 
contemporaneidade, concluímos a reflexão destacando que o historiador não é 
orientado a olhar para os mitos preocupando-se em assumi-los como verdade ou 
mentira, mas para entender como quem os produziu acredita que são expressivos e 
pertinentes. Agora que temos algumas premissas básicas sobre o tema, passaremos 
no próximo tópico por alguns mitos que reverberam em nossa cultura nacional. 
 
SAIBA MAIS 
Muitos historiadores utilizam o cinema como fonte histórica para pensar os mitos e as 
suas funções na cultura. A obra fílmica tem sua legitimidade como fonte porque é uma 
construção histórica e cultural, como texto passível de ser utilizado como instrumento 
de compreensão de diversas questões. Além disso, o texto fílmico pode ser utilizado 
como poderoso recurso didático-pedagógico para auxiliar na compreensão de 
conceitos e ideias baseados em textos convencionais. 
#SAIBA MAIS# 
 
REFLITA 
“Uma das características do mito é seu caráter muitas vezes liminal. Com isto 
queremos dizer que o mito é de tal natureza que, sob o prisma destes conceitos, pode 
mesmo justapô-los. O filme The Matrix pode ser um exemplo conhecido disto no qual, 
em meio à uma série de motivos religiosos ao longo do filme, inclusive escatológicos, o 
herói Neo repete o destino religioso do Cristo crucificado e inaugura uma nove era”. 
Fonte: Rosário (2007, p. 9). 
#REFLITA# 
 
 
 
4 MITOS AFRO-BRASILEIROS E INDÍGENAS NA SALA DE AULA 
 
Olá, caro(a) estudante, retomamos nossos estudos no presente tópico nos 
aproximando de narrativas míticas de diferentes culturas. Considerando a formação 
étnico racial do Brasil, os processos de hierarquização de tais saberes que legitima as 
bases eurocêntricas em detrimento de outras, e as leis que evocam o estudo da cultura 
afro-brasileira (10.639/2003) e indígena (11.645/2008), daremos maior enfoque aos 
mitos dessas populações, refletindo também sobre como eles estão presentes e 
norteiam crenças em nossa sociedade. 
Para dar início ressaltamos que falta de conhecimento sobre as religiões afro-
brasileiras e a cristalização de uma imagem negativa de suas expressões, amplamente 
associadas à feitiçaria, foi um recurso utilizado historicamente para marginalizá-las. Por 
isso, falar das divindades africanas enquanto personagens míticos afro-brasileiros 
ainda se apresenta como um grande desafio. As narrativas míticas afro-brasileiras 
foram esquecidas e silenciadas. É perceptível como os mitos africanos e também os 
indígenas não têm o mesmo reconhecimento social ou desdobramentos que tiveram os 
mitos nórdicos e greco-romanos na cultura ocidental. Sua difusão ficou limitada aos 
terreiros e aldeias, o que as impossibilitou de obter um caráter de embasamento 
filosófico e epistemológico, como ocorrem com narrativas míticas de regiões europeias 
e orientais. 
Para os adeptos das tradições iorubas, o mito é a chave para alcançar não 
apenas o passado, mas também o presente e o futuro. O mito ensina quem são as 
divindades, quais são seus poderes e regências, de onde elas vieram, quais são as 
suas preferências e interdições e como o homem religioso deve se relacionar com elas. 
No imaginário iorubano tradicional de mundo, a mitologia fornece sentidos 
fundamentais para a vida na terra. É ela quem organiza e estrutura a religião dos 
orixás. Os orixás são os ancestrais divinizados, e os mitos, as narrativas que se 
repetemciclicamente de geração em geração na vida de seus descendentes (PRANDI, 
2001). 
 
Os iorubas acreditam que o homem descende dos orixás e cada ser humano tem uma 
linhagem que se refere a um ancestral específico. Cada um herda do seu orixá os seus 
atributos, predisposições e intentos, de acordo com o que conta os mitos. Os orixás se 
regozijam e se entristecem, perdem e vencem, avançam e retrocedem, amam e odeiam. Essas 
narrativas míticas estão bastantes presentes na estrutura do candomblé, pois se trata de uma 
oralidade oriunda da Costa Ocidental da África, disseminada para regiões de outros 
continentes, inclusive o Brasil, na diáspora provocada pelo tráfico escravista (PRANDI, 2001). 
Os mitos itans em ioruba foram disseminados no Brasil, e se constituem também 
como mitos Afro-brasileiros, a partir da memória coletiva de homens e mulheres, na 
condição de escravos. A mitologia foi um dos elementos transmitidos por esse grupo, 
detentor de uma gama de conhecimentos litúrgicos e ritualísticos, que daria 
posteriormente origem ao culto dos orixás no país. 
 
O primeiro exercício de sobrevivência efetuado pelos africanos 
deportados no Brasil, assim como em toda diáspora, foi talvez o 
de buscar recompor o tecido cultural africano que se desteceu 
pelos caminhos, recolher fragmentos, traços, vestígios, 
acompanhar pegadas na tentativa de reelaborar, de compor uma 
cultura de exílio refazendo a sua identidade de emigrante nu[2] 
(GLISSANT, 1996, p. 15). 
 
Conforme a escritora Conceição Evaristo (2009, p. 3), “nas sociedades ágrafas, 
a poesia conta/canta a tradição, os mitos de fundação, as histórias, os provérbios, a 
sabedoria. O canto poético planta e rega a memória coletiva”. O candomblé, como uma 
ferramenta de disseminação dessa memória coletiva, se constituiu a partir de tradições 
orais, baseadas nos mitos, ritos e símbolos, e não em uma sistematização teórica de 
suas manifestações espirituais. Conforme Sérgio Paulo Adolfo (2000, p. 2), “As 
cantigas revelam a composição do enredo do Orixá ou do Inkice, enumeram as suas 
qualidades, tecem loas aos seus feitos e às suas habilidades e vitórias”. Por isso, para 
conhecermos alguns aspectos dessa religião, reconhecermos sua legitimidade, mesmo 
sendo historicamente marginalizada, é importante conhecer os mitos dos orixás. Esses 
itans são poemas seculares que narram sobre a vida em sociedade, elementos da 
natureza, a criação do mundo e sua divisão entre orixás (PRANDI, 1999). 
A importância do mito, segundo essa cosmovisão, é que ele ajuda a interpretar o 
presente e produz o futuro nessa vida e nas outras. Os mitos dão voz às experiências 
 
vividas pelos ancestrais, colaboram na construção da identidade religiosa e constroem 
uma memória coletiva a partir das vivências partilhadas. O mito opera categorias do 
tempo forte, longínquo e do tempo do sagrado e está imerso na vida dos adeptos da 
religião, cotidianamente, cuja concepção aproxima o profano e o sagrado (PRANDI, 
2001). No caso do Brasil, conjectura-se que a mitologia ioruba é a mais disseminada, 
porque esse grupo étnico-linguístico foi um dos últimos a serem trazidos para o país, 
no ciclo da Costa da Mina, no século XVIII, e no ciclo da baía de Benin, entre 1770 e 
1850 (VERGER, 1987). Os iorubas também teriam sido empregados em setores 
urbanos e domésticos, em sua maioria, na cidade de Salvador. Isso teria lhes dado 
alguma facilidade, em relação aos bantus, para preservar sua língua e religião. O que, 
na visão dos intelectuais do período, configurou uma superioridade dos iorubas 
(CASTRO, 2001). 
O arcabouço narrativo e poético de matriz africana interage no cotidiano dos 
afro-brasileiros até os dias atuais. Com a inserção em religiões Afro-brasileiras o 
neófito passa gradativamente a conhecer os mitos que dão sentidos aos ritos que 
participa. Tradicionalmente repassados de modo oral, os mitos podem ter diferentes 
versões, não sendo uma mais legítima que a outra. Mas sim, tendo modos diferentes 
de contar uma mesma saga mítica. Mitologia dos orixás é a coletânea com maior 
número de mitos registrados no Brasil pelo sociólogo Reginaldo Prandi (2001), contém 
301 mitos de orixás. É uma obra de grande importância para a formação docente 
comprometida com a diversidade e o respeito às diferenças culturais e religiosas. Na 
obra citada cada divindade recebe um capítulo no qual são narrados seus itans. São 
em média 16 orixás que constituem o panteão dos orixás no Brasil. Eles estão todos 
presentes na obra, que colabora com a construção de sentido atribuído a eles, são: 
Exu (o mensageiro), Ogum (o general e ferreiro), Oxóssi (o caçador), Ossaim (dono 
das plantas), Obaluaiê (senhor da cura), Oxumaré (que se manifesta no arco íris), 
Iansã (rainha dos raios e tempestades), Xangô (senhor da justiça), Oxum (dona da 
fertilidade), Logun Edé (senhor da pesca e da caça), Obá (amazona guerreira), Ewá 
(dona dos horizontes), Yemanjá (mãe de todos), Nanã (senhora da morte), Oxaguiã 
(guerreiro do branco) e Oxalá (senhor da paz). 
 
 
Figura 1 - Dezesseis orixás mais conhecidos do Panteão Afro-brasileiro 
 
 Fonte: Lifestyle (2018). 
 
Um modo de trabalhar tal questão em sala de aula é estudando cada um deles 
focando em suas características gerais, como as cores que os representam, símbolos, 
ferramentas, elementos da natureza, dia da semana em que são cultuados, comida 
associada à cada um, dentre outras especificidades. 
Partindo do mesmo pressuposto, destacamos a importância do conhecimento 
acerca das mitologias indígenas. Para pensar sobre a mitologia indígena, em especial 
tendo como referência os Guarani, é de suma importância considerar a dimensão 
poética. Os mitos cosmogônicos desse grupo étnico-racial narram que o mundo foi 
criado misteriosamente entre o vazio e o silêncio. Tupã Tenondé, o Grande Pai 
Primeiro, é Espírito-Música, gerador de vidas e manifestado na forma de um colibri: 
“Ñande Ru Pa-paTenondé guete rã ombo-jerapytuymagui. Nosso Pai Primeiro criou-se 
por si mesmo na Vazia Noite iniciada” (JECUPÉ, 2001, p. 25). 
Na obra Tupã Tenondé, do escritor Kaká Werá Jecupé, encontramos revelações 
das palavras do que para os Guarani é vivenciado e transmitido pelos grandes pajés 
em torno da fogueira. Jecupé, descendente de um grupo Tapuia e não tendo nascido 
Guarani, tornou-se por meio de processos iniciáticos. Escritor, político e ambientalista, 
Jecupé discursa sobre a importância da demarcação de terras indígenas como meio de 
assegurar o equilíbrio da natureza e a qualidade de vida não somente local, mas sim 
 
global. Kaká Werá Jecupé propõe o ensino de história e cultura indígena nas escolas 
através da vivência dos mitos, cantos e danças. 
Segundo Kaka Werá Jecupé (2001), a sabedoria ancestral deve ser difundida e 
transmitida pelas palavras que falam do Universo, da Terra e do Homem de uma 
maneira poética e profunda, inerente à tradição oral indígena. 
 
Ayvurapyta rã i oguero-jera i mavy, mborayú petei i oguero-jera i mavy, 
o yvárapymba’ekuaágui, o kuaa-ra-ravymamba’e-a’ãrapyta petei i 
oguero-jera. Yvyoikoeỹre, pytũymambytere, mba’ejekuaáeỹremba’e-a’ã 
petei i oguero-jeraojeupe. Os fundamentos do ser desabrocham-se, 
havendo criado de uma pequena porção de amor, da sabedoria contida 
em sua própria divindade e em virtude de sua sabedoria criadora, e 
tendo originado um som sagrado de sua sagrada solidão. Antes de 
existir a terra, em meio à Noite Primeira e antes de ter-se conhecimento 
das coisas, originou-se um som sagrado criado da bem-aventurada 
solidão (JECUPÉ, 2001, p. 44). 
 
Conforme Kaka Werá Jecupé (2001), os Tupy-Guarani influenciaram múltiplos 
grupos étnico culturais e se concentravam em um território que ia da Amazônia ao 
litoral brasileiro. Palavras da linguagem tupi estão inseridas em outras línguas 
indígenas e muitas delas também compõem o dicionário português. Na cultura 
brasileira, ainda que fora das comunidades indígenas,encontram-se costumes, 
culinária, práticas curativas e “noventa por cento das fábulas, lendas e mitos 
conhecidos são de origem tupi” (JECUPÉ, 1998, p. 47). Desse modo, deve-se 
reconhecer que o Tupy-Guarani é uma base cultural importante na construção histórica 
do povo brasileiro, que apesar das violências estruturais, do massacre e da imposição 
de culturas europeias preserva até os dias atuais mitos que reatualizam seus valores e 
a sua cosmovisão sagrada. 
Para essa cultura, o desenvolvimento das culturas e das civilizações se dá com 
base na afinidade umbilical que interliga socialmente as pessoas aos reinos animal, 
vegetal e mineral, numa forma ampla de concepção familiar em que tudo se conecta na 
grande teia da vida. 
 
O pulsar de uma estrela na noite é o mesmo do coração. Homens, 
árvores, serras, rios e mares são um corpo, com ações 
interdependentes. Esse conceito só pode ser compreendido através do 
 
coração, ou seja, da natureza interna de cada um (JECUPÉ, 1998, p. 
61). 
 
A visão de mundo para os Guarani considera a origem do cosmos, da natureza, 
do homem, do tempo, do espaço, dos fundamentos do ser. É história, numa concepção 
diferente da historiografia tradicional e religião diversa das concepções religiosas 
trazidas pelos não-índios ao Brasil. Dentro dessa cosmovisão existe o mito de 
Nandecy, a Mãe Terra, e os ciclos regidos por Jakaíra, Deus da névoa; Tupã, Deus do 
trovão e das águas; Karai Ru Ete, Deus do fogo; e Namandu, divindade responsável 
pela terra e por criar unidade entre os ciclos, que, por sua vez, mantêm a relação entre 
a natureza, o homem e o divino. Segundo Jecupé (1998, p. 58) “o índio surgiu desses 
ancestrais sagrados: sol, lua, arco-íris, terra, água, fogo e ar. Dos reinos vegetal, 
animal, mineral”. Para eles o mundo espiritual é dividido em quatro moradas: 
 
Tabela 1 – Demonstrativo da divisão do mundo espiritual para os Tupi 
Ambá Namandu Morada dos Espíritos Anciões 
Ambá Jakairá Morada dos Espíritos Brumas 
Ambá Karai Morada dos Espíritos Fogos 
Ambá Tupá Morada dos Espíritos Trovões 
Fonte: a autora. 
 
Para tentar compreender um pouco do modo de ser indígena, é necessário que 
o não-índio se dispa de sua lente etnocêntrica. Não cabe tentar fazer comparações ou 
medir valores conforme um modo de vida outro. A composição social, hierárquica e a 
relação com o espiritual, com o sagrado, são únicos de cada povo indígena, diversos 
entre e si e com pontos em comum também. 
Didaticamente, podemos utilizar os mitos em sala de aula para abordar a 
diversidade, os múltiplos modos de se compreender a história do mundo, bem como 
 
homens de diferentes tempos, espaços e culturas atribuem sentido a si mesmo e ao 
mundo. Nesse sentido é possível estabelecer alguns objetivos para esse trabalho: 
Identificar mitos africanos e indígenas em obras literárias; Descrever mitos e 
arquétipos das divindades africanas e indígenas em personagens da trama; 
Estabelecer correlação entre a narrativa mítica de origem africana e indígena e a 
lógica Ocidental de compreensão do mundo, relatando em que se aproximam e 
se distanciam; Perceber a mitologia africana e indígena impressa na literatura como 
condição de resistência de tais grupos. Tal atividade poderia promover uma práxis 
escolar que valorize a diversidade que existe em nossa sociedade. A seguir encontra-
se uma imagem de grafismo indígena que também poderia ser utilizado em sala de 
aula para apreensão de seus símbolos associados aos mitos. 
 
Figura 2 - O alfabeto em Tupi-Guarani 
 
Fonte: Pinterest (2019). 
 
Nessa perspectiva, o trabalho incorreria de forma a reafirmar a identidade, 
problematizar os preconceitos e possibilitar uma nova configuração da realidade, 
 
pautada em princípios de equidade, como nos diz Machado (2007, p. 10) em seu artigo 
Mitos afro-brasileiros e vivências educacionais: 
 
Acreditamos que trabalhar com os mitos como prática educativa, pode 
se constituir em uma das possibilidades de se fazer configurar, 
finalmente, a identidade e a consciência pluricultural na escola, que 
atingirá seu objetivo de construir cidadãos autônomos e coletivos. 
 
SAIBA MAIS 
“Com Mitologia dos orixás, Reginaldo Prandi apresenta a maior coleção de mitos 
iorubanos e afro-americanos já publicada até hoje. Esta obra é resultado de um 
trabalho meticuloso de mais de dez anos, que envolveu uma vasta pesquisa 
bibliográfica (cerca de cem títulos) e também uma longa experiência de campo. Nada 
menos do que 42 histórias míticas foram colhidas pelo autor. No total, Prandi conseguiu 
reunir 301 mitos ¾ dos quais 106 seriam originários da África, 126 do Brasil e 69 de 
Cuba” 
Fonte: Hofbauer (2001, p. 251). 
#SAIBA MAIS# 
 
REFLITA 
A intérprete Elza Soares gravou, em 2015, uma música intitulada Exu nas Escolas. 
Existem alguns trabalhos que refletem sobre essa canção como uma reivindicação por 
uma educação democrática, que considere todas as formas de crenças. 
Contextualizando na crítica, por exemplo, a presença de símbolos como bíblias e 
crucifixos judaicos cristãos em espaços públicos. Se o estado é laico e as escolas 
públicas, um espaço de estudo da religião de modo não confessional, não seria 
plausível considerar que houvesse representações materiais de todas as religiões? 
#REFLITA# 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 
Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre o estudo dos mitos, 
proposto para a primeira unidade. Identificamos que existem diversos modos de se 
pensar e viver o mito como uma realidade complexa, como uma história verdadeira que 
funda o mundo e dá sentidos para ele. Compreendemos também que o mito de origem 
pode ser compreendido como uma continuidade do mito cosmogônico. 
No corpo desta unidade buscamos abordar diversas teorias e metodologias 
utilizadas para a análise do mito. Desde as contribuições mais específicas para a o uso 
das mitologias na historiografia, como Eliade (1972), Camplbell (1990) e Detienne 
(2004) entre outros, a estudos mais específicos de mitos de diferentes culturas, como 
Prandi (2001) e Jecupé (1998). 
Abordamos também a importância de se pensar o mito na escola e, desse 
modo, apreender e difundir um pouco mais sobre as múltiplas estruturas que sustentam 
a cosmovisão de diferentes grupos culturais. Sobretudo, destacamos a importância do 
estudo dos mitos Afro-brasileiros e Indígenas, bastante apagados na difusão cultural 
em detrimento das narrativas europeias. 
Com isso, concluímos nossa proposta inicial que foi estabelecer as disputas 
conceituais em torno do mito, compreender os tipos de mitos conceituados no campo 
de estudo das religiões e religiosidades e conceituar e contextualizar algumas 
narrativas mitológicas que fazem parte da cultura brasileira. 
Esperamos que, como esse conteúdo inicial, o tema suscite seu interesse e que 
busque outras obras e autores que possibilitem o seu desenvolvimento intelectual e 
uma formação sólida e singular. Bons estudos! 
 
 
 
 
LEITURA COMPLEMENTAR 
 
● BENISTE, J. Mitos Yorubás: o outro lado do conhecimento. Rio de Janeiro: 
Bertrand Brasil, 2006. 
● GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações 
raciais no Brasil :uma breve discussão. In: GOMES, N. L. Educação anti-racista: 
caminhos abertos pela Lei Federal nº10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, 
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 39-64. 
● ÒSÓSI, M. S. de. Òsósi: O Caçador de Alegrias. Salvador: Secretaria da 
Cultura e Turismo, 2006. 
● PADILHA, L. C. A palavra africana e as memórias antigas. In: GONÇALVES, M. 
A. R. (Org.). Educação, Arte e Literatura Africana de Língua Portuguesa: 
contribuições para a discussão da questão racial na escola. v. 2. Rio de Janeiro: 
Quartet: NEAB - UERJ (Sempre Negro), 2007. 
● PETROVICH, C.; MACHADO, V. IrêAyó: Mitos Afro - brasileiros. Salvador: 
EDUFBA,2004. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LIVRO 
 
Título: Mitologia dos orixás 
Autor: Reginaldo Prandi 
Editora: Companhia das Letras 
Sinopse: Mitologia dos orixás, do sociólogo Reginaldo Prandi, é a mais completa 
coleção de mitos da religião dos orixás já reunida em todo o mundo. São 301 relatos 
mitológicos, histórias que contam, por meio de imagens concretas e não de ideias 
abstratas, como são, o que fazem, o que querem e o que prometem os deuses desse 
riquíssimo panteão africano que sobreviveu e prosperou em países da América – em 
particular no Brasil e em Cuba – e que nos últimos anos tem sido exportado para a 
Europa. Ao narrar episódios em que se envolveram deuses como Exu, Ogum, Iemanjá 
e Iansã, Mitologia dos orixás chama a nossa atenção para sentidos vitais profundos e 
nos aproxima do vasto patrimônio cultural dos negros iorubás ou nagôs. O livro é 
ricamente ilustrado, com fotos coloridas de todos os orixás que se manifestam em 
cerimônias do candomblé no Brasil e ilustrações do artista plástico Pedro Rafael. 
 
 
 
FILME/VÍDEO 
 
Título: O novíssimo testamento 
Ano: 2014 
Sinopse: Deus (Benoît Poelvoorde) está vivo, mora em Bruxelas e é um senhor 
rabugento e malvado, com uma filha de 10 anos de idade. Cansada da natureza 
abusiva do pai, a menina invade o computador dele e envia para todos os habitantes 
do planeta as datas de suas respectivas mortes, ação que gera consequências 
inimagináveis. 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
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VERNANT, J.-P. Mito e Sociedade na Grécia Antiga. Brasília: UNB, 1995. 
 
 
UNIDADE II 
SÍMBOLOS SAGRADOS 
Professora Me. Laís Azevedo Fialho 
 
Plano de Estudo: 
• Símbolos - Sentidos e significações, algumas conceituações do termo. 
• Função social e religiosa dos símbolos na tradição religiosa. 
• Os símbolos e as possibilidades de abordagens teórico-metodológicas na pesquisa 
científica. 
• O lugar e o papel dos símbolos no processo educativo laico. 
 
Objetivos de Aprendizagem: 
• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos símbolos nas Ciência Humanas. 
• Analisar de que modo tem sido sistematizado o estudo dos símbolos no campo das 
religiões e religiosidades. 
• Apresentar algumas possibilidades de abordagens teórico metodológicas para o uso 
dos símbolos na pesquisa científica. 
• Conceituar e contextualizar símbolos que fazem parte da cultura religiosa

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