Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Farmácia Clínica, Atenção Farmacêutica e a Qualidade da Farmacoterapia (Clinical Pharmacy, Pharmaceutical Care and the Quality of Drug Therapy) Charles D. Hepler Pharmacotherapy 2004; 24(11):1491-1498 Tradução por: Marcelo Aguiar de Fátima Revisão por: Leda Dias Costa As preocupações atuais sobre a segurança do paciente e a qualidade da assistência médica na América, notavelmente incluem aquelas que concernem à farmacoterapia.1,2 Grupos influentes e indivíduos têm solicitado “novas regras” na prestação da assistência médica, essencialmente pela criação de sistemas cooperativos centrados no paciente para a prestação de assistência médica.3 Essas circunstâncias podem dar aos farmacêuticos oportunidades que há muito esperavam para aumentar seu papel no cuidado ao paciente. Pergunto-me: A farmácia está pronta para aproveitá-las? Há tempos, os farmacêuticos perceberam a necessidade de melhorar a segurança e efetividade da farmacoterapia. Tanto a farmácia clínica como a atenção farmacêutica são ideias envolvidas nessa questão. São conceitos intimamente relacionados. Embora não possam definir completamente todo o potencial dos farmacêuticos, representam um valioso começo. Infelizmente, alguns farmacêuticos e seus líderes, talvez preocupados com questões políticas, pensam na farmácia clínica e na atenção farmacêutica como competitivas ou incompatíveis, como se uma ideia fosse correta e legítima e a outra o contrário. Muito embora esse ponto de vista seja devido à longa tradição de disputas – mesquinhas – internas da profissão, acaba por limitar a capacidade de muitos farmacêuticos para compreender suas oportunidades e responsabilidades no ambiente atual. Cometeríamos um erro ao tentar escolher entre uma ou outra ideia. Seria muito mais produtivo usá-las para formular definições mais completas dos papéis do farmacêutico. Uma forma de explorar a natureza complementar das duas ideias seria discutir a atenção farmacêutica em função da farmácia clínica e vice-versa. A comparação entre elas deveria unir os farmacêuticos e não causar divisão. Uma discussão cuidadosa da relação entre as duas requer uma análise em vários níveis: semântica ou filosofia da prática (ideias e seus rótulos); prática (ideias e suas aplicações); e política (ideias e seus defensores). Uma discussão que seja filosoficamente correta pode ser equivocada no nível da prática ou distorcida no processo político. Esse exercício é um pouco arriscado, porque opiniões depreciativas têm sido usadas pelos defensores de cada ideia para dividir ao invés de unir. Algumas pessoas falam das elites acadêmicas da farmácia clínica. Outras dizem que a atenção farmacêutica é a popularização (em sentido pejorativo) da farmácia clínica. Meu objetivo aqui é unir, não dividir, e eu apresento essas ideias para discussão como um colega de profissão. Nossos pacientes necessitam que cooperemos, ao invés de competirmos, o que resultaria em benefícios e em uma melhor cooperação intraprofissional. 2 Filosofia A relação filosófica entre atenção farmacêutica e farmácia clínica depende de definições específicas e existem muitas delas para cada termo. Além disso, não há um argumento mais convincente para se escolher ou ignorar várias delas. De forma arbitrária, escolhi definições que acredito serem as mais importantes e mais úteis. Atenção Farmacêutica O conceito de atenção farmacêutica no seu sentido moderno foi introduzido em 1980: “A atenção farmacêutica inclui a determinação das necessidades medicamentosas para dado indivíduo e não somente a provisão do medicamento requerido, mas também dos serviços necessários (antes, durante ou após o tratamento) para garantir a terapia mais segura e efetiva. Inclui um mecanismo de feedback como um meio de facilitar a continuidade do cuidado por aqueles que o provém.” 4 Em 1989, minha colega (Linda Strand) e eu, enfatizamos a importância de uma orientação em direção aos desfechos, o que estava implícito na definição anterior. Nossa definição também abordou a responsabilidade dentro das relações: “Provisão responsável da farmacoterapia com o propósito de atingir desfechos definidos que melhorem a qualidade de vida do paciente.” 5 Com base em outras publicações, os respectivos autores pretenderam usar a palavra “cuidado” (de cuidado/atenção farmacêutica) para evocar analogias à assistência médica e à assistência de enfermagem.6,7 A responsabilidade foi definida em sentido prospectivo (esperado) como confiabilidade moral (exemplo: comportar-se em conformidade com o que for permitido pela lei e pelos costumes, como uma pessoa da qual se espera ser responsável por seus atos).8 Este conceito de responsabilidade não presume completa autoridade sobre o cuidado ao paciente. Em 1998, um outro grupo definiu a atenção farmacêutica como “uma prática em que o profissional assume responsabilidade pelas necessidades relacionadas a medicamentos de um paciente e é responsabilizado por este compromisso. No curso da prática, provê-se a farmacoterapia com o propósito de atingir desfechos positivos ao paciente.” 9 Farmácia Clínica O Colégio Americano de Farmácia Clínica American College of Clinical Pharmacy (ACCP) define farmácia clínica como “uma especialidade de ciência da saúde que incorpora a aplicação, pelos farmacêuticos, dos princípios científicos de farmacologia, toxicologia, farmacocinética e terapêutica no cuidado aos pacientes.” 9 Esses autores caracterizam a farmácia clínica, de acordo com essa definição, como sinônimo de serviços cognitivos. Um relatório preliminar do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (United States Department of Health and Human Services) sobre o papel clínico para a farmácia comunitária definiu farmácia clínica como “funções exercidas por farmacêuticos em prol do paciente, para identificar, resolver e prevenir problemas relacionados a medicamentos”10 A Sociedade Europeia de Farmácia Clínica (European Society of Clinical Pharmacy) define farmácia clínica como “uma especialidade de saúde que descreve as atividades e serviços do farmacêutico clínico para desenvolver e promover o uso racional e adequado de produtos e dispositivos medicinais” (disponível em http://www.escpweb.org/site/cms/contentViewArticle.asp?article=1712#definition). http://www.escpweb.org/site/cms/contentViewArticle.asp?article=1712#definition 3 Semelhanças e diferenças As comparações mostram que a farmácia clínica e a atenção farmacêutica são ideias compatíveis e mutuamente complementares. Tais ideias contêm metas similares. No entanto, essas metas são expressas em diferentes sistemas de linguagem e enfatizam aspectos distintos da prática. Uma forma de destacá-las seria dizer que a farmácia clínica descreve uma prática que contribuiria, dentro de um sistema de atenção farmacêutica maior, para atingir objetivos farmacoterapêuticos e da qualidade de vida terapêutica. Embora a ideia de atenção farmacêutica tenha sido desenvolvida principalmente por farmacêuticos, a atenção farmacêutica não é “sobre” farmacêuticos. Trata-se, fundamentalmente, de uma ideia sobre um sistema de prestação de cuidados ao paciente. Requer a cooperação de uma variedade de farmacêuticos hospitalares e comunitários, médicos, enfermeiros e outros profissionais. A farmácia clínica é um componente essencial na prestação da atenção farmacêutica. Entendê-la, pode melhorar a qualidade técnica da atenção farmacêutica. Entender a atenção farmacêutica pode enriquecer e ampliar a filosofia e a prática da farmácia clínica. De acordo com essas definições, a farmácia clínica compreende processos executados por farmacêuticos sem referências específicas a desfechos. Por outro lado, a primeira definição – anteriormente mencionada – de atenção farmacêutica4 implica em uma orientação em direção aos desfechos dos pacientes quando é mencionadoo feedback, que é a informação “controle” sobre desfechos. A segunda e terceira definições de atenção farmacêutica5,9 mencionam de forma explícita os desfechos. Não existem definições de atenção farmacêutica que nomeiem uma profissão específica que proverá o cuidado. Os autores dessas definições citaram os farmacêuticos, mas eles também anteviram os sistemas cooperativos. Ao mencionarem “serviços antes, durante ou após o tratamento”, a primeira definição, 4 certamente incluíram os serviços dos médicos. Em nossa discussão, minha colega e eu, demos uma clara atenção a essa questão. 5 Farmacêuticos não podem prover farmacoterapia sem a cooperação de prescritores e pacientes. Nenhuma das definições de farmácia clínica menciona sistemas. Dois conceitos também parecem diferir em suas bases filosóficas. A definição de farmácia clínica da ACCP diz que é uma ciência da saúde e lista várias disciplinas acadêmicas. 9 Nenhuma das definições de farmácia clínica menciona valores ou responsabilidades. Duas definições de atenção farmacêutica mencionam responsabilidade, mas nenhuma menciona disciplinas acadêmicas. Evidentemente, a base para a farmácia clínica está mais para ciência do que para relações éticas, ao passo que a base da atenção farmacêutica está voltada mais para relações éticas do que para ciência. Essas distinções não estão desconexas. Elas não sugerem que a farmácia clínica, na prática, está completamente desprovida de qualquer elemento presente na definição de atenção farmacêutica, ou vice-versa. Certamente, essa prática foi feita para ser mediada pela ética que envolve responsabilidades por desfechos clínicos e desfechos na qualidade de vida. Entretanto, ela não foi definida assim. Sem sombra de dúvidas, a atenção farmacêutica depende de processos corretos e requer conhecimento acadêmico. No entanto, suas definições não requerem esses elementos. As comparações semânticas mostram que ambos os conceitos são incompletos e que um auxilia e completa o outro ou vice-versa. Implicações da Prática Algumas práticas clínicas podem satisfazer as definições de farmácia clínica e atenção farmacêutica. Por exemplo, muitos profissionais da farmácia clínica executam funções clínicas 4 específicas, direcionam suas práticas a desfechos específicos, e agem como se compartilhassem responsabilidade por esses desfechos. Essa era ideia original de farmácia clínica. Não obstante, as definições parecem permitir práticas divergentes que satisfaçam uma definição, mas não a outra. Práticas de Farmácia Clínica Considere os exemplos a seguir, os quais não violariam a definição de farmácia clínica. Suponha que um farmacêutico tenha provido serviços de farmácia clínica independente de ter declarado explicitamente um objetivo terapêutico; que tenha limitado sua responsabilidade à performance de sua função em detrimento do desfecho do paciente, no qual foi avaliado quanto ao desempenho, ao invés do efeito nos resultados (exemplo: foram verificadas as análises farmacocinéticas corretas, ao invés do estado clínico do paciente ou a melhoria na sua qualidade de vida); que tenha escolhido (ou designado) funções sem referência clara às necessidades dos pacientes; que tenha se limitado a aconselhar os médicos sem prover seguimento, ao ponto de que o médico, ao invés do paciente, tenha se tornado o verdadeiro cliente do farmacêutico clínico; ou que tenha se limitado a prover o manejo de algumas terapias ou doenças, ao invés de dar atenção ao paciente. Com certeza, os inovadores da farmácia clínica diriam que tais práticas não satisfariam completamente as definições dadas acima, mas esses exemplos não são incomuns. Funções fragmentadas da farmácia clínica poderiam se tornar o fim (objetivo) e perder seu sentido. Sabemos que uma terapia cientificamente correta pode falhar por falta de adequação a uma necessidade específica do paciente ou por manejo inadequado em direção ao objetivo terapêutico. Por exemplo, de acordo com a definição de farmácia clínica, um farmacêutico clínico poderia avaliar a farmacocinética de um medicamento que um paciente estivesse recebendo, digamos, um antibiótico aminoglicosídeo. Essa atividade está em consonância com todas as definições de farmácia clínica. Contudo, o farmacêutico poderia ignorar a indicação do medicamento ou se o aminoglicosídeo prescrito seria a escolha certa para o paciente. Ele poderia ignorar o manejo dos demais medicamentos que o paciente estivesse recebendo e quaisquer importantes indicações para a terapia – ainda não tratadas – mesmo que fosse o único farmacêutico clínico a cuidar desse paciente. Nenhum desses fatos violaria a definição de farmácia clínica. Se os pacientes que recebem aminoglicosídeos são beneficiados por se beneficiam melhor com um serviço tão limitado assim, essa não é a questão aqui. Esse tipo de prática é contraditório em si mesmo. Por um lado, esta prática é concordante com o argumento de que os farmacêuticos clínicos agregam valor no manejo da farmacoterapia e, então, por outro lado, negam essa expertise exceto para funções altamente especializadas (e talvez escolhidas ao acaso). Continuando o exemplo, um paciente que esteja recebendo ótimas doses farmacocinéticas, no auxílio de sua nutrição, terapia oncológica – e por aí vai –, ainda pode ter outros problemas mais cotidianos. Médicos subespecialistas (exemplo: cirurgiões de transplante) podem focar, de forma sensata, um aspecto do cuidado, porque eles trabalham com generalistas (exemplo: clínicos gerais) que cuidam das necessidades gerais dos pacientes. Terá a farmácia clínica definido especialidades (ou subespecialidades) sem prover farmacêuticos generalistas? (Uma leitura no site do Conselho de Especialidades Farmacêuticas [http://www.bpsweb.org/Recognized.Specialties/Recognized.Specialties.Pharmacotherapy.shtml] diria a qualquer um que a farmacoterapia é uma especialidade reconhecida pelo Conselho no mesmo nível da oncologia, entre outros). Está dentro da definição de farmácia clínica se especialistas provêm funções clínicas específicas sem um generalista de farmácia clínica que coordene? 5 Práticas de Atenção Farmacêutica Da mesma forma, um provedor da atenção farmacêutica poderia satisfazer a definição de atenção farmacêutica, mas não a de farmácia clínica. Para mim, a maior dificuldade com a definição de atenção farmacêutica é sua potencial ambiguidade sobre quais funções devem ser realizadas por quais participantes; sobre quais processos devem estar no repertório de cada participante; e sobre o nível de competência requerido. Essa ambiguidade pode permitir que a atenção farmacêutica compreenda um escopo muito mais limitado de serviços profissionais do que os autores pretenderam. A definição implica (mas não requer) a devida consideração às necessidades do paciente em comparação ao que outros estão provendo. As definições exigem que o prestador aja de forma responsável ou responda por seus atos, mas não fornecem uma base explícita de responsabilidade, tal como conhecimento científico. Por exemplo, um farmacêutico praticante pode satisfazer a definição de atenção farmacêutica, embora sua proficiência técnico-científica não atenda aos padrões normais para a farmácia clínica (não defendo essa posição, mas é o que consta das definições publicadas). Uma prática farmacêutica que seja totalmente consistente com a definição de atenção farmacêutica seria holística e geral (exemplo: envolve o paciente em sua totalidade e compreende maior gama de problemas ). Uma prática também poderia ser mais superficial que uma prática especializada da farmácia clínica. Um farmacêutico pode não reconhecer a necessidade de executar uma função clínica importante ou pode não admitir alguns problemas da farmacoterapia clinicamente significantes que um farmacêutico clínico (presumivelmente) treinado identificaria. Um farmacêuticopraticante pode ser competente uma vez, mas também pode lhe faltar conhecimento acadêmico para manter essa competência por um maior período de tempo. Um farmacêutico pode ter dificuldade em entender o equilíbrio adequado entre responsabilidade compartilhada e cooperação. Um farmacêutico bem-intencionado, mas inexperiente, ao tentar melhorar os desfechos, ao assumir responsabilidade pessoal, pode, sem querer, complicar a relação entre o paciente e seu médico. Acredito que os autores das definições de atenção farmacêutica pretenderam que ela fosse uma extensão, e não um substituto, da farmácia clínica. Definitivamente foi com esse espírito que abordei minhas contribuições para o tópico. Infelizmente, mais de uma década depois, esta interpretação tem sido parcialmente submersa em um mar de contrastes desagradáveis e divergentes. A questão da ambiguidade sobre a função só é um problema quando as pessoas tentam entender a atenção farmacêutica sem referenciar a farmácia clínica. Há uma exceção principal a isso, a qual depende das necessidades dos pacientes individuais e da população. As Necessidades dos Pacientes Essas comparações das práticas mostram que uma prática que satisfaz apenas um tipo de definição pode ficar abaixo do que os pacientes necessitam dos farmacêuticos. O conceito de farmácia clínica é mais claro sobre a necessidade de competência técnica, mas é um pouco vago sobre a quem a farmácia clínica serve, sobre o quanto ela está realmente comprometida com os desfechos do paciente 6 e o limite de sua responsabilidade. A atenção farmacêutica é bem clara sobre suas responsabilidades para com os pacientes e sua orientação em direção aos desfechos, porém é vaga sobre de que forma isso vai ser realizado e sobre a competência técnica. Nossa compreensão será melhor quando a gente integrar as ideias, mas como podemos fazer isso? Devemos enfatizar as necessidades dos vários tipos de pacientes em detrimento das nossas próprias premissas, preferências de prática ou comprometimento organizacional. Com certeza, conhecimentos e habilidades (acadêmicas) especializados são frequentemente pré-requisitos para um farmacêutico e agregam valor em alguns ambientes (exemplo: hospitais terciários) que já incluem muitos especialistas de outras profissões. De acordo com pesquisas, a prescrição inadequada é a principal causa de uma morbidade prevenível relacionada com medicamento – Medication Possession Ratio Modified (MPRM) – entre os pacientes hospitalizados. 11 (Um MPRM é um dano causado por uma farmacoterapia [um evento adverso] ou por um não tratamento de uma indicação válida.) Melhorar a farmacoterapia desses pacientes requer que se aperfeiçoe mais a prescrição, do que, digamos, a monitorização. Os farmacêuticos clínicos de hospital têm acesso aos dados do paciente – necessários para prescrição – e aos médicos. Assim, os farmacêuticos clínicos decerto não estão errados quando enfatizam a prescrição e outros processos técnicos da farmacoterapia ou quando enfatizam a competência técnica. Em outros ambientes (exemplo: em alguns ambulatórios), no entanto, os pacientes têm necessidades distintas. Eles podem precisar de um [farmacêutico] generalista que os conheça e de sua farmacoterapia; que coopere com eles e seus médicos por um tempo prolongado; que possa coordenar a farmacoterapia (quando necessário) de vários especialistas, e que ajude no acompanhamento da terapia por longos períodos de tempo. De acordo com dados de pesquisa, a falha em monitorar o progresso do paciente de forma adequada é um erro frequente na farmacoterapia em cuidado ambulatorial, especialmente se for incluída a não aderência (não cumprimento), que seria detectável no seguimento e nas Reações Adversas a Medicamentos (RAM), consideradas leves que se permitiu tornar severas.11-13 A maioria dos farmacêuticos comunitários pratica sua profissão separadamente dos médicos comunitários. Eles não têm acesso aos dados do paciente e prescritores, necessários para influenciar na prescrição prospectivamente. Entretanto, os farmacêuticos comunitários são altamente acessíveis aos pacientes (e vice-versa) e podem ter menos restrições organizacionais, como conversar com os pacientes. O intervalo de tempo entre as visitas médicas é raramente aplicado pelo ritmo da farmacoterapia. Os farmacêuticos comunitários podem, e com frequência o fazem, ver os pacientes, na farmácia, entre as visitas médicas. Trata-se de uma oportunidade natural para monitorar o progresso da terapia. Portanto, a farmácia clínica, em uma prática de comunidade, requer um conjunto de habilidades diferenciado daquele exigido em um hospital. Pode requerer habilidades interpessoais, de resolução de problemas, de atenção incomum e uma percepção de responsabilidade compartilhada para com os desfechos da farmacoterapia, mais do que conhecimentos avançados em farmacologia, toxicologia, farmacocinética e terapêutica. Os médicos comunitários tendem a ter mais práticas gerais do que médicos hospitalares e mais valor prático do que competência técnica. Ademais, estudos indicam que as hospitalizações e entradas na sala de emergência mais prevalentes, significantes e relacionadas com medicamentos envolvem terapêutica que está dentro da compreensão da maioria dos farmacêuticos. 11 Com um treinamento mínimo, a maioria deles pode aprender a reconhecer problemas, embora comuns, preocupantes na farmacoterapia da insuficiência cardíaca, da hipertensão, do cuidado no infarto pós-miocárdico, do diabetes mellitus, da asma e da sedação excessiva. Eles podem detectar indicações válidas não tratadas, especialmente dor não tratada 7 ou subtratada; prescrição inadequada (não cumprimento com guias de prescrição); seguimento e monitorização inadequados; e não aderência do paciente. A atenção farmacêutica é uma ideia sobre sistemas cooperativos, não sobre farmacêuticos, per se. (Farmacêuticos não podem prover farmacoterapia. por si mesmos. Farmacêuticos e médicos não podem melhorar a qualidade de vida do paciente sem a cooperação do paciente ou de seu cuidador.) A atenção farmacêutica, por definição, pressupõe cooperação entre as pessoas que possuem conjuntos distintos de habilidades, privilégios e responsabilidades. Quando um farmacêutico encontra um possível problema na farmacoterapia que não consegue resolver, espera-se que recorra a um farmacêutico clínico mais especializado ou médico. Política Muitas questões que envolvem a relação entre farmácia clínica e atenção farmacêutica são políticas, no sentido amplo da defesa pública de ideias por grupos de pessoas de mentalidade semelhante. Farmacêuticos que se identificam com a farmácia clínica tendem a se afiliar em organizações diferentes daquelas que se identificam com a atenção farmacêutica. Talvez essas organizações tenham demorado de entender que, na perspectiva da saúde pública, tanto a farmácia clínica quanto a atenção farmacêutica se complementa. A experiência pessoal certamente molda as atitudes e premissas. Cada um [atenção farmacêutica e farmácia clínica] deve reconhecer as potenciais contribuições do outro para o cuidado do paciente e para uma prática farmacêutica completa. Cada um deve estar disposto a contribuir para que o outro seja completo. Aos olhos do mundo, somos todos farmacêuticos. Creio que sucederemos ou falharemos juntos, baseado não somente nos feitos dos melhores e mais brilhantes, mas também em nossa contribuição geral para o bem do público. Aqueles que esquecem a história estão condenados a repeti-la A farmácia clínica foi um dos mais importantes desenvolvimentos da prática e educação farmacêuticas do século 20. A farmácia clínica foi claramente uma ideia cujo tempo havia chegado; uma resposta da farmácia – há muito atrasada – à revolução da informação. Ela prometeu, novamente, fazer uma educação farmacêutica centrada no paciente e integral, e prometeumelhorar a qualidade da farmacoterapia para milhões de pessoas. 7 Uma vez, eu chamei a farmácia clínica de, metaforicamente falando, “um pool genético para o futuro da farmácia”. 14 O surgimento da educação da farmácia clínica foi, não obstante, uma estória de luta interprofissional e intraprofissional. Eu sei quanto os farmacêuticos clínicos trabalharam para chegar até onde estão. Eles tiveram de provar a si mesmos serem dignos de paridade profissional nas equipes hospitalares e dentro dos departamentos [das faculdades de farmácia].7 Vejo ruídos dessa batalha na definição de farmácia clínica da ACCP. 9 Ela apresenta a farmácia clínica como uma “ciência da saúde” e oferece credenciais científicas e disciplinares. A propósito, essa definição não se sustenta sozinha. A ACCP tem feito um esforço para legitimar a farmácia clínica academicamente e em seu credenciamento, através de provas e exames. Isso revolucionou alguns ambientes de prática, mas falhou em outros (exemplo: na prática comunitária). Atualmente, nos Estados Unidos da América, pelo menos, a farmácia clínica está bem estabelecida. Tornou-se um princípio unificador de uma educação farmacêutica americana. Seria realmente irônico se os atuais líderes da farmácia clínica resistissem, de fato, a um movimento como a atenção farmacêutica, que pretende, principalmente, trazer a farmácia clínica para seus ideais originais 8 de uma farmácia centrada no paciente e estendê-la a um número maior de pessoas, sobretudo às comunidades. Também seria um desperdício de energia que precisássemos despender tempo planejando nosso futuro profissional. Pode ser que os líderes farmacêuticos, ao recordarem um pouco dessa estória, ajudem nossa profissão a evitar que ela se repita. Esta é uma clássica escolha moral. Cada farmacêutico praticante na filosofia de prática pode enfatizar superioridade sobre os outros. A questão é se os indivíduos mais realizados, em qualquer dos dois grupos, agem como uma aristocracia ou como um grupo de elite. Penso que a distinção é importante, mas muito raramente reconhecida. A questão é o que eles fazem com suas realizações. Um corpo de elite é necessário, porque mostra aos demais o caminho para maiores realizações e serviços. Ele dá modelos de excelência para outros menos bem-sucedidos. No entanto, as elites não são de muito valor se não usarem essas virtudes para o serviço de outros. Uma elite assim é uma mera aristocracia. E não importa o quão batalhadores seus membros (ou seus progenitores) foram para chegar lá ou o quão divertido é ser um aristocrata. A história do mundo moderno mostra que as elites continuam servindo enquanto tiverem um propósito maior do que são. As aristocracias eventualmente encontram sua nêmesis. É Preciso Um Sistema Os atuais sistemas de cuidado não dão conta do trabalho. Tentar arduamente não vai funcionar. Mudar os sistemas de cuidado trará resultados.2 Podemos melhorar a qualidade da farmacoterapia através do aperfeiçoamento das estruturas organizacionais, pelas quais provemos a farmacoterapia, especificamente através da criação de sistemas de uso de medicamentos e pela avaliação periódica da performance desses sistemas.15 Como previsto pelo Instituto de Medicina (Institute of Medicine), esses sistemas têm de ser centrados no paciente, cooperativos e interprofissionais. Na prática comunitária, tais sistemas podem ser formados ab initio [desde o princípio], pela utilização de colaborações práticas entre farmácia comunitária e práticas gerais; talvez pela incorporação de farmacêuticos de prática em grupos de prática na atenção primária, como acontece no Reino Unido. Para maximizar a participação de farmacêuticos em tais sistemas, será é preciso essencial uma mudança básica na prática e educação farmacêuticas. Farmacêuticos precisam entender a importância da operação e design de um sistema, seja praticando dentro de um sistema de uso de medicamentos ou o gerenciando. A educação farmacêutica deve incluir disciplinas em sistemas de uso de medicamentos, como uma contrapartida necessária para disciplinas em farmacoterapêutica (um exemplo está disponível em http://www.cop.ufl.edu/safezone/hepler/pha5255/index.htm e também em CD). Ensinar terapêutica e teoria de sistemas, conjuntamente, parecem mais efetivo e desafiaria os departamentos [da faculdade de farmácia] a trabalharem juntos de novas formas. Na prática, precisamos parar de falar e pensar a farmácia clínica como uma especialidade. Nossa meta mínima deve ser para cada prática farmacêutica ser uma prática clínica, não somente no nome, mas de fato. As habilidades em projetar, gerenciar e trabalhar dentro desses sistemas serão pré-requisitos para o sucesso. Um pré-requisito básico na criação de sistemas práticos colaborativos é dar valor às contribuições potenciais dos farmacêuticos em prover uma farmacoterapia mais segura e efetiva, além de dar contribuições ao bem-estar do paciente e ao bem da sociedade. A sociedade tem reconhecido que as provisões da farmacoterapia (assim como em outras partes da assistência médica) são, com frequência, inseguras e não efetivas. Isto se apresenta aos farmacêuticos como uma janela de oportunidade sem precedentes para aumentar seu serviço à sociedade e sua importância na assistência 9 médica. O Instituto de Medicina propôs mudanças em cada nível do sistema de provisão, com o paciente no centro de tudo. Para tornar-se relevante, a farmácia deve começar a descrever de que forma ela pode ajudar a melhorar o sistema no fornecimento da farmacoterapia, dadas as realidades presentes. A prática farmacêutica tradicional deve ser enxergada como uma prática comprometida e apta para melhorar a qualidade da farmacoterapia. As opiniões oficiais de nossas organizações farmacêuticas são inspiradoras. Por trás dos bastidores, porém, nossas atuais disparidades e discussões mesquinhas (farmácia clínica versus atenção farmacêutica especialmente), mostram ao mundo que não estamos prontos. Nossa elite de farmacêuticos clínicos é praticamente invisível aos políticos e pagadores, e mesmo à maioria dos farmacêuticos praticantes e pacientes. Como todos eles aprenderão, como devem, sobre o potencial da farmácia? Eu acredito que o managed care[1] tem falhado substancialmente em melhorar a qualidade da assistência médica, conquanto haja ilustres exceções. Se o mercado falhou, devemos considerar voluntary standards[2] ou compulsory standards[2] mais elevados.15-16 Nossas divergências atuais impedem o desenvolvimento de padrões de prática mais elevados. Detectar e resolver problemas da farmacoterapia não mais deve ser um aprimoramento opcional da função de distribuição em qualquer local de prática. Serviços clínicos isolados não devem constituir um nível satisfatório de farmácia clínica. Os conceitos de farmácia clínica e atenção farmacêutica são muito restritivos. A atenção farmacêutica possui escopo maior. Ela basicamente descreve um sistema cooperativo que provém farmacoterapia, dentro do qual os farmacêuticos seriam o ator principal. A atenção farmacêutica descreve a proposta original de farmácia clínica desde que ela era pensada como uma prática profissional, ao invés uma ciência da saúde. Ela descreve uma forma para que a farmácia clínica, especialmente seus especialistas e subespecialistas, possa coordenar seu trabalho de forma mais efetiva.17 O conceito de farmácia clínica acrescenta uma clareza essencial sobre o processo de participação de farmacêuticos na atenção farmacêutica, além de fortalecer o alicerce acadêmico da atenção farmacêutica. Os farmacêuticos clínicos, sob a bandeira da ACCP, lideram o caminho ao estabelecerem padrões mais elevados para aa prática clínica através de processo de certificação de especialista. Nenhuma das organizações farmacêuticas consegue fazer isto sozinha. Agora é hora de todos da farmácia elevarem seus padrões de prática.Antes que outros esperem mais de nós, devemos esperar mais de nós mesmos. A experiência da certificação de especialista em farmácia clínica deve ser inestimável para representar e certificar um generalista da atenção farmacêutica. Os adeptos de ambos os conceitos devem contribuir para melhores padrões de prática. Os motivos clínicos, humanitários e econômicos para se prevenir MPRM são sólidos. As razões para a participação da farmácia em sistemas de atenção farmacêutica, embora inequívocas, são muito mais sólidas do que em qualquer outra profissão. A farmácia tem muito mais a oferecer. Mais uma vez, é hora de trabalhar juntos como uma profissão para planejar nosso futuro em comum. Notas do tradutor: [1] managed care ou managed healthcare é usado nos Estados Unidos da América como parte do sistema nacional de cobertura de saúde privada deste país e descreve um grupo de atividades (programas) cuja intenção é a redução dos custos de assistência médica e, ao mesmo tempo, a melhoria da qualidade desta assistência, através de técnicas de managed care. Foi implementado no início da década de 80 e tem como representantes principais as empresas de seguros de saúde (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Managed_care). 10 [2] Voluntary standards e compulsory/mandatory standards são padrões de segurança desenvolvidos para os consumidores. Os padrões referem-se a um produto, um processo ou um sistema e descrevem regras, guias e características a serem seguidos, por exemplo, na fabricação de plugues elétricos de aparelhos domésticos. Como exemplo adicional, a ISO 9001 é uma norma de padronização que certifica um sistema de gestão da qualidade (Fontes: https://www.cpsc.gov/Regulations- Laws--Standards/Voluntary-Standards; https://www.ansi.org/about_ansi/faqs/faqs#overview Referências: 1. Kohn LT, Corrigan JT, Donaldson MS. To err is human: building a safer health system. Washington, DC: National Academy Press; 1999. 2. Institute of Medicine. Crossing the quality chasm: a new health system for the 21st century. Washington, DC: National Academy Press; 2001. 3. Berwick DM. A user’s manual for the IOM’s quality chasm report. Health Aff (Millwood). 2002;21:80-90. 4. Brodie DC, Parish PA, Poston JW. Societal needs for drugs and drug related services. Am J Pharm Ed. 1980;44:276-8. 5. Hepler CD, Strand LM. Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care. Am J Pharm Ed. 1989;53(suppl):S7-15. 6. Parish PA. What future for pharmacy practice? Pharm J. 1985;234:209-11. 7. Hepler CD. The third wave in pharmaceutical education: the clinical movement. Am J Pharm Ed. 1987;51:369-85. 8. Brushwood DB, Hepler CD. Redefining pharmacist professional responsibility. In: Knowlton CH, Penna RP, eds. Pharmaceutical care. New York: Chapman & Hall; 1996:195- 214. 9. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PC. Pharmaceutical care practice. New York: McGraw-Hill; 1998. 10. Office of the Inspector General. The clinical role of the community pharmacist. Washington, DC: U.S. Department of Health and Human Services; 1990 Nov. 11. Hepler CD, Segal R. Preventing medication errors and improving drug therapy outcomes through system management. Boca Raton, FL: CRC Press; 2003. 12. Gurwitz JH, Field TS, Harrold LR, et al. Incidence and preventability of adverse drug events among older persons in the ambulatory setting. JAMA. 2003;289:1107-16. 13. Gandhi TK, Weingart SN, Borus J, et al. Adverse drug events in ambulatory care. N Engl J Med. 2003;348:1556-64. 14. Hepler CD. Perspectives from research in the social and behavioral sciences. Am J Hosp Pharm. 1986;43:2759-63. 15. Hepler CD. Regulating for outcomes as a systems response to the problem of drug-related morbidity. J Am Pharm Assoc. 2001;41:108-15. 16. Hepler CD. Observations on the conference: a pharmacist’s perspective. Am J Health-Syst Pharm. 2000;57:590-4. 17. Hepler CD. The impact of pharmacy specialities on the profession and the public. Am J Hosp Pharm. 1991;48:487-50. https://www.cpsc.gov/Regulations-Laws--Standards/Voluntary-Standards https://www.cpsc.gov/Regulations-Laws--Standards/Voluntary-Standards https://www.cpsc.gov/Regulations-Laws--Standards/Voluntary-Standards 11
Compartilhar