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Alergias e Intolerâncias Alimentares Revisão: Morfofisiologia dos Intestinos Alergias Alimentares · Introdução Conceito de Alergia alimentar: Alergia alimentar se refere à resposta imunológica anormal a um determinado alimento em um hospedeiro suscetível, fazendo com que esse hospedeiro – após ingerir o alimento – apresente sintomas de graus variados (sintomas leves a sintomas graves e ameaçadores à vida). As reações alérgicas são reproduzíveis a cada vez que o alimento é ingerido e, na maioria das vezes, independe da dose. Com isso, dos componentes de uma dieta (carboidratos, lipídeos e proteínas), o determinante de alergia alimentar é a proteina. De forma contrária, os carboidratos e os lipídeos estão mais relacionados à intolerância alimentar do que com alergias alimentares. · Bloqueio da Absorção do Antígeno Como já dito, as proteínas são os principais antígenos que serão responsáveis por alergias alimentares. De tal forma, esses antígenos – que na maioria das vezes são proteínas – estarão presentes nos alimentos que o hospedeiro terá alergia. Então, o que impede que essas proteínas sejam absorvidas pelo hospedeiro alérgico é justamente os mecanismos imunológicos de defesa · Mecanismos Imunológicos de Defesa A hidrólise proteolítica, que ocorre no tubo digestivo, promove a quebra das proteínas intactas, transformando-as em oligopeptídios e, principalmente, tri, di e monopeptídios, teoricamente sem propriedades antigênicas. Esse processo é um dos mecanismos naturais de defesa contra alergia alimentar. A superfície da mucosa intestinal não é 100% impermeável a antígenos. De tal forma, algumas macromoléculas atravessam essa barreira em quantidades variáveis. Dessa forma, mesmo sendo em quantidades mínimas, esses antígenos são suficientes para induzir resposta imune (resposta alérgica). O transporte antigênico (proteínas intactas) é mais comum em recém-nascidos, especialmente nos prematuros, por imaturidade do trato gastrointestinal, com deficiência relativa de secreção de IgA. Apesar disso, mesmo em adultos normais, encontram-se - após refeições fartas - pequenas quantidades de antígenos circulantes, assim como o desenvolvimento de anticorpos contra esses antígenos, sem que haja a ocorrência de uma alergia alimentar. De tal maneira, torna-se evidente que é normal, no sistema digestivo, a absorção de alguns antígenos sem que ocorra uma alergia alimentar. Fisiologicamente falando, sabe-se que quando essas macromoléculas (antígenos) estão em um número suficiente em contato com as microvilosidades intestinais, elas são captadas para dentro das células por pinocitose. Atualmente, já há o conhecimento que as células M (microfold) – células interpostas no epitélio colunar - possuem um papel importante nesse processo de captação de macromoléculas no intestino, uma vez que elas não possuem microvilosidades e possuem um glicocálix diminuido, de modo a facilitar a entrada desses antígenos. Uma vez dentro da célula, as macromoléculas são cobertas por fagossomos, estimulando a liberação de enzimas lisossômicas, que tendem a degradar a proteina fagocitada (digestão intracelular por enzimas lisossômicas). Na digestão apropriada, 98% das proteínas ingeridas são absorvidas pela mucosa como oligopeptídios e aminoácidos. Apenas pequena quantidade de proteínas alergênicas escapa à digestão (proteólise intraluminal e intracelular por enzimas lisossômicas) e correm o risco de serem absorvidas como macromoléculas. O que pode ocorrer também é que após a absorção, as proteínas alergênicas (macromoléculas) penetram os espaços intercelulares, ganhando os linfáticos e a corrente circulatória. Além disso, as células M estão em contato íntimo com células do tecido linfoide, que podem captar o antígeno, sendo esse o primeiro evento para a sensibilização. Ao captar o antígeno, o linfócito sensibilizado passa por processos de diferenciação, transformando-se em plasmócitos, que iniciam a produção de anticorpos específicos, principalmente o IgA, que serão secretados no trato gastrintestinal. Com isso, os anticorpos específicos formam complexos com os seus receptivos antígenos no lúmen intestinal, evitando sua absorção subsequente. Mecanismo Imunológico de Defesa Normal da Absorção de Antígenos (Sem Reação Alérgica): · Mecanismos Não Imunológicos de Defesa Além da hidrólise proteolítica e da produção de imunoglobulinas específicas, o tubo digestivo detém outros mecanismos naturais não imunológicos, que dificulta a absorção do antígeno, sendo eles: I) Atividade Gástrica ->Na atividade gástrica, os efeitos digestivos do HCl ajudam a iniciar o processo de degradação de macromoléculas e previnem o supercrescimento de bactérias. II) Flora Bacteriana Normal do Intestino ->A flora bacteriana normal do intestino, por meio da inibição competitiva, previne o crescimento de microrganismos patogênicos, prevenindo infecções III) Secreção de Muco ->O muco secretado recobre a superfície epitelial, possuindo uma função de defesa, pois previne a fixação de antígenos IV) Renovação Celular Normal ->A renovação celular normal do epitélio digestivo mantém intacta a barreira de defesa, que pode ser prejudicada por drogas, como álcool e citotóxicos, ou por alterações patológicas, como uremia e isquemia. Vale salientar que a ruptura da barreira epitelial se associa a diarreia, a má absorção e a passagem de toxinas, bactérias e alergênicos à circulação. V) Motilidade Intestinal ->A motilidade do intestino viabiliza a limpeza mecânica de organismos patogênicos e dificulta a fixação de alergênicos à superfície intestinal. VI) Sistema Reticuloendotelial Hepático (Células de Kupffer) ->Essas células atacam antígenos que ultrapassaram a barreira intestinal e entraram no sistema porta Todos esses mecanismos citados ocorrem em indivíduos adultos normais, ou seja, não suscetíveis e sem fatores específicos determinantes de hipersensibilidade alimentar. · O Indivíduo Suscetível (Hiper-reativo) Uma deficiência nos mecanismos de defesa resulta em entrada e absorção de quantidades excessivas de antígeno, sensibilizando o hospedeiro suscetível. A predisposição ao desenvolvimento de alergia alimentar depende da capacidade de produção de IgE, herdada geneticamente. As chances de se desenvolver alergias alimentares, caso um ou ambos os pais forem alérgicos, aumenta bastante. Em indivíduos alérgicos, a penetração do antígeno na mucosa gastrintestinal pode desencadear a produção de IgE. Os componentes antigênicos são geralmente glicoproteínas resistentes ao calor e à destruição enzimática, o que os deixa mais vulneráveis aos mecanismos naturais de defesa, chegando intactos aos locais de absorção e ocasionando a sensibilização. · A Reação Alérgica Uma vez sensibilizados, os linfócitos B se diferenciam em plasmócitos e iniciam a produção de moléculas IgE, estas que se ligam aos mastócitos presentes na parede do tubo digestivo, principalmente na submucosa e na lâmina própria da mucosa. Com isso, ocorre a ativação dos mastócitos e, consequentemente, ocorre a degranulação e liberação de mediadores químicos. De tal forma, os efeitos imediatos no trato alimentar são: (a) – Aumento da permeabilidade vascular (b) – Produção aumentada de muco (c) – Contração da musculatura lisa (d) – Edema das vilosidades (e) – Estimulação de fibras nervosas de dor (f) – Recrutamento de células inflamatórias A reação alérgica aguda (anafilaxia) local, ao aumentar a permeabilidade vascular, facilita a passagem e a circulação de novas macromoléculas antigênicas, de modo que, quando esses antígenos invasores alcançam outros órgãos, eles disparam novamente os mecanismos de reação alérgica (hipersensibilidade imediata) e levam as manifestações extra-intestinais de alergia alimentar. · Sistema Imune e as Doenças Alérgicas Estudos recentes sugerem um novo relacionamento entre o sistema imune e as doenças alérgicas, quando demonstram que uma variação específica do gene CD14 contribui para os sintomas e a reatividade alérgica em pessoas com asma e alergiaalimentar. O gene CD14 produz uma proteína que atua como parte do sistema imune inato do organismo na detecção de componentes da parede celular bacteriana. Existem duas versões do gene CD14, C ou T, em sua posição 159, exatamente no local onde se inicia o processo de codificação proteica deste gene. Foi encontrado que os pacientes alérgicos a alimentos têm quatro vezes mais chance de ter duas cópias da versão T (genótipo TT) do gene CD 14, e em pacientes asmáticos esta chance sobe para cinco vezes, comparando-se ao grupo controle. · Reação de Hipersensibilidade do Tipo I -> Reações de Hipersensibilidade Tipo I ou, como também são conhecidas, reações de hipersensibilidade imediatas (em razão de ocorrerem rapidamente, em poucos minutos após a exposição ao antígeno) definem as reações alérgicas (atopias), sendo necessário uma exposição anterior do hospedeiro ao antígeno. ->Os antígenos das hipersensibilidades tipo I são, principalmente, proteínas ->Portanto, as fases das reações de hipersensibilidade do tipo I são: OBS.: A reação tardia é menos intensa, mas mais duradoura do que a reação imediata. · Manifestações Clínicas da Alergia Alimentar ->A reação anafilática ocorre, geralmente, dentro de 1h após a exposição ao alimento ->O evento anafilático é súbito ou precedido por eventos “menores”, como sensação de calor, parestesia na boca, desconforto abdominal, urticária, ansiedade, dispneia etc. ->Vale salientar que as manifestações de hipersensibilidade alimentar são mais comuns na infância ->Os sintomas de alergias envolvem tipicamente a pele, os tratos respiratórios e os tratos gastrintestinais. ->Os sintomas mais comuns das reações anafiláticas são: (a) – Eczema atópico (“placas” vermelhas na pele) acompanhada de urticária (coceira) (b) – Rinoconjuntivite, asma (raro), espirros, tosse, broncoespasmo, estridor (sintomas respiratórios) (c) – Náuseas, vômitos e diarreia (sintomas gastrintestinais) (d) – Enxaqueca (e) – Angioedema leve à moderado (inchaço de áreas de tecido subcutâneo, que pode afetar a face e a garganta) Choque Anafilático: O choque anafilático é uma reação alérgica grave e potencialmente fatal. ->Sinais de Choque anafilático: (a) – Hipotensão + Hiporperfusão (b) – Taquicardia (c) – Dificuldade grave de respirar (d) – Angioedema Grave (e) – Cianose (f) – Confusão mental (g) – Baixa responsividade do paciente (h) – Convulsões (i) – Síncope ->No choque anafilático o paciente pode vir a óbito se não receber tratamento imediato adequado. Junto a isso, o paciente também pode sofrer um colapso cardiovascular sem apresentar outros sintomas aparentes e morrer, isso se deve a hipoperfusão para órgãos essenciais, como o coração, gerada pela reação alérgica grave. · Métodos Diagnósticos 1°) Dieta de Exclusão ->Método mais usado para confirmação do diagnóstico ->Consiste em excluir do regime alimentar, por 2 semanas, os nutrientes suspeitos e reintroduzi-los um a um. Assim, os sintomas devem desaparecer quando o alimento é excluído e reaparecem quando o alimento é reintroduzido ->Antes de realizar o teste, o paciente deve ser mantido em sua dieta usual por 10 a 14 dias. Durante esse tempo, são registrados, em um diário nutricional, tipo e quantidade dos nutrientes ingeridos e ocorrência e caráter das reações adversas. O diário auxilia na identificação dos alimentos a serem eliminados inicialmente Teste positivo com alergênico desconhecido = Paciente ficou assintomático com a dieta de exclusão, mas não se conseguiu determinar especificamente o nutriente responsável pela alergia Teste positivo com alergênico suspeito = Se um ou poucos alergênicos foram identificados como possíveis causadores da reação de hipersensibilidade, toma-se indicado o uso das dietas de provocação alimentar, de preferência em estudo duplo-cego, controlado com placebo. 2°) Dieta de Provocação (Padrão-Ouro) ->É o teste que melhor identifica reação adversa ao alimento, uma vez que irá analisar o aparecimento dos sintomas ao introduzir o alimento no regime alimentar do paciente (cápsulas placebo e com o alimento suspeito) ->Confirma 40 a 60% das histórias de reação adversa a alimentos ->Deve ser realizada com supervisão, uma vez que apresenta efeitos colaterais (preferencialmente em ambiente hospitalar) OBS.: Dietas oligoalergênicas -> dietas desprovidas de alergênicos alimentares comuns ->História de anafilaxia generalizada contraindica o teste, especialmente se o alimento em questão for conhecido por suas propriedades alergênicas (amendoim, peixes, crustáceos) ->Para que um alimento seja responsabilizado pelos sintomas, toma-se necessária a presença de 2 ou 3 testes positivos, associados ao mesmo número de testes negativos com a administração de placebo. ->A presença de teste positivo comprova a existência de reação adversa ao alimento, mas não prova que o mecanismo responsável seja imunológico. Por outro lado, respostas negativas não excluem de forma absoluta a presença de hipersensibilidade alimentar. Esse fato ocorre quando o aparecimento da reação alérgica depende da presença de outros alimentos que facilitem a absorção do alergênico ou inibam a digestão do alergênico ou de fatores desencadeantes, como exercício, frio ou emoções. 3°) Testes Cutâneos ->Nesse método diagnóstico, suspensões aquosas de extratos alimentares são aplicados à pele do antebraço, que, posteriormente, sofre escarificações ou punturas. Se o hospedeiro apresenta IgE contra o alimento testado, forma-se, no local de exposição, uma pápula eritematosa em 10 a 15 minutos. ->Testes intradérmicos não devem ser utilizados pela maior ocorrência de falso-positivos e maior risco de desenvolvimento de anafilaxia. Resultados falso-positivos ocorrem com frequência, isto é, testes cutâneos positivos na ausência de alergia alimentar. Além disso, o teste pode também permanecer positivo em crianças previamente alérgicas e que desenvolveram tolerância clínica ao alimento. Dessa forma, não se deve rotular um paciente como atópico com base apenas na reatividade cutânea positiva (teste cutâneo não da certeza diagnóstica). ->O diagnóstico deve se basear na história clínica associada à aplicação de dietas de teste (como as citadas anteriormente) ->Falsos negativos são incomuns, ocorrendo mais em pessoas com dermatite atópica, em que a pele liquenificada pode se tornar hiporreativa e em crianças com menos de 1 ano idade ->A importância maior dos testes é tornar mais remota a possibilidade de alergia ao alimento testado, quando o resultado é negativo. Portanto, os resultados devem ser considerados apenas como guia para a identificação de alergênios que requerem investigação mais definitiva. 4°) RAST (Radioallergosorbent Test) ->É uma técnica de radioimunoensaio utilizada para a detecção in vitro de anticorpos IgE. ->Tem custo elevado e sensibilidade igual ou inferior à dos testes cutâneos. ->Sua utilidade é restrita aos casos de dermatite extensa ou dermatografismo, quando as alterações da pele dificultam a interpretação dos resultados, ou em casos em que há possibilidade elevada de indução de anafilaxia sistêmica. 5°) Biópsia Intestinal ->Em pacientes com manifestações gastrintestinais sugestivas de alergia, a biopsia da mucosa jejunal tem revelado anormalidades nas vilosidades (altura e contorno) e infiltração de células inflamatórias, inclusive eosinófilos. ->A técnica de imunofluorescência pode revelar deposição de imunoglobulinas e complemento, com presença de células plasmáticas produtoras de IgE ->Para confirmação do diagnóstico, a biopsia deve ser repetida após desaparecimento dos sintomas com a dieta de exclusão e depois do recrudescimento destes, induzido por dieta de provocação. · Tratamento 1°) Eliminação do Alergênico da Dieta ->Uma vez que o alergênico é definido, por meio das dietas de prova (dieta de provocação e de exclusão), ele deve ser eliminado do regime alimentar 2°) Prevenção da Reação Alérgica ->Ainda não se conhece medicamento comprovadamente eficaz na prevenção de alergia alimentar. Entretanto, há especulaçãodessa propriedade para várias classes de drogas ->O cromoglicato de sódio inibe a degranulação dos mastócitos, mesmo quando já houve reação do antígeno com a IgE específica ->Os anti-histamínicos, bloqueadores dos receptores de H1, podem ser úteis na terapia sintomática, mas não previnem a reação alérgica ->O cetotifeno pode ser útil por suas propriedades inibidoras da liberação de mediadores químicos, mas ainda é pouco estudado em alergia alimentar. ->O leite materno exerce efeito protetor em crianças, prevenindo a sensibilização e a consequente reação alérgica por: (a) - fornecer IgA, células imunorreativas, fatores antibacterianos e antivirais; (b) - promover o desenvolvimento de flora intestinal composta por bifidobactérias gram-positivas, inibindo o desenvolvimento de enterobactérias gram-negativas; (c) - reduzir a exposição a outros tipos de leite e proteínas alergênicas. Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade reduz a incidência de reações alérgicas no primeiro ano de vida. Não se sabe, porém, se o desenvolvimento de atopia em crianças suscetíveis é realmente evitado ou se é adiado para mais tarde, na infância. Entretanto, independente de um possível efeito antialérgico, o leite é recomendado como alimento preferencial até 1 ano de idade, e mesmo mais. 3°) Hipossensibilização (não comprovado) ->Os estudos até agora realizados sobre desenvolvimento de tolerância imunológica após dessensibilização não apresentam resultados convincentes em alergia alimentar. Não são eficazes por via parenteral. Melhora clínica tem sido descrita em crianças alérgicas ao leite de vaca ao se administrarem doses orais progressivas do antígeno por período de 5 meses. Entretanto, não há confirmação de que o desenvolvimento de tolerância se deve à dessensibilização ou à perda natural de sensibilidade, que tende a ocorrer com a idade. De fato, a hipossensibilização ou imunoterapia não tem valor comprovado 4°) Tratamento Sintomático ->A ingestão acidental de um alimento que o paciente é alérgico pode ocorrer, sendo necessário o tratamento dos sintomas da anafilaxia. Portanto, usa-se os seguintes fármacos, de acordo com os órgãos atingidos: (a) – Broncodilatadores -> úteis para broncoespamos (b) – Anti-histamínicos -> úteis para rinite, erupções cutâneas ou distúrbios gastrintestinais (c) – Epinefrina -> úteis para anafilaxia sistêmica e laringospasmo (d) – Corticoides sistêmicos ou tópicos -> úteis em qualquer dessas condições citadas, quando graves OBS.: Pacientes com alergias graves devem andar com anti-histamínicos e epinefrina injetável OBS 2.: A hipersensibilidade pode surgir repentinamente em pessoas que sempre toleraram determinado alimento. Por outro lado, indivíduos alérgicos podem desenvolver tolerância ao nutriente para o qual eram hipersensíveis, com o passar do tempo. Nesses casos, deixam de apresentar manifestações clínicas quando ocorre a ingestão do alimento implicado, que pode voltar a fazer parte do cardápio habitual. · Epidemiologia das Alergias Alimentares (1) – A prevalência no mundo de alergia alimentar vem aumentando nas ultimas 2 a 3 décadas e, atualmente, acomete 10% da população mundial (2) – As crianças são mais acometidas que os adultos, principalmente nos primeiros anos de vida (3) – Com frequência, as crianças desenvolvem alergias alimentares na mesma ordem em que os alimentos são introduzidos na dieta (4) – A alergia à proteina do leite de vaca é a alergia mais comum da infância (uma vez que a proteina do leite de vaca é a primeira proteina estranha introduzida) (5) – As alergias alimentares mais comuns são ocasionadas por leite de vaca, soja, ovo, peixe, amendoim, trigo, milho, arroz, frutos do mar e outras proteínas Intolerâncias Alimentares · Introdução As enzimas produzidas pelas células do intestino delgado têm importante papel na complementação da digestão de vários nutrientes, sobretudo, dissacarídeos. · Digestão na membrana do enterócito: Os carboidratos são hidrolisados por enzimas associadas à membrana dos enterócitos. O padrão de ingestão de carboidratos muda com a idade. Durante a infância, a quantidade maior da dieta corre por conta da lactose. Já na criança mais velha e em adultos, o amido constitui 60% dos carboidratos ingeridos, a sacarose 30% e a lactose 10%. Tais carboidratos complexos são hidrolisados a dissacarídios e monossacarídios. Os dissacarídios são hidrolisados a monossacarídios por dissacaridases específicas, localizadas na membrana da borda estriada das células epiteliais intestinais (enterócitos). Os monossacarídios são então transportados através da membrana dos enterócitos. Quando há deficiência de dissacaridases da borda estriada, o dissacarídio mal digerido chega ao cólon com o conteúdo luminal, onde é metabolizado por bactérias colônicas. Com isso, dióxido de carbono, hidrogênio, gases e ácidos orgânicos são produzidos, gerando - como consequência - distensão abdominal, flatulência e diarreia. Embora várias deficiências de dissacaridases tenham sido descritas, a mais comum é a deficiência de lactase. · Mal absorção de dissacarídios Entende-se por deficiência de dissacaridase a absoluta ou relativa diminuição na quantidade de uma enzima ativa disponível para hidrólise de um dissacarídio da dieta. Tais deficiências geralmente são específicas, sendo marcadas pela redução da atividade de uma única dissacaridase, como, por exemplo, a deficiência congênita de lactase. Entretanto, deficiências de dissacaridases podem ser gerais, como redução na capacidade de digerir a maioria ou a totalidade dos dissacarídios, como na doença celíaca, onde há lesão intestinal difusa. De tal maneira, a intolerância a um dissacarídio se refere a ocorrência de sintomas ao ingerir um ou mais dissacarídios específicos. Portanto, os conceitos de deficiência e intolerância, apesar de estarem relacionados (quem tem deficiência de uma dissacaridase vai ter uma intolerância ao dissacarídio específico daquela enzima), não representam a mesma coisa. · Deficiência de Lactase/Intolerância à Lactose · Introdução A lactose é um dissacarídio presente unicamente no leite dos mamíferos. A intolerância à lactose é a forma mais comum de má absorção de carboidratos. Isso ocorre porque a atividade intestinal da lactase – enzima necessária para hidrólise da lactose em glicose e galactose – diminui progressivamente com o passar dos anos em todos os mamíferos, inclusive no homem. A população que hoje digere a lactose o faz graças à mutação genética ocorrida há 3.000 ou 5.000 anos e que se expressa como característica autossômica dominante. Sua prevalência é extremamente variável, sendo de 10% no norte da Europa, 25% nos EUA e 70% na Ásia e na África. No Brasil, a prevalência varia de acordo com a região e o método diagnóstico empregado, mas situa-se entre 45 e 50%. · Tipos de deficiência de lactase 1°) Deficiência Congênita de Lactase ->Muito rara ->Possui carácter autossômico recessivo ->Os pacientes com essa condição sofrem com a ausência total da enzima lactase desde o nascimento, devido alterações localizadas no cromossomo 2 ->Os sintomas se iniciam após a primeira amamentação e se caracterizam por diarreia grave 2°) Deficiência Primária de Lactase (Não persistência da lactase) ->É a principal causa de intolerância à lactase no mundo ->Determinada geneticamente de forma recessiva ->Os pacientes com essa condição possuem a atividade enzimática da lactase em níveis máximos ao nascimento, porém a enzima vai diminuindo progressivamente com o tempo, chegando a níveis indetectáveis após alguns anos de vida 3°) Deficiência Secundária de Lactase (Deficiência adquirida de lactase) ->Os pacientes com essa condição possuíam normalmente a atividade da lactase, mas em razão de alguma doença ou tratamento agressivo perdem a atividade dessa enzima. Tal condição pode ser causada por doenças como: (a) – Doença celíaca; (b) – Gastrenterite viral; (c) – Infestação por Giardia lamblia; (d) – Cirurgias; (e) – Medicamentos; (f) - Radioterapia ->As supracitadascondições promovem a redução ou alteração das microvilosidades intestinais, local onde se encontra a lactase ->O tratamento da doença de base (a que originou a intolerância à lactose) e a melhora da histologia do epitélio intestinal não garantem uma reversão do quadro de intolerância com melhora enzimática. OBS.: Intolerância à Lactose X Alergia ao Leite Intolerância à Lactose -> Redução parcial ou total da enzima lactase, necessária para a metabolização da lactose, implicando no aparecimento de sintomas gastrintestinais ao ingerir alimentos com o carboidrato lactose. Alergia ao Leite -> Presença de reação imunológica alérgica contra a proteína do soro do leite (lactoalbumina e lactoglobulina = whey protein) e contra a caseína, com implicação de sintomas típicos de alergia. · Fisiopatologia da Intolerância à Lactose (1) – A lactose é um dissacarídio formado pela união de moléculas de glicose com moléculas de galactose, sendo encontrada no leite dos mamíferos (sendo o leite humano o mais rico em lactose) (2) – Para que ocorra a absorção dos componentes da lactose ela precisa ser hidrolisada pela enzima lactase. Enzima esta que se localiza na borda em escova das células epiteliais do intestino delgado, principalmente no jejuno médio (3) – Quando a pessoa não possui a lactase, ou possui níveis insuficientes dessa enzima, a lactose não é digerida adequadamente, sendo carreada para o cólon, onde será fermentada pela flora bacteriana local (4) – Nessa fermentação da lactose pela nossa flora bacteriana serão produzidos ácidos orgânicos, CO2, metano e hidrogênio (H2) e também ocorrerá a elevação da osmolaridade do lúmen entérico (5) – O aumento da carga osmótica atrairá água para o interior do cólon, levando a uma diarreia osmótica e disabsortiva, além de outros sintomas, como distensão abdominal, dor, flatulência etc. · Manifestações Clínicas da Intolerância à Lactose ->Os sintomas ocorrem após a pessoa ingerir alimentos contendo lactose e se iniciam após 15 a 120min depois da ingestão desse carboidrato ->Em alguns casos os pacientes são assintomáticos, em outros casos os sintomas persistem após excluir a lactose da alimentação, neste caso, deve-se desconfiar de síndrome do intestino irritável (a) – Diarreia aquosa (b) – Distensão abdominal (c) – Flatulência (d) – Borborigmo (“ruídos” no abdômen provocados pelo deslocamento de líquidos ou de gases em meio líquido, contidos nos intestinos) (e) – Desconforto abdominal (referido, à vezes, como dor – tipo cólica ou meteorismo) (f) – Náuseas (g) – Vômitos · Diagnóstico da Intolerância à Lactose 1°) Métodos Diretos 1.1°) Dosagem bioquímica da atividade da Lactase por meio de Biópsias Jejunais ->Método direto de diagnóstico ->Método invasivo, pouco disponível e menos sensível que o teste respiratório com hidrogênio 2°) Métodos Indiretos 2.1°) Teste de tolerância à lactose ->O teste de tolerância à lactose exige a ingestão de 50g (2g/Kg até o máximo de 50g) de lactose seguida de coletas seriadas de sangue, a cada 15 ou 30min (por até 2h), para mensuração dos níveis séricos de glicose. ->Uma elevação da glicose plasmática em 20 a 30mg/dL em relação ao jejum indica digestão normal de lactose. Não elevações ou elevações menores que 20 a 30mg/dL indicam intolerância à lactose. 2.2°) Teste do hidrogênio expirado (Padrão-Ouro) ->Esse teste se baseia na fermentação bacteriana da lactose não absorvida e a consequente formação de gás hidrogênio e de ácidos orgânicos ->Após jejum noturno, mede-se o hidrogênio expirado através de cromatografia gasosa. Em seguida, ofertam-se ao paciente 2 mg de lactose/kg (máximo de 50 mg, equivalente a um litro de leite de vaca) e coletam-se amostras do ar expirado a cada 15 min, por 180 min. Em portadores de intolerância à lactose, há uma elevação de pelo menos 20ppm no hidrogênio expirado, o que indica fermentação da lactose pela flora colônica. ->O uso concomitante de antibióticos pode levar a resultados falsos-negativos, pois os antibióticos reduzem a flora bacteriana fermentadora do intestino 2.3°) Análise Fecal ->Analisa-se o pH fecal, que em casos de IL cai para valores inferiores ou iguais a 5,5 (em razão dos ácidos orgânicos gerados durante a fermentação da lactose) ->Também se realiza a pesquisa de substância redutoras, pois elas indicam má digestão de açúcares e é significativa, quando em valores acima de 0,5% ->Resultados falso-negativos ocorrem em presença de bactérias colônicas consumidoras de açúcar ou se as fezes não forem frescas. · Tratamento da Intolerância à Lactose 1°) Adequar a Dieta ->Pacientes com IL primária necessitam de pelo menos 20g a 50g de lactose para que apareçam sintomas. Em razão disso, eles conseguem se alimentar de alguns produtos que contenham pequena quantidade de lactose. ->O consumo de lactose com outros alimentos reduz os sintomas, pois dá mais tempo para a lactase digerir o carboidrato ->O consumo de leite integral também é mais vantajoso do que o desnatado para pessoas com IL primária, pois a gordura do leite integral retarda o trânsito intestinal, dando mais tempo para a lactase agir na lactose. 2°) Lactase em Cápsulas ->Pessoas com IL podem tomar esse “suplemento” de lactase em cápsulas, vendidos em farmácias, antes de ingerir alimentos com lactose. OBS.: Pacientes com IL apresentam maior risco de osteopenia e osteoporose, tanto pela redução da ingestão de cálcio na dieta, quanto pela menor absorção deste devido à própria não digestão da lactose. Desta forma, a avaliação da saúde óssea, através de densitometria mineral óssea de coluna lombar e fêmur, e o pronto tratamento dos processos de desmineralização com reposição de cálcio são tão importantes quanto o manejo da própria IL.