Prévia do material em texto
INTOLERÂNCIAS E ALERGIAS ALIMENTARES W BA 07 02 _v 1. 0 22 Andressa Mara Baseggio Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019 Intolerâncias e alergias alimentares 1ª edição 33 3 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor Amanda de Jesus dos Santos Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Daniella Fernandes Haruze Manta Hâmila Samai Franco dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Baseggio, Andressa Mara B299i Intolerâncias e alergias alimentares/ Andressa Mara Baseggio, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019. 120 p. ISBN 978-85-522-1617-9 1. Alimentares. 2. Nutrição. I. Baseggio, Andressa Mara. Título. CDD 613 Thamiris Mantovani CRB: 8/9491 © 2019 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 44 SUMÁRIO Apresentação da disciplina 5 Fundamentos da resposta imune nas intolerâncias e alergias alimentares 6 Nutrição e sistema imune 25 Diagnóstico e tratamento por dieta 45 Epidemiologia da intolerância e alergia alimentar 63 Defeitos enzimáticos em intolerâncias alimentares 79 Intolerâncias e alergias alimentares frequentes 96 Intolerância e alergia alimentar nas fases da vida 118 INTOLERÂNCIAS E ALERGIAS ALIMENTARES 55 5 Apresentação da disciplina Olá, aluno! O papel da dieta como protagonista em quadros de intolerâncias e alergias alimentares é muito interessante, sendo que em tais cenários algumas substâncias alimentares são capazes de gerar uma resposta, imunológica ou não, com manifestações clínicas importantes que podem tanto prejudicar a qualidade de vida do paciente como gerar graves (ou até mesmo fatais) consequências à saúde. Devido ao aumento da incidência destas situações nos últimos anos, especialmente em crianças, estudos sobre quais são os motivos e como o corpo responde a estes “corpos estranhos” vêm sendo realizados. Interessantemente, os resultados também têm apontado sobre alimentos/nutrientes benéficos nestas situações, atuando como fatores de proteção ou ainda auxiliando na busca de mecanismos de tolerância oral. Assim, a disciplina de Alergias e Intolerâncias Alimentares aborda questões referentes a diferenças entre tais doenças, do ponto de vista fisiopatológico, de manifestações clínicas e alimentos envolvidos. Além disso, questões como distribuição epidemiológica, tanto no mundo como por faixa etária e o papel de alimentos como fatores de proteção ou como coadjuvantes de tratamento, por reduzir sintomas, são abordados. Sejam bem-vindos e bons estudos! 66 Fundamentos da resposta imune nas intolerâncias e alergias alimentares Autora: Andressa Mara Baseggio Objetivos • Definir o sistema imune, componentes e mecanismos básicos de resposta. • Contextualizar a resposta imune em alergias e mecanismos envolvidos. • Definir intolerância alimentar e mecanismos envolvidos. • Analisar componentes alimentares alergênicos e/ou capazes de gerar intolerância. 77 7 1. Fundamentos de resposta imune em intolerâncias e alergias alimentares Nesta leitura fundamental iremos abordar mecanismos básicos da resposta imune, diferenciando componentes da imunidade inata da adaptativa e nos familiarizando com termos usuais em imunologia. Tal introdução é fundamental ao entendimento do estudo de alergias alimentares, que consistem em uma hipersensibilização da resposta imune em indivíduos susceptíveis. Ainda neste capítulo vamos diferenciar os termos alergia e intolerância alimentar, já que, apesar de apresentarem sintomatologias muitas vezes similares e diagnósticos confusos, a intolerância não envolve resposta imune. PARA SABER MAIS O ato de comer é inerente à vida e fundamental à homeostase corporal. No entanto, a ingestão de certos componentes presentes em alimentos pode gerar reações desconfortáveis ou doenças a indivíduos predispostos, o que pode limitar a dieta destes. Nestes casos, a consulta da composição nutricional para verificar alimentos fonte da substância alergênica ou que possam gerar intolerância é fundamental na elaboração de dietas. ASSIMILE Apesar de serem confundidos devido à sintomatologia similar, alergias e intolerâncias a alimentos envolvem mecanismos diferentes. O sistema imune, formado 88 por diferentes órgãos linfoides e células circulantes responsáveis por gerar respostas de defesa a agressões, está envolvido na resposta alérgica a componentes alimentares, enquanto reações adversas a alimentos não dependentes de respostas imunes constituem intolerâncias alimentares. 1.1 Introdução ao estudo da imunidade No dia a dia, o corpo é constantemente desafiado a responder a agressões de maneira eficiente, a ponto de eliminá-las antes que se tornem um perigo à homeostase. Para tal, os organismos multicelulares contam com um sistema de defesa altamente adaptável e que evolui de forma a ser capaz de conferir uma reação rápida e efetiva contra moléculas consideradas estranhas e, desta forma, uma ameaça. A esta resposta denominamos imunidade, e os órgãos e células que a compõem como integrantes do sistema imune. Os componentes do sistema imune podem reconhecer (por meio de receptores de membrana celular, ou mais comumente, por anticorpos) um agente estranho (antígeno) e estimular uma ampla variedade de respostas únicas e/ou adequadas, com o intuito de eliminá-lo ou neutralizá-lo. Ainda quando há repetidas exposições a este patógeno, o tempo de resposta é mais rápido e intenso, o que induz um mecanismo de resposta-memória. Com o avanço dos estudos na área de imunologia, foi visto que a “memória imunológica” poderia funcionar como base para impedir que o corpo adquira algumas doenças, por meio de exposição prévia e atenuada ao agente patogênico: este é o mecanismo de ação das vacinas, onde o sistema imune é preparado a reconhecer e responder eficientemente a ataques posteriores. 99 9 Em conjunto, o sistema imune responde, de maneira colaborativa, por meio de dois tipos de imunidade: a imunidade inata (ou natural) e a imunidade adaptativa (ou adquirida). 1.1.1 A imunidade inata Presente desde o nascimento, a imunidade inata é a primeira linha de defesa do corpo contra agressões. Como principais características desta está a ausência de especificidade de resposta e de memória, na maioria dos casos. Os tipos de reação envolvidos nesta resposta são a inflamação e defesa a vírus. Principais componentes e/ou células envolvidas • Barreiras físico-químicas: a primeira defesa do corpo contra agentes estranhos, considerada um componente da imunidade inata, é física, sendo constituída por órgãos como pele, estômago (devido ao pH ácido, capaz de matar boa parte dos microrganismos patogênicos), intestino (devido a própria constituição do epitélio intestinal, formado por enterócitos e colonócitos conectados firmemente por zônulas de oclusão de permeabilidade seletiva, capazes de impedir a passagem de bactérias e componentes alimentaresnão digeridos) e pulmões (devido ao epitélio pulmonar ciliado, que atua como protetor da mucosa). Também como barreiras físicas, destacam-se ainda os cílios dos olhos e as glândulas salivares. Ainda a presença de membranas mucosas em parte dos órgãos que fazem parte do trato respiratório, gastrointestinal e urogenital têm em comum a capacidade de liberar uma secreção viscosa (muco), capaz de auxiliar na remoção de detritos e limpar cavidades. Apesar de importantes, tais barreiras não constituem um meio de eliminação de patogênicos. Por isso, outros produtos da resposta imune inata estão presentes nas secreções, no sangue e no líquor e podem ser diretamente ativados sob certas circunstâncias, constituindo o que chamamos de sistema complemento. 1010 De forma geral, o complemento é formado por proteínas sintetizadas no fígado e macrófagos, que interagem com o agente patogênico e o marcam para fagocitose. Tal interação acontece em uma cascata de sinalização proteica através das vias clássica (desencadeada pela ligação do anticorpo-antígeno, sendo também considerada um componente da imunidade adaptativa), via da lectina (ocorre por meio da ligação de proteína plasmática, a lectina, com os resíduos manose oriundos da superfície de glicoproteínas de microrganismos, e posterior ativação de proteínas da via clássica) ou via alternativa (ocorre quando proteínas reguladoras do complemento estão ausentes nas superfícies dos microrganismos, apesar de algumas proteínas do sistema estarem ativadas). • Neutrófilos: produzidos pela medula óssea e de meia-vida curta, os neutrófilos são células muito abundantes no sangue. Podemos considerá-los como uma “linha de frente” no combate a infecções, uma vez que tais leucócitos respondem rapidamente a inflamações agudas. Isso se dá por reconhecimento de produtos do complemento, englobamento do agente patogênico e destruição do conteúdo envolto pelo mecanismo de fagocitose. Quanto à morfologia, tais células apresentam vários núcleos (polimorfonucleares) e grânulos distribuídos no citoplasma (Figura 1, seta preta). • Eosinófilos e basófilos: são leucócitos repletos de grânulos presentes no sangue, bem menos frequentes que os neutrófilos. Apenas os eosinófilos podem realizar fagocitose. Migram dos tecidos em resposta a infecções parasitárias (eosinófilos, figura 1 – seta azul) ou alergias (basófilos, figura 1 – seta verde). • Células NK (Natural killer): representam 5 a 10% dos leucócitos circulantes. Por meio da secreção de granulócitos 1111 11 citoplasmáticos abundantes, são capazes de induzir a ativação de mecanismos de apoptose em células infectadas. Além disso, células NK secretam uma citocina ativadora de macrófagos chamada IFN-γ, que potencializa a ação fagocítica destes. • Mastócitos: este tipo celular mononucleado é produzido na medula óssea e, tal como os macrófagos, são indiferenciados na corrente sanguínea (Figura 1 – seta cinza), diferenciando-se apenas quando presentes nos tecidos. Os mastócitos possuem muitos grânulos citoplasmáticos ricos em histamina e outras substâncias muito ativas, o que os faz, em conjunto com os basófilos, como fundamentais nas respostas alérgicas. • Macrófagos: são células imunes mononucleares que sobrevivem por longos períodos em diferentes tecidos, sendo originárias da diferenciação dos monócitos sanguíneos (Figura 1 – seta vermelha) que extravasam aos tecidos. Desempenham funções muito importantes na imunidade, como produção de citocinas (moléculas capazes de emitir sinais entre células durante as respostas imunes), fagocitose dos antígenos e processos de reparação tecidual. • Células dendríticas: como os macrófagos, as células dendríticas são mononucleares, realizam fagocitose e secretam citocinas, mas sua principal função é apresentar antígenos aos linfócitos T, da imunidade adaptativa. Estão localizadas em grande número, próximas aos órgãos que compõem barreiras físicas do corpo. Quanto à morfologia, são mononucleares e possuem conformação irregular, com extensões membranosas que lembram dentritos dos neurônios. 1212 Figura 1 – Tipos de células sanguíneas do sistema imune inato: neutrófilo (seta preta), eosinófilo (seta azul), basófilo (seta verde), monócito (seta vermelha) e mastócito (seta cinza) Fonte: Andreus/iStock.com. Reconhecimento de antígeno O sistema imune inato reconhece estruturas-padrão em patógenos (tais moléculas são conhecidas como PAMPs, ou padrões moleculares associados a patógenos) ou liberadas por células danificadas do próprio hospedeiro (DAMPs, ou padrões moleculares associados a danos), geralmente vitais à sua sobrevivência e/ou capacidade de infecção. Tais padrões são reconhecidos por receptores idênticos expressos em todas as células imunes inatas de um tipo específico, como macrófagos, células dendríticas ou neutrófilos. • Receptores do tipo Toll (TLR): tais receptores estão localizados na membrana celular de células fagocíticas e são capazes de reconhecer proteínas, polissacarídeos ou lipídeos provenientes de patógenos, ou ainda ácidos nucleicos, e estarem presentes nos endossomos. Uma vez ativados, os TLR’s sinalizam a ativação 1313 13 de fatores de transcrição, capazes de estimular a síntese de proteínas com função antimicrobiana, como enzimas e citocinas. • Receptores do tipo NOD (NLR): tais receptores são citosólicos e identificam PAMPs e DAMPs no citoplasma, levando à ativação de fatores de transcrição e síntese de citocinas, especialmente interleucina-1β. • Inflamassoma: o inflamassoma é um complexo citoplasmático formado por um sensor (receptor do tipo NOD), proteína adaptadora e caspase-1, com importantes funções em síndromes autoinflamatórias raras, onde o mecanismo de inflamação é espontâneo e não controlado, como na doença articular chamada gota. 1.1.2 A imunidade adaptativa (ou adquirida) A resposta imune adaptativa consiste em mecanismos “mais refinados” de defesa, que correspondem a etapas de reconhecimento, especificidade e memória. Este tipo de resposta é necessário a agressores que foram capazes de criar mecanismos de resistência à imunidade inata, sendo especialmente importantes no combate de microrganismos patogênicos infecciosos. Neste caso, as células fundamentais na resposta são os linfócitos, que formam parte tanto da defesa extracelular (humoral) como da defesa intracelular (celular). A imunidade humoral é mediada por linfócitos B, que secretam proteínas denominadas anticorpos (ou imunoglobulinas), com o intuito de impedir que antígenos alcancem células hospedeiras e tecidos através do revestimento mucoso dos tratos gastrointestinal, respiratório e urogenital e, assim, estabeleçam infecções. Já a imunidade celular é mediada por linfócitos T, que ativam os fagócitos para destruição de microrganismos que ultrapassaram a matriz extracelular. 1414 A especificidade e a diversidade da resposta imune adaptativa são cruciais para a sua eficácia. Isso significa que o corpo apresenta um repertório diverso de linfócitos, originários da expansão clonal de linfócitos imaturos. Estes são capazes de distinguir os milhões de antígenos existentes através do reconhecimento de porções (epítopos antigênicos). Após exposições repetidas ao mesmo antígeno, o sistema imune adaptativo é capaz de responder rapidamente, de maneira ampla e eficaz a este, através de respostas imunes secundárias. Isto se dá por meio de linfócitos B e T de memória, que são células de meia- vida longa, que tiveram uma exposição primária ao antígeno e, assim, podem “lembrar” deste encontro em exposição posterior e responder imediatamente a esta agressão, antes da incubação da doença. Este é o princípio de ação das vacinas. Linfócitos: as células da imunidade adaptativa Linfócitos são células produzidas pelas células-tronco da medula óssea, sendo liberados na corrente sanguínea e considerados, como todas as células de defesa, leucócitos. Morfologicamente, apresentamestrutura similar: são pequenos, com núcleo único contendo cromatina condensada e que ocupa quase todo o espaço do citoplasma (Figura 2). Entretanto, devido a proteínas de superfície (receptores) diversas, são capazes de montar respostas complexas. A designação a estes receptores é CD (cluster de diferenciação), mais uma identificação numérica. Os linfócitos B amadurecem na medula óssea (órgão linfoide secundário). São responsáveis pela produção de anticorpos (imunoglobulinas). Esses anticorpos podem ser expressos na membrana celular dos linfócitos, que reconhecem antígenos e ativam as demais células do sistema imune por meio da secreção de formas 1515 15 solúveis das mesmas imunoglobulinas. Como visto anteriormente, antígenos ligados a anticorpos podem ser reconhecidos por vias do sistema complemento. Já os linfócitos T amadurecem no timo. Seus receptores reconhecem fragmentos de proteínas ligados às células apresentadoras de antígenos (como as células dendríticas, macrófagos e linfócitos B) através do complexo principal de histocompatibilidade (em inglês, MHC). Existem diferentes tipos de linfócitos T: as células T auxiliares (CD4+), que secretam citocinas para estimular a produção de imunoglobulinas pelos linfócitos B ou ainda podem ativar macrófagos contribuindo com a sua atividade fagocítica; as células T citotóxicas (CD8+), que reconhecem e ligam-se a células infectadas e levam à morte celular desta; os linfócitos T reguladores (CD4+), que são um subgrupo das células T auxiliares que sinalizam a supressão da resposta imune; e, por fim, os linfócitos T de memória, que são ativados na presença de antígenos previamente conhecidos e, por meio da secreção de citocinas, iniciam a resposta imune secundária. Figura 2 – Morfologia de linfócito na corrente sanguínea Fonte: Dr_Microbe/iStock.com. 1.1.3 Visão geral da resposta imune Didaticamente, o ensino de imunologia é dividido em mecanismos de imunidade inata e adaptativa. Como dito anteriormente, a imunidade 1616 inata é a “linha de frente” da defesa do corpo; no entanto, frente a muitas situações patológicas, tais mecanismos não são suficientes e, assim, a imunidade inata e adquirida atuam sinergicamente. Na figura 3, é possível observar um exemplo de ativação da resposta imune. Pode-se perceber a presença de células relacionadas à imunidade inata (células dendríticas e fagocíticas), linfócitos T e B. Inicialmente, o antígeno é apresentado, por meio de célula dendrítica, a um linfócito T nativo, por meio da ligação do complexo principal de histocompatibilidade. Então, essa célula (linfócito T auxiliar) é ativada, ou seja, secreta citocinas e fatores de crescimento que estimulam a proliferação de células T. Linfócitos T ativados tornam-se efetores e capazes de diferenciarem-se em linfócitos T CD8+ ou de memória que, através de citocinas, ligam-se a células fagocíticas, NK ou linfócitos B e, assim, por meio de fagocitose ou liberação de grânulos citotóxicos, ocorre a morte da célula infectada. Figura 3 – Mecanismos de ativação do sistema imune adaptativo Fonte: ttsz/iStock.com. 1717 17 1.1.4 Resposta imune e alimentos: reações alérgicas Ao longo deste capítulo, a importância e os mecanismos de defesa do organismo no combate a agressões, por meio da resposta imune, foram enfatizados. No entanto, reações imunológicas também podem gerar lesões em tecidos, uma vez que produtos provenientes de células fagocíticas, ou grânulos de células granulomatosas, são, de forma geral, citotóxicos. Durante a resposta imune normal, o contato de linfócitos T com antígenos gera sensibilização e memória contra a agressão em questão. No entanto, em caso de respostas imunológicas anormais ou excessivas frente a antígenos considerados inócuos, há geração de reações de hipersensibilidade. Tais respostas são responsáveis por lesões teciduais e doenças. Existem reações de hipersensibilidade do tipo I, II, III e IV, cada qual com mecanismos de ação diferentes. As alergias são consideradas reações do tipo I, e tal tipo de resposta será um dos principais focos de estudo desta disciplina. Segundo definição de Abbas, Lichtman e Pillai (2017), alergia é: Distúrbio causado por uma reação de hipersensibilidade imediata, frequentemente denominada de acordo com o tipo de antígeno (alérgeno) que provoca a doença. Todas essas condições são o resultado da produção de Imunoglobulina-E (IgE) estimulada pelas células T auxiliares produtoras de interleucina-4, seguida por ativação de mastócitos dependente de alérgeno e IgE. As alergias são distúrbios bastante frequentes do sistema imune e a incidência de tal condição vem aumentando, especialmente em países industrializados. Estima-se que pelo menos 30% da população mundial é afetada por uma ou mais doenças alérgicas (Sánchez-Borges et al., 2018). 1818 Alergia: como acontece a reação? A resposta alérgica é considerada uma reação de hipersensibilidade imediata, onde imunoglobulinas-E (IgE) são excessivamente sintetizadas por linfócitos B plasmáticos em resposta a um antígeno (denominado alérgeno), imediatamente após o contato que, de maneira geral, não provoca reação imune em outra pessoa. A gravidade da reação é variável, dependendo do grau de sensibilização do indivíduo. A sequência de eventos envolve mecanismos da imunidade inata e adaptativa. O início se dá com ativação de linfócitos T auxiliares (Th2 ou Tfh) secretores de interleucina-4 e/ou interleucina-13, que são capazes de estimular a síntese de IgE em resposta ao alérgeno. Então, os anticorpos IgE circulantes, ligados ao epítopo antigênico do alérgeno, interagem com receptores específicos nos mastócitos, sensibilizando esta célula. Assim, grande parte dos mastócitos de um indivíduo alérgico são revestidos com anticorpos IgE específicos contra o antígeno responsável pela resposta, o que torna tais células sensíveis ao alérgeno e capazes de gerar reação de hipersensibilidade imediata após exposição. Então, os mastócitos sensibilizados secretam o conteúdo dos grânulos presentes no citoplasma da célula, ricos em mediadores com diferentes ações locais, como a histamina, prostaglandinas e leucotrienos, responsáveis pelo aumento da permeabilidade vascular e contração de músculos lisos, citocinas, como a interleucina-4 e o fator de necrose tumoral (TNF, em inglês) que geram inflamação local e recrutamento de outros leucócitos, como neutrófilos e eosinófilos, capazes de potencializar a resposta imune e gerar lesões teciduais, em reações de fase tardia. De modo geral, os sintomas de reações alérgicas são: dor abdominal severa, náuseas, vômitos, edema de laringe, tosse, rouquidão, hipotensão, coceira e eczema. 1919 19 Resposta a alérgenos alimentares Alérgenos alimentares são geralmente glicoproteínas hidrossolúveis de baixo peso molecular (entre 10 e 70kDa), que podem ser formados tanto durante o processamento ou digestão como fazerem parte da composição da matriz alimentícia. Embora qualquer alimento que contenha componentes glicoproteicos seja capaz de gerar uma resposta alérgica em indivíduo suscetível, a maioria das respostas imunes envolve leite de vaca, soja, ovos, trigo, amendoim, castanhas e frutos do mar, bem como seus derivados. É importante ressaltar que durante o processamento destes gêneros, resíduos de alérgenos podem permanecer aderidos a equipamentos industriais e, assim, contaminar alimentos que venham a passar na mesma processadora e gerar reação alérgica a indivíduo sensibilizado. Neste contexto, a rotulagem nutricional sobre alergênicos é importante a fim de evitar reações devido à contaminação cruzada. As reações alérgicas causadas por alimentos geralmente ocorrem por mecanismos envolvendo hipersensibilização e estímulo à síntese de IgE, conforme explicado em detalhes no tópico anterior. De maneira geral, o contato do antígeno com o anticorpo ocorre na mucosa do intestino delgado e grosso de indivíduos suscetíveis,e as lesões ou manifestações da reação alérgica também são gastrointestinais. Entretanto, algumas reações não são mediadas por IgE e podem ocorrer como resposta a proteínas alimentares, gerando síndromes gastrointestinais (como enterocolite, protocolite e enteropatia induzida por proteína animal). 1.1.5 Reações causadas por alimentos não imuno-mediadas: intolerâncias Reações adversas a alimentos, decorrentes de defeitos enzimáticos durante a digestão ou pela presença de substâncias farmacologicamente ativas em alimentos, são conhecidas por gerar quadros de intolerâncias alimentares. 2020 Conforme o próprio significado, intolerância quer dizer a falta de aptidão do organismo em tolerar algum alimento. Como resposta a não digestão de algum componente da forma esperada, seja por falta de enzimas digestivas, a ingestão de grandes quantidades de alimentos contendo aminas vasoativas (como queijos, produtos fermentados e bebidas alcoólicas) ou reação adversa contra aditivos alimentares, tais componentes precisam ser metabolizados por outras vias. As intolerâncias alimentares mais comuns são relacionadas a carboidratos ou edulcorantes não completamente absorvidos, tanto por falha como pela ausência da atividade de enzimas responsáveis pela clivagem de produtos complexos em simples, capazes de atravessarem a membrana do enterócito e serem metabolizados. Evolutivamente, enzimas deixam de ser produzidas em virtude do pouco consumo de algum componente alimentar; assim quando tal substância é consumida, não é possível digeri-la. Tais substratos chegam intactos ao cólon e tornam-se produto para fermentação da microbiota intestinal. Como consequência, ocorrem alterações na homeostase intestinal e sintomas como dor abdominal, inchaço, diarreia ou constipação. Com base neste conceito, recentemente o termo FODMAP (Fermentável; Oligossacarídeo; Dissacarídeo; Monossacarídeo e Polióis) vem sendo aplicado a carboidratos não completamente absorvidos e, dessa forma, capazes de gerar quadro de intolerância alimentar em indivíduos suscetíveis. O aumento da incidência de intolerância alimentar vem de encontro ao menor consumo de alguns alimentos, muitas vezes em consequência de “dietas da moda”. Isso porque, na ausência do consumo de certos alimentos, o organismo passa a não produzir mais as enzimas responsáveis pela clivagem dos carboidratos complexos em simples destes, tornando a absorção e digestão dos compostos impossível. 2121 21 2. Conclusão Com base no exposto nesta leitura fundamental, a resposta imune é responsável pela defesa do organismo contra antígenos. No entanto, reações imunes severas contra substâncias inócuas, como proteínas presentes em alguns tipos de alimentos, em indivíduos suscetíveis, geram quadros de hipersensibilidade do tipo I ou alergias. Apesar de possuírem sintomas semelhantes, a falta de aptidão do corpo em metabolizar componentes de alimentos, como alguns carboidratos, aminas vasoativas e aditivos alimentares, leva ao desenvolvimento de quadros de intolerância alimentar não imunomediadas. TEORIA EM PRÁTICA Você é nutricionista na emergência de um serviço hospitalar. Em um dia de plantão, em junho, uma criança de 3 anos é recebida com eczema severo, coceira, distensão abdominal e diarreia. A mãe relata que é a primeira vez que observa tal quadro e que os sintomas começaram durante a festa junina da comunidade que estavam participando, quando a criança provou uma paçoca de amendoim oferecida pelo amigo. Durante o recordatório alimentar de 24 horas, a mãe relata ter oferecido café com leite, banana, mamão, maçã, ovos, cenoura e brócolis cozidos, carne de frango, mingau de aveia com canela e leite de soja. Com base no relato acima, responda: 1. Que possíveis alérgenos foram consumidos pela criança? 2. Detalhe os mecanismos de resposta imune potencialmente envolvidos no caso. 2222 VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Identifique quais células são responsáveis pela produção de anticorpos: a. Linfócitos T auxiliares. b. Linfócitos T citotóxicos. c. Linfócitos B. d. Neutrófilos. e. Mastócitos. 2. Selecione a alternativa que preencha corretamente as lacunas: Reações de _____________ são o fundamento das alergias alimentares. Ocorrem quando um componente gera uma reação imune geralmente mediada por _________. a. Sensibilização; IgA. b. Hipersensibilidade; IgE. c. Apresentação de antígeno; mastócitos. d. Fagocitose; citocinas. e. Memória; linfócitos B. 3. Aponte um dos principais agentes causais de intolerância alimentar: a. Carboidratos. 2323 23 b. Metais pesados. c. Proteínas. d. Ácidos graxos de cadeia média. e. Ferro. Referências bibliográficas ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. GOLDSBY, R. A.; KINDT, T.J.; OSBORNE, B.A. Imunologia de Kuby. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. MAHAN, L.K; ESCOTT-STUMP, S. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. MURPHY, K. Imunobiologia de Janeway. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. ORTOLANI, C.; PASTORELLO, E. A. Food Alergies and food intolerances. Best Practice e Research Clinical Gastroenterology. 20:3, 467-483, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.bpg.2005.11.010. Acesso em: 22 jul. 2019. SÁNCHEZ-BORGES, M. et al. The importance of allergic disease in public health: an iCAALL statement. World Allergy Organization Journal, 11:8, 2018. Disponível em: https://waojournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40413-018-0187-2. Acesso em 20 jul. 2019. SOLÉ, D. et. al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia. 2:1, 7-38, 2018. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/aaai_ vol_2_n_01_a05__7_.pdf. Acesso em: 21 jul. 2019. Gabarito Questão 1 – Resposta: C Resolução: A produção de anticorpos é realizada por esta célula especializada da imunidade adaptativa, os linfócitos B. Feedback de reforço: Retome a leitura e tente novamente. https://doi.org/10.1016/j.bpg.2005.11.010 https://waojournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40413-018-0187-2 https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/aaai_vol_2_n_01_a05__7_.pdf https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/aaai_vol_2_n_01_a05__7_.pdf 2424 Questão 2 – Resposta: B Resolução: Reações de hipersensibilidade são o fundamento das alergias alimentares. Ocorrem quando um componente gera uma reação imune geralmente mediada por IgE. Feedback de reforço: Alergias são geradas a partir de uma sensibilização excessiva da resposta imune, estimuladas por um tipo específico de anticorpo. Retome a leitura e tente novamente. Questão 3 – Resposta: A Resolução: Um dos principais agentes causais de intolerância alimentar são os carboidratos. Feedback de reforço: Tais componentes, presentes em ampla variedade de alimentos, não conseguem ser completamente digeridos e metabolizados, sendo posteriormente fermentados pela microbiota intestinal. 2525 25 Nutrição e sistema imune Autora: Andressa Mara Baseggio Objetivos • Definir o conceito de imunonutrição. • Descrever os principais imunonutrientes e suas funções na resposta imune. • Conhecer os principais imunonutrientes nas respostas alérgicas. 2626 1. Nutrição e sistema imune Uma alimentação adequada é fundamental à manutenção da saúde. Além disso, estudos recentes têm apontado sobre efeitos específicos de certos nutrientes em respostas fisiológicas e patológicas – dentre estes, na resposta imune. Substâncias encontradas em alimentos podem ser capazes de ativar ou bloquear vias relacionadas à imunidade, especialmente as relacionadas à inflamação e estresse oxidativo. Tais substâncias são conhecidas como imunonutrientes e serão contextualizadas neste tema. PARA SABER MAIS O efeito de substâncias na modulação de respostas imunes envolve, principalmente, a redução do estresse oxidativoe mecanimos pró-inflamatórios. Boa parte destas substâncias imunomoduladoras também são denominadas como compostos bioativos, que são, conceitualmente, compostos não-nutrientes capazes de exercer algum efeito a saúde. ASSIMILE Imunomodulação consiste na capacidade de substâncias em controlar reações imunológicas a níveis desejados. Neste contexto, os imunonutrientes são nutrientes ou compostos não-nutritivos que estimulam certas respostas imunológicas em detrimento de outras, atuando sinergicamente a tratamentos farmacológicas em agravos à saúde, como, por exemplo, em alergias. 2727 27 1.1 Imunonutrição A homeostase corporal é dependente do aporte nutricional do indivíduo, uma vez que a maioria das funções do organismo necessita de energia e/ou ao menos um macronutriente para ser realizada. Neste cenário, para perfeito funcionamento, o sistema imune necessita do consumo adequado de nutrientes e, assim, responderá de maneira eficaz contra agentes nocivos. Pacientes malnutridos costumam ter reduzida função imune, pois a deficiência de nutrientes leva à redução da síntese proteica e proliferação celular. Especificamente, a deficiência de proteínas na dieta é capaz de gerar atrofia em órgãos linfoides, sendo que tal quadro afeta principalmente tecidos relacionados ao sistema imune adaptativo. Desta forma, tais pessoas apresentam maior risco de infecções graves por responderem de maneira mais lenta diante de agentes nocivos. Apesar de fundamental a todo indivíduo, suprir a demanda de nutrientes conforme a necessidade nutricional para o quadro, em uma dieta balanceada e, em casos específicos, suplementada, é especialmente importante em quadros inflamatórios sistêmicos de alto grau, como em casos de traumas, queimaduras ou cirurgias, onde há alta demanda para síntese de células imunes (especialmente da imunidade inata) e citocinas, ou ainda em doenças relacionadas ao sistema imunológico, como as alergias alimentares. Por outro lado, doenças supostamente não relacionadas a respostas imunológicas podem resultar na quimiotaxia de células da imunidade inata e adaptativa e, assim, culminar em inflamações crônicas e subclínicas de baixo grau. Um exemplo clássico de doença agravada pela resposta imune é a obesidade: o tecido adiposo, hipertrófico, hiperplásico, e até mesmo contendo adipócitos em apoptose, é capaz de produzir e secretar citocinas pró-inflamatórias, e com isso recrutar macrófagos, instaurando um quadro cíclico de inflamação. Este, por sua 2828 vez, associa-se as outras comorbidades relacionadas ao ganho excessivo de peso, como resistência à insulina, diabetes do tipo II, alguns tipos de câncer e até mesmo doenças neurodegenerativas. Hoje, sabe-se que, para além da alta densidade energética da dieta, a ingestão de certos nutrientes em detrimento de outros, como os ácidos graxos saturados e açúcares simples, é capaz de ativar vias de sinalização pró-inflamatórias em adipócitos e assim levar ao aumento deste ciclo. Desta forma, a má nutrição está relacionada a problemas na resposta imune, seja por suprimento inadequado de nutrientes necessários à síntese de moléculas de defesa ou pelo consumo excessivo de nutrientes capazes de ativar vias pró-inflamatórias, como é o caso dos ácidos graxos saturados. Dessa forma, a descoberta de que certos nutrientes ou compostos sem valor nutritivo podem modular a intensidade de respostas que definem o processo inflamatório em diferentes doenças, por meio da supressão ou ativação de proteínas-chave do processo, demonstram a importância destes na resposta imune. Por definição, imunonutrição significa: “a modulação da atividade do sistema imunológico, ou as consequências da ativação deste, por nutrientes ou componentes específicos dos alimentos” (GRIMBLE, 2009). Diante desse conceito, podemos dizer que imunonutrientes são compostos que possuem efeito em algum mecanismo ou fator relacionado ao sistema imune. 1.2 Imunonutrientes 1.2.1 Ácidos graxos Os ácidos graxos são os componentes das gorduras ou lipídeos, possuindo uma estrutura hidrofóbica formada por uma cadeia de carbonos e um ácido carboxílico. De maneira geral, tais compostos são encontrados na forma de triacilgliceróis em alimentos, o que ocorre por meio de ligações do tipo éster de três ácidos graxos a uma molécula de glicerol. 2929 29 De maneira geral, os ácidos graxos dietéticos consistem principalmente em três classes e são classificados de acordo com sua composição química: os ácidos graxos saturados, que não possuem dupla ligação em sua estrutura, os ácidos graxos monoinsaturados, que possuem apenas uma dupla ligação na molécula, e os ácidos graxos poli-insaturados, que possuem duas ou mais duplas ligações. Os ácidos graxos poli-insaturados apresentam uma longa estrutura (entre 14 e 22 átomos de carbono) e são classificados de acordo com a posição das duplas ligações na cadeia carbônica: quando a primeira dupla ligação está localizada no carbono 3 a partir do radical metil (CH3), este é chamado ômega 3, e quando a dupla ligação está no carbono 6, contando-se a partir do mesmo radical, de ômega 6 (MORAES e COLLA, 2006). Os ácidos graxos da série ômega 3 e 6 (ω3 e ω6) são considerados essenciais e devem ser obtidos via dieta. Apesar de ambos serem essenciais, a relação de ácidos graxos ômega-3 (ácido linolênico) e ômega-6 (ácido linoleico) em dietas ocidentais é, em média, de 1:20, sendo que, segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde, o ideal seria uma relação de 1:5. Tal fato é importante para a resposta imune: enquanto o ácido linoleico favorece a síntese de mediadores pró-inflamatórios, o ácido linolênico atua em vias anti- inflamatórias. Ácidos graxos como imunomoduladores Os efeitos dos ácidos graxos no sistema imune podem tanto estar relacionados com a capacidade de produção de citocinas, como a forma que os tecidos respondem a esta sinalização. A membrana das células é composta por fosfolipídeos, sendo a composição de ácidos graxos destas moléculas em parte oriundo do metabolismo das gorduras da dieta. Além desta função estrutural, estes lipídeos podem atuar como mediadores intracelulares de transdução de sinais, e extracelulares, participando de interações entre células. Desta forma, podemos 3030 entender que mesmo dietas com a mesma quantidade de gordura, mas com composição de ácidos graxos diferente, pode originar respostas biológicas distintas. Em situações que requerem respostas inflamatórias agudas, como infecção ou trauma, ou que envolvem quadros inflamatórios crônicos, como artrite reumatoide e doença de Crohn, há estímulo para síntese de prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos, o que ocorre por ação de fosfolipases – as ciclooxigenases (COX) e lipoxigenases (LOX). No entanto, o impacto metabólico da resposta inflamatória mediada por tais componentes depende dos ácidos graxos utilizados na biossíntese das moléculas. Apesar de fisiológica e necessária para defesa, a ativação contínua ou uma falha em processos de término da inflamação relaciona-se à perda da homeostase corporal, uma vez que as manifestações clínicas do processo agudo, como dor, edema, aumento da temperatura corporal (febre) e vermelhidão influenciam no funcionamento adequado de órgãos vitais ou, ainda, no caso de processos crônicos que não apresentam tais sinais cardinais, há um aumento do estresse oxidativo, que pode levar à oxidação de biomoléculas e consequente perda ou alteração da função biológica, favorecendo danos mutagênicos ou degenerativos, por exemplo. Sabe-se que prostaglandinas sintetizadas a partir do ômega-6 tendem a estimular a resposta pró-inflamatória na maioria dos tecidos, enquanto prostaglandinas sintetizadas a partir do ômega-3 têm efeito inflamatório mais atenuado, o que é potencialmente benéfico em doenças que apresentam condição inflamatória associada. Assim, apesar de que tanto o ácido graxo ômega 6 ou 3 atuam na resposta imune,estudos apontam para os benefícios do ômega-3 em diferentes patologias, especialmente as relacionadas à resposta inflamatória. Como dito anteriormente, o corpo humano não consegue sintetizar o ácido linolênico a partir de outros ácidos graxos, sendo que seu consumo dietético é essencial. Entretanto, o ácido linolênico 3131 31 pode ser convertido enzimaticamente em EPA (ácido eicopentaenoico) e DHA (ácido docosahexaenoico). Além de relacionarem-se à menor síntese de prostaglandinas pró-inflamatórias (especialmente a PGE2) e menor ativação da COX-2, tais ácidos graxos podem atuar inibindo a produção de citocinas pró-inflamatórias, como a TNF-alfa e a IL-1 beta, modulando a expressão de moléculas de adesão e, ainda, atuarem como substratos na síntese de mediadores lipídicos relacionados à resolução da inflamação, como resolvinas, reduzindo o potencial crônico da inflamação que é verificado em várias doenças. 1.2.2 Aminoácidos Os aminoácidos são os componentes das proteínas, apresentando um grupamento amina ligado a um ácido carboxílico, podendo ser ou não nitrogenados. Dentre os aminoácidos capazes de modular a resposta imune, a glutamina e a arginina são os mais estudados, sendo, inclusive, parte de diversas fórmulas enterais e parenterais administradas a pacientes críticos. A glutamina é o aminoácido não-essencial mais abundante no plasma e tecido muscular esquelético, principal fonte de energia e fundamental à proliferação celular de macrófagos e linfócitos: dessa forma, o desenvolvimento das células imunes está intrinsecamente ligado à disponibilidade de glutamina. Em situações fisiológicas, tais necessidades são supridas por meio de síntese endógena: no entanto, em pacientes críticos (como em caso de traumas, cirurgias e queimaduras), a suplementação torna-se importante, uma vez que a ausência deste nutriente pode levar a um estado hipermetabólico. Dentre as funções deste aminoácido, está o transporte da amônia de tecidos periféricos ao fígado, onde tal substância tóxica será convertida em ureia e eliminada, por meio do ciclo da ureia. Ainda, este aminoácido é o combustível oxidativo primordial dos enterócitos, apresentando papel fundamental na manutenção da integridade da barreira intestinal. 3232 A glutamina também induz a síntese de proteínas fundamentais à proteção do tecido após estresse ou injúria, Heat shock proteins (HSP). A glutamina é um substrato fundamental à síntese da glutationa, uma das defesas antioxidantes não-enzimáticas mais importantes do organismo. Em muitas situações, um decréscimo no sistema antioxidante endógeno relaciona-se à ativação excessiva de vias pró-inflamatórias, o que confere um prognóstico ruim ao paciente. No entanto, a presença de dois aminoácidos sulfurados também é fundamental para a síntese da glutationa: a cisteína e a glicina, o que deve ser considerado na elaboração de dietas ou suplementação. A arginina é outro aminoácido relacionado à resposta imune. Em conjunto com a glutamina, a arginina transporta amônia da periferia ao fígado, onde esta será metabolizada em ureia. Um papel importante da arginina no sistema imune é na síntese de óxido nítrico, onde a L-arginina é biotransformada em L-citrulina, em reação catalisada pela enzima “óxido nítrico sintase” (NOS), e regulada por citocinas secretadas por linfócitos T auxiliares. O óxido nítrico é um componente importante na comunicação intra ou extracelular, sendo capaz de estimular fenômenos como a vasodilatação, broncodilatação e até mesmo a morte celular. Além da síntese do óxido nítrico, a arginina tem efeito anabólico: estimula a produção de hormônios do crescimento e aumenta o número de linfócitos T auxiliares. Com base no exposto, a arginina atua em uma via de mão dupla na resposta imune. Por isso, deve-se ter cautela com a suplementação desta em algumas situações, como em câncer (onde o efeito anabólico do aminoácido pode relacionar-se à maior proliferação celular). 1.2.3 Vitaminas e minerais As vitaminas são compostos orgânicos que possuem, em sua maioria, algum grupamento amina. Por participarem de diversos eventos biológicos, são micronutrientes essenciais. São classificadas de acordo 3333 33 com sua solubilidade: dessa forma, existem vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), que interagem bem com lipídeos, e hidrossolúveis (complexo B e C), que interagem com compostos polares, principalmente água. Dentre as funções das vitaminas na resposta imune está a capacidade de atuar como antioxidantes, sequestrando radicais livres produzidos em excesso na maioria das condições patológicas. De acordo com a solubilidade, as vitaminas hidrossolúveis concentram-se na matriz extracelular e compartimentos aquosos das células, enquanto as vitaminas lipossolúveis atuam principalmente em membranas celulares. A ação das vitaminas como antioxidantes na resposta imune concentra- se no fato de limitar que agentes oxidantes, liberados durante a inflamação, ativem o principal fator de transcrição responsável pela sinalização de fatores pró-inflamatórios, o NFκB. Além destes efeitos mais genéricos, as vitaminas lipossolúveis A, D e K atuam mais especificamente como imunonutrientes em produtos e células do sistema imune. A vitamina D, em sua forma ativa (1,25-diihidroxi-vitamina D), possui receptores em boa parte das células imunes. Desta forma, atua tanto em vias anti-inflamatórias, por estimular os linfócitos T reguladores a secretar IL-10, como na redução de vias pró-inflamatórias, por reduzir a secreção de citocinas pró-inflamatórias por linfócitos T auxiliares específicos. Além disso, a vitamina D atua na imunidade inata, por meio da sinalização de receptores do tipo Toll-like nos macrófagos, principalmente no fígado, o que estimula a conversão do precursor da vitamina D em sua forma ativa e aumenta a expressão de receptores de vitamina D, modulando o padrão de secreção de citocinas. Já a vitamina A, em sua forma ativa (retinol), também atua na redução da secreção de interleucinas pró-inflamatórias; em contrapartida, estimula a síntese de óxido nítrico por meio da enzima iNOS – que é secretada por macrófagos, em resposta à inflamação. Por fim, a vitamina E 3434 (alfa-tocoferol) atua na comunicação intra e extracelular, por meio da menor adesão de monócitos e reduzindo a secreção de moléculas de adesão de células endoteliais. Além disso, é capaz de reduzir a secreção de citocinas pró-inflamatórias, como a TNF-alfa e a interleucina-1 beta. Por fim, a vitamina K possui como função principal atuar na síntese de fatores de coagulação sanguínea, como a protombina. A protombina age sobre o fibrinogênio solúvel no sangue, convertendo-o em fibrina, elemento insolúvel e principal componente do coágulo sanguíneo. Os minerais são micronutrientes essenciais à dieta. Apesar das necessidades destes nutrientes serem baixas, tais compostos representam 4 a 5% do peso corporal e são cofatores essenciais à maioria das reações metabólicas. Dentre os minerais com efeitos imunomoduladores, está o zinco e o selênio. O zinco é necessário à atividade biológica de hormônio especifico do timo, responsável pelo amadurecimento de linfócitos T citotóxicos e produção de citocinas. Ainda, afeta a expressão de enzimas envolvidas nas respostas antioxidantes, o que contribui para a redução de estresse oxidativo. Em idosos, a deficiência de zinco associa-se a debilidade geral da resposta imune. O selênio tem papel fundamental no equilíbrio redox do organismo. Atua na proteção do DNA contra eventos oxidativos. Ainda, o selênio parece aprimorar a resposta imune inata contra vírus. 1.2.4 Fitoquímicos Fitoquímicos são produtos oriundos de plantas que, apesar de geralmente não serem considerados nutrientes essenciais, têm impacto significativo à saúde quando consumidos de maneira regular. Tal fato pode ser relacionado, indiretamente, à função da maioria destes compostos nos vegetais: atuar na proteção desses contra3535 35 agressores, ou ainda, atraindo polinizadores. Dentre os fitoquímicos mais estudados estão os pertencentes à classe dos polifenóis. Os polifenóis são compostos orgânicos, polares e provenientes do metabolismo secundário das plantas, que contêm um ou mais grupamentos fenólicos ligados a uma ou mais hidroxilas, e muitas vezes ligados a uma ou mais moléculas de açúcar. Conferem diversas características sensoriais a vegetais, como adstringência, cor, sabor, odor, acidez e estabilidade oxidativa. São classificados de acordo com o número de anéis fenólicos e elementos estruturais ligados a eles. Assim, as principais classes de polifenóis existentes são os flavonoides, os ácidos fenólicos, os estilbenos e as lignanas. Os estudos que avaliaram o efeito dos polifenóis no sistema imune focam especialmente nos flavonoides. Assim, já foi verificado que tais compostos atuam como antioxidantes in vivo, tanto por aumentar a síntese de enzimas do sistema antioxidante endógeno, como por atuar diretamente no sequestro de radicais livres. Da mesma forma que ocorre com as vitaminas, tal propriedade confere a estas substâncias o efeito de limitar a presença de agentes oxidantes nas células, que são capazes de estimular a transcrição de fatores pró-inflamatórios. Ainda, diversos estudos descreveram recentemente que os compostos fenólicos podem atuar diretamente em vias de sinalização de células imunes, bloqueando a atividade de enzimas e, assim, levando a uma atenuação da resposta inflamatória. 1.2.5 Pro e prebióticos O intestino é uma estrutura complexa, da qual fazem parte as células intestinais – os enterócitos – responsáveis pela absorção de boa parte dos nutrientes que ingerimos, e a microbiota intestinal, formada por trilhões de bactérias de mais de 500 espécies diferentes, que atuam de forma sinérgica. Dentre estas espécies, existem colônias autóctones (permanentes) e alóctones (que são transitórias, adquiridas do meio externo). 3636 O microambiente intestinal consiste em sua maioria de bactérias anaeróbias estritas ou facultativas. Dentre os principais gêneros, estão os Lactobacillus, Bifidobacterium, Enterococcus, Clostridium e Escherichia, sendo estes últimos também considerados microrganismos patogênicos – por este fato, o equilíbrio entre tais gêneros torna-se fundamental para a manutenção da saúde, com favorecimento à manutenção de espécies benéficas. A manutenção do equilíbrio entre espécies de forma a favorecer o desenvolvimento das populações benéficas, uma vez que o crescimento excessivo de gêneros compostos por microrganismos patogênicos pode ser capaz de gerar respostas imunes, é fundamental à saúde. Tendo em vista que o intestino é considerado um órgão linfoide, pois contém grande número de linfonodos produtores de células imunes no tecido linfático associado ao intestino (GALT), o estímulo excessivo de respostas imunológicas podem ser um fator de risco ao desenvolvimento de doenças intestinais. Entretanto, fatores externos são capazes de afetar a composição da microbiota intestinal, favorecendo o crescimento de certas espécies em detrimento de outras. Neste contexto, podemos dizer que a dieta é um dos elementos que exerce maior influência na composição bacteriana do intestino. Sabe-se que alguns nutrientes ou fatores não-nutritivos podem ser fermentados por bactérias da microbiota intestinal, de forma a gerar metabólitos capazes de alterar o pH, a concentração de água, de oxigênio e o tempo de residência dos alimentos no órgão, e, desta forma, alterar a composição bacteriana intestinal. Nesse contexto, alimentos pró e prebióticos são capazes de alterar a microbiota intestinal. Prebióticos são definidos como ingredientes alimentares não digeríveis, capazes de ser fermentados por bifidobactérias e lactobacilos, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (acetato, butirato e propionato), o que favorece o crescimento destes 3737 37 gêneros e reduz as taxas de proliferação de bactérias patogênicas, que são sensíveis a alterações de pH. Já os probióticos são cepas de microrganismos do gênero lactobacilos e bifidobactérias capazes de resistir às condições da digestão e chegar ao intestino em altas concentrações, onde colonizam o cólon temporariamente. Tanto a imunidade inata como a adquirida podem ser moduladas pelo consumo de pró e prebióticos. Receptores do tipo Toll like, localizados em células fagocíticas da imunidade inata, são ativados em resposta aos lipopolissacarídeos (LPS) que compõem a parede intestinal de bactérias gram-negativas patogênicas, estimulando a resposta imune. Este reconhecimento favorece a produção de citocinas e apresentação do antígeno a linfócitos T por células dendríticas, e subsequente diferenciação destes linfócitos T em subpopulações de linfócitos T auxiliares. Exemplos de bactérias gram-negativas capazes de gerar esta resposta são as pertencentes aos gêneros Escherichia e Clostridium, que têm seu crescimento prejudicado frente ao ambiente intestinal “hostil” criado pelo consumo de pró e prebióticos: desta forma, tais compostos possuem potencial anti-inflamatório. Ainda, o consumo regular de culturas probióticas e prebióticas parece modular a síntese de citocinas e quimiocinas, induzindo a polarização de linfócitos T. Ainda, algumas espécies de lactobacillus são capazes de reforçar a barreira epitelial do intestino contra potenciais agressões por meio do estímulo a síntese de proteínas que fazem parte de junções de oclusão entre os enterócitos. 1.3 Quais as fontes de imunonutrientes? O quadro abaixo apresenta o nome, estrutura química e principais fontes alimentícias dos imunonutrientes anteriormente descritos. 3838 Quadro 1 – Imunonutrientes e fontes alimentares Imunonutriente Fórmula química Fontes alimentares Ácidos graxos Ácido alfa-linolênico (ALA) C18H32O2 C18:3 (ω-3) all – cis- 9,12,15 Óleo de chia, linhaça, soja, canola, nozes e germe de trigo. Ácido docosahexaenoico (DHA) C22H32O2 C22:6 (ω-3) all – cis- 9,12,15 Peixes de águas frias e profundas (como sardinhas, cavalinha, salmão, anchova) e respectivos óleos. Ácido eicosapentaenoico (EPA) C20H32O2 C20:5 (ω-3) all – cis- 9,12,15 Aminoácidos Glutamina C5H10N2O3 Carnes, peixes, ovos, leite, leguminosas e vegetais verde escuros. Arginina C6H14N4O2 Carnes, peixes, laticínios, frutos do mar, leguminosas, oleaginosas. Vitaminas Vitamina A (Retinol) C20H30O Fígado, rim, azeite de dendê, gema de ovo, manteiga, vegetais e frutas alaranjados (cenoura, mamão, manga), vegetais verde escuros. Vitamina D (calciferol) C27H44O Leite fortificado, fígado, gordura do leite, gema de ovo. A luz solar é a principal forma de estimular a síntese a partir de precursor. Vitamina E (Tocoferóis e tocotrienóis) C29H50O2 Óleos vegetais, germe de trigo, vegetais verde escuros, oleaginosas. Vitamina K C31H46O2 Vegetais de folhas verde escuras, fígado, soja, gema de ovo, aveia e trigo integral. Minerais Zinco Zn Frutos do mar, carne, cereais e laticínios. Selênio Se Frutas secas e oleaginosas, carnes e peixes. 3939 39 Fitoquímicos Flavonoides C6C3C6 * estrutura básica Frutas, folhas, sementes. Prebióticos FOS (Frutooligossacarídeos) 1 cestose, nistose e frutofuanosil nistose, com ligações β-glicosídicas entre unidades frutosil Batata yacon, cebola, banana, alcachofra. GOS (Galactooligossacarídeos) Oligogalactose ligada a moléculas de lactose e glicose Obtidos a partir da conversão de lactose, proveniente do leite, por ação da β-galactosidase. Como fontes alimentares, grãos como lentilha, grão-de-bico e feiões. Probióticos Lactobacilos - Leites fermentados, Kefir, coalhada, missô.Bifidobacterias - Fonte: adaptado de Mahan, Scott-Stump (2010). 2. Imunonutrientes na resposta alérgica Dentre os fatores ambientais relacionados ao aumento da prevalência de alergias no mundo, as mudanças nos padrões dietéticos, com aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados,e menor consumo de frutas, verduras e vegetais parecem exercer papel importante. O final da Guerra Fria, em meados de 1990, concomitante à queda do muro de Berlim e reunificação da Alemanha marcou, além da história mundial, importantes mudanças na alimentação da população mundial: com as aberturas de mercados, muitos dos padrões alimentares ocidentais tornaram-se globais – como o consumo de margarinas, óleos vegetais ricos em ômega-6 e gorduras trans. Curiosamente, o aumento da frequência de consumo destes produtos relacionou-se ao aumento 4040 do índice de doenças alérgicas nestas populações, como asma. Mais tarde, estudos clínicos verificaram que tal fato está relacionado à síntese de ácido araquidônico, produzido a partir de ácidos graxos ômega-6 estimula a síntese e prostaglandinas-2 que, por sua vez, aumenta a síntese de IgE, o principal mediador da resposta alérgica. Por outro lado, o maior consumo de ALA, EPA e DHA demonstraram ter associação negativa ao desenvolvimento de doenças alérgicas, por inibirem a síntese de prostaglandinas-2 e atuarem como anti-inflamatórios. Por outro lado, antioxidantes dietéticos vêm sendo relacionados como protetores da pele e dos tratos respiratórios, gastrointestinais (principais produtores de IgE e, consequentemente, afetados por reações de hipersensibilidade imediata). Recentemente, um estudo de Misuzaki et al. (2017) demonstrou que o piceatannol e o resveratrol, compostos fenólicos encontrados na semente do maracujá e em uvas, respectivamente, podem ser capazes de reduzir a produção de IgE por células imunes e, ainda, levar à menor resposta alérgica em camundongos hipersensibilizados. O intestino é uma via de entrada importante de alergênicos: por isso, a manutenção da integridade da parede intestinal é um fator protetor ao desenvolvimento de alergias. Neste contexto, a glutamina é um imunonutriente fundamental à manutenção oxidativa dos enterócitos, bem como o favorecimento da colonização intestinal bifidogênica em detrimento de microrganismos patogênicos, por meio do consumo de probióticos e prebióticos, exercem papel fundamental na manutenção da barreira intestinal e podem impedir a passagem de potenciais alérgenos. Ainda, estudos já verificaram que os prebióticos estimulam a diferenciação de linfócitos T auxiliares em Taux 1, que atuam na estimulação de linfócitos B de memória contra os antígenos alergênicos e, por consequência, favorecem a tolerância imunológica. Ainda, os produtos provenientes da fermentação por bifidobactérias e lactobacilos parecem reduzir a síntese de IgE e ativação de mastócitos. DeyseValeria Destacar DeyseValeria Destacar 4141 41 Figura 1 – Imunonutrientes em mecanismos de resposta alérgica Fonte: elaborada pela autora. 3. Conclusão Sendo que a nutrição está envolvida na manutenção da saúde do indivíduo, podemos afirmar que uma dieta adequada favorece o funcionamento adequado do organismo como um todo. Entretanto, estudos mais “refinados” vêm apontando que certos nutrientes específicos podem atuar bloqueando ou aumentando a síntese de proteínas relacionadas a respostas frente a agravos à saúde, especialmente as reações imunes. Dessa forma, o consumo regular ou a suplementação de imunonutrientes, concomitantes a terapias convencionais se relacionam à potencialização dos tratamentos. 4242 TEORIA EM PRÁTICA Criança com 1 ano e 9 meses, sexo feminino, é atendida na emergência do hospital onde você trabalha, com queimaduras na perna esquerda provocadas por água fervente. Durante a anamnese com a mãe, ela cita que a criança é asmática e na avaliação nutricional você verifica que ela apresenta baixo peso para a idade. Desta forma, você precisa suplementar a dieta da criança com fórmula enteral. Dentre os imunonutrientes estudados, quais dele farão parte de fórmula a ser administrada? Justifique os efeitos de cada imunonutriente com base no histórico de saúde apresentado. VERIFICAÇÃO DE LEITURA 1. Aponte qual dos nutrientes abaixo cuja deficiência se relaciona à atrofia de órgãos linfoides. a. Lipídeos. b. Carboidratos. c. Proteínas. d. Minerais e. Vitaminas. 4343 43 2. Identifique qual dos tipos de ácido graxo abaixo se relaciona à inibição da síntese de prostaglandinas-2 (PGE2). a. Saturados. b. Omega-3. c. Omega-6. d. Omega-9. e. Trans. 3. Aponte qual dos imunonutrientes abaixo se relaciona à manutenção da saúde intestinal. a. Vitamina C. b. Zinco. c. Omega-3. d. Arginina. e. Prebióticos. Referências bibliográficas MAHAN, L.K; ESCOTT-STUMP, S. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. GRIMBLE, R.F. Basics in clinical nutrition: Immunonutrition – Nutrients which influence immunity: Effect and mechanism of action. ESPEN. 2009. 4444 NAKAMURA, K; et al. Associations of intake of antioxidant vitamins and fatty acids with asthma in pre-school children. Public Health Nutrition, v. 16, n. 11, p. 2040- 2045, 2013. SOUZA, F. S; et al. Prebióticos, probióticos e simbióticos na prevenção e tratamento das doenças alérgicas. Rev. paul. pediatria. São Paulo, v. 28, n. 1, p. 86-97, 2010. MORAES, F.P; COLLA, L.M; Alimentos Funcionais e nutracêuticos: Definições, Legislação e Benefícios à Saúde. Revista Eletrônica de Farmácia. v. 3, n. 2, p. 109-122, 2006. MIZUSAKI, A.; et al. Suppressive effect of ethanol extract from passion fruit seeds on IgE production. Journal of Functional Foods. v. 32, p. 176-184, 2017. PAIXÃO, E.M.S. Efeitos da suplementação com ácidos graxos n-3 nas subpopulações de linfócitos T, citocinas pró-inflamatórias e prostaglandina E2 em mulheres recém-diagnosticadas com câncer de mama. Tese (Doutorado em Nutrição Humana). Brasília: Universidade de Brasília. 136p. 2015. Gabarito Questão 1 – Resposta: C Resolução: A deficiência de proteínas na dieta é um importante fator de risco à síntese intracelular de proteínas e, por consequência, gera atrofia celular em diferentes órgãos. Feedback de reforço: Retome os estudos e tente novamente! Questão 2 – Resposta: B Resolução: Dentre os efeitos imunomoduladores dos ácidos graxos ômega-3 está a inibição da atividade de PGE2 e, por consequência, a síntese de agentes pró-inflamatórios. Feedback de reforço: Retome os estudos e tente novamente! Questão 3 – Resposta: E Resolução: Dentre os imunonutrientes responsáveis pela manutenção da saúde intestinal estão os prebióticos, substâncias não digeridas e fermentadas por bifidobactérias e lactobacilos. Feedback de reforço: Retome os estudos e tente novamente! 4545 45 Diagnóstico e tratamento por dieta Autora: Andressa Mara Baseggio Objetivos • Analisar diferentes reações adversas a alimentos, sob o ponto de vista de manifestações clínicas. • Descrever métodos diagnósticos para alergias e intolerâncias alimentares. • Identificar tratamentos mediante dieta. 4646 1. Intolerância e alergia alimentar: diagnóstico e tratamento por dieta Intolerâncias e alergias alimentares são agravos à saúde provocados por alimentos que atingem grandes montantes da população mundial, especialmente no que cerne às intolerâncias alimentares, podendo causar sérios riscos aos pacientes envolvidos em casos de alergias. Desta forma, neste tema serão abordadas questões relativas a manifestações clínicas mais frequentes, diagnóstico diferencial destas condições, bem como tratamentos por dieta. PARA SABER MAIS O processamento de alimentos pode aumentar ou reduzir a exposição de epítopos alergênicos de proteínas ou a concentração de carboidratos responsáveis por intolerância, como a lactose. No primeiro caso, processamentos térmicos ou não modificam a conformação espacial à proteína, podendo gerar peptídeos menores com caracteres alergênicos ou tornarem o epítopo antigênico não mais exposto na superfície proteica. Por outro lado, processos como a fermentação do leite reduzem significativamente a concentração de lactose, tornando o iogurte um produto melhor toleradopor boa parte dos pacientes intolerantes à lactose. ASSIMILE Reações adversas por alimentos podem ser imunomediadas ou não. Em caso de resposta imunomediada, temos classicamente a alergia alimentar mediada por IgE, que 4747 47 envolve uma resposta de hipersensibilidade aguda a um antígeno alimentar (geralmente leite de vaca, ovos, amendoim e crustáceos) ou respostas não-mediadas por resposta imune, onde estão as intolerâncias alimentares, que geralmente envolvem defeitos enzimáticos. Devido à similaridade de alguns sintomas, os diagnósticos que diferenciam as duas condições é fundamental. 1.1 Reações adversas por alimentos O consumo de alimentos ou bebidas pode provocar efeitos nocivos ao organismo por serem uma fonte de moléculas grandes que tanto podem ser reconhecidas como estranhas, e assim não serem digeridas e absorvidas. Tais substâncias podem não ser metabolizadas e causam manifestações clínicas, como desconforto gastrointestinal devido às suas propriedades farmacológicas, ou ainda são capazes de ultrapassar a barreira intestinal e então serem reconhecidas como antígenos, desencadeando uma resposta imunológica: tanto de combate à infecção mediada pela imunidade inata, em caso de toxinfecção alimentar, como de imunidade adaptativa, em caso de reação de hipersensibilidade ou resposta alérgica. A reação de hipersensibilidade geralmente é desencadeada por uma ou mais proteínas de alimento específico, as quais denominamos de alérgeno. Tal substância deve ultrapassar a barreira gastrointestinal, ser absorvida e ser capaz de produzir uma resposta imune em indivíduo sensibilizado. De maneira geral, a própria proteólise, a acidez estomacal, a ação das enzimas pancreáticas e a secreção de IgA (Imunoglobulina A) – promovida pela sinalização de interleucina-10 e 4848 Fator de Transformação do crescimento (TGF-beta) – são consideradas uma proteção física contra a resposta alérgica. No entanto, quando esta barreira falha, pode ocorrer uma sensibilização dos mastócitos, geralmente mediada por IgE, o que desencadeará uma reação alérgica clássica em contato posterior ao agente alergênico. Não se sabe porque alguns indivíduos são mais suscetíveis a desenvolver reações adversas a alimentos: quanto a alergias, algumas evidências relatam que a hereditariedade – com destaque ao polimorfismo no gene CD14, associado à alta produção de IgE (Imunoglobulina E) – a interação entre fatores ambientais (como mudanças nos padrões de dieta), a composição da microbiota intestinal (especialmente na primeira infância), a ausência de aleitamento materno e outra condição de saúde associada, como dermatite atópica e eczema, relacionam-se ao maior risco de desenvolvimento de alergias alimentares. Por outro lado, o desenvolvimento de intolerância alimentar não está associado a fatores genéticos, mas sim a condições ambientais: a deficiência de enzimas digestivas responsáveis pela clivagem de certos carboidratos relaciona-se com a redução do consumo destas substâncias que precisam ser hidrolisadas e, assim, a “não utilização” das enzimas produzidas. Como consequência, o organismo entende que não é necessário “fabricar” enzimas que não serão utilizadas e estas passam a não ser sintetizadas mais. Com base no que foi descrito, podemos classificar as reações adversas a alimentos segundo o mecanismo patológico envolvido. De forma a facilitar tal classificação, a Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI) elaborou o fluxograma abaixo. 4949 49 Figura 1 – Fluxograma de classificação para reações adversas a alimentos Fonte: adaptada de Ortolani e Pastorello (2006). É importante ressaltar que reações adversas a alimentos imunomediadas são classicamente IgE dependentes. A contribuição de reações não mediadas por IgE em alergias alimentares não é muito clara. Entretanto, sabe-se que a hipersensibilidade mediada por linfócitos T pode desempenhar papel significativo na doença celíaca (uma doença autoimune), gastroenterites eosinofílicas e doenças inflamatórias intestinais, como colite. Por outro lado, reações não imunomediadas mais conhecidas envolvem falhas na produção de enzimas. Quanto às reações farmacológicas, estas podem ser veiculadas por microrganismos capazes de desencadear doenças veiculadas por alimentos, em casos de contaminação, ou ainda toxinas endógenas, naturais de certas plantas, ou exógenas, resultantes do processamento e estocagem de alimentos, cuja ingestão em grande quantidade pode gerar sérios problemas toxicológicos, como encefalopatia, alucinações e doenças hepáticas. Como exemplos, podemos citar as aflatoxinas, provenientes de amendoins e grãos contaminados, ou a acroleína, um aldeído formado através do aquecimento excessivo e por longo tempo de óleos e gorduras. 5050 1.1.1 Aspectos clínicos de alergias e intolerâncias alimentares Devido ao aumento da frequência de doenças relacionadas com reações adversas a alimentos, conhecer os sintomas característicos de cada quadro torna-se fundamental para se fazer o diagnóstico diferencial. De maneira geral, reações IgE mediadas envolvem sintomas cutâneos, cardiovasculares, do trato respiratório e gastrointestinal. Interessantemente, não se tem uma previsibilidade da gravidade da resposta alérgica a um mesmo antígeno, uma vez que a variabilidade da reação depende da sinergia entre o consumo do alérgeno e presença de algum outro agravante, como consumo de aspirina, álcool, inibidor de ECA (Enzima conversora de angiotensina) ou betabloqueadores. A anafilaxia, definida como uma resposta aguda a alérgeno com evolução usualmente rápida (5 a 30 minutos), podendo ter intensidade leve, moderada ou até mesmo ser fatal, é considerada a forma mais grave de hipersensibilidade induzida por alimentos, sendo que o choque anafilático por alimentos é reconhecido como a mais importante causa de anafilaxia fora do âmbito hospitalar. Muitos dos sintomas envolvidos em alergias e intolerâncias alimentares são similares e tais condições podem ser confundidas. Desta forma, a exclusão da presença de intolerância alimentar deve ser considerada ao se fazer o diagnóstico de alergias. O quadro abaixo representa sintomas mais comuns identificados em alergias e intolerâncias alimentares. Quadro 1 – Sintomas de alergia versus intolerância alimentar Manifestação Alergia Intolerância Dor abdominal X X Náuseas e Vômitos X X Diarreia X X Hemorragia gastrointestinal X 5151 51 Urticária X X Eczema X X Inchaço abdominal X Flatulência X Enxaquecas X X Estreitamento de vias aéreas X Asma X Hipotensão X Arritmia cardíaca X Anemia hemolítica X Fonte: adaptado de Ortolani e Pastorello (2006); Mahan e Escott-Stump (2010). 1.1.2 Diagnóstico de alergia alimentar Além da presença de sintomas, testes clínicos e de anamnese são utilizados para diagnóstico de alergia alimentar. A análise precisa de tal quadro é fundamental para que não sejam retirados alimentos desnecessariamente da dieta, o que pode afetar o estado nutricional do indivíduo. O primeiro instrumento para diagnóstico diferencial de alergia é a história clínica do paciente. Neste contexto, dados como presença de sintomas e tempo médio entre a ingestão do alimento específico e a observação das manifestações clínicas são os principais fatores a serem observados nesta anamnese. Para tal, um diário de alimentos e sintomas, de sete a 14 dias, pode ser útil se for verificada uma reação geral a alimentos específicos com sintomas crônicos, mas não com alimentos suspeitos específicos (MAHAN e ESCOTT-STUMP, 2010). É importante observar o tempo de latência entre a ingestão do alimento isolado e o aparecimento dos sintomas, se há recorrência das manifestações com o mesmo alimento ou derivados deste, e se a resposta é rápida/aguda. 5252 Além do diário alimentar, deve se ter em conta a presença de outros fatores possivelmente alergênicos no recordatório clínico, como presença de animais de estimação,local de residência (há poeira? Areia?), além de mensurações de peso e estatura dos pacientes. Isso porque a perda de peso recorrente em casos de hipersensibilidade, bem como reservas de gordura e músculos abaixo do normal, pode ocorrer em virtude da má-absorção de nutrientes e, assim, afetar os resultados de testes cutâneos de identificação específica para um antígeno. Uma vez que a dermatite atópica é observada em alergias alimentares, testes cutâneos para diagnóstico do alérgeno são em geral a primeira escolha para diagnóstico diferencial de reações de hipersensibilidade. Dentre as vantagens destes testes, estão o valor econômico (é barato) e a rapidez do resultado, quase que instantâneo. A técnica baseia-se em comparações do diâmetro de pápulas ou tamanho das estrias formadas após injeção subcutânea de alérgeno na pele do indivíduo com um controle de histamina. Em caso positivo, o antígeno irá mediar uma resposta por IgE, mastócitos e histamina, produzindo imediatamente uma pápula de dimensão variável. É importante ressaltar as limitações destas técnicas, que podem envolver falso-positivos devido à reatividade cruzada entre alimentos (por exemplo, 50% das pessoas com teste positivo para alergia a amendoim também apresenta positivo para outros legumes, os quais não causam resposta de hipersensibilidade). Ainda, distorções entre a composição dos extratos disponíveis comercialmente para a realização dos testes (Skin Prick Testing) e os alimentos na forma em que são consumidos podem ocorrer. Dessa forma, antes de algum alimento ser considerado como potencialmente alergênico, os resultados do teste cutâneo positivo, bem como evidências clínicas fortes oriundas da anamnese devem ser relacionados. Com base nos resultados obtidos, a eliminação dos alimentos suspeitos é uma ferramenta diagnóstica para que se tenha correlação precisa entre a ingestão do alimento e a presença das manifestações clínicas. Para tal, devem ser eliminadas da dieta todas as formas 5353 53 dos alimentos que contenham o antígeno suspeito (cozidos, crus, derivados ou processados) por um período curto de tempo (entre 7 e 14 dias). Para assegurar que todos os alimentos suspeitos tenham sido eliminados, deve ser realizado o registro alimentar da dieta. O uso de testes imunológicos de ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) e RAST – (RadioAllergoSorbent) envolvem a medida sérica de anticorpos IgE frente a diferentes alérgenos de origem alimentar, podendo ser utilizado um pool de alérgenos da mesma categoria para screening, e então alérgenos isolados. No entanto, tais testes são mais caros e mais utilizados em pesquisas ou em caso de doenças cutâneas que impossibilitem a realização de testes cutâneos. Ainda há um risco de ocorrência de reação sistêmica quando a sensibilização do indivíduo por determinado alérgeno for muito grande. Apesar destas possibilidades, bem como cada vez mais métodos diagnósticos sendo desenvolvidos, o padrão ouro e único teste validado para detecção de alergia alimentar é o teste de provocação alimentar conhecido como DBPCFC (teste de provocação alimentar duplo-cego e placebo-controlado). No entanto, tal teste é complexo, especialmente por consumir tempo do paciente e equipe preparada. O método consiste na administração de quantidades crescentes do alimento/alérgeno a ser testado, seco ou liofilizado em cápsulas opacas, ou do placebo, que é uma substância certamente inerte (como dextrose) ao paciente em cápsula com mesma aparência por intervalos de tempo diferentes (a cada 15 a 60 minutos) até que hajam sintomas subjetivos (reações orofaríngeas, vômitos, náuseas e dores abdominais) ou objetivos (urticária, inchaço facial, rinoconjuntivite, vômito, diarreia, dispneia, taquicardia e bronco-constrição) e estes permaneçam por até 3 doses subsequentes. De forma a evitar qualquer risco de vida ao paciente, o DBPCFC é realizado no hospital, com socorristas treinados e medicação de emergência totalmente disponíveis. A menor dose capaz de induzir manifestações clínicas de reação alérgica, chama-se dose provocadora, e as concentrações anteriores a esta são consideradas toleráveis. 5454 Os sintomas causados pela provocação oral são ranqueados em uma escala adaptada do escore de Mueller para alergia a insetos (MUELLER HL, 1966), conforme abaixo. • Muller 0: sintomas orofaríngeos. • Muller 1: sintomas de pele (urticária, prurido, angioedema). • Muller 2: sintomas gastrointestinais (diarreia, vômito, náusea, dor abdominal). • Muller 3: sintomas respiratórios (edema de laringe, asma, rouquidão). • Muller 4: sintomas cardiovasculares (hipotensão e choque). 1.1.2.1 Reatividade cruzada Proteínas que compartilham a mesma sequência de aminoácidos e que contêm um determinado epítopo alergênico são capazes de produzir reações cruzadas. Algumas proteínas alergênicas possuem uma distribuição bastante ubíqua entre os alimentos e são denominadas de pan-alérgenos, como é o caso das profilinas em plantas. Entretanto, é importante ressaltar que proteínas podem apresentar reatividade cruzada a nível laboratorial, e isto não se refletir na mesma sintomatologia clínica, como é o caso da resposta positiva para alérgeno do amendoim (sintomática) e da soja (não sintomática), ambas reações IgE mediadas. Contudo, é importante ressaltar que algumas reações cruzadas são importantes clinicamente por gerarem manifestações de intensidade variável, especialmente nas que se referem a reações a produtos alimentícios específicos como, por exemplo: o leite de vaca, onde pacientes alérgicos em geral apresentam elevadas taxas de reação cruzada com outros leites, como cabra e búfala; as proteínas da clara do ovo de galinha, que também reagem à clara de ovo de outras aves; e a alergia a gema de ovo, capaz de reagir à carne de frango. 5555 55 As reações cruzadas mais conhecidas são a alergia ao látex, que possui uma incidência de reatividade alta frente a algumas frutas, como banana, abacate e maracujá, e a síndrome do pólen-fruta, muito frequente na Europa, que ocorre durante a inalação de pólen, e que as proteínas presentes nestas plantas podem apresentar reatividade cruzada com algumas frutas, especialmente cruas. O quadro 2 apresenta alguns dos alérgenos alimentares com maior potencial de riscos de reatividade cruzada. Quadro 2 – Reatividade cruzada de alimentos alergênicos Causa da alergia Reação cruzada Proteína comum % de risco Castanhas Castanha do Pará, avelãs, nozes, amêndoas Prolaminas 37 Crustáceos Caranguejo, siri, ácaros, baratas Propomiosina 75 Leite de vaca Leite de cabra Caseínas e proteínas do soro 92 Pólen Frutas e vegetais crus Proteases 55 Látex Kiwi, banana, abacate, maracujá, batata branca, tomate, mandioca Proteínas de transferência de lipídeos (LPT) 35 Fonte: adaptado de Solé et al. (2018). 1.1.3 Tratamento da alergia alimentar por dieta O tratamento para alergia alimentar consiste basicamente na exclusão da proteína alergênica da dieta. Entretanto, o grande entrave diz respeito a possíveis deficiências nutricionais que poderão ser observadas e a possível necessidade de suplementação de vitaminas e minerais. Tal situação é mais delicada quando se trata de alergia ao leite de vaca em crianças. Fórmulas lácteas hidrolisadas extensamente devem ser usadas como substitutas; ou fórmulas utilizando extratos vegetais, como soja, especialmente em quadros clássicos mediados por IgE. 5656 Alergias alimentares em pacientes pediátricos podem desaparecer com o tempo, sendo que a tolerância oral em alérgicos ao leite, ovos e soja parecem resolver mais rapidamente que a proteínas do amendoim, peixes e crustáceos. A fim de observar uma possível tolerância, uma concentração baixa do alergênico pode ser administrada à criança a cada 6 a 12 meses de dieta de exclusão. Outro problema encontrado nas dietas de completa eliminação do antígeno responsável pela alergia consiste na presença deste componente,