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MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 1 MÓDULO VIII NASCIMENTO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 2 OBJETIVOS Problema 1 - Abertura 1. Elaborar um fluxograma de condutas e procedimentos ao RN na sala de parto. OK 2. Caracterizar as escalas de avaliação da vitalidade neonatal (Apgar, Ballard, New Ballard e Capurro). OK 3. Explanar os fatores associados ao sofrimento fetal. OK 4. Descrever as adaptações fisiológicas da circulação cardiorrespiratória neonatal. 5. Discorrer as principais alterações cutâneas no neonato. 6. Explicar as principais causas de icterícia neonatal. 7. Identificar os princípios e critérios do alojamento conjunto e os testes de triagem realizados. OK MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 3 Atendimento ao RN na sala de parto Em todos os partos de baixo risco e logo após o nascimento, em todos os RN, deve-se verificar a história perinatal para excluir condições de risco que demandam intervenções imediatas: prematuridade tardia, baixo peso ao nascer, RN com fatores de risco para desenvolverem sepse (febre materna, bolsa rota, prematuridade, corioamnionite, infecção do trato urinário, cultura positiva de material reto-vaginal para Estreptococos do grupo B), exames sorológicos ausentes ou sugestivos de infecções crônicas perinatais, incompatibilidade sanguínea materno-fetal e diabetes materno. Os RN pré-termo moderados e extremos e aqueles com algum problema detectado antes ou durante o nascimento devem receber cuidados específicos: reanimação, quando indicada, estabilização e transporte à Unidade Neonatal e assistência intensiva ou intermediária, de acordo com protocolos clínicos em Unidades Especializadas. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda a presença do pediatra em todo nascimento por ser o profissional médico com a melhor formação técnica para a assistência neonatal. Todo RN a termo, respirando ou chorando e com tônus muscular em flexão, independentemente do aspecto do líquido amniótico, deve ser colocado junto à sua mãe, em contato pele a pele. O cordão umbilical deve ser clampeado após 1 a 3 minutos e, deve-se estimular o aleitamento materno na primeira hora de vida. O RN que apresente respiração irregular ou apneia e /ou hipotonia, deve ser encaminhado à mesa de reanimação para que sejam realizados os passos iniciais da reanimação preconizados pelo Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria. O clampeamento tardio do cordão pode ser realizado nos RN pré-termo tardios com idade gestacional (IG) entre 34 e 36 semanas, e nos RN pós-termo com IG igual ou maior que 42 semanas, que se apresentarem ao nascer com boa vitalidade. Em seguida, devem ser levados à mesa de reanimação para avaliação detalhada das suas condições clínicas. O nascimento é o momento em que acontece o início da respiração e a transição da circulação fetal para a neonatal. Quando a sequência fisiológica da transição é interrompida ocorre prejuízo da perfusão sanguínea e da oxigenação tecidual em diversos órgãos, principalmente cérebro, coração, pulmões e rins, com consequentes danos, muitas vezes irreversíveis, que podem levar a seqüelas neurológicas e à morte. Mesmo em gestações de risco habitual podem ocorrer situações de emergência, como prolapso ou rotura de cordão, nó verdadeiro de cordão, MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 4 descolamento prematuro de placenta, hipertonia uterina, entre outras, que podem resultar em graus variáveis de hipóxia fetal e levar à necessidade inesperada de procedimentos de reanimação neonatal. O RN precisa começar a respirar, espontaneamente ou com auxílio, no primeiro minuto de vida, considerado o “Minuto de Ouro”. Um em cada 10 recém-nascidos necessita ajuda para iniciar a respiração ao nascer. Sabe-se que o risco de morte aumenta 16% a cada 30 segundos de demora para iniciar a respiração, nos primeiros 6 minutos de vida. Os primeiros minutos de vida de um recém-nascido termo Durante o nascimento, o controle da temperatura do ambiente, que deverá ser entre 23 e 26°C, é um dos fatores mais importantes para a manutenção da temperatura corporal do RN. Não podemos esquecer que a parturiente também deverá estar em normotermia, visto que se houver um descontrole térmico, este pode repercutir no RN. A aquisição da microbiota do RN tem no parto vaginal, diferentemente do parto cesáreo, um grande aliado, pois ela se instala no RN durante o processo do nascimento. O contato pele a pele logo após o nascimento facilita a colonização do RN pela flora da pele de sua mãe, somando-se aos fatores protetores do aleitamento materno, que também oferece componentes da microbiota da mãe e substrato para o crescimento da microbiota intestinal do RN. Em casos nos quais as mães não estejam em condições de fazê-lo, uma opção é realizá-lo pele a pele com o pai. Recomenda-se o contato pele a pele por pelo menos uma hora, para manter a normotermia, iniciar o estabelecimento da lactação, favorecer o aleitamento materno, prevenir o desmame precoce, e fortalecer o vínculo mãe-filho. - O contato pele a pele na primeira hora de vida não deve ser interrompido para os cuidados de rotina com o RN. RN de baixo peso ao nascer (RNBP) e/ou pré-termos precisam receber cuidados adicionais conforme protocolos clínicos específicos. A vitamina K, a prevenção da oftalmia neonatal e as vacinas são administradas segundo as diretrizes nacionais. A temperatura do RN é monitorada e as complicações são identificadas e gerenciadas. O banho deverá ser dado oportunamente no alojamento conjunto, exceto nos RN com história de exposição vertical. Todo RN deve ser cuidado em Alojamento Conjunto juntamente com sua mãe. O melhor alimento para o RN termo e pré-termo é o leite materno. Classificação do RN e exame clínico pediátrico (SBP) 1. Classificação adequada do RN - desafio da estimativa obstétrica da idade gestacional: USG precoce, considerado padrão-ouro quando realizado entre 7 e 13 semanas de IG; MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 5 2. A IG é o indicador mais próximo da avaliação de risco de morbidade, mortalidade e sequelas; 3. Classificação do risco neonatal de acordo com o peso ao nascer deve ser realizada levando em conta a maturidade e desnutrição fetal; 4. A avaliação clínica do RN pelo pediatra, alinhada à história perinatal, deve abranger o exame físico sistematizado e não fragmentado, integrado aos resultados dos testes de triagem de deficiência visual (reflexo vermelho) e presença de malformações cardíacas graves (oximetria – teste do coraçãozinho); 5. Os testes de triagem auditiva e de doenças metabólicas e genéticas, em crianças sem história de risco aumentado, podem ser realizados em nível ambulatorial; 6. Os exames dos demais órgãos fazem parte da integralidade do exame pediátrico; 7. A escuta à mãe e à família é parte fundamental da avaliação integral do RN para tomada de decisões no contexto familiar e social da criança; 8. Cuidado e decisões clínicas que respeitem e respondam às preferências, necessidades e valores individuais da criança, representados nesse momento de vida pela mãe e pai, e assegurem os valores da família e comunidade. O preparo para atender o RN na sala de parto inclui necessariamente: Realização de anamnese materna. Disponibilidade do material para atendimento. Presença de equipe treinada em reanimação neonatal. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 6 Anamnese materna As condições perinatais descritas no Quadro 2 estão associadas ao maior risco de necessidade de reanimação. Avaliação da vitalidade ao nascer Imediatamente após o nascimento, a necessidade de reanimação depende da avaliação rápida de quatro situações referentes à vitalidade do concepto, sendofeitas as seguintes perguntas: Gestação a termo? Ausência de mecônio? Respirando ou chorando? Tônus muscular bom? Se a resposta é sim a todas as perguntas, considera-se que o RN está com boa vitalidade e não necessita de manobras de reanimação. A determinação da necessidade de reanimação e a avaliação de sua eficácia dependem da avaliação simultânea de dois sinais: Respiração. Frequência cardíaca (FC). A FC é o principal determinante da decisão de indicar as diversas manobras de reanimação. Logo após o nascimento, o RN deve respirar de maneira regular e suficiente para manter a FC acima de 100bpm. A FC é avaliada por meio da ausculta do precórdio com estetoscópio, podendo eventualmente ser verificada pela palpação do pulso na base do cordão umbilical. Tanto a ausculta precordial quanto a palpação do cordão podem subestimar a FC. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 7 A avaliação da coloração da pele e das mucosas do RN não é mais utilizada para decidir procedimentos na sala de parto. Estudos têm mostrado que a avaliação da cor das extremidades, do tronco e das mucosas é subjetiva e não tem relação com a saturação de oxigênio ao nascimento. Além disso, RN com esforço respiratório e FC adequados podem demorar alguns minutos para ficarem rosados. Nos RNs que não precisam de procedimentos de reanimação ao nascer, a saturação de oxigênio com um minuto de vida situa-se ao redor de 60% – 65%, só atingindo valores de 87% – 92% no quinto minuto de vida. O boletim de Apgar não deve ser utilizado para determinar o início da reanimação nem as manobras a serem instituídas no decorrer do procedimento. No entanto, sua aferição longitudinal permite avaliar a resposta do RN às manobras realizadas e a eficácia dessas manobras. Se o escore é inferior a sete no quinto minuto, recomenda-se sua aplicação a cada cinco minutos, até 20 minutos de vida. Enfatiza-se que, apesar da subjetividade e da dificuldade em aplicá-lo em RN sob ventilação, o acompanhamento dos escores de Apgar. Assistência ao RN a termo com boa vitalidade ao nascer Ao dar entrada na Unidade de saúde: Colher História Materna + Exame Físico completo – Se não foi feita antes. Saber a respeito do pré natal (bom, pelo menos 5 consultas), sorologias, comorbidades, história familiar de doenças crônicas, gestações anteriores, aborto, cosanguinidade. Exame físico cefalo caudal. Realização da sorologia para sífilis e HIV. Coletar sangue materno para determinar a sorologia para sífilis. Caso a gestante não tenha realizado sorologia para HIV no último trimestre da gravidez ou o resultado não estiver MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 8 disponível no dia do parto, deve-se fazer o teste rápido para anti-HIV o mais breve possível. 1)Avaliação da vitalidade ao nascer Imediatamente após o nascimento, a necessidade de reanimação depende da avaliação rápida de três situações referentes à vitalidade do concepto, sendo feitas as seguintes perguntas: Gestação a termo? Respirando ou chorando? Tônus muscular bom? Se todas as respostas forem NÃO: 2) Secar o RN e colocar sobre o abdome da mãe em decúbito ventral (contato pele a pele) 3) Esperar 1 a 3 minutos para ligar o cordão umbilical – previne a anemia do lactente que pode ocorrer no 2º ou 3º mês de vida 4) Aplicar o Boletim de Apgar 1 minuto após o nascimento repetindo 5 minutos após o nascimento – Mede a vitalidade do RN Avalia 1 a 3 – asfixia grave 4 a 6 – asfixia moderada 7 – asfixia leve 8 a 10 – não tem asfixia 5) Estimular a amamentação dentro da 1ª hora de vida – ocitocina ajuda na ejeção do leite e ajuda na contração uterina para evitar hemorragia. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 9 6) Laqueadura do cordão umbilical. Fixar o clampà distância de 2 a 3cm do anel umbilical, envolvendo o coto com gaze embebida em álcool etílico 70% ou clorexidina alcoólica 0,5%. Em RN de extremo baixo peso utiliza-se soro fisiológico. Verificar a presença de duas artérias e de uma veia umbilical, pois a existência de artéria umbilical única pode associar-se a anomalias congênitas - se houver apenas 1 artéria – Síndorme da artéria umbilical única – associada a mal formação congênita do TGI. 7) Prevenção da oftalmia gonocócica pelo método de Credé. Retirar o vérnix da região ocular com gaze seca ou umedecida com água, sendo contraindicado o uso de soro fisiológico ou qualquer outra solução salina. Afastar as pálpebras e instilar uma gota de nitrato de prata a 1% no fundo do saco lacrimal inferior de cada olho. A seguir, massagear suavemente as pálpebras deslizando-as sobre o globo ocular para fazer com que o nitrato de prata banhe toda a conjuntiva. Se o nitrato cair fora do globo ocular ou se houver dúvida, repetir o procedimento. Limpar com gaze seca o excesso que ficar na pele das pálpebras. A profilaxia deve ser realizada na primeira hora após o nascimento, tanto no parto vaginal quanto cesáreo – no Brasil usa-se muito o Argirol. Há também pomada de eritromicia (não usa no Brasil). 8) Antropometria. Realizar exame físico simplificado, incluindo peso, comprimento e os perímetros cefálico, torácico e abdominal – Exame rápido dos batimentos e respiração. 9) Determinação da Idade Gestacional. Escala de Capurro – idade gestacional – somar com 204 e dividir por 7. New Ballard – leva em consideração 6 parâmetros neurológicos e 7 somáticos. (pontos de – 1 a +5) 9) Prevenção do sangramento por deficiência de vitamina K. Administrar 1mg de vitamina K por via intramuscular ou subcutânea ao nascimento – deficiência dos fatores coagulação. 10)Detecção de incompatibilidade sanguínea materno-fetal. Coletar sangue da mãe e do cordão umbilical para determinar os antígenos dos sistemas ABO e Rh. Não é necessário realizar o teste de Coombs direto de rotina. No caso de mãe Rh negativo, deve-se realizar pesquisa de anticorpos anti-D por meio do Coombs indireto na mãe e Coombs direto no sangue do cordão umbilical. 11)Caso o teste para anti-HIV seja positivo: administrar a zidovudina profilática antes do parto e banho de clorexidina no RN e administração de AZT na mãe. 12) Identificação do RN: O Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 10 do capítulo 1) regulamenta a identificação do RN mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe. Essa identificação é MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 10 feita no prontuário. Pulseiras devem ser colocadas na mãe e no RN, contendo o nome da mãe, o registro hospitalar, a data e hora do nascimento e o sexo do RN. Os RNs estáveis devem permanecer com suas mães e ser transportados ao alojamento conjunto. Caso haja a necessidade de transporte do RN para outra unidade neonatal, ele sempre deve ser mostrado à mãe novamente, antes do transporte. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 11 Sofrimento Fetal Assistência ao RN com líquido amniótico meconial Na presença de líquido amniótico meconial, fluido ou espesso, o obstetra não deve realizar a aspiração das vias aéreas, pois esse procedimento não diminui a incidência de síndrome de aspiração de mecônio, a necessidade de ventilação mecânica nos RNs que desenvolvem pneumonia aspirativa, nem o tempo de oxigenoterapia ou de hospitalização. A conduta do profissional diante da presença de líquido tinto de mecônio depende da vitalidade do RN. Caso o neonato com líquido meconial fluido ou espesso apresente, logo após o nascimento, movimentos respiratórios rítmicos e regulares, tônus muscular adequado e FC maior que 100bpm, a conduta deverá ser, nesta ordem: Levar o RN à mesa de reanimação. Colocá-lo sob fonte de calor radiante. Posicionar sua cabeça com uma leve extensão do pescoço. Aspirar o excesso de secreções da boca e do nariz com sonda de aspiração traqueal nº 10. Secare desprezar os campos úmidos, verificando novamente a posição da cabeça. Avaliar a FC e a respiração. Se a avaliação resultar normal, o RN receberá os cuidados de rotina na sala de parto. Quando o neonato com líquido amniótico meconial fluido ou espesso, logo após o nascimento, não apresentar ritmo respiratório regular e/ou o tônus muscular estiver flácido e/ou a FC for menor que 100bpm, o profissional deve: Realizar a retirada do mecônio residual da hipofaringe e da traqueia sob visualização direta e fonte de calor radiante. A aspiração traqueal propriamente dita deve ser feita com cânula traqueal conectada a um dispositivo para aspiração de mecônio e ao aspirador a vácuo, com pressão máxima de 100mmHg. Recomenda-se aspirar o excesso de mecônio uma única vez; se o RN permanecer com FC <100bpm, respiração irregular ou apneia , deve-se iniciar a ventilação com pressão positiva. Asfixia Perinatal A asfixia perinatal, consequência da falta de oxigenação adequada fetal- neonatal no periparto, ao nascimento e nos primeiros minutos de vida, é uma medida sensível da qualidade de assistência prestada no período perinatal, tanto à gestante quanto ao recém-nascido, com alto potencial de prevenção de óbito por meio de diagnóstico e tratamento precoces. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 12 Alojamento conjunto e triagem neonatal Sempre que as condições da mãe e do RN permitirem, o primeiro contato pele a pele deve ser feito imediatamente após o parto. Na primeira hora após o parto, o estado de consciência da mãe e do bebê favorece a interação entre eles. Nesse período, portanto, o profissional de saúde deve favorecer ao máximo o contato íntimo, pele a pele, entre mãe e bebê, evitando procedimentos desnecessários ou que possam ser realizados mais tarde. A separação da mãe e do bebê e a sedação da mãe privam o binômio desse momento tão especial. Após a finalização dos procedimentos de sala de parto, a mãe, com o RN, deve ir para um local dentro da maternidade que permita a eles ficarem juntos 24 horas por dia até a alta hospitalar. Para isso, foi implantado o sistema de alojamento conjunto nas maternidades. Vantagens do alojamento conjunto Desde a década de 1970, o alojamento conjunto tem sido valorizado e recomendado no mundo inteiro pelas inúmeras vantagens que oferece para a mãe, para a criança, para a família e para a própria instituição, entre as quais destacam-se: Humanização do atendimento do binômio mãe-filho e sua família. Convivência contínua entre mãe e bebê, o que facilita o conhecimento mútuo e a satisfação imediata das necessidades físicas e emocionais do RN. Bebês em alojamento conjunto choram menos e dormem mais (permanecem no estado “sono quieto”) do que quando se encontram em berçários.2 Maior envolvimento dos pais e/ou de outras pessoas significativas no futuro cuidado com a criança. Promoção do estabelecimento precoce do vínculo afetivo entre a mãe e o seu filho. Há relatos de que o alojamento conjunto aumenta a ligação afetiva da mãe a sua criança e reduz os casos de abuso ou de negligência infantil e de abandono da criança.3,4 Promoção do aleitamento materno. Vários estudos demonstram o efeito benéfico do alojamento conjunto na prática da amamentação: descida do leite mais rápida, melhor atitude em relação ao aleitamento materno e tempo mais prolongado de amamentação.5 Oportunidade para as mães, em especial as primigestas, aprenderem noções básicas dos cuidados com os RNs. Isso aumenta sua autoconfiança. Tranquilidade para as mães que ficam inseguras quanto ao atendimento prestado a seus filhos quando não estão perto deles. A ansiedade pode inibir a produção de ocitocina, importante para a liberação do leite materno e para a MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 13 contração do útero, enquanto a presença da criança e seu choro costumam estimular o reflexo de ejeção do leite. Troca de experiências com outras mães quando compartilham o mesmo quarto, em especial com mães mais experientes que também estão cuidando dos seus filhos. Maior interação entre a mãe e sua família e os profissionais de saúde responsáveis pela atenção à criança. Diminuição do risco de infecção hospitalar. Há vários relatos de redução das taxas de infecção neonatal após a implantação do alojamento conjunto em maternidades. Normas básicas Segundo as normas básicas para alojamento conjunto aprovadas pelo Ministério da Saúde,6 todo binômio mãe-filho, com as características descritas a seguir, deve permanecer em alojamento conjunto até a alta hospitalar: Mães livres de condições que impossibilitem ou contraindiquem o contato com os RNs. RN com boa vitalidade, capacidade de sucção e controle térmico. Em geral, esses RNs têm mais de 2.000g, mais de 35 semanas de gestação e índice de Apgar maior que seis no quinto minuto. Entre as atribuições da equipe de saúde no alojamento conjunto estão: Encorajar o aleitamento materno sob livre demanda. Não dar ao RN nenhum outro alimento ou bebida, além do leite materno, a não ser que seja indicado pelo médico. Não dar bicos artificiais ou chupetas às crianças amamentadas no seio. Especialmente no período de estabelecimento da lactação, esses artefatos podem causar “confusão de bicos”, uma vez que os movimentos da boca e da língua na amamentação são muito diferentes dos utilizados para sugar mamadeira ou chupetas.7 A associação entre uso de chupeta e menor duração da amamentação já está bem documentada.8 Orientar as mães para que não amamentem outros RNs que não os seus (amamentação cruzada) e não permitam que outras mães amamentem seu filho. Essa medida visa a prevenir a contaminação de crianças com possíveis patógenos que podem ser encontrados no leite materno, incluindo o HIV.9 Realizar visitas diárias, esclarecendo, orientando e dando segurança à mãe quanto ao estado de saúde de seu filho. Recomenda-se, sempre que possível e desejável, que o binômio mãe-filho permaneça no alojamento conjunto por, no mínimo, 48 horas, haja vista a oportunidade ímpar de aprendizagem para as mães durante a sua permanência MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 14 em alojamento conjunto e de detecção de complicações pós-parto e afecções neonatais. O atendimento ao RN no alojamento conjunto deve ser feito na presença da mãe. Em um primeiro contato, caso o profissional ainda não conheça a família, deve apresentar-se à mãe e aos familiares, se presentes, tendo o cuidado de tratá-los pelo nome. Desde 2005, existe uma lei que garante às parturientes o direito à presença de acompanhante, indicado por ela, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (até dez dias após o parto).10 O acompanhante deve participar do atendimento sempre que for possível e adequado. O atendimento à criança no alojamento conjunto é uma excelente oportunidade para conversar com os familiares e estimulá-los a apoiar a mãe/nutriz. É importante que o profissional investigue o contexto familiar e dê apoio à dupla mãe-bebê. Boas práticas Além dos cuidados médicos abordados em outros capítulos desta obra, algumas práticas devem fazer parte do cotidiano do profissional de saúde que atua em alojamento conjunto. Essas práticas são fundamentais para uma atenção qualificada e humanizada da dupla mãe-bebê e sua família. Acolhimento O profissional de saúde deve prover atendimento humanizado e seguro às mulheres, aos RNs, aos acompanhantes, aos familiares e aos visitantes, e ser capaz de acolhê-los. Acolher implica recepcionar o usuário, desde sua chegada, responsabilizando- se integralmente por ele, ouvindo suas queixas, permitindo que ele expresse suas preocupações e angústias, e dando-lhe respostas adequadas. Um dos princípios básicos do acolhimento é reconhecer o usuário como sujeito e participante ativo do processo, valorizando as suas experiências,os seus saberes e a sua visão de mundo. Comunicação Além de conhecimentos básicos e habilidades, o profissional de saúde precisa também ter competência para se comunicar com eficiência, o que se consegue mais facilmente usando a técnica do aconselhamento. Aconselhar não significa dizer o que o outro deve fazer; significa, por meio de diálogo, ajudá-lo, de forma empática, a tomar decisões, após ouvi-lo, entendê-lo e discutir os prós e contras das opções. Remover barreiras físicas como mesa e papéis, promovendo maior aproximação entre o profissional de saúde, as pessoas a quem ele assiste e seus acompanhantes. Usar linguagem simples, acessível a quem está ouvindo. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 15 Dar espaço para a mulher se expressar. Para isso, é necessário ouvir, prestando atenção no que ela está dizendo e em seu significado. Algumas mulheres têm dificuldades de se expressar. Nesse caso, algumas técnicas são úteis, como por exemplo fazer perguntas abertas. O nascimento de um filho gera reações e sentimentos diversos, muitas vezes ambivalentes. Mesmo que a mulher seja multípara, cada experiência de um novo filho é única, assim como é única cada dupla mãe-bebê. Demonstrar empatia, ou seja, mostrar à mulher que seus sentimentos são compreendidos, colocando-a no centro da situação e da atenção do profissional. Por exemplo, quando a mulher relata que está muito cansada, o profissional pode comentar que entende porque ela está se sentindo assim. Orientações No alojamento conjunto, devem fazer parte da rotina dos profissionais de saúde orientações à mãe e aos familiares sobre vários aspectos relacionados ao cuidado do RN. A seguir, são abordados alguns deles. Amamentação Os primeiros dias após o parto são fundamentais para o sucesso da amamentação. É um período de intenso aprendizado para a mãe e o bebê. Os seguintes aspectos devem ser abordados com as mães que planejam amamentar os seus filhos (ver detalhes nos capítulos 6 e 7 – volume 1 desta obra): Importância do aleitamento materno. Desvantagens da introdução precoce de qualquer outro alimento, sólido ou líquido (incluindo água e chás). Recomendação quanto à duração da amamentação (dois anos ou mais, sendo exclusiva nos primeiros seis meses). Importância do aleitamento materno sob livre demanda. Flexibilidade quanto ao tempo de permanência na mama em cada mamada. Prevenção de problemas relacionados à amamentação tais como ingurgitamento mamário, traumas/fissuras mamilares, mastite, entre outros. Manutenção de hábitos saudáveis da mãe tais como alimentação e ingestão líquida adequadas e restrição ao uso de fumo, drogas, bebidas alcoólicas e medicamentos não prescritos, entre outros. Ordenha do leite. Toda mãe que amamenta deve receber alta do alojamento conjunto sabendo ordenhar o seu leite, pois há muitas situações nas quais a ordenha é útil (consultar capítulo 6 – volume 1 desta obra). Sabe-se que uma boa técnica de amamentação é importante para o seu sucesso, uma vez que previne trauma nos mamilos e favorece a retirada efetiva do leite pela criança. Por isso é fundamental que os profissionais de saúde observem as MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 16 mamadas e auxiliem as mães e os bebês a praticarem a amamentação com técnica adequada. Uso de mamadeira Água, chás e principalmente outros leites devem ser evitados, pois há evidências de que seu uso está associado com desmame precoce e aumento da morbimortalidade infantil. A mamadeira, além de ser uma importante fonte de contaminação, pode influenciar negativamente a amamentação. Observa-se que algumas crianças, depois de experimentarem a mamadeira, passam a apresentar dificuldade quando vão mamar no peito. Alguns autores denominam essa dificuldade de “confusão de bicos”, gerada pela diferença marcante entre a maneira de sugar na mama e na mamadeira. Não restam mais dúvidas de que a suplementação do leite materno com água ou chás nos primeiros 6 meses é desnecessária, mesmo em locais secos e quentes.12 Na grande maioria das vezes, nos primeiros 2 ou 3 dias de vida, mesmo ingerindo pouco colostro, os RNs normais não necessitam de líquidos adicionais além do leite materno, pois nascem com níveis de hidratação teciduais relativamente altos. O acompanhamento diário do peso, até a alta, pode ser um método eficiente para o acompanhamento da hidratação do RN. Perdas maiores que 7% a 10% do peso de nascimento são sinais indicativos de que a criança pode não estar recebendo volume hídrico adequado. Essa condição requer atenção diferenciada, devendo a alta da criança ser adiada até que haja segurança quanto a sua saúde. Uso de chupeta Atualmente, a chupeta tem sido desaconselhada pela possibilidade de interferir negativamente na duração do aleitamento materno, entre outros motivos. Crianças que usam chupetas, em geral, são amamentadas com menos frequência, o que pode comprometer a produção de leite. Além de interferir com o aleitamento materno, o uso de chupeta está associado a uma maior ocorrência de candidíase oral, de otite média e de alterações do palato. Comportamento normal do RN Má interpretação de comportamentos normais do RN pode ter consequências negativas para sua saúde física e mental. O comportamento dos RNs é muito variável e depende de vários fatores, como idade gestacional, personalidade e sensibilidade do bebê, experiências intrauterinas e do parto, além de diversos fatores ambientais, incluindo o estado emocional das pessoas que cuidam do bebê. É importante enfatizar para a mãe que cada bebê é único, respondendo de maneiras diferentes às diversas experiências. Comparações com filhos anteriores ou com outras crianças devem ser evitadas, podendo inclusive interferir na interação entre a mãe e o bebê. O MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 17 nível de demanda dos RNs é muito variável e pode estar relacionado com o grau de dificuldade na passagem da vida intrauterina para a extrauterina. Faz parte do comportamento normal dos RNs mamar com frequência, sem horários preestabelecidos. Muitas mães, em especial as primíparas, costumam interpretar esse comportamento como sinal de fome do bebê, leite fraco ou insuficiente, culminando, muitas vezes, com o desmame. As mães com frequência atribuem o choro do bebê à fome ou às cólicas. Elas devem ser esclarecidas de que existem muitas razões para o choro do bebê, incluindo adaptação à vida extrauterina e tensão no ambiente. Na maioria das vezes os bebês acalmam-se quando são aconchegados ou colocados no peito, o que reforça sua necessidade de se sentirem seguros e protegidos. As mães que ficam tensas, frustradas e ansiosas com o choro dos bebês tendem a transmitir esses sentimentos a eles, causando mais choro, podendo instalar-se um ciclo vicioso. Muitas mães se queixam de que seus bebês “trocam o dia pela noite”. As crianças, quando nascem, costumam manter nos primeiros dias o ritmo ao qual estavam acostumadas dentro do útero. Assim, as crianças que no útero costumavam ser mais ativas à noite vão necessitar de alguns dias para se adaptarem ao ciclo dia/noite fora do útero. Portanto, as mães devem ser tranquilizadas quanto a este eventual comportamento do bebê. Interação com o bebê A interação entre a mãe e seu bebê nos primeiros dias é muito importante para uma futura relação sadia. A mãe e os futuros cuidadores da criança devem ser orientados a responder prontamente às necessidades do bebê, não temendo que isso vá deixá-lo “manhoso” ou excessivamente dependente mais tarde. Carinho, proteção e pronto atendimento das necessidades do bebê só tendem a aumentar sua confiança, favorecendo sua independência em tempo apropriado. Alguns RNs a termo, em situações especiais (principalmente no estado quieto- alerta), são capazes de:14 Ir ao encontro da mama da mãe logo após o nascimento, se colocadosno seu tórax. Dessa maneira eles decidem por si o momento da primeira mamada, que ocorre em média aos 40 minutos de vida. Reconhecer a face da mãe após quatro horas de vida. O bebê enxerga melhor a uma distância de 20 a 25cm, que corresponde a distância que separa os olhos do bebê e o rosto da mãe durante as mamadas. Fazer contato visual. Reconhecer e mostrar interesse por cores primárias: vermelho, azul e amarelo. Seguir um objeto com os olhos e, às vezes, virar a cabeça em sua direção. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 18 Distinguir tipos de sons, com preferência pela voz humana, em especial a da mãe, e pelos sons agudos. Determinar a direção do som. Reconhecer sabores, com preferência por doces. Reconhecer e distinguir diferentes cheiros. Com um ou dois dias de vida reconhecem o cheiro da mãe. Imitar expressões faciais logo após o nascimento. Alcançar objetos. Já no alojamento conjunto, os profissionais devem estimular o pai da criança, quando presente, a participar ativamente dos cuidados com o bebê. A importância do vínculo pai-bebê nos primeiros meses de vida é cada vez mais valorizada na sociedade atual. A exemplo do vínculo mãe-bebê, os primeiros meses de convivência são cruciais no estabelecimento da função paterna. Posição da criança para dormir A prática de colocar as crianças para dormir em decúbito dorsal no alojamento conjunto e o fornecimento de informações simples e claras quanto ao posicionamento recomendado do bebê para dormir devem fazer parte da rotina dos profissionais de saúde que atuam em alojamento conjunto. Existe temor entre pais e profissionais de saúde quanto à possibilidade de aspiração dos bebês quando colocados em decúbito dorsal. No entanto, estudos mostram que não houve aumento da frequência de aspiração após a recomendação de colocar as crianças para dormir nessa posição. Acompanhamento da criança Toda criança deveria sair da maternidade com a primeira consulta agendada em um serviço de saúde ou consultório, de preferência na primeira semana de vida, segundo recomendação do Ministério da Saúde. Os responsáveis pela criança devem ser orientados quanto à importância do teste do pezinho, que idealmente deve ser realizado entre o terceiro e o quinto dia de vida. Se a criança estiver internada com mais de 48 horas de vida, o teste do pezinho deve ser colhido na maternidade. No caso da criança prematura, a coleta deve ser realizada entre o quinto e o décimo dia de vida. Identificação da criança de risco ao nascer Algumas crianças apresentam, já ao nascer, algumas características associadas a um maior risco de adoecer e morrer. Cabe aos profissionais de saúde identificar essas crianças já na maternidade e recomendar a priorização do seu acompanhamento na atenção básica, inclusive com busca ativa. São considerados fatores de risco ao nascer:20 • Residência em área de risco. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 19 • Baixo peso ao nascer (<2.500g). • Prematuridade (<37 semanas de idade gestacional). • Asfixia grave (Apgar <5 no quinto minuto). • Necessidade de internação ou intercorrências na maternidade ou em unidade de assistência ao RN. • Necessidade de orientações especiais no momento da alta da maternidade / unidade de cuidados do RN. • Mãe adolescente. • Mãe com baixa instrução (<8 anos de estudo). História de morte de crianças com menos de 5 anos na família. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 20 Puericultura A inserção do pediatra no terceiro trimestre do pré-natal representa uma oportunidade de antecipação de riscos e um dos pilares da tríade para redução da morbimortalidade neonatal, juntamente com a assistência ao recém-nascido (RN) em sala de parto e a consulta pós-natal dentro da primeira semana de vida. Apesar da sua importância estar embasada em evidências na literatura,1,2 esta consulta ainda não é uma realidade na rotina da maioria dos Pediatras. Esta consulta reduz os medos, as apreensões e a ansiedade da família em relação à chegada do filho, por antecipar informações e estratégias para enfrentar e resolver situações do cotidiano dos bebês. Transformar os pais em cuidadores eficientes dos seus filhos é um dos objetivos desta consulta. O período dos primeiros 1.000 dias de vida (desde a concepção até os dois anos de idade) é decisivo para a definição da saúde da criança e do futuro adulto. É nesse período que a morbimortalidade infantil pode ser reduzida por intervenções adequadas do sistema de saúde, da família, do obstetra e do pediatra por ações básicas como acesso a um pré-natal estruturado, nutrição adequada na gestação, suplementação de ferro e de ácido fólico,7 realização de exames, assistência médica para o parto, pediatra em sala de parto e acompanhamento de puericultura desde a primeira semana de vida pós-natal. A vigilância do desenvolvimento infantil é fundamental em toda consulta pediátrica. O conhecimento do desenvolvimento normal da criança possibilita a identifi cação de atrasos, desvios e transtornos que permeiam esse processo biopsicossocial. A Caderneta de Saúde da Criança fornecida pelo Ministério da Saúde dispõe do instrumento de vigilância para o acompanhamento dos marcos do desenvolvimento de zero a 10 anos de vida. O preenchimento da Caderneta é fácil e deve ser realizado pelos pais e pelo pediatra. Na primeira etapa de vida, a avaliação deve ser feita mês a mês, seguindo as instruções de como pesquisar o marco do desenvolvimento por faixa etária. Caso aconteça falha em alcançar algum marco, deve-se antecipar a consulta seguinte, e iniciar uma investigação quanto ao ambiente em que a criança vive e a sua relação com os familiares. O objetivo inicial é orientar a família a estimular a criança, com foco em atividades que a ajudem a superar as dificuldades observadas. A persistência de atrasos do desenvolvimento por mais de duas consultas (ou ausência do marco no último quadro sombreado), indica a necessidade de encaminhar a criança para um serviço de maior complexidade e estimulação precoce neuropsicomotora, essenciais ao prognóstico favorável. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 21 Morfofisiologia das mamas em lactação As mulheres adultas possuem, em cada mama, entre 15 e 25 lobos mamários, que são glândulas túbulo-alveolares constituídas, cada uma, por 20 a 40 lóbulos. Esses, por sua vez, são formados por 10 a 100 alvéolos. Envolvendo os alvéolos, estão as células mioepiteliais e, entre os lobos mamários, há tecido adiposo, tecido conjuntivo, vasos sanguíneos, tecido nervoso e tecido linfático. O leite produzido é armazenado nos alvéolos e nos ductos. Os ductos mamários não se dilatam para formar os seis lactíferos, como se acreditava até pouco tempo atrás. O que ocorre é que durante as mamadas, enquanto o reflexo de ejeção do leite está ativo, os ductos sob a aréola se enchem de leite e se dilatam. A mama, na gravidez, é preparada para a amamentação (lactogênese fase I) sob a ação de diferentes hormônios. Os mais importantes são o estrogênio, responsável pela ramificação dos ductos lactíferos, e o progestogênio, pela formação dos lóbulos. Outros hormônios também estão envolvidos na aceleração do crescimento mamário, tais como lactogênio placentário, prolactina e gonadotrofina coriônica. Na primeira metade da gestação, há crescimento e proliferação dos ductos e formação dos lóbulos. Na segunda metade, a atividade secretora se acelera e os ácinos e alvéolos ficam distendidos com o acúmulo do colostro. A secreção láctea inicia após 16 semanas de gravidez. Com o nascimento da criança e a expulsão da placenta, há uma queda acentuada nos níveis sanguíneos maternos de progestogênio, com consequente liberação de prolactina pela hipófise anterior, iniciando a lactogênese fase II e a secreção do leite. Há também a liberação de ocitocinadurante a sucção, hormônio produzido pela hipófise posterior, que tem a capacidade de contrair as células mioepiteliais que envolvem os alvéolos, expulsando o leite neles contido. A produção do leite logo após o nascimento da criança é controlada principalmente por hormônios e a “descida do leite”, que costuma ocorrer até o terceiro ou quarto dia pós-parto, ocorre mesmo se a criança não sugar o seio. Após a “descida do leite”, inicia-se a fase III da lactogênese, também denominada galactopoiese. Essa fase, que se mantém por toda a lactação, depende principalmente da sucção do bebê e do esvaziamento da mama. Quando, por qualquer motivo, o esvaziamento das mamas é prejudicado, pode haver diminuição na produção do leite, por inibição mecânica e química. O leite contém os chamados “peptídeos supressores da lactação”, que são substâncias que inibem a produção do leite. A sua remoção contínua com o esvaziamento da mama garante a reposição total do leite removido. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 22 Grande parte do leite de uma mamada é produzida enquanto a criança mama, sob estímulo da prolactina. A ocitocina, liberada principalmente pelo estímulo provocado pela sucção da criança, também é disponibilizada em resposta a estímulos condicionados, tais como visão, cheiro e choro da criança, e a fatores de ordem emocional, como motivação, autoconfiança e tranqüilidade. Por outro lado, a dor, o desconforto, o estresse, a ansiedade, o medo, a insegurança e a falta de autoconfiança podem inibir a liberação da ocitocina, prejudicando a saída do leite da mama. Na amamentação, o volume de leite produzido varia, dependendo do quanto a criança mama e da frequência com que mama. Quanto mais volume de leite e mais vezes a criança mamar, maior será a produção de leite. Uma nutriz que amamenta exclusivamente produz, em média, 800 mL por dia. Em geral, uma nutriz é capaz de produzir mais leite do que a quantidade necessária para o seu bebê. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 23 Leite Materno a. Tipos de Aleitamento Definições de aleitamento materno adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e reconhecidas no mundo. Assim, o aleitamento materno costuma ser classificado em: • Aleitamento materno exclusivo – quando a criança recebe somente leite materno, direto da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais ou medicamentos. o Aleitamento Materno em livre demanda: Recomenda-se que a criança seja amamentada sem restrições de horários e de duração das mamadas. Nos primeiros meses, é normal que a criança mame com maior frequência e sem horários regulares. Em geral, um bebê em AME mama de 8 a 12 vezes ao dia. • Aleitamento materno predominante – quando a criança recebe, além do leite materno, água ou bebidas à base de água (água adocicada, chás, infusões), sucos de frutas e fluidos rituais. • Aleitamento materno – quando a criança recebe leite materno (direto da mama ou ordenhado), independentemente de receber ou não outros alimentos. • Aleitamento materno complementado – quando a criança recebe, além do leite materno, qualquer alimento sólido ou semissólido com a finalidade de complementá-lo, e não de substituí-lo. • Aleitamento materno misto ou parcial – quando a criança recebe leite materno e outros tipos de leite. b. Características e Funções do Leite Materno Apesar de a alimentação variar enormemente entre as pessoas, o leite materno, surpreendentemente, apresenta composição semelhante para todas as mulheres que amamentam do mundo. Apenas as com desnutrição grave podem ter o seu leite afetado na sua qualidade e quantidade. Nos primeiros dias, o leite materno é chamado colostro, que contém mais proteínas e menos gorduras do que o leite maduro, ou seja, o leite secretado a partir do sétimo ao décimo dia pós-parto. O leite de mães de recém-nascidos prematuros é diferente do de mães de bebês a termo. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 24 A concentração de gordura no leite aumenta no decorrer de uma mamada. Assim, o leite do final da mamada (chamado leite posterior) é mais rico em energia (calorias) e sacia melhor a criança, daí a importância de a criança esvaziar bem a mama. Principais nutrientes: o Água: A água é o maior componente do leite e desempenha papel fundamental na regulação da temperatura corporal. Na água estão dissolvidos ou suspensos as proteínas, os compostos nitrogenados não protéicos, os carboidratos, os minerais (íons monovalentes) e as vitaminas hidrossolúveis (C e Complexo B). Já que a maior concentração do leite é de água, então não há necessidade de dar água para o bebê mesmo em dias quentes. o Proteínas: Na primeira semana o leite humano, colostro, é rico em proteínas protetoras especialmente a imunoglobulina secretória A, que age contra infecções e alergia alimentar. O leite maduro contém mais proteínas nutritivas que o colostro. As proteínas presentes no leite são a caseína e as proteínas do soro. O leite humano fornece ao ser humano todos os aminoácidos essenciais (isoleucina, lisina, leucina, triptofano, treonina, metionina, fenilalanina, valina e taurina), assim pela excelente qualidade de proteínas, quanto à digestibilidade e alta biodisponibilidade, supre satisfatoriamente as necessidades dos RN, incluindo o RN pré-termo, garantindo taxas de crescimento adequadas, geralmente dispensando suplementação. o Lipídios: O leite humano disponibiliza quantidades adequadas de lipídios, que aumentam com o tempo de lactação e são compostos principalmente por triglicerídios, que fornecem cerca de 50% da energia do leite. O leite humano possui ácidos graxos de cadeia longa w–6 (araquidônico) e w–3 (docosaexaenóico). Esses ácidos graxos são componentes MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 25 importantes do cérebro e do sistema nervoso, além de possuírem outras ações biológicas. Como no primeiro ano de vida ocorre intenso crescimento e diferenciação cerebral nos RN pré-termo, a ingestão desses ácidos graxos de cadeia longa parece ser de grande relevância, uma vez que são de grande importância para o desenvolvimento cerebral. o Carboidratos: A lactose é o carboidrato mais abundante no leite humano. Este carboidrato favorece a absorção do cálcio e fornece galactose para a mielinização do sistema nervoso central, além de energia. o Vitaminas e Sais Mineirais: Os minerais presentes no leite são classificados em macrominerais, encontrados em maior quantidade (potássio, cloro, cálcio, sódio, fósforo e magnésio), e os microminerais, em menor quantidade (zinco, ferro, cobre, iodo, cromo, selênio,flúor, manganês, etc). Ainda são encontrados na forma de íons monovalentes (sódio, potássio, cloro), íons divalentes (cálcio, magnésio, citrato), sais não ionizados e sais fracamente ionizados. O zinco é essencial ao organismo, encontra-se em maior quantidade no colostro, atendendo às necessidades do lactente. O ferro garante o aporte necessário à criança em aleitamento materno exclusivo. Embora em pequena quantidade, o cobre, o selênio, o cromo, o molibdênio e o níquel desempenham papel fundamental no desenvolvimento e crescimento infantis. O colostro, além de proteínas e alguns minerais, também apresentam maiores teores de betacaroteno e demais vitaminas lipossolúveis. A vitamina D está presente no soro e na fração lipídica do leite em quantidades não suficientes. O mesmo ocorre com a vitamina K, que é administrada no bebê logo após o nascimento, ainda na sala de parto, e a vitamina D precisa ser reposta conforme indicação do pediatra quando a exposição solar não for suficiente. O leite humano possui numerosos fatores imunológicos que protegem a criança contra infecções. A IgA secretóriaé o principal anticorpo, atuando contra microrganismos presentes nas superfícies mucosas. Os anticorpos IgA no leite humano são um reflexo dos antígenos entéricos e respiratórios da mãe, ou seja, ela produz anticorpos contra agentes infecciosos com os quais já teve contato, proporcionando, dessa maneira, proteção à criança contra os germens prevalentes no meio em que a mãe vive. A concentração de IgA no leite MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 26 materno diminui ao longo do primeiro mês, permanecendo relativamente constante a partir de então. Além da IgA, o leite materno contém outros fatores de proteção, tais como anticorpos IgM e IgG, macrófagos, neutrófilos, linfócitos B e T, lactoferrina, lisosima e fator bífido. Esse favorece o crescimento do Lactobacilus bifidus, uma bactéria não patogênica que acidifica as fezes, dificultando a instalação de bactérias que causam diarreia, tais como Shigella, Salmonella e Escherichia coli. c. Diferença entre o leite materno e o leite da vaca O leite de vaca é muito diferente do leite humano em quantidade e qualidade de nutrientes. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o leite de vaca não é um alimento recomendado para crianças menores de um ano (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). O leite de vaca apresenta elevada quantidade de proteínas, inadequada relação entre a caseína e as proteínas do soro, elevados teores de sódio, de cloretos, de potássio e de fósforo e quantidades insuficientes de carboidratos, de ácidos graxos essenciais, de vitaminas e de minerais para essa faixa etária. Além de não ser nutricionalmente adequado, o leite de vaca é um alimento muito alergênico para crianças e seu consumo tem sido associado ao desenvolvimento de atopia. Na impossibilidade do aleitamento materno, o leite de vaca não é recomendado para crianças pequenas e a fórmula infantil está economicamente distante da realidade econômica da maioria das famílias brasileiras. Assim, é de suma importância o fomento às políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao Aleitamento Materno em todas as regiões brasileiras para reversão do cenário observado (BORTOLINI et al., 2013). Apesar do leite de vaca, fluído ou em pó, não ser a melhor opção de alimentação para crianças menores de 12 meses, esse alimento é o único alimento disponível em função do baixo custo, quando comparado às formulas infantis disponíveis no mercado. Assim, é importante que os profissionais de saúde saibam orientar as mães, famílias e cuidadores quanto à utilização mais adequada e segura, quando esgotadas todas as possibilidade de relactação para manutenção do aleitamento materno e impossibilidade financeira para aquisição de fórmula. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 27 Se a criança não estiver sendo alimentada com leite materno e nem fórmula infantil, a partir dos quatro meses de vida deve-se iniciar a introdução de outros alimentos para suprir suas necessidades nutricionais. A partir dessa idade, a criança deverá receber duas de papas salgadas (almoço e jantar) e duas frutas, além do leite sem adição de açúcar. A composição das papas, forma de introdução e consistência devem seguir as mesmas orientações contidas no Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Mesmo após a introdução dos alimentos, o consumo de leite continua sendo uma importante fonte de vitaminas e minerais. Crianças menores de dois anos devem receber leite integral, não sendo recomendado o uso de leite desnatado, no volume máximo de 500ml/dia. Os profissionais de saúde devem orientar as mãe e cuidadores quanto aos procedimentos de diluição do leite de vaca adequado para a idade, a correção MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 28 da deficiência de ácido linoléico (com óleo nos primeiros quatro meses) e a suplementação com vitamina C e ferro. O leite deve ser diluído em 2/3 ou 10%, até os quatro meses de idade da criança, devido ao excesso de proteína e eletrólitos que fazem sobrecarga renal. Com a diluição, há diminuição de energia e ácido linoléico, sendo necessário o acréscimo de 3% de óleo (1 colher de chá de óleo = 27 calorias) para melhorar sua densidade energética. Desta forma, não há necessidade de adição de açúcares e farinhas, alimentos não recomendados para crianças menores de dois anos. Até completar quatro meses de idade, o leite diluído deve ser acrescido de óleo, ou seja, 1 colher de chá de óleo para cada 100 ml. Após completar quatro meses de idade o leite integral líquido não deverá ser diluído e nem acrescido do óleo, já que nessa idade a criança não amamentada receberá outros alimentos. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 29 MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 30 Aleitamento materno a. Importância do aleitamento materno Evita mortes infantis: Graças aos inúmeros fatores existentes no leite materno que protegem contra infecções, ocorrem menos mortes entre as crianças amamentadas. Estima-se que o aleitamento materno poderia evitar 13% das mortes em crianças menores de 5 anos em todo o mundo, por causas preveníveis. A proteção do leite materno contra mortes infantis é maior quanto menor é a criança. Assim, a mortalidade por doenças infecciosas é seis vezes maior em crianças menores de 2 meses não amamentadas, diminuindo à medida que a criança cresce, porém ainda é o dobro no segundo ano de vida. É importante ressaltar que, enquanto a proteção contra mortes por diarréia diminui com a idade, a proteção contra mortes por infecções respiratórias se mantém constante nos primeiros dois anos de vida. É importante ressaltar que, enquanto a proteção contra mortes por diarréia diminui com a idade, a proteção contra mortes por infecções Evita diarréia: Há fortes evidências de que o leite materno protege contra diarreia, principalmente em crianças mais pobres. Além de evitar a diarreia, a amamentação também exerce influência na gravidade dessa doença. Um estudo utilizando dados da pesquisa nacional sobre prevalência em aleitamento materno no Brasil observou correlação entre aumento das prevalências de amamentação exclusiva entre 1999 e 2008 e diminuição das taxas de internação hospitalar por diarreia no mesmo período Evita infecções respiratórias; Diminui o risco de alergias: Estudos mostram que a amamentação exclusiva nos primeiros meses de vida diminui o risco de alergia à proteína do leite de vaca, de dermatite atópica e de outros tipos de alergias, incluindo asma e sibilos recorrentes. A exposição a pequenas doses de leite de vaca nos primeiros dias de vida parece aumentar o risco de alergia ao leite de vaca. Por isso é importante evitar o uso desnecessário de fórmulas infantis. Diminui o risco de HAS, hipercolesterolemia e DM: Há evidências sugerindo que o aleitamento materno apresenta benefícios em longo prazo. A OMS publicou importante revisão sobre evidências desse efeito (HORTA, 2007). Essa revisão concluiu que os indivíduos amamentados apresentaram pressões sistólica e diastólica mais baixas (-1,2mmHg e - MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 31 0,5mmHg, respectivamente), níveis menores de colesterol total (-0,18mmol/L) e risco 37% menor de apresentar diabetes tipo 2. Não só o indivíduo que é amamentado adquire proteção contra diabetes, mas também a mulher que amamenta. Foi descrita uma redução de 15% na incidência de diabetes tipo 2 para cada ano de lactação (STUEBE, 2005). Atribui- se essa proteção a uma melhor homeostase da glicose em mulheres que amamentam. A exposição precoce ao leite de vaca (antes dos quatro meses) é considerada um importante determinante do Diabetes mellitus Tipo I, podendo aumentar o risco de seu aparecimento em 50%. Estima-se que 30% dos casos poderiam ser prevenidos se 90% das crianças até três meses não recebessemleite de vaca. Reduz a chance de obesidade Na revisão da OMS sobre evidências do efeito do aleitamento materno em longo prazo, os indivíduos amamentados tiveram uma chance 22% menor de vir a apresentar sobrepeso/obesidade (DEWEY, 2003). É possível também que haja uma relação dose/resposta com a duração do aleitamento materno, ou seja, quanto maior o tempo em que o indivíduo foi amamentado, menor será a chance de ele vir a apresentar sobrepeso/ obesidade. Entre os possíveis mecanismos implicados a essa proteção, encontram-se um melhor desenvolvimento da auto-regelação de ingestão de alimentos das crianças amamentadas e a composição única do leite materno participando no processo de “programação metabólica”, alterando, por exemplo, o número e/ou tamanho das células gordurosas ou induzindo o fenômeno de diferenciação metabólica. Foi constatado que o leite de vaca altera a taxa metabólica durante o sono de crianças amamentadas, podendo esse fato estar associado com a “programação metabólica” e o desenvolvimento de obesidade (HAISMA, 2005). Melhora a nutrição Por ser da mesma espécie, o leite materno contém todos os nutrientes essenciais para o crescimento e o desenvolvimento ótimos da criança pequena, além de ser mais bem digerido, quando comparado com leites de outras espécies. O leite materno é capaz de suprir sozinho as necessidades nutricionais da criança nos primeiros seis meses, e continua sendo uma importante fonte de nutrientes no segundo ano de vida, especialmente de proteínas, gorduras e vitaminas. Efeito positivo na cognição Os mecanismos envolvidos na possível associação entre aleitamento materno e melhor desenvolvimento cognitivo ainda não são totalmente conhecidos. Alguns defendem a presença de substâncias no leite materno queotimizam o desenvolvimento cerebral; outros acreditam que fatores comportamentais ligados ao ato de amamentar e à escolha do modo como alimentar a criança são os responsáveis. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 32 Melhor desenvolvimento da cavidade bucal O exercício que a criança faz para retirar o leite da mama é muito importante para o desenvolvimento adequado de sua cavidade oral, propiciando uma melhor conformação do palato duro, o que é fundamental para o alinhamento correto dos dentes e uma boa oclusão dentária. Quando o palato é empurrado para cima, o que ocorre com o uso de chupetas e mamadeiras, o assoalho da cavidade nasal se eleva, com diminuição do tamanho do espaço reservado para a passagem do ar, prejudicando a respiração nasal. Assim, o desmame precoce pode levar à ruptura do desenvolvimento motor-oral adequado, podendo prejudicar as funções de mastigação, deglutição, respiração e articulação dos sons da fala, ocasionar má-oclusão dentária, respiração bucal e alteração motora- oral. Proteção para as mulheres Proteção contra as seguintes doenças na mulher que amamenta: câncer de mama, ovário, câncer de útero; hipercolesterolemia, hipertensão e doença coronariana; obesidade; doença metabólica; osteoporose e fratura de quadril; artrite reumatoide; depressão pós-parto; e diminuição do risco de recaída de esclerose múltipla pós-parto. Evita nova gravidez Menores custos financeiros Custos altos das fórmulas infantis. Promoção de vínculo afetivo entre mãe e filho Melhor qualidade de vida O aleitamento materno pode melhorar a qualidade de vida das famílias, uma vez que as crianças amamentadas adoecem menos, necessitam de menos atendimento médico, hospitalizações e medicamento, reduzindo situações estressantes. b. Uso de substâncias A maioria dos medicamentos é compatível com a amamentação; poucos são os formalmente contraindicados e alguns requerem cautela ao serem utilizados durante a amamentação, devido aos riscos de efeitos adversos nos lactentes e/ou na lactação. Cabe ao profissional de saúde buscar informações atualizadas para avaliar adequadamente os riscos e os benefícios do uso de uma determinada droga em uma mulher que está amamentando. Em casos de consumo esporádico de drogas de abuso, recomenda-se interrupção temporária do AM, com ordenha do leite, que deve ser desprezado. O tempo recomendado de interrupção da amamentação varia dependendo da droga. Acredita-se que os benefícios da amamentação para a criança superem os possíveis malefícios da exposição à nicotina por intermédio do leite materno, por isso, o tabagismo não configura contraindicação à amamentação. No MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 33 aconselhamento, o profissional de saúde deve alertar a mãe sobre os possíveis efeitos deletérios do cigarro para o desenvolvimento da criança e a eventual diminuição da produção e da ejeção do leite. Para minimizar os efeitos do cigarro sobre a criança, as mulheres que não conseguirem parar de fumar devem ser orientadas a reduzirem o máximo possível o número de cigarros, a não fumarem no mesmo ambiente em que se encontra a criança, orientar ainda, a procurar fumar logo após a mamada (desta forma, o pico de nicotina no sangue diminuiria até a próxima mamada). O consumo de álcool pelas mulheres que estão amamentando, também deve ser desestimulado. A ingestão de doses iguais ou maiores que 0,3g/kg de peso podem reduzir a produção láctea. O álcool pode modificar o odor e o sabor do leite materno levando à recusa do mesmo pelo lactente. Uso de Fármacos: O princípio fundamental da prescrição de medicamentos para mães lactantes baseia-se sobretudo no risco versus benefício: Fármacos seguros para uso durante a amamentação: são aqueles cujo uso por nutrizes não apresentou efeitos adversos sobre o lactente ou o suprimento lácteo. Fármacos moderadamente seguros para uso durante a amamentação: não há estudos controlados em nutrizes, contudo, existe risco de efeitos adversos em lactentes ou estudos controlados mostraram efeitos adversos pouco significativos. Deve-se manter a amamentação e observar o lactente. Fármacos que devem ser usados com cautela durante a amamentação: existem evidências de risco de dano à saúde do lactente ou à produção láctea. Esses medicamentos devem ser utilizados levando-se em conta a relação risco- benefício ou quando fármacos mais seguros não estão dispo níveis ou são ineficazes. Recomenda-se utilizar esses medicamentos durante o menor tempo e na menor dose possível, observando mais rigorosamente os efeitos sobre o lactente Fármacos contraindicados durante a amamentação: existem evidências de danos significativos à saúde do lactente. Nesse caso, o risco do uso do medicamento pela nutriz claramente é maior que os benefícios do aleitamento ma terno. Esses fármacos exigem a interrupção da amamentação. c. Técnica do aleitamento materno Apesar de a sucção do recém-nascido ser um ato reflexo, ele precisa aprender a retirar o leite do peito de forma eficiente. Quando o bebê pega a mama adequadamente – o que requer uma abertura ampla da boca, abocanhando não apenas o mamilo, mas também parte da aréola –, forma-se um lacre perfeito entre a boca e a mama, garantindo a formação do vácuo, MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 34 indispensável para que o mamilo e a aréola se mantenham dentro da boca do bebê. A língua eleva suas bordas laterais e a ponta, formando uma concha (canolamento) que leva o leite até a faringe posterior e esôfago, ativando o reflexo de deglutição. A retirada do leite (ordenha) é feita pela língua, graças a um movimento peristáltico rítmico da ponta da língua para trás, que comprime suavemente o mamilo. Enquanto mama no peito, o bebê respira pelo nariz, estabelecendo o padrão normal de respiração nasal. O ciclo de movimentos mandibulares (para baixo, para a frente, para cima e para trás) promove o crescimento harmônico da face do bebê. A técnica de amamentação, ou seja, a maneira como a dupla mãe/bebê se posiciona para amamentar/mamar e a pega/sucção do bebê são muitoimportantes para que o bebê consiga retirar, de maneira eficiente, o leite da mama e também para não machucar os mamilos. Uma posição inadequada da mãe e/ou do bebê na amamentação dificulta o posicionamento correto da boca do bebê em relação ao mamilo e à aréola, resultando no que se denomina de “má pega”. A má pega dificulta o esvaziamento da mama, podendo levar a uma diminuição da produção do leite. Muitas vezes, o bebê com pega inadequada não ganha o peso esperado apesar de permanecer longo tempo no peito. Isso ocorre porque, nessa situação, ele é capaz de obter o leite anterior, mas tem dificuldade de retirar o leite posterior, mais calórico. Além de dificultar a retirada do leite, a má pega machuca os mamilos. Quando o bebê tem uma boa pega, o mamilo fica em uma posição dentro da boca da criança que o protege da fricção e compressão, prevenindo, assim, lesões mamilares. Roupas da mãe e do bebê adequadas, sem restrição de movimentos. Recomenda-se que as mamas estejam completamente expostas, sempre que possível, e o bebê vestido de maneira que os braços fiquem livres Mãe confortavelmente posicionada, relaxada, bem apoiada, não curvada. O apoio dos pés acima do nível do chão é aconselhável (uma banqueta pode ser útil) MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 35 O corpo do bebê deve ficar bem próximo ao da mãe, “barriga com barriga” O corpo e a cabeça do bebê devem estar alinhados (pescoço não torcido) O braço inferior do bebê deve estar posicionado de maneira que não fique entre o corpo do bebê e o corpo da mãe O corpo do bebê deve estar curvado sobre a mãe, com as nádegas firmemente apoiadas O pescoço do bebê deve estar levemente estendido A mãe deve segurar a mama de maneira que a aréola fique livre- posição de “C”. A mãe deve ser orientada a não colocar os dedos em forma de tesoura, pois desta maneira pode-se criar um obstáculo entre a boca do bebê e a aréola A cabeça do bebê está no mesmo nível da mama, com o nariz na altura do mamilo A mãe espera o bebê abrir bem a boca e abaixar a língua antes de colocá- lo no peito O bebê abocanha, além do mamilo, parte da aréola (aproximadamente 2 cm além do mamilo). É importante lembrar que o bebê retira o leite comprimindo os ductos lactíferos com as gengivas e a língua. O queixo do bebê toca a mama As narinas do bebê estão livres O bebê mantém a boca bem aberta colada na mama, sem apertar os lábios Os lábios do bebê estão curvados para fora, formando um lacre. Para visualizar o lábio inferior do bebê, muitas vezes é necessário pressionar a mama com as mãos. A língua do bebê encontra-se sobre a gengiva inferior? Algumas vezes a língua é visível; no entanto, na maioria das vezes, é necessário abaixar suavemente o lábio inferior para visualizar a língua. A língua do bebê está curvada para cima nas bordas laterais? O bebê mantém-se fixado à mama, sem escorregar ou largar o mamilo? As mandíbulas do bebê estão se movimentando? A deglutição é visível e/ou audível? Pontos-chave do posicionamento adequado 1. Rosto do bebê de frente para a mama, com nariz na altura do mamilo; 2. Corpo do bebê próximo ao da mãe; 3. Bebê com cabeça e tronco alinhados (pescoço não torcido); 4. Bebê bem apoiado. Pontos-chave da pega adequada 1. Mais aréola visível acima da boca do bebê; MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 36 2. Boca bem aberta; 3. Lábio inferior virado para fora; 4. Queixo tocando a mama. Os seguintes sinais são indicativos de técnica inadequada de amamentação: • Bochechas do bebê encovadas a cada sucção; • Ruídos da língua; • Mama aparentando estar esticada ou deformada durante a mamada; • Mamilos com estrias vermelhas ou áreas esbranquiçadas ou achatadas quando o bebê solta a mama; • Dor na amamentação. Quando a mama está muito cheia, a aréola pode estar tensa, endurecida, dificultando à pega. Em tais casos, recomenda-se, antes da mamada, retirar manualmente um pouco de leite da aréola ingurgitada. MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 37 d. Situações em que a mãe não pode amamentar Mães portadoras de HIV, HTLV I e HTLV II; Uso de fármacos incompatíveis com a amamentação – antineoplásicos, radiofármacos; Crianças portadoras de galactosemia – doença rara em que a criança não pode ingerir leite que contenha lactose; O aleitamento pode ser interrompido temporariamente por: Infecção herpética – vesículas na mama; Varicela; Doença de chagas; Abcesso mamários MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 38 Maturação e aspectos imunol[ogicos do TGI O desenvolvimento do trato gastrintestinal na espécie humana engloba não apenas o aprimoramento dos mecanismos de digestão e absorção de nutrientes mas também a maturação dos sistemas nervoso e imunológico associados ao intestino. Esse processo depende das características genéticas do indivíduo, de fatores intra útero(circulação placentária, líquido amniótico e fatores de crescimento produzidos pelos tecidos fetais), bem como do ambiente e da nutrição extra-uterina. O sistema digestório, imaturo ao nascimento, sofre grande mudança nos padrões de crescimento, além de alterações morfológicas e maturação funcional no período neonatal. Algumas dessas mudanças (adequação das enzimas digestivas e permeabilidade da mucosa intestinal) são concluídas ao longo do 1o ano de vida, enquanto outras, a exemplo da motilidade gastrintestinal, assumem o padrão adulto apenas ao longo da 1a década de vida. O sistema imunológico intestinal também é imaturo ao nascimento e tem sua fase mais rápida de desenvolvimento entre o 1o e o 6o mês de vida. Esse sistema, regulador das funções absortivo-digestiva, secretora e motora, tem na colonização intestinal, que se inicia ao nascimento, um dos determinantes do seu amadurecimento. A microbiota é importante na maturação imunológica intestinal e assume funções de manutenção da integridade da mucosa, nutrição, imunomodulação e defesa contra colonização por enteropatógenos. A nutrição controla o crescimento do trato gastrintestinal em muitos estágios do desenvolvimento, sendo essencial desde a vida intra-uterina, por meio da ingestão de fatores bioativos presentes no líquido amniótico (LA) e, após o nascimento, no leite materno, assim como nos ingredientes da dieta de transição. a. O Leite Materno e os Fatores de Maturação Grande quantidade de agentes bioativos (hormônios, fatores de crescimento, neuropeptídios, agentes antiinflamatórios e agentes imunomoduladores) está presente no leite humano (LH). Durante o aleitamento materno, esses agentes atuam em receptores específicos no tubo digestório, promovendo a modulação da função digestiva e a manutenção da integridade gastrintestinal. No colostro, são encontrados hormônios e peptídios estimuladores do crescimento, como insulina, cortisol, EGF, ILGF e TGF-alfa e beta, em maiores concentrações do que no leite materno maduro8. Com o aumento da idade, ocorre um crescimento na produção endógena de fatores bioativos, compensando a diminuição gradual no fornecimento desses fatores pelo LH. Os principais hormônios isolados no LH são: proLactina, hormônio estimulante da tireóide, hormônio de crescimento, tiroxina, cortisol, insulina, MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 39 ocitocina e hormônio adrenocorticotrófico. Os níveis hormonais também interferem na maturação do TGI. Os alvos de ação do LH no intestino são o epitélio intestinal, o sistema imunológico e, em menor grau, o sistema nervoso entérico. A mucosa intestinal é importante não apenas na absorção e digestão de nutrientes mas também como barreira aos agentes agressores externos. O epitélio intestinal é o principal alvo da ação dos agentes bioativos do LH, que atuam na proliferação de moléculas na superfície epitelial (as dissacaridases,entre outras), na regulação da produção de citocinas pelas células epiteliais e no crescimento da superfície intestinal, permitindo à mucosa intestinal a conclusão do seu desenvolvimento. Ao nascimento, o epitélio intestinal apresenta vilosidades estreitas e criptas rasas. A expansão da superfície epitelial no neonato ocorre pela divisão e pela hiperplasia das criptas. Durante o aleitamento materno, o mecanismo predominante de crescimento do intestino é a divisão das criptas, enquanto a hiperplasia de criptas predomina durante o desmame. Os fatores bioativos do LH intestinal estimulam a divisão e inibem a hiperplasia de criptas, que só será induzida mediante a inflamação fisiológica e a ativação do sistema imune intestinal desencadeadas pela exposição a novos antígenos alimentares. O sistema imunológico intestinal é imaturo ao nascimento. Fatores presentes em pequena quantidade no intestino do neonato e fornecidos durante o aleitamento materno (como os fatores de crescimento, especialmente o TGF) são considerados indispensáveis na vida extra-uterina e no amadurecimento do sistema linfático intestinal. O TGF-beta, uma das citocinas contidas no LH, é fundamental na produção de IgA pela mucosa e na indução da tolerância oral, atuando na prevenção da sensibilização alérgica precoce. Além disso, o leite materno é rico em oligossacarídios e carboidratos que são utilizados pela microbiota em instalação. Esses oligossacarídios determinam o de senvolvimento seletivo de bactérias bífidas e de lactobacilos na composição precoce da microbiota, e a sua fermentação bacteriana também tem efeito estimulador sobre o crescimento da mucosa. Os agentes antiinflamatórios presentes no LH incluem antioxidantes, enzimas catalisadoras da destruição dos mediadores inflamatórios, agentes antiproliferativos e citocinas antiinflamatórias. Os imunomoduladores são: nucleotídios, prolactina, IgA secretora e citocinas. Em resumo, o LH atua beneficiando o trato gastrintestinal mediante as seguintes estratégias: compensando a deficiência de produção de agentes bioativos pelo próprio indivíduo, amplificando funções imunológicas que estão imaturas nos primeiros meses de vida, promovendo a adaptação da nutrição intra-uterina para a extra uterina, pelos efeitos antiinflamatórios e MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 40 imunológicos diretos e, finalmente, promovendo o crescimento de lactobacilos e bactérias bífidas na microbiota intestinal. b. A microbiota e o desenvolvimento do sistema imunológico intestinal A maturação do Sistema Imunológico Intestinal (SII) (mediada por exposição a antígenos alimentares, bactérias da microbiota e patógenos ocasionais) é mais acentuada no 1o ano de vida.Nesse processo de amadurecimento, observa-se que o fator mais fortemente envolvido durante o período neonatal é o tipo de dieta oferecido, enquanto, nos meses subseqüentes, a colonização bacteriana intestinal é o principal determinante. Os produtos bacterianos interagem com as células do sistema imunológico intestinal, regulando as suas funções e estimulando o aprimoramento das respostas imunológicas. A microbiota intestinal é considerada um “órgão adquirido após o nascimento”, sendo composta por grande número e variedade de cepas bacterianas. A microbiota exerce funções específicas de nutrição, maturação e manutenção da integridade intestinal, proteção contra o crescimento de bactérias patogênicas e imunomodulação. A microbiota instala-se rapidamente após o nascimento e sua composição inicial depende de fatores genéticos, tipo de parto, ambiente do nascimento e microbiota materna. Nos 2 primeiros dias de vida, predominam bactérias anaeróbias facultativas que são substituídas por anaeróbias exclusivas. Em relação ao número e às espécies de bactérias bífidas, a microbiota das crianças em aleitamento materno exclusivo é diferente daquela das que recebem fórmulas alimentares. Esse processo se dá por ondas sucessivas de colonização, e a composição final da microbiota (com mais de 500 tipos de bactérias) depende de determinantes gene ticos e é modulada pela dieta e por fatores MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 41 externos, a exemplo do uso de antibióticos. Concluída a instalação definitiva, a microbiota sofre poucas variações ao longo da vida. Durante o desmame, algumas cepas bacterianas, como o Bacteroides thetaiotaomicron, induzem a maturação do epitélio intestinal, modificando a expressão genética das células epiteliais e ajustando as junções intra-epiteliais. Além disso, o probiótico parece melhorar a função da barreira intestinal, acentuando as ações imunomoduladoras da microbiota no SII. Completada a sua colonização, o lúmen intestinal constitui-se em um ambiente altamente antigênico. Apesar disso, no intestino não se observa o grau de inflamação que se esperaria encontrar em outro local do organismo nessas mesmas condições. Aparentemente, esse controle é determinado pela troca de informações entre as células da barreira epitelial e as células bacterianas. Os sinais recebidos pelas células intestinais são transmitidos a outras estruturas do organismo, especialmente às do sistema imunológico, além de outras mais distantes, como a glândula pituitária. a. Tolerância Alimentar A mucosa intestinal é a maior superfície do corpo em contato direto com o meio externo e sofre exposição contínua a antígenos alimentares e bacterianos. A barreira epitelial é dotada da habilidade de discriminar microrganismos patogênicos de proteínas alimentares e bactérias da microbiota, gerando imunidade ou desencadeando tolerância, conforme o agente envolvido. Tolerância alimentar é um estado de inibição ativa das respostas imunológicas a determinados antígenos mediada por uma exposição prévia a esses antígenos por via oral. O desenvolvimento da tolerância oral é um dos fatores primordiais na manutenção das funções do sistema digestório. Logo após o nascimento, o trato gastrintestinal e o sistema linfático associado ao intestino (Galt) são expostos a proteínas estranhas e, embora imaturos, devem processar os nutrientes para sua absorção e produção de energia e crescimento, desenvolver imunidade contra vários patógenos e gerar imunossupressão às inúmeras proteínas da dieta. Contudo, a imaturidade desses mecanismos nos primeiros meses de vida reduz a eficiência da barreira intestinal, aumentando o risco de falha na tolerância quando há oferta de alimentos diferentes do leite materno nesse período. Algumas proteínas intactas, que escapam da digestão, podem também ser captadas por células imunológicas especializadas no intestino, estabelecendo o estado de tolerância imunológica por meio de diferentes mecanismos. A falha nos mecanismos de tolerância oral resulta no desencadeamento da alergia alimentar. No epitélio intestinal e na região abaixo dele, estão situadas estruturas imunológicas especializadas, com funções imunológicas distintas: células M, MEDICINA UNIME 2020.1 Mayara Freitas – MEDUNIME VIII Página 42 placas de Peyer, células dendríticas,macrófagos apresentadores de antígenos e linfócitos T. Após o contato das proteínas com a mucosa intestinal e sua captação pelas células imunológicas do Galt, uma cadeia de eventos é iniciada, com a ativação dos linfócitos T reguladores e posterior supressão da resposta imune. A secreção de IgA no intestino e a secreção do TGF beta e de IL-10 pelos linfócitos T das placas de Peyer resultam do processamento dos antígenos pelo Galt e são os principais mecanismos mantenedores da tolerância a esses mesmos antígenos. O TGF-beta, fator de crescimento presente no LH, atua na supressão celular, além de funcionar como fator de ligação da IgA, auxiliando, também, na proteção contra o desencadeamento de alergia alimentar. Os principais fatores envolvidos na indução da tolerância oral são: a dose e as características do antígeno (antígenos
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