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Nutrição Materno-Infantil Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Lactação e Leite Materno Lactação e Leite Materno • Compreender as mudanças fisiológicas do período de lactação que interferem nas necessidades nutricionais da nutriz; • Conhecer as características nutricionais do leite materno para ser capaz de planejar e elaborar orientações alimentares para esse público. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Fisiologia da Lactação; • Recomendações Nutricionais para a Nutriz; • Composição Nutricional do Leite Materno: Aspectos Nutricionais e Imunológicos; • Técnicas de Aleitamento Materno ; • Aspectos Psicológicos do Aleitamento Materno. UNIDADE Lactação e Leite Materno Contextualização O aleitamento materno envolve diversos fatores: fisiológicos, ambientais, emo- cionais e socioculturais. É composto pela lactação e a amamentação, que são bem diferentes uma da outra: a lactação diz respeito apenas às condições fisiológicas do estado materno/bebê, a amamentação vai muito além. Almeida e Novak (2004), no artigo “Amamentação: um híbrido natureza-cultura”, relatam que: As questões relacionadas à prática da amamentação têm sido objeto de interesse para diferentes atores e grupos sociais ao longo da história. Em todas as épocas, o ser humano foi levado a construir rotas alternativas para responder à demanda das mulheres que, por opção ou imposição, trilharam o caminho do desmame precoce. Desde a secular figura da ama-de-leite até a emblemática vanguarda científica construída pelo ma- rketing dos fabricantes de leites modificados, a alimentação do lactente tem servido a propósitos que não se circunscrevem exclusivamente às questões ligadas à saúde, denotando, em muitas situações, interesses re- lacionados à modulação de comportamento social e à oportunidade de auferir lucros de toda espécie. (ALMEIDA; NOVAK, 2004) Esses autores discutem os aspectos culturais que permeiam o aleitamento materno e nos fazem refletir sobre o papel da mulher como nutriz e as dificuldades encontradas para que esse gesto de amor e promoção de saúde seja concretizado. Vale a pena a leitura! “Amamentação: um híbrido natureza-cultura”. Disponível em: https://bit.ly/31j9zzC Além de entendermos os aspectos socioculturais que estão associados ao aleita- mento materno, é essencial o conhecimento das alterações fisiológicas e necessidades nutricionais da lactante ou nutriz, bem como a composição nutricional do leite materno e seus benefícios, para que possamos defender e promover condições para o manejo adequado e facilitado. Todos esses assuntos serão abordados nessa unidade e as principais questões são: como o corpo da mãe se ajusta para a produção do leite materno? Quais são as vanta- gens da amamentação natural em comparação com a amamentação com outros tipos de leite? Como é possível ajustar algumas técnicas de aleitamento para facilitar o processo? Vamos juntos nessa descoberta? 8 9 Fisiologia da Lactação As mamas, embora rudimentares nos homens, existem em ambos os sexos e são estruturas anexas à pele especializadas na produção de leite. Nas mulheres, desen- volvem-se e se diferenciam na puberdade, atingindo o seu maior desenvolvimento na gravidez e na lactação (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). São compostas internamente por ductos lactíferos, alvéolos, células mioepiteliais, lóbulos, tecido conjuntivo e, externa- mente, por mamilo, aréola e corpúsculos de Montgomery (Figura 1) (VÍTOLO, 2015). Parede torácica Costelas Músculos peitorais Lóbulos Aréola Mamilo Ducto lactíferos Tecido adiposo Pele Figura 1 – Glândula mamária e estruturas Fonte: Adaptado de Getty Images A mamogênese (desenvolvimento da glândula mamária) apresenta dois momentos de desenvolvimento: na puberdade e na gestação. Logo no início da gestação, p ela ação dos hormônios do corpo lúteo e da placenta, ocorre a proliferação dos ductos, ra- mificações e formação lobular, a aréola aumenta de tamanho e escurece, porém, após o período de lactação, o grau de pigmentação vai diminuindo embora não retorne em absoluto à cor original. Na aréola, é possível observar pequenas papilas constituídas por uma glândula sebácea, que correspondem às glândulas de Montgomery, que se hipertrofiam na gravidez e lactação e produzem secreções oleosas e antissépticas com função protetora da aréola e do mamilo. Há também a neoformação de ácinos, responsável pelo aumento de volume da glândula mamária (Figura 2). No final da gestação, o desenvolvimento da mama é evidente e a secreção do colostro identificada pela maioria das grávidas (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009; VÍTOLO, 2015). Ácino: conjunto de células que se assemelha a muitos lóbulos “bagos’”, semelhante a cachos de uva. 9 UNIDADE Lactação e Leite Materno Lóbulos Pele Ductos Papila Gordura Não Grávida Grávida Figura 2 – Desenvolvimento das mamas durante a gestação Fonte: Adaptado de Getty Images A prolactina também tem uma ação importante no desenvolvimento mamário, promovendo, em torno do terceiro mês de gestação, a secreção de um líquido que lembra o colostro. A partir do segundo trimestre, o hormônio lactogênio placentário (após o desenvolvimento mamário promovido pelo estrogênio e progesterona) é res- ponsável pela síntese do colostro. O processo de lactação acontece em quatro estágios, com características distintas (VÍTOLO, 2015): Tabela 1 Estágio 1 No último trimestre da gravidez, inicia-se a lactogênese – aumento significa- tivo na produção de lactose, proteínas totais e imunoglobulinas, além da dimi- nuição de sódio e cloretos. No pós-parto, é quando a lactação se inicia de fato, decorrente da queda dos níveis de progesterona e manutenção dos níveis de prolactina elevados. Até o terceiro ou quarto dia, esse processo não depende da sucção da criança. Estágio 2 Apojadura ou descida do leite: há um aumento de fluxo sanguíneo e captação de glicose e oxigênio, durando de dois a três dias após o parto. Estágio 3 Galactopoese: manutenção da lactação por meio da ação do eixo hipotálamo-hipó- fise, que deve manter a produção de prolactina e ocitocina. O processo de lactação exige a produção de leite no alvéolo e a sua saída pelos ductos lactíferos. Quando o leite não é extraído, ocorre um aumento de pressão nos capilares, inibindo a nova síntese de leite. Por isso é tão importante que o bebê faça a sucção nesta fase, para que a produção de leite seja estimulada a partir do sinal enviado ao hipotálamo que irá estimular a hipófise anterior de modo a produzir prolactina e a hipófise posterior a produzir ocitocina (Figura 3). 10 11 Prolactina de sangue Impulsos sensoriais do mamilo A visão da criança ajuda o re�exo Impulsos sensoriais do mamilo ajudam o re�exo Ocitocina no sangue Ansiedade, dor ou dúvidas podem inibir o re�exo Som da voz da criança ajuda o re�exo Figura 3 - Refl exo da prolactina ou estímulo da produção de leite (esquerda) e refl exo da ocitocina, ou ejeção do leite (direita) Fonte: Adaptado de Getty Images Durante o processo de amamentação, o nível basal de prolactina irá se manter sempre elevado e aumentará ainda mais cada vez que o bebê mamar. Cerca de 3 horas após a mamada, o nível de prolactina atinge o seu pico para ir baixando gra- dualmente. Se o bebê voltar a mamar antes de esse hormônio alcançar o seu nível basal, o novo pico de prolactina irá alcançar valores ainda mais altos. Isso explica por que dar de mamar frequentemente, mesmo que de forma breve, estimula mais a produção de leite do que mamadas prolongadas, bem como reforça a importância de amamentar de maneira correta, possibilitando que o bebê sugue adequadamente. Durante a noite, tanto os níveis basais como os picos de prolactina apresentam valores mais elevados, justificando a importância das mamadas noturnas para a ma- nutenção da amamentação. Após alguns meses de amamentação, o nível basal e os picos de prolactina diminuem, mesmo a quantidadede leite produzida sendo maior. (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). A progesterona é considerada o principal hormônio inibidor da prolactina, sendo necessária sua redução para o início da lactogênese. O estrogênio, por ser antago- nista da prolactina, também tem efeito negativo na lactação. Por que não se recomenda o uso de anticoncepcionais à base de estrogênio e/ou progeste- rona durante a lactação? A ocitocina irá atuar nas células mioepiteliais, que circundam as células alveola- res, contraindo-as, assim, o leite dentro das células alveolares vai ser ejetado para dentro dos ductos lactíferos. Também atua na musculatura lisa do útero, contraindo-a e possibilitando às mulheres que amamentam uma involução do útero mais rápida (VÍTOLO, 2015). O reflexo de ocitocina, ou reflexo de ejecção do leite, pode ser desencadeado de forma espontânea (estímulos visuais, táteis, olfatórios ou auditivos), não sendo 11 UNIDADE Lactação e Leite Materno imprescindível a estimulação física da mama. O fato de ouvir o bebê chorar, ou pensar carinhosamente no bebê, mesmo estando longe dele, já é suficiente para es- timular a ejeção. Há mulheres que relatam essa sensação como “formigamento” da mama acompanhada de gotejamento, mas há mulheres que não experimentam essa sensação, mesmo amamentando normalmente. A insegurança ou o medo podem inibir temporariamente o reflexo de ejeção do leite e dificultar a amamentação através de dois mecanismos: com a inibição direta do reflexo de oxitocina e a libertação de um antagonista, a adrenalina (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009; VÍTOLO, 2015). Podemos nos embasar neste fato para explicar- mos porque algumas mulheres passam por períodos conturbados durante a lactação e acabam por diminuir a produção de leite. Tanto a oxitocina como a prolactina são transportadas no sangue e chegam simul- taneamente a ambas as mamas. Porém, é comum observarmos mães que amamen- tam apenas em uma das mamas, deixando a outra inativa, o que pode contribuir para um desequilíbrio no autocontrole. Embora saibamos que o não esvaziamento da mama pressione os capilares e atrapalhe o estímulo de produção dos hormônios, também já é conhecida a ação do fator de inibição da lactação (FIL – peptídeo identificado no leite humano e no de outros mamíferos) que atua localmente, sendo responsável pelo controle autócrino da glândula mamária. Quando o bebê mama, extrai o inibidor e de- sencadeia a produção de mais leite. Se, pelo contrário, não mamar ou mamar pouco, o inibidor permanece na mama e frena a produção (ÓRFÃO; GOUVEIA, 2009). Diante do que falamos até agora, é possível observar que a maior parte das dificul- dades no processo de amamentação que poderia estar relacionada à fisiologia está associada à secreção de ocitocina, que é mais fácil de ser controlada e manejada, desde que a mãe receba orientação e apoio adequados. Após a compreensão das alterações pelas quais a mulher passa para estar pronta para o processo de amamentação, podemos iniciar os estudos sobre as recomenda- ções nutricionais para esse estado fisiológico. Recomendações Nutricionais para a Nutriz Considerando a necessidade de um desempenho adequado na lactação, podemos afirmar que o acompanhamento do estado nutricional da mulher durante a ama- mentação é tão importante quanto a assistência nutricional pré-natal. Nesta fase, um bom acompanhamento nutricional é capaz de reduzir os riscos à saúde tanto da mãe quanto do filho, por garantir à lactante suas necessidades nutricionais (preservação do estado nutricional materno), bem como do recém-nascido, já que uma mãe, em estado nutricional adequado, será capaz de produzir leite de qualidade. Em relação aos aspectos fisiológicos, espera-se uma perda de peso gradual de 0,6 a 0,8 kg/mês, nos primeiros 6 meses pós-parto. Caso as perdas de peso sejam 12 13 superiores a 2 kg/mês, podem representar risco ao processo de lactação e à saúde materna, especialmente para mulheres eutróficas ou com baixo peso. Mesmo que a perda de peso durante a lactação seja algo fisiológico, aproximadamente 20% das mulheres em lactação podem manter ou, até mesmo, ganhar peso. O mais importante na avaliação nutricional da nutriz é o acompanhamento da perda de peso e das reservas gordurosas, bem como os aspectos qualitativos da dieta, com o objetivo de prevenir perdas acentuadas da reserva gordurosa adquirida no período gestacional, garantindo substratos para a produção adequada de leite materno (ROSSI, 2015). Em relação às necessidades energéticas, estima-se que sejam necessários cerca de 900kcal para a produção de 1L de leite. Considerando que a média de produção materna é de aproximadamente 850mL/dia, é considerado um adicional energético de 500kcal para a lactante (OMS, 1985). Porém, visto que a produção de leite diminui após o bebê iniciar a introdução alimentar, o IOM (Institute of Medicine) recomenda que esse adicional seja reduzido para 400kcal após os seis meses de lactação (VÍTOLO, 2015). A utilização do adicional calórico irá depender do peso atual e pré-gestacional da mãe, e, também, da perda de peso identificada durante a lactação. Caso seja neces- sário, é possível ajustar o adicional calórico ou, até mesmo, não o utilizar. Para lactantes com estado nutricional normal, o Gasto Energético Total (GET) deve ser realizado com a utilização do peso pré-gestacional; para lactantes obesas, deve-se utilizar o peso pré-gestacional visando ao restabelecimento do estado nu- tricional e, para lactantes com baixo peso, utilizar o peso desejável que pode ser calculado por meio do IMC ideal (MUSSOI, 2014). Para o cálculo das necessidades energéticas, considerar o GET mais o adicional de lactação. As recomendações de proteína para mulheres que estão amamentando baseiam- -se na composição do leite e na quantidade média produzida por dia. Recomenda-se 1,3 g/kg/dia (peso pré-gestacional) ou de 10 a 35% do valor energético total do intervalo aceitável de distribuição de macronutrientes (IOM,1992). Em relação aos carboidratos, o consumo da mãe não influencia a composição do leite, o que já não acontece com os lipídios, cuja composição de ácidos graxos pode interferir na qualidade do leite. Os percentuais desses macronutrientes no total da dieta seguem as recomendações para mulheres não gestantes. A alimentação da lactante deve oferecer variedade qualitativa, principalmente em relação aos micronutrientes, para garantir que suas reservas não sejam utilizadas para a produção do leite, comprometendo sua saúde e, também, a composição do leite. Uma dieta variada e baseada nas recomendações dos guias alimentares pode garantir a disponibilidade desses nutrientes. Mas, nos casos em que a alimentação 13 UNIDADE Lactação e Leite Materno materna não segue um padrão adequado, muitas vezes, torna-se necessário lan- çar mão de suplementação para garantir as condições de saúde da mãe e do bebê (VÍTOLO, 2015; ROSSI, 2015). A ingestão adequada de líquidos favorece a produção de leite e recomenda-se a ingestão de 2 a 3L/dia, podendo ser composta por água, sucos, chá de ervas claras, leite e outros, exceto bebidas açucaradas. Composição Nutricional do Leite Materno: Aspectos Nutricionais e Imunológicos O aleitamento materno é o modo mais apropriado e seguro de alimentação na primeira infância. Proporciona uma combinação única de proteínas, lipídios, carboi- dratos, minerais, vitaminas, enzimas e células vivas, assim como benefícios nutricio- nais, imunológicos, psicológicos e econômicos reconhecidos e inquestionáveis. O leite secretado do nascimento até uma semana depois é denominado colostro, do sétimo ao décimo dia é chamado de leite de transição e somente após o décimo dia é classificado como leite maduro. O colostro é um líquido amarelado e espesso, rico em proteínas (imunoglobulinas) e com menor conteúdo de gorduras e lactose. As proteínas do colostro estão muito mais relacionadas com os aspectos imunológicos do que nutricionais, visto a necessi- dade de proteçãoque o recém-nascido apresenta nessa fase extrauterina. A coloração amarelada do colostro é decorrente da grande concentração de vitaminas lipossolúveis e carotenoides. Há notória concentração de Na, K, Cl e Zn e a presença de imunoglo- bulinas é altíssima, mas vai diminuindo até o terceiro dia, o que torna muito importante que o bebê receba o colostro nas primeiras 48h (VÍTOLO, 2015). Além dos anticorpos, o colostro humano contém inúmeros fatores bioquí- micos e células imunocompetentes, que interagem entre si e com a muco- sa dos tratos digestivo e respiratório do lactente, conferindo não apenas imunidade passiva, como também estímulo ao desenvolvimento e matu- ração do próprio sistema imune de mucosas do neonato. (PASSANHA; CERVATO-MANCUSO; SILVA, 2010) Na tabela a seguir, podemos observar uma síntese dos principais nutrientes e como compõem o leite materno maduro. Tabela 2 – Composição Nutricional do Leite Humano (LH) Nutriente Descrição Água Compõe 88% do leite e o aleitamento em livre demanda mantém o bebê hidratado. Proteínas Em comparação com os leites de outros mamíferos, o LH tem o menor teor de proteínas. Inclui caseína e lactoalbuminas (proteínas do soro), principalmente a alfa-lactoalbumina, importante para a síntese de lactose, e os fatores de pro- teção, como lactoferrina, lisozima e imunoglobulinas. A relação soro/proteína forma um coalho gástrico mais suave, reduzindo o tempo de esvaziamento do estômago e facilitando a digestão. Contém glutamina e carnitina. 14 senac Realce 15 Nutriente Descrição Aminoácidos Composição perfeitamente adequada, com reduzida quantidade de fenilalanina e tirosina. Presença de taurina (que não está presente no leite de vaca) e relação metionina/cistina adequada. Lipídios Componente mais variável do LH, fornece de 35 a 50% do total de energia ne- cessária ao bebê. Incluem os triglicérides, os fosfolípides e o colesterol, além dos ácidos graxos livres, e são derivados de gordura circulante proveniente da dieta e da reserva corporal materna ou sintetizados na própria mama a partir da glicose. Colesterol Altas concentrações, elevando os níveis sanguíneos de bebês em aleitamento natural em comparação com aleitamento artificial. Isso promove melhor dispo- nibilidade de colesterol para o cérebro em desenvolvimento. Ácidos graxos essenciais Melhor fonte desses nutrientes, com maiores concentrações de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, que são essenciais para o desenvolvimento normal dos lactentes, com destaque para o ácido docosahexaenoico (DHA), pela importância no desenvolvimento cerebral e da retina, e o ácido araquidônico, como precursor de prostaglandinas e leucotrienos. Carboidrato O principal é a lactose que metaboliza galactose (matéria prima para a substân- cia branca do cérebro em crescimento), facilita a absorção de cálcio e a coloniza- ção da microbiota intestinal. Minerais Concentração 1/3 menor quando comparado ao leite de vaca. Junto ao teor pro- teico reduzido, contribui para uma dissolução dos compostos sólidos. Propor- ciona alta biodisponibilidade de cálcio (relação cálcio/fósforo adequada), ferro e zinco, além de conter quantidades adequadas de sódio. Vitaminas do Com- plexo B e Vitaminas C (hidrossolúveis) A concentração depende da alimentação da nutriz, sendo necessária a atenção, principalmente na presença de práticas de restrição alimentar, como vegetaria- nismo ou dietas inadequadas em aspectos qualitativos. Adaptado de GUILHERME; NASCIMENTO (2013) Quanto aos aspectos imunológicos, eles estão associados à sua perfeita compo- sição e pureza, de forma a garantir um efeito protetor em relação à morbidade e à mortalidade da criança. Os anticorpos presentes no leite materno podem combater diversos microrganismos com os quais a mãe entrou em contato durante toda sua vida, e que ela já desenvolveu alguma defesa. As propriedades do leite humano capazes de estimular o sistema imunológico incluem o fornecimento de imunoglobulinas, IgA, IgM, IgD, IgE, IgG, (predominância da IgA), lisozima, lactoferrina, componentes do sistema do complemento (C3, C4), peptídeos bioativos, oligossacarídeos e lipídios com fator antiestafilococos e ação de inativação de vírus, além de fagócitos polimorfonucleares, linfócitos, macrófagos, nucleotídeos, plas- mócitos e células epiteliais (PASSANHA; CERVATO-MANCUSO; SILVA, 2010). O sistema imunológico. Disponível em: https://youtu.be/9tTKXhcLpf4 O que é uma imunoglobulina. Disponível em: https://youtu.be/Ct5wrqvfjs4 Além disso, o aleitamento prolongado traz benefício extra ao final do primeiro e segundo anos de vida, quando a incidência de diarreia é maior. A presença de leite no lúmen intestinal estimula o desenvolvimento de sua mucosa e a atividade da enzima lactase. Também é marcante a influência que o LH exerce sobre a compo- sição da microbiota intestinal do RN. Há a predominância das bifidobactérias e os oligossacarídios auxiliam na promoção do desenvolvimento da flora bífida, através 15 UNIDADE Lactação e Leite Materno da queda do pH, que impedem a multiplicação de enterobactérias, exercendo papel importante na prevenção de doenças infecciosas no recém-nascido. No que diz respeito às diferenças que podem trazer prejuízos ao bebê, além das diferenças nutricionais (Tabela 3), no leite de vaca há predomínio de beta- -lactoglobulina, proteína altamente alergênica e detectada no leite humano em pequenas quantidades, provavelmente originada de da ingestão de leite de vaca pela nutriz. O contato precoce do bebê com essas substâncias pode desenca- dear reações de curto, médio e longo prazo, relacionadas à produção de hista- mina ou imunoglobulinas em defesa a substâncias alergênicas (GUILHERME; NASCIMENTO, 2013). Tabela 3 – Comparação nutricional entre o leite materno e o leite de vaca Nutriente Leite Materno Leite de vaca Leite modificado (Fórmula) Proteína Quantidade adequada, fácil de digerir Excesso, difícil de digerir Parcialmente modificado Lipídios Suficiente em ácidos graxos essenciais, lipase para digestão Deficiente em ácidos graxos essenciais, não apresenta lipase Deficiente em ácidos graxos essenciais, não apresenta lipase Minerais Quantidade correta/ equilibrado Em excesso (desequilibrado) Parcialmente correto/ parcial-mente equilibrado Ferro Pouca quantidade, bem absorvido Pouca quantidade, mal absorvido Adicionado, mal absorvido Vitaminas Quantidade suficiente Deficiente A e C Vitaminas adicionadas Água Suficiente Necessário extra Necessário extra Fonte: Adaptado de OMS, 2005 Fica claro que o leite materno é o melhor alimento para o recém-nascido e o bebê nos primeiros meses de vida. O uso de outros tipos de leites, fórmulas ou alimentos, além de não oferecer componentes protetores, pode provocar doenças no recém-nascido. Técnicas de Aleitamento Materno Embora a amamentação seja a maneira mais natural de alimentar do bebê, tanto as mães, quanto os bebês e a família precisam de um tempo para adaptação. Ama- mentar nem sempre é fácil, principalmente nos primeiros dias, e exige muita paciên- cia e persistência, além de apoio e informação. Para a promoção adequada da amamentação, é importantíssimo que o modo como se amamenta esteja correto, ou seja, posição e pega adequadas, para proporcionar bem estar à mãe e ao bebê. Para tanto, são necessários alguns requisitos (TERUYA; BUENO, 2013): Posição adequada: • cabeça e corpo do bebê alinhados; • boca de frente para a região mamilo-areolar; 16 17 • corpo do bebê próximo e voltado para a mãe; • nádega do bebê apoiada (se for recém-nascido). Pega adequada (encaixe adequado da boca do bebê ao peito da mãe): • boca bem aberta; • lábios virados para fora; • queixo tocando o peito; • visualização maior da parte de cima da aréola. Quando cumpridos esses requisitos, a sucção é favorecida e não machuca e nem causa dores na mãe. Se, durante a amamentação, a mãe sentir dor, é sinal de pega incorreta, sendo necessário retirar cuidadosamenteo bebê da mama e colocá-lo de novo, de forma correta. A posição da amamentação deve ser confortável e há formas variadas de ser feita, conforme interação da mãe com o bebê (Figura A). O apoio à mama deve ser sempre em formato de “C” (Figura 5), evitando o apoio em forma de tesoura, que impede a passagem do leite pelos ductos. A B C D A D E B C Figura 4 – Tipos de posição para a amamentação Adaptado de Getty Images A) Posição Tradicional: sentada, a mulher posiciona o bebê no colo (barriga com barriga). B) Posição Invertida: a mãe posiciona o bebê com os pés em direção à cabeceira da cama ou poltrona. C) Posição de Jogador de Futebol Americano: mulher sentada com o bebê posicionado na sua lateral. D) Po- sição deitada: mulher deitada, junto ao bebê, com apoio de um travesseiro para que a cabeça do bebê fica mais alta que o corpo. E) Posição cavalinho: mulher sentada com o bebê apoiado ao seu corpo verticalmente. A mãe apoia a cabeça do bebê com uma mão e com a outra posiciona a mama. 17 UNIDADE Lactação e Leite Materno Figura 5 – Apoio da mama em formato “C” Fonte: Getty Images Para favorecer e estimular a amamentação, é essencial que o bebê tenha tempo para mamar por completo o leite de uma mama antes de passar para a outra. A dura- ção das mamadas não está relacionada com a quantidade de leite ingerido. O volume de leite ingerido por unidade de tempo varia muito de um lactente para outro, de uma mamada para outra e ao longo de uma mesma mamada. No entanto, o teor de lipídios do leite materno aumenta gradativamente à medida que o bebê mama. O leite disponí- vel no final da mamada, ou seja, quando o bebê esvazia a mama, pode conter 5 vezes mais lipídios do que o do início, sendo ideal que primeiro o bebê esvazie a primeira mama, para depois ocorrer a oferta da segunda mama (GOUVEIA; ÓRFÃO, 2009). Quais são as vantagens nutricionais para o bebê quando a mamada ocorre até o final? Outra forma de promover a amamentação saudável e contínua é amamentar sob livre demanda, ou seja, no momento em que o bebê desejar. Em locais onde o clima é muito quente, o bebê terá mais sede e irá mamar com maior frequência, mesmo sem estar com fome. Destaque: Recomenda-se que a criança seja amamentada desde a primeira hora de vida e sempre que quiser mamar. A quantidade de leite produzida pela mulher depende principalmente do quanto a criança mama. Mais mamadas, mais leite, mais saúde! (BRASIL, 2019). Aspectos Psicológicos do Aleitamento Materno O desenvolvimento da criança depende de suas próprias características, mas tam- bém da interação com o meio em que vive. Tanto as necessidades físicas, quanto as emocionais, como se sentir segura, amada e protegida, precisam ser atendidas. 18 19 Amamentar direto do peito possibilita, através da troca de calor, cheiro, olhares, sons e toques, estimular a criança de forma a ajudá-la a se desenvolver. Sentir-se num colo que a sustente, traz segurança. Receber o leite associado ao carinho do processo de amamentação é importante para o desenvolvimento da criança e o estabelecimento de laços afetivos. Traz benefícios incontestáveis ao bebê, mas tam- bém à mãe (BRASIL, 2019). Embora natural, amamentar é um processo de escolha e persistência. Escolher por amamentar e não conseguir é uma frustração. Escolher não amamentar é um risco ao julgamento, um risco social, um risco à saúde. Escolhas envolvem riscos e resiliência. E, nesse processo de escolha, muitas vezes, a mulher se vê sozinha, por isso é tão importante uma rede de apoio para que o aleitamento materno seja esti- mulado e viabilizado (ALMEIDA; NOVAK, 2004). A mulher precisa de auxílio da família, das empresas, do governo para que possa desempenhar seu papel de mãe e de nutriz. Também precisa de informação, que pode ser obtida através de profissionais da saúde, capazes de orientar de forma acolhedora e humanizada neste momento tão importante da vida da mãe e do bebê. Ao final desta unidade, pudemos compreender como os aspectos fisiológicos, sociais e psicológicos influenciam o estado da nutriz, bem como conhecer algumas formas de auxiliar o binômio mãe-bebê no período de lactação, promovendo saúde e estimulando o aleitamento materno, condição essencial de saúde pública e uma das formas mais simples de prevenir doenças ao longo da vida. 19 UNIDADE Lactação e Leite Materno Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Mês do Aleitamento Materno https://youtu.be/FPNmyUAUTDw Leitura Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia https://bit.ly/3a2lOVj Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia https://bit.ly/33yZ3qM Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos https://bit.ly/31sXqbo 20 21 Referências ROSSI, L. Avaliação nutricional: novas perspectivas. 2. Rio de Janeiro: Roca, 2015. IOM. Institute of Medicine. Nutrition during pregnancy and lactation. An Implementation Guide. Washington: National Academy Press, 1992. VÍTOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2015. OMS. Organización Mundial de la Salud. Necesidades de energía y de proteínas: informe de una reunión consultiva conjunta FAO/OMS/UNU de expertos. Ginebra: OMS, 1985. (Série de Informes Técnicos, 724.) ALMEIDA, J. A. G. de; NOVAK, F. R. Amamentação: um híbrido natureza- cultura. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 80, n. 5, supl. p. s119-s125, Nov. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021- -75572004000700002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11/03/20. ÓRFÃO, A.; GOUVEIA, C. Apontamentos de anatomia e fisiologia da lactação. Rev. Port. Clin. Geral. n. 25, p.347-54, 2009. MUSSOI, T. D. Avaliação nutricional na prática clínica. Rio de Janeiro Guanabara Koogan, 2014. GUILHERME, J. P.; NASCIMENTO, M. P. R. O leite humano – anatomia e fisiolo- gia da lactação. In: BORGES, S. L. Manual de aleitamento materno. Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri: Manole, 2013. TERUYA, K. M.; BUENO, L. G. S. Manejo clínico da amamentação com aconselha- mento e referência. In: BORGES, S. L. Manual de aleitamento materno. Socieda- de Brasileira de Pediatria. Barueri: Manole, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção Primária à Saúde. Depar- tamento de Promoção à Saúde. Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. PASSANHA, A.; CERVATO-MANCUSO, A. 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