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AULA 3 DIFICULDADES COMUNS DE APRENDIZAGEM E PROBLEMAS DE “ENSINAGEM” Prof.ª Elayne Thays de Lara Sena 2 TEMA 1 – A LINGUAGEM VERBAL Desde os primórdios, o uso da linguagem – falada, escrita ou por códigos – como meio de comunicação é algo inerente ao ser humano. Assim, as interações interpessoais dependem da fluência com que ela é usada, pois é a forma característica com que os seres humanos promovem a comunicação mútua por meio de símbolos gestuais, orais ou escritos (Pedroso; Rotta, 2016). Os processos de aquisição da linguagem acontecem ainda bem cedo na vida do sujeito, em seu relacionamento familiar, em que recebe todos os estímulos para que ocorra a aquisição da linguagem e da comunicação mediados pelos adultos que o cercam. Quando este chega ao ambiente escolar com uma construção já estabelecida da linguagem, passa por transformações, uma vez que as interações nunca cessam, só ocorrem de maneiras diferentes. Assim, a criança estabelece interações com outras crianças. Esse artifício, por sua vez, é aprimorado com o passar do tempo, e a linguagem permite um leque de possibilidades à criança que, no decorrer do processo, adquire habilidades mais aprimoradas de comunicar, de formular e atribuir conceitos, categorizar informações, conectar novas ideias e expressar uma gama de sentimentos envolvidos nas interações das quais é participante (Valmaseda, 2004). Por meio desse processo, todos os seres humanos iniciam suas conexões com o mundo que os cerca. É na escola que esse processo se aperfeiçoa, com a sistematização e o desenvolvimento para o aprimoramento da oralização, que é o veículo inicial da linguagem; depois, ocorre a ampliação das habilidades de aprendizagem da leitura e da escrita, processos mais complexos. Dentro dessa perspectiva, acompanhar o processo de aquisição da linguagem é fundamental para que possíveis dificuldades possam ser observadas e encaminhadas para tratamento clínico, se necessário (Pedroso; Rotta, 2016). 1.1 Processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem É necessário compreender que, dentro do processo que envolve a aquisição da linguagem, há uma representação interna da realidade. Essa aquisição abrange também todo o potencial criativo do sujeito, permitindo que ele seja capaz de produzir inúmeras definições e de compreender também os demais participantes do processo. Assim, compreender os processos que envolvem a linguagem, além de permitir o entendimento de como ela se dá, é vital para se 3 identificar possíveis dificuldades com a sua aquisição devido à ocorrência de comportamentos atípicos (Valmaseda, 2004). Em relação à aquisição da linguagem, Pedroso e Rotta (2016) afirmam que o desdobramento da linguagem assume características genéticas, todavia, os estímulos aos quais a criança está exposta são significativos para a consolidação e a aprendizagem da linguagem. Assim, é interessante perceber a influência contribuinte do meio para o desenvolvimento da criança quanto à linguagem. Afirmam Azambuja e Nunes (2002, citados por Russo, 2015, p. 60): O processo de aquisição da linguagem acontece de modo contínuo, ordenado e sequencial, sendo reconhecidas duas fases distintas em seu desenvolvimento: a pré-linguística, na qual são vocalizados apenas os fonemas (sem palavras), com duração aproximada de 11-12 meses de vida, e a fase linguística, que se inicia quando a criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Dessa forma, percebe-se que o desenvolvimento da linguagem assume um caráter crescente que se aprimora, de maneira que a criança vai amadurecendo. Para Salles e Rodrigues (2014, p. 93): A linguagem é uma habilidade cognitiva bastante complexa [...]. A linguagem manifesta-se na forma de “compreensão” receptiva e de decodificação do input linguístico (“compreensão verbal”), que inclui a audição e a leitura, ou no aspecto de codificação expressiva e produção, que inclui fala, escrita e sinalização. Desse modo é possível perceber a complexidade do processo e do envolvimento global nos quais a criança está envolvida para que consiga desenvolver sua linguagem de forma significativa e fluente. Valmaseda (2004, p. 74) caracteriza os componentes da linguagem e diz que “os elementos formais se referem à fonologia, morfologia e sintaxe”, e que “o conteúdo que se refere à semântica e aos usos da fala refere-se às funções comunicativas da linguagem”. Assim, a criança vai atingindo níveis, dos mais simples aos mais complexos, dentro do processo de aquisição da linguagem. Para a maior compreensão dos níveis que evolvem o processo representativo da linguagem, Salles e Rodrigues (2014), dentro de uma visão neuropsicológica, classificam alguns componentes representativos da linguagem: semântico: faz referência aos significados das palavras; fonético: compreende a natureza física da produção e da percepção dos sons da fala humana; fonológico: relaciona-se aos fonemas; 4 morfológico: relaciona-se a palavras; lexical: diz respeito ao repertório linguístico; sintático: refere-se à estruturação das frases; pragmático: refere-se à forma com que a linguagem é usada; prosódico: diz respeito ao significado afetivo ou semântico envolvido na entonação ou ao compasso das palavras. Assim, percebemos que a aquisição da linguagem perpassa processos que envolvem a identificação, a elaboração, a compreensão, a significação e a expressão que circundam a forma oralizada e a forma escrita das palavras. TEMA 2 – ASPECTOS FUNCIONAIS DA LINGUAGEM VERBAL Dentre todos os aspectos que compreendem a linguagem verbal, vale buscar compreender as funções que abrangem a sua aquisição. Valmaseda (2004, p. 77) destaca como mais importantes a “função reguladora, a função declarativa e a função interrogativa ou heurística”. Para melhor compreensão, cabe conceituar cada uma dessas funções e entender sua aplicação durante o processo de aquisição de linguagem da criança. A função reguladora é a ação primária no desenvolvimento da linguagem da criança, aparente no período pré-verbal1. Está relacionada às expressões de desejos, seja para atingir um objetivo, seja para realizar ações concretas intencionadas. A função declarativa, que vem na sequência da função reguladora, é o momento em que a criança objetiva transmitir uma informação de momentos vivenciados ou objetos por ela percebidos. A função interrogativa demonstra que as funções comunicativas estão se aprimorando, e a criança começa a fazer perguntas sobre as coisas que a cercam (Valmaseda, 2004). Percebe-se que esse desenvolvimento continua no decorrer da vida escolar da criança, sendo aprimorado e despertando suas competências comunicativas. Nessa perspectiva, “a criança, no primeiro ano de vida, passa por uma série de transformações, vence uma série de etapas no desenvolvimento cognitivo e motor, necessárias para o desenvolvimento da linguagem” (Portal da Educação, S.d.). Assim, percebe-se que o adulto que cerca essa criança tem grande 1 Período em que a criança se comunica por meios que não palavras (Soraia; Vanessa; Patricia, 2010). 5 responsabilidade nesse contexto, sendo um facilitador da aquisição da linguagem na fase de construção de significados. Quanto a essa condição, Valmaseda (2004, p. 77) afirma que “a criança deve aprender a diferenciar entre diversos contextos e interlocutores”, habilidade esta desenvolvida ao longo do processo, “e saber o que se espera de sua participação como interlocutora em relação ao contexto em que está imersa”. Del Rio (1993) distingue, nessa perspectiva, funções e habilidades comunicativas, sendo que as funções são os regularizadores da comunicação, e as habilidades, as operações desenvolvidas na comunicação. (Valmaseda, 2004). À medida que a criança vai interagindo comos adultos, interlocutores, vai aprimorando o desenvolvimento de sua linguagem, que tende a ser cada vez mais enriquecida e fluente. TEMA 3 – MATUARAÇÃO, TRANSTORNO, DISTÚRBIO E DIFICULDADE NO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM Quando se trata de detectar possíveis dificuldades do indivíduo, em qualquer área de seu desenvolvimento, os parâmetros seguidos são os de acompanhamento de pessoas de sua idade, ainda que inconstâncias nos ritmos de desenvolvimento sejam normais. Variações nesse ritmo não significam uma classificação imediata de dificuldade, transtorno ou distúrbio (Valmaseda, 2004). A demora no processamento da linguagem não é sinônimo de transtornos ou distúrbio, como dito anteriormente, uma vez que a criança que apresente um nível de linguagem que não corresponda aos parâmetros de nivelamento pode apresentar falta de maturidade ou ainda lentidão em relação aos demais em seu desenvolvimento (Valmaseda, 2004). Para melhor esclarecer o assunto é interessante que se entendam os termos a fim de se fazer distinção entre possibilidades diferentes de ser vistas, entendidas e trabalhadas. Vale investir em um olhar mais apurado, sabendo que cada caso é específico, e buscar uma sondagem adequada e paulatina para que depois se possa encaminhar para um possível diagnóstico de caso. A maturidade “é o processo de crescimento interno que opera como fator fundamental básico durante a aprendizagem” (Portal da Educação, S.d.), e está ligada à prontidão da criança para aprender, o que significa dizer que o sujeito tem um “nível suficiente de preparação e interesse para iniciar uma aprendizagem seja 6 ela qual for” (Portal da Educação, S.d.). Tais aprendizagens estão intrinsecamente ligadas a graus de desenvolvimento mental e intelectual, coordenação visomotora, psicomotora e socioemocional, utilizando-se das potencialidades das características intrapessoais para o pleno desenvolvimento da aprendizagem. Vale ressaltar: nessa perspectiva é que os transtornos vão além das aparentes dificuldades, ou resquícios de imaturidade, pois estas, segundo Sampaio e Freitas (2014, p. 21) “têm sido objeto de estudos de diferentes linhas de pesquisas, tornando-se recorrentes na leitura especializada”. Os transtornos podem ser conceituados como “uma perturbação de ordem psicológica e/ou mental que causa incômodo na pessoa devido a falha de estimulação na região frontal do cérebro” (Rocha, 2016). O distúrbio “é uma disfunção do Sistema Nervoso Central que causa desiquilíbrio patológico por alguma alteração violenta de ordem natural” (Rocha, 2016). Apesar das diferenças conceituais, percebe-se que ambos causam rebaixamento na aprendizagem, apesar das origens diferentes, e que afetam significativamente o sujeito em suas aquisições de conhecimento importantes para o desenvolvimento. Dessa forma, segundo Collares e Moysés (1999, citados por Sampaio; Freitas, 2014, p. 21), “Distúrbio de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Assim, é importante compreender as diferenças que podem ocorrer em cada caso observado e analisado; deve-se adotar o procedimento mais adequado na busca do desenvolvimento da criança. Pensando inicialmente em dificuldades no processamento da linguagem, vale lembrar que elas podem se apresentar no momento de pronunciar palavras, na leitura e possivelmente na escrita. Essa ocorrência é percebida ainda bem cedo e, caso evidenciada, pode vir a se tornar uma deficiência grave (Smith; Strick, 2012). As dificuldades podem se apresentar como problemas relacionados à aprendizagem, e estas compreendem fatores múltiplos, ou seja, várias podem ser suas causas; elas podem até mesmo abranger todo o contexto existencial do sujeito. Por isso, compreender aspectos externos, em âmbitos sociais e culturais, além de em perspectivas intrínsecas, como as de cunhos cognitivo e emocional, faz-se extremamente necessário na esfera da aquisição da linguagem e de detecção de possíveis dificuldades e ou transtornos (Sampaio; Freitas, 2014). 7 Desse modo, percebe-se que a detecção de uma dificuldade na aprendizagem não significa necessariamente a existência de um transtorno de aprendizagem ou de um distúrbio, pois a criança pode apresentar algumas dificuldades na execução de uma atividade por inúmeros motivos, incluindo seu contexto de vida; ela pode carregar consigo barreiras contra a aquisição do aprendizado, fator que configura a necessidade de tratamento psicopedagógico. Esse contexto, porém, não exclui a falta de habilidade do professor no momento do processo ensino-aprendizagem, fato que deve ser observado com seriedade. Mediante esse panorama é válido ressaltar que os transtornos ou distúrbios vão além do simples fato do surgimento de uma dificuldade comum. Para Fontes (2007), os transtornos podem ser percebidos como um “conjunto de sinais sintomatológicos que provocam uma série de perturbações no aprender da criança, interferindo no processo de aquisição e manutenção de informações de uma forma acentuada”. O professor deve ter um olhar minucioso para com os alunos que estão sob sua monitoria, de forma a diferenciar as dificuldades dos transtornos e buscar o encaminhamento necessário para cada caso. TEMA 4 – TRANSTORNOS DE LINGUAGEM Nos dias atuais é muito costumeiro perceber que algumas crianças apresentam certas variantes no decorrer do desenvolvimento da linguagem. Essas alterações, a depender da ocorrência e da forma com que são tratadas, podem comprometer significativamente o desenvolvimento da criança. Segundo a Dra. Elisabete Giusti (S.d.), a “alteração no desenvolvimento da fala e da linguagem pode ocasionar déficits linguístico-cognitivos o que leva a criança ao fracasso escolar”. Sobre isso, o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014, p. 31) destaca que: Os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de condições com início no período do desenvolvimento. Os transtornos tipicamente se manifestam cedo no desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional. É comum que os alunos assumam comportamentos diferenciados nessa perspectiva, sendo por vezes rotulados como desatentos, sem vontade ou preguiçosos, ação essa negativamente influenciadora que pode proporcionar uma 8 baixa autoestima e um sentimento de depreciação no aluno. Assim, o professor deve ter um feeling apurado para evitar situações vexatórias (Almeida, 2009). Nessa perspectiva, segundo o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014, p. 41), são percebidos então que os “transtornos da comunicação incluem déficits na linguagem, na fala e na comunicação”. Para que melhor seja esclarecida a ideia, vale saber que: fala é a produção expressiva de sons e inclui a articulação, a fluência, a voz e a qualidade da ressonância de um indivíduo; linguagem inclui a forma, a função e o uso de um sistema convencional de símbolos (por exemplo, palavras faladas, linguagem de sinais, palavras escritas, figuras) com um conjunto de regras para a comunicação; comunicação inclui todo comportamento verbal e não verbal (intencional ou não) que influencia o comportamento, as ideias ou as atitudes de outro indivíduo (American Psychiatric Association, 2014). Em conformidade com a colocação anterior, vale ressaltar que os transtornos da fala e da linguagem causam problemas na oralidade da criança, sendo percebidos trocas de sons na fala, falta de argumentação, vocabulário deficitário e dificuldades quanto à composição de frases, o que tem grande influência na leitura e na escrita, além de maiores prejuízosno processamento de informações (Giusti, S.d.). Ainda dentro das possibilidades de transtornos, Valmaseda (2004, p. 79) destaca que, dentre alguns fatores, “os problemas graves de comunicação referem-se às dificuldades que implicam transtornos como o autismo [que será tratado posteriormente] e a psicose”. É importante saber identificar os transtornos para se poder fazer o encaminhamento correto. Ter conhecimento de casos mais específicos aumenta as chances de recursos corretos e intervenções práticas no auxílio da aquisição da linguagem. Dando seguimento ao assunto, alguns dos principais transtornos relacionados à linguagem serão tratados a seguir. 4.1 Principais problemas na fala e na linguagem Muitos são os problemas que podem ser identificados na criança em idade escolar no campo da linguagem. Valmaseda (2004) conceitua os principais 9 problemas na comunicação, na fala e na linguagem da forma que serão mencionados a seguir: mutismo seletivo: é um “transtorno pouco frequente caracterizado pela ausência total e persistente da linguagem em determinadas circunstâncias ou diante de determinadas pessoas”; o autor salienta que isso é comum em crianças com alto grau de timidez; disfemia: é caracterizada pela gagueira, que intervém na fluidez da fala, podendo ser crônica, de repetição ou tônica, de bloqueios, transtorno que varia em grau de intensidade; dislalia: problema representado por um transtorno na articulação dos sons, devido à discriminação auditiva e/ou práxis bucofonatórias; disglosias: dificuldade causada por alterações anatômicas ou fisiológicas dos órgãos articulatórios (lábios, mandíbulas, língua, palato e fossas nasais); atraso na fala: dificuldade no sistema fonológico devido ao descompasso cronológico entre a linguagem apresentada pela criança e o que se espera para a sua idade. Pode intervir no desenvolvimento dos códigos da fala ou no desenvolvimento integral. Está ligado a um descompasso mais amplo. disfasia: transtorno nos mecanismos de aquisição da linguagem, tanto na forma receptiva quanto na expressiva ligada a uma defasagem cronológica relacionada à compreensão. Pode ser congênita ou de desenvolvimento. Muitas são as pesquisas sobre o tema, e todas tencionam classificar da melhor maneira possível os transtornos relacionados à comunicação para que se possa diagnosticar e proporcionar um tratamento significativo. O DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014) categoriza esses transtornos de forma diagnóstica em cinco grupos: 1. transtorno da linguagem; 2. transtorno da fala; 3. transtorno da fluência com início na infância (gagueira); 4. transtorno da comunicação social (pragmática); 5. transtorno da comunicação não especificado. 10 4.1.1 Transtorno da linguagem Os problemas relacionados à capacidade comunicativa são percebidos na fala, na escrita e na linguagem de sinais, uma vez que os indivíduos apresentam dificuldades na aquisição e no uso da linguagem. Eles podem se apresentar na capacidade expressiva, demonstrando vocabulário limitado, dificuldades na produção frasal e capacidade receptiva em que a dificuldade se encontra no receber e no compreender comandos linguísticos. Segundo o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014), “As habilidades linguísticas precisam ser investigadas nas modalidades expressiva e receptiva, uma vez que podem diferir quanto à gravidade. Por exemplo, a linguagem expressiva de um indivíduo pode estar gravemente prejudicada, ao passo que a receptiva pode não apresentar nenhum prejuízo”. Dessa forma, é coerente que os casos sejam investigados cuidadosamente para que se possa fazer o encaminhamento correto, uma vez que esses problemas interferem significativamente no desenvolvimento escolar e social da criança. 4.1.2 Transtorno da fala Esse transtorno interfere diretamente na fala, na articulação de palavras, sendo que a produção dos sons se dá de forma incorreta. O DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014, p. 44) referencia que “o transtorno da fala é, desse modo, heterogêneo em seus mecanismos subjacentes, incluindo transtorno fonológico e transtorno da articulação”. Ele é percebido quando a criança não consegue falar como o esperado em seu desenvolvimento cronológico, dentro de padrões preestabelecidos. 4.1.3 Transtorno da fluência (gagueira) Relacionado à fluência, a gagueira, como comumente é conhecida, é um transtorno que se mostra como uma perturbação na fala, na articulação das palavras, interferindo na fluência normal e no padrão temporal da fala. Nesse caso, são percebidas pausas no decorrer da fala com palavras fragmentadas e repetições frequentes ou prolongamentos de sons ou sílabas. Percebe-se ainda um aumento da gravidade quando o sujeito está sobre pressão e necessita se comunicar dentro dessa esfera (American Psychiatric Association, 2014). 11 4.1.4 Transtorno da comunicação social (pragmática) Qualificado como um déficit na comunicação social, é caracterizado por uma dificuldade em aprender regras sociais de comunicação verbal e não verbal. O sujeito não consegue iniciar uma conversa, ou permanecer conversando. Não compreende expressões faciais e demonstra não ser capaz de se comunicar efetivamente com os que o cercam (American Psychiatric Association, 2014). 4.1.5 Transtornos da comunicação não especificados Esses transtornos, como as nomenclaturas mencionam, tratam de transtornos não especificados, pois, segundo o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014, p. 44), “inclui as apresentações para as quais não há informações suficientes para que seja feito um diagnóstico mais específico”. Embora se perceba uma predominância de peculiaridades de transtornos de comunicação, não há premissas suficientes que o classifiquem dentro neurodesenvolvimento. TEMA 5 – TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA “O autismo nos fascina porque supõe um desafio para algumas de nossas motivações mais fundamentais como seres humanos. A necessidades de compreender os outros, compartilhar mundos mentais e de nos relacionarmos de um modo quase compulsivo.” – Ángel Rivière Dentro do grupo de dificuldades de aprendizagem se encontra o Transtorno do Espectro Autista. Segundo Sampaio e Freitas (2014, p. 163) o termo autismo vem do grego autós, que significa de si mesmo. Esse transtorno refere-se à uma alteração cerebral que afeta a comunicação verbal do sujeito e sua interação social; além disso, ele confere padrões de comportamento repetitivos e interesses restritos. Alguns autistas se apresentam dentro do padrão da normalidade em relação à fala e à inteligência, já em alguns casos pode ocorrer retardo metal e mutismo, entre outros problemas de desenvolvimento (Olivier, 2011). Segundo Rotta (2006, p. 423), “em 1911 Bleuler usou, pela primeira vez, a expressão ‘autismo’ para designar a perda de contato com a realidade, do que decorria grande dificuldade ou impossibilidade na comunicação”. Posteriormente, 12 em 1943, Kanner fez algumas descobertas acerca do distúrbio realizando estudos com crianças que apresentavam inabilidade de relacionamento social, dificuldades com a linguagem e repetições excessivas. O autor também levantou a hipótese primária de que o autismo se devia ao comportamento frio dos pais para com seus filhos, destacando a responsabilidade, principalmente da mãe, pensamento este que foi logo descartado por não ser correto (Vargas, 2014). A psicanalista e psiquiatra Margareth Mahler atribuiu a ocorrência de autismo à psicose simbiótica causada pelo mau relacionamento da criança com a mãe (Vargas, 2014). Com o passar do tempo e com incansáveis estudos, a hipótese de psicose deixou de ser considerada, e, nessa perspectiva, Ritvo foi um dos primeiros a contrariar a conceitualização, relacionando o autismo ao déficit cognitivo, causador de distúrbiosde desenvolvimento (Facion, 2005). Algum tempo depois, a psiquiatra Lorna Wing2 deu sua contribuição para os estudos acerca do autismo quanto formulou uma teoria argumentando que os sujeitos autistas apresentam dificuldades e desordens específicas em três áreas, sendo elas: “Imaginação, socialização e comunicação, o que ficou conhecido como a Tríade de Wing” (Vargas, 2014, p. 163). O autismo passou a ser visto, então, desde outras perspectivas, sendo levantada a hipótese de estar relaciono à teoria da mente,3 com base na dificuldade de atribuir estados mentais aos demais. Logo, Wimmer e Perner, refutam essa ideia por perceberem que sujeitos com autismo não contam com a teoria da mente, uma vez que a metarrepresentação4 é deficitária e as interações humanas, desfavorecidas (Vargas, 2014). 5.1 Autismo e suas características Com base na tríade comunicação, sociabilização e comportamento, o autismo pode ser considerado um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta o desenvolvimento do sujeito, sendo marcado por comportamentos repetitivos e estereotipados e dificuldades nos relacionamentos e interações (Olivier, 2011). 2 A contribuição da psiquiatra inglesa Lorna Wing foi fundamental para o conhecimento e o tratamento de pessoas com autismo. Ela foi a primeira a utilizar, em 1981, a expressão síndrome de Asperger (L’Osservatore Romano, 2014). 3 A teoria da mente envolve a habilidade de atribuir estados mentais – crenças, intenções, desejos, conhecimentos etc. – a si próprio e aos outros, e compreender que os outros possuem crenças, desejos e intenções que são distintas da sua própria (Teixeira, 2015). 4 Metarrepresentação: processo de refletir sobre representações de estados mentais (Facion, 2005, p. 29). 13 O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5, American Psychiatric Association, 2014) propôs agregar as categorias – autismo, síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo e transtorno global do desenvolvimento – em uma única categoria: transtornos do espectro autista (TEA). Os TEA assim agrupados se caracterizam por dois grupos sintomáticos característicos: o de “déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais e o padrão de comportamentos repetitivos e estereotipados” (Muszkat, 2014, p. 182). Para se compreender com mais clareza o que ocorre na tríade é interessante observar de forma sintetizada como ela se dá segundo a visão de Olivier (2011): comunicação: falha na dificuldade qualitativa de utilizar os aspectos da comunicação verbal e não verbal e de fluência, incluindo aspectos gestuais, com possibilidade de variações diversas; sociabilização: incapacidade que o autista apresenta de diferenciar pessoas e coisas que o cercam, de entender emoções e sentimentos, retribuir a gestos e compartilhar gostos; comportamento (imaginação): demonstra “inflexibilidade, estendendo-se às várias áreas do pensamento, da linguagem e do comportamento do autista podendo apresentar comportamentos obsessivos e ritualísticos” (Olivier, 2011, p. 114). Mediante a apresentação dessas características, percebe-se um comportamento frio e mecânico com total falta de empatia social e emocional. 5.2 Importância do diagnóstico O diagnóstico é clínico, e é bem importante que seja efetivado precocemente. O Dr. Clay Brites5 afirma que quanto antes se conseguir diagnosticar o autismo, melhores serão os resultados obtidos devido à intervenção e aos tratamentos administrados corretamente, que podem garantir qualidade de vida à criança e à sua família. Segundo ele, “60% das crianças apresentam sinais do Transtorno ao nascer”. O diagnóstico deve, sem dúvidas, ser realizado por um 5 Médico pediatra e neurologista infantil, fundador do Instituto NeuroSaber. <http://entendendoautismo.com.br/pergunta/por-que-e-importante-saber-reconhecer-os-sinais-e- sintomas-precoces-do-autismo/>. 14 especialista, mas existem indicadores que ajudam a família a perceber sinais para que possam ir em busca do diagnóstico. O Dr. Brites diz que o comportamento da criança ou do bebê demonstra sinais de desenvolvimento diferenciados, como: “não se reconhece pelo nome, prefere ficar sozinha, se mostra apática e sem interação com outras pessoas”. Dentre os sintomas mais aparentes, o doutor afirma ainda que a criança “apresenta movimentos repetitivos, separam objetos por cor e tamanho e utiliza de adultos para conseguir o que deseja como instrumentos, sem manifestação verbal” (NeuroSaber, S.d.). Mesmo com os incansáveis estudos a respeito do autismo, não existe uma causa dada como certa, e o diagnóstico deve ser feito cautelosamente, com base na observação de um conjunto de sintomas, uma vez que não existem exames clínicos que possam diagnosticar o autismo. De acordo com Vargas (2014, p. 170), o DSM-5 destaca que a criança pode ser diagnosticada como autista segundo os critérios apresentados no quadro a seguir: 15 Quadro 1 – Critérios diagnósticos para 299.00 Transtorno Autista 16 Fonte: DSM-IV-TR. Vale salientar que, como mencionado anteriormente, por se tratar de uma desordem neurológica em que não há possibilidade de detecção com exames clínicos isolados, deve-se realizar uma investigação global da criança. Dessa forma, segundo Facion (2005, citado por Vargas, 2014, p. 175), “por isso entendemos ser necessário realizar uma série de exames, avaliações e análises com fins de compilar um número suficiente de informações que permeia esboçar mais seguramente este quadro clínico”. Assim, com base nas investigações precisas e no diagnóstico precoce, pode-se estabelecer procedimentos e intervenções para os quais estão disponíveis algumas metodologias aplicadas, o que vem a contribuir para um avanço no desenvolvimento da criança autista. Dentre muitas das possibilidades de intervenção, Vargas (2014, p. 176- 177) destaca: tratamento e educação para crianças autistas e com distúrbios correlatos da comunicação (TAECCH): trabalha-se com o perfil psicoeducacional revisado (PEP-R), considerando-se as dificuldades e os pontos fortes para 17 se aplicar a intervenção. Vale ressaltar que se trata de uma metodologia individualizada; análise aplicada do comportamento (ABA): esse método trabalha pautado na análise do comportamento, buscando, por meio do método da repetição, ensinar habilidades para a criança que ela não apresenta. Vale salientar que esse método recebe fortes críticas por parecer robotizar a criança em tratamento; sistema de comunicação por meio da troca de figuras (PECS): esse procedimento é centrado no desenvolvimento da comunicação, levando o sujeito a perceber a necessidade e a importância de se comunicar. Parece ser um caminho de fácil aplicação e que assegura bons resultados se bem trabalhado; método desenvolvido pelo Autism Treatment Center of America (Son- Rise®): esse processo se baseia em primeira estância no positivismo que permeia a aceitação da pessoa trabalhando a possibilidade da neurodiversidade, pautada na individualidade de cada sujeito, respeitando o tempo de cada um. Esse método se utiliza de atividades divertidas e motivadoras. Muitas são as possibilidades de tratamento, desde as citadas anteriormente até aquelas que envolvem equipes multidisciplinares. A complexidade do trabalho é visível, porém, todo esforço é valido na busca de metodologias que favoreçam o desenvolvimento das pessoas autistas de forma global com variadas alternativas de estimulação baseadas nas habilidades apresentadas pelo sujeito. 5.3 Transtorno de Asperger Na investigação dos transtornos possíveis, deve-se destacar a síndrome (ou transtorno) de Asperger, que quase sempre é confundido como autismo por apresentar características semelhantes. Observando crianças que apresentavam divergências comportamentais no que tange à interação social, o pediatra austríaco Hans Asperger, em Viena, no ano de 1944, percebeu que essas crianças apresentavam certas inabilidades parecidas com as descritas por Kanner (Vargas, 2014). Vargas (2014) se refere ao transtorno de Asperger afirmando que: O transtorno de Asperger se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha de retardo ou deficiência de linguagem 18 ou do desenvolvimento cognitivo. A diferença fundamental entre um indivíduo com autismo de alto funcionamento e um indivíduo com transtorno de Asperger é que o autismo possui QI executivo maior que o verbal e atraso na aquisição da linguagem. Na prática clínica, a distinção fará pouca diferença, porque o tratamento é basicamente o mesmo (Vargas, 2014, p. 164). Esse fator mostra que existem diferenças, uma vez que a síndrome de Asperger diferencia-se do autismo pela contradição existente na tríade (comunicação, interação social e imaginação) caraterística no autismo. Dessa forma, pode-se dizer que a síndrome de Asperger é uma variante com características próprias, apresentando sintomas principais relacionados à linguagem, à boa fluência verbal, embora, de maneira “formal e repetitiva, a voz tende a ser monologa e sem emoção e os diálogos giram em torno do ego” (Olivier, 2011, p. 124). Quanto à aprendizagem e à cognição, são muito abaixo do normal na habilidade verbal, porém são acima da média no desempenho de outras habilidades. Apesar de nesse quesito se assemelhar ao do autismo, o portador de Asperger pode “apresentar dislexia e problemas de escrita, discalculia” ou “dificuldades matemáticas, falta de bom senso, preferência pelo pensamento concreto em detrimento do abstrato” (Olivier, 2011, p. 125). Em termos de comportamento, mostra-se socialmente atento com aceitação de pessoas, embora sem muita integração. Pode ainda mostrar quadros de “depressão e desordem bipolar” (Olivier, 2011, p. 125). Pode-se traçar diferenças entre as duas possibilidades de transtornos, sabendo ainda que há uma linhagem de estudos que acredita que Asperger seja de ordem hereditária, sendo que hereditariedade no autismo não é um fator relevante. Dentre os tratamentos mais usuais, sugere-se a terapia cognitiva comportamental (TCC), que pode surtir bons resultados e garantir uma vida tranquila e normal para os que se enquadram nas características dessa síndrome. 19 REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. S. S. Dislexia: o grande desafio em sala de aula. Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Faculdade Dom Domênico, out. 2009. Disponível em: <http://atividadeparaeducacaoespecial.com/wp- content/uploads/2014/07/DISLEXIA-O-GRANDE-DESAFIO-EM-SALA-DE- AULA.pdf>. Acesso em: 13 set. 2019. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DO AUTISTA (AMA). 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