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POLÍTICAS SOCIAIS DA PESSOA IDOSA AULA 4 Prof.ª Neiva Silvana Hack CONVERSA INICIAL Esta aula tem como tema central a violência contra a pessoa idosa. As violências contra a pessoa idosa são as expressões contrárias dos direitos que lhe são devidos. Impactam diretamente nas políticas públicas voltadas à família e às pessoas idosas. A violência mais visível, em geral, é a violência física, contudo não é a única forma de maus tratos à pessoa idosa. Existem diversas formas de agressão e abuso, que precisam ser mais bem conhecidas para serem identificadas e mesmo denunciadas. Esta aula terá como objetivo principal conhecer as principais características e tipos de violência contra a pessoa idosa e as instâncias às quais se deve recorrer para efetivar denúncias. Serão, então, abordados os seguintes temas: Violência contra a pessoa idosa; Tipos de violência; Violência estrutural; Violência institucional; e Ministério Público e Conselhos de direitos. Para apreensão desses conteúdos, você contará com distintos recursos metodológicos, como a leitura de textos das aulas e das bibliografias de referência, bem como o acesso às videoaulas e às atividades orientadas. TEMA 1 – VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA A temática da violência contra a pessoa idosa está diretamente relacionada ao debate das políticas públicas voltadas para esse público. Por um lado, há uma demanda por ações organizadas que promovam o esclarecimento e a divulgação de informações qualificadas, capazes de promover a incidência e recorrência das violências. Por outro, há um conjunto de órgãos e instituições que devem ser acionados e funcionar de forma efetiva para agir em defesa daqueles idosos e idosas que já sofreram algum tipo de violência. É importante destacar que, na sociedade brasileira, a violência tende a ser naturalizada. A violência faz parte das relações sociais e é legitimada nos ambientes familiares. Esse cenário é o que movimenta os constantes e 3 necessários debates acerca da violência doméstica, por exemplo. A violência doméstica contra crianças é justificada como forma de educação e estratégia disciplinar; a violência contra a mulher é escondida sob os tapumes de ditados como “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”; e a violência contra os idosos é invisibilizada, como se não existisse (Minayo, 2005; Faleiros, 2007). Os primeiros estudos acerca da violência contra a pessoa idosa datam de 1975, na Inglaterra. No Brasil, a temática passou a ser abordada com maior intensidade a partir da década de 1990. Como referência para os debates internacionais é adotado o conceito de violência contra a pessoa idosa estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta o seguinte: São ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o desempenho de seu papel social. A violência acontece como uma quebra de expectativa positiva por parte das pessoas que a cercam, sobretudo dos filhos, dos cônjuges, dos parentes, dos cuidadores, da comunidade e da sociedade em geral. (Brasil, 2014, p. 38) O Estatuto do Idoso aborda a questão do enfrentamento à violência, em seu art. 19, que estabelece a obrigatoriedade da notificação compulsória às autoridades sanitárias e, consecutivamente, às instâncias de controle e justiça, competentes (Brasil, 2003). Tal obrigatoriedade cabe aos profissionais da área da saúde, que devem identificar sinais de possível sofrimento de violências pela pessoa idosa que está sob seu atendimento. Também neste artigo é que se tem o entendimento acerca de violência contra a pessoa idosa, segundo a legislação brasileira: Art. 19. Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: I – autoridade policial; II – Ministério Público; III – Conselho Municipal do Idoso; IV – Conselho Estadual do Idoso; V – Conselho Nacional do Idoso. §1o Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico. (Brasil, 2003, grifo nosso) A violência contra as pessoas idosas também é discutida sob o conceito de maus tratos ao idoso, que era a terminologia adotada no texto original do Estatuto Idoso e foi atualizada no art. 19 no ano 2011, a partir da aprovação da 4 Lei n. 12.461/2011 (Brasil, 2011). A prática da violência está relacionada ao abuso de poder e da força física contra a pessoa idosa, como também às omissões quando estas precisam ou pedem socorro. Embora, quando se trate dessa temática, a primeira violência que surge à mente seja a violência física, existem várias outras formas de agressão à pessoa idosa, que vão silenciosamente causando danos à sua saúde física e mental, bem como interferindo em sua autonomia e participação. São exemplos dessa diversidade de violências: o preconceito na família e na sociedade; a exploração financeira; a interdição precipitada, motivada por interesses financeiros e patrimoniais; a negligência, entre outros, que detalharemos mais à frente (Brasil, 2014). Não se pode deixar de considerar que a violência pode se tornar tão grave que leva a internações hospitalares e mesmo à morte. Segundo dados de 2012, “foram realizadas 169.673 internações de pessoas idosas por violências e acidentes, sendo que 50,9% se deveram a quedas; 19,2% a acidentes de trânsito; 6,5% a agressões e 0,3% a lesões autoprovocadas, além de outros agravos.” (Brasil, 2014, p. 57). Frente às internações motivadas pelos fatores aqui descritos, vale destacar que o custo para tratamento, em se tratando de uma pessoa idosa, é três vezes maior do que de uma pessoa adulta. E, ainda, a taxa de morte decorrente da internação é de 5,5 por 100.000 habitantes, no caso das pessoas idosas, que representa mais que o dobro da taxa referentes às pessoas adultas, cujo valor é de 2,48 por 100.000 habitantes (Brasil, 2014). As mortes decorrentes de violência estão compreendidas dentre os fatores caracterizados como causas externas. Dentre as chamadas causas externas, estão classificadas as mortes por acidentes de transporte, agressões, quedas, lesões autoprovocadas, afogamentos e eventos cuja intenção é indeterminada. No ano de 2011, a incidência de mortes por agressões, dentre o conjunto de mortes por causas externas era equivalente a 8,4% (Brasil, 2014). De alguma forma, os diversos tipos de violência contra a pessoa idosa expressam um desejo de morte desse grupo populacional por parte dos mais jovens, conforme problematizado por Minayo (2005, p. 11): Nas sociedades ocidentais, o desejo social de morte dos idosos se expressa, sobretudo, nos conflitos intergeracionais, nas várias formas de violência física e emocional e nas negligências de cuidados. As manifestações culturais e simbólicas desse desejo de se liberar dos mais velhos se diferenciam nos tempos, por classes, por etnias e por gênero. No caso brasileiro, os maus-tratos e abusos são os mais 5 variados. Cometidos em grande maioria pelas famílias, eles vão desde os castigos em cárcere privado, abandono material, apropriação indébita de bens, pertences e objetos, tomada de suas residências, coações, ameaças e morte. TEMA 2 – TIPOS DE VIOLÊNCIA Para melhor identificar e atuar na prevenção e no atendimento de pessoas idosas que sofram violência, é fundamental compreender que não existe um único tipo de violência, mas que esta se expressa de diferentes maneiras, que podem, inclusive, ocorrer de forma combinada. Na sequência, abordaremos alguns dos principais tipos deviolência. 2.1 Física A violência física é aquela que se dá por meio de agressões como empurrões, tapas, beliscões, puxões, queimaduras; agressões com quaisquer tipos de objetos ou armas; amarrar os braços e/ou as pernas; obrigar a tomar calmantes etc. As consequências da violência física podem chegar ao internamento e mesmo à morte. Também podem se desdobrar em impactos psicológicos, emocionais e relacionais. Embora seja considerado o tipo mais visível, a violência física desdobra-se também em isolamento social, como uma forma de esconder as possíveis marcas da violência sofrida ou de evitar ter que falar sobre o assunto com terceiros (Brasil, 2008, 2014). De acordo com Minayo (2005, p. 15), “Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física são expressões que se referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.”. Os indicadores de violência demonstram que o lugar onde há maior incidência da violência física é o próprio ambiente domiciliar. Em segundo lugar, estão as instituições de atendimento à pessoa idosa. A restrição do cuidado com a velhice apenas no ambiente doméstico pode reforçar a incidência da violência, uma vez que esta não se torna visível (Brasil, 2014; Minayo, 2005). 2.2 Psicológica A violência psicológica está relacionada aos gestos e/ou palavras direcionados às pessoas idosas com o objetivo de menosprezá-las, torturá-las, humilhá-las, ameaçá-las ou restringir sua liberdade. Pode estar relacionada a 6 ameaças de abandono, de isolamento ou de deixar de dar a assistência necessária à alimentação, saúde e cuidados da vida diária (Brasil, 2008; 2014; Minayo, 2005). Segundo o Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa, “O abuso psicológico corresponde a todas as formas de menosprezo, de desprezo e de preconceito e discriminação que trazem como consequência tristeza, isolamento, solidão, sofrimento mental e, frequentemente, depressão.” (Brasil, 2014, p. 40). Esse tipo de violência leva a processos depressivos e autodestrutivos, inclusive a tentativas de suicídio. Em geral, tende a ocorrer com maior incidência entre as pessoas idosas doentes ou aquelas mais pobres (Brasil, 2014). 2.3 Sexual A violência sexual está relacionada a práticas de caráter sexual sem o consentimento da pessoa idosa, seja em atos sexuais em si, exposição a conteúdos pornográficos, uso do corpo do idoso/idosa para satisfação sexual, entre outras. Também pode estar relacionada ao impedimento da pessoa idosa de se relacionar afetiva e sexualmente (Brasil, 2008; 2014; Minayo, 2005). De acordo com o Guia prático do cuidador, “Abuso sexual, violência sexual – é o ato ou jogo de relações de caráter hétero ou homossexual, sem a permissão da pessoa. Esses abusos visam obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de convencimento, violência física ou ameaças” (Brasil, 2008, p. 60). Esse tipo de violência é negligenciado, pois há uma ideia comum de que as pessoas idosas devem ou deveriam ser assexuadas. Assim, tanto pode ocorrer o impedimento às pessoas idosas de que vivam com autonomia essa dimensão de suas vidas, como também se ignora a necessidade de atenção à ocorrência de abusos sexuais na velhice (Brasil, 2014). Os indicadores apontam que, dentre as pessoas idosas em geral, a maior proporção de vítimas desse tipo de violência são as mulheres que vivem institucionalizadas e que sofrem com problemas cognitivos (Brasil, 2014). 2.4 Abandono O abandono está relacionado à negação em cuidar da pessoa idosa, por aqueles que possuem, por lei, essa responsabilidade, podendo ser familiares ou 7 o próprio Estado. Compreende a atitude de não assumir a responsabilidade que lhe cabe, em prestar apoio ou socorro a uma pessoa idosa que necessite. O abandono é uma das maneiras mais perversas de violência contra a pessoa idosa e apresenta várias facetas. As mais comuns que vêm sendo constatadas por cuidadores e órgãos públicos que notificam as queixas são: retirá-la da sua casa contra sua vontade; trocar seu lugar na residência a favor dos mais jovens, como por exemplo, colocá-la num quartinho nos fundos da casa privando-a do convívio com outros membros da família e das relações familiares; conduzi-la a uma instituição de longa permanência contra a sua vontade, para se livrar da sua presença na casa, deixando a essas entidades o domínio sobre sua vida, sua vontade, sua saúde e seu direito de ir e vir; deixá-la sem assistência quando dela necessita, permitindo que passe fome, se desidrate e seja privada de medicamentos e outras necessidades básicas, antecipando sua imobilidade, aniquilando sua personalidade ou promovendo seu lento adoecimento e morte. (Brasil, 2014, p. 41) O abandono está relacionado à ausência e à desresponsabilização, deixando a pessoa idosa sem a assistência necessária ou entregue aos cuidados de terceiros que não teriam tal responsabilidade, obrigatoriamente. 2.5 Negligência A negligência assemelha-se, em partes, ao abandono. Contudo, se no caso do abandono, há uma ausência e uma negação de prestar cuidado, no que se refere à negligência, ocorre uma desatenção em meio às relações cotidianas. Trata-se dos familiares que cuidam de uma pessoa idosa em suas casas, mas negligenciam sua alimentação, higiene e medicação. Ou também, do governo que, embora ofereça serviços de saúde à pessoa idosa, a obriga a enfrentar filas e longas esperas para acessar os cuidados e tratamentos que lhes são de direito (Brasil, 2014). De acordo com o Guia prático do cuidador, Negligência – refere-se à recusa ou omissão de cuidados às pessoas que se encontram em situação de dependência ou incapacidade, tanto por parte dos responsáveis familiares ou do governo. A negligência frequentemente está associada a outros tipos de maus tratos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais. (Brasil, 2008, p. 15) É preciso compreender que não basta que a família, uma instituição, ou outra pessoa assumam verbalmente a responsabilidade em cuidar da pessoa idosa; é preciso ter atenção se o cuidado está sendo prestado da forma mais adequada. Instituições precisam de monitoramento constante pelo governo e pela sociedade. E mesmo no caso das famílias, há necessidade de atenção, pois 8 o ambiente doméstico ainda é palco de uma série de violências, dentre as quais a negligência é muito frequente. 2.6 Abusos financeiros Os abusos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais afetam cotidianamente as pessoas idosas. Trata-se da apropriação indevida de bens e/ou da renda dessas pessoas, aproveitando-se de sua condição de fragilidade física e mental. Segundo o Guia prático do cuidador, “Abuso econômico/financeiro – consiste na apropriação dos rendimentos, pensão e propriedades sem autorização da pessoa. Normalmente o responsável por esse tipo de abuso é um familiar ou alguém muito próximo em quem a pessoa confia.” (Brasil, 2008, p. 15). São exemplos de abuso financeiro: o uso de recursos da pessoa idosa sem que esta autorize; a posse do cartão da aposentadoria/pensão/benefício assistencial, sem dar-lhe o devido acesso aos seus rendimentos; a coerção para tutelar precoce ou indevidamente uma pessoa idosa, para acessar facilmente o direito por seus bens; a realização de empréstimos consignados em nome da pessoa idosa, para desfrute de interesses que não lhe digam respeito; a demora em concessão de benefício previdenciário ao qual a pessoa idosa tem direito; o aumento abusivo nos valores dos planos de saúde quando a pessoa se aproxima do corte de idade respectivo à velhice; os estelionatos que fazem deste seu público-alvo, devido às suas fragilidades físicas e cognitivas e outros (Brasil, 2014). Conforme visto nos exemplos apontados, os familiares e as pessoas próximas podem ser os principais abusadores,no que se refere a esse tipo de violência, porém não são os únicos. Instituições, pessoas estranhas e o próprio Estado podem cometer atos caracterizados como abuso financeiro ou patrimonial. O não acesso aos seus recursos financeiros pode incorrer em uma série de demandas não atendidas, que agravam problemas de saúde e podem levar à morte, tais como as condições essenciais de alimentação, controle da saúde, segurança, higiene, entre outras. Observa-se que esse tipo de violência não ocorre de forma isolada, mas se dá em ambientes onde também se reproduzem a negligência, a violência psicológica e mesmo as violências físicas. 9 2.7 Autonegligência Nesse caso, a vítima e o agressor são a mesma pessoa. A própria pessoa idosa passa a descuidar de si, perde a motivação pela vida e pode chegar a atentar contra ela mesma. Manifesta-se em negligências com o autocuidado, tais como deixar de tomar banho, de escovar os dentes, tomar os remédios, ou também em práticas de isolamento social. Violência autoinfligida e autonegligência – A violência pode conduzir à morte lenta de uma pessoa idosa em casos em que ela própria se autonegligencia, ou manifestar-se como ideações, tentativas de suicídio e suicídio consumado. Ou seja, nesses casos, não é o “outro” que abusa, é a própria pessoa que maltrata a si mesma. Um dos primeiros sinais de autonegligência é a atitude de se isolar, de não sair de casa e de se recusar a tomar banho, de não se alimentar direito e de não tomar os medicamentos, manifestando clara ou indiretamente a vontade de morrer. (Brasil, 2014, p. 43-44) Manifestações de autonegligência alertam para uma atenção com a saúde mental da pessoa idosa e, inclusive, para o risco de suicídio. Essas práticas podem estar relacionadas também ao sofrimento de violências e abusos dos diferentes tipos aqui abordados. TEMA 3 – VIOLÊNCIA ESTRUTURAL De uma forma um pouco mais subjetiva, mas tão danosa quanto os tipos anteriormente apresentados, encontra-se a violência estrutural, que está relacionada ao conjunto de práticas violentas contra a pessoa idosa, as quais são frequentes e mesmo naturalizadas na sociedade. A sociedade exclui, e as demais gerações alimentam preconceito. Há um conjunto de fatores que torna o envelhecimento indesejável, temido e sofrido. Alguns elementos podem ainda agravar os desafios inerentes à velhice, tais como a baixa renda e a desigualdade de gênero. Esses fatores são estruturais na sociedade contemporânea e possuem grande impacto no envelhecimento. Embora a pobreza e a exclusão do acesso a bens essenciais atinjam a todas as faixas etárias, isso desdobrará em maiores dificuldades para as pessoas idosas e suas famílias, desafiando ainda mais o processo para a garantia de uma longevidade saudável. E, ainda, devido às restrições financeiras que obrigam pessoas idosas a compartilharem as mesmas moradias e cômodos com familiares, ainda que contra sua vontade, isso pode gerar maior exposição à violência doméstica. 10 Desta forma, as condições de vida devem ser consideradas violentas quando elas se constituem em fator de risco, causa de conflito ou de isolamento para a pessoa idosa. Assinalamos particularmente a aglomeração e a falta de privacidade que vivenciam nas famílias intergeracionais de baixa renda. É importante assinalar também que, mesmo considerando que a violência contra a pessoa idosa possa ocorrer quando a vítima e o agressor vivem separadamente, o risco é maior quando o perpetrador vive com ela na própria casa. Igualmente, o isolamento dela pode acontecer mesmo quando ela vive rodeada de pessoas da família, se não é percebida, não é ouvida e sua vontade não consta no contexto das relações. Ou seja, a solidão não é apenas um fato físico é, principalmente, uma situação psicológica e emocional. A solidão é um fator de negligência e abandono, podendo se apresentar como causa ou como consequência de abusos. (Brasil, 2014, p. 60) O preconceito vivenciado pelas mulheres ao longo da vida atinge de forma singular às mulheres idosas, que padecem por não terem reconhecidos seus anos de contribuição com a sociedade e a família por meio do trabalho doméstico e outras práticas informais do universo do trabalho feminino, impactando em não acesso a benefícios previdenciários (Brasil, 2014). As diferenças de gênero tornam a situação da violência estrutural mais crítica. As pesquisas gerontológicas mostram que as mulheres de idade avançada (e não os homens) estão mais expostas à pobreza, à solidão e à viuvez, tem mais problemas de saúde e têm menos oportunidades de contar com um companheiro em seus últimos anos de vida. Portanto, elas constituem o grupo mais vulnerável entre os pobres e entre as pessoas idosas pobres, por causa das limitações da idade, por causa das perdas e porque têm mais problemas de saúde e dependências. (Brasil, 2014, p. 60) Assim, observa-se que nem toda violência é quantificável. E nem sempre é fácil de identificar o responsável, uma vez que existem fatores de grande proporção que impactam diretamente nas relações sociais e, consequentemente, na vivência da velhice. TEMA 4 – VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL A violência institucional também possui esse caráter não quantificável, mas está mais restrita aos abusos e violências sofridas por pessoas idosas em espaços institucionais legitimados socialmente, tais como os órgãos públicos e as entidades ou clínicas de atendimento ao público idoso. A violência institucional que, em geral, também ocorre em todo o mundo, no Brasil ocupa um capítulo muito especial nas formas de abuso aos idosos. Ela se realiza como uma agressão política, cometida pelo Estado, em nível macrossocial. E, de maneira mais particular, é atualizada e reproduzida nas instituições públicas de prestação de serviços e nas entidades públicas e privadas de longa permanência. (Minyao, 2005, p. 31). 11 As ações e processos desenvolvidos pelo Estado com relação às pessoas idosas impactam diretamente em sua qualidade de vida e exercício de cidadania. Embora o Estado brasileiro conte com um conjunto de legislações de proteção, ainda falha na execução de todas as previsões. São exemplos de violência institucional pelo Estado brasileiro: as demoras para apreciação de processos previdenciários e assistenciais de pessoas idosas que se encontram sem renda, a falta de vagas em instituições de acolhimento ou serviços que promovam os cuidados de forma integrada à convivência familiar e comunitária, a burocracia que insurge diante de tratamentos de saúde que exigem exames, atendimentos especializados e medicamentos de alto custo, a falta de acessibilidade em prédios públicos, entre outros. Assim, embora existam legislações que visem à não ocorrência dos exemplos citados, estes ainda se reproduzem no dia a dia de quem envelhece no Brasil (Brasil, 2014; Minayo, 2005). De acordo com Minayo (2005, p. 31), No nível das instituições de prestação de serviços, as de saúde, assistência e previdência social (as que pela Constituição configuram os instrumentos de seguridade social) são campeãs de queixas e reclamações, nas delegacias de proteção aos idosos. Os serviços são exercidos por uma burocracia impessoal, que reproduz a cultura de discriminação por classe, de gênero e de idade, causando imenso sofrimento à maioria dos idosos, sobretudo aos pobres que não tem condições de optarem por outros serviços. Muitos idosos verbalizam a ideia de que ser aposentado significa ser maltratado pelo sistema social de assistência pública. As longas filas de que são vítimas, a falta de comunicação ou a comunicação confusa e a ausência de uma relação pessoal compreensiva por quem precisa dos cuidados, constituem uma forma de violência das quais os idosos mais se queixam. Há indicadores que apontam para grande número de violências sofridas dentro das instituições de longa permanência, sejamelas públicas ou privadas. Esse elemento relaciona-se também às evidências na fragilidade da formação dos profissionais da área do cuidado e da saúde, no que se refere ao trato das especificidades do público idoso, o que causa tanto práticas de violência quanto a não identificação de violências sofridas. Pesquisas junto a pessoas idosas que vivem em instituições de longa permanência identificaram queixas como as seguintes: agressões verbais, insultos, negligências, abusos financeiros, falta de escuta, frieza, rispidez, desatenção e até mesmo maus tratos físicos (Brasil, 2014). E, de forma geral, é expressão dessa mesma violência institucional toda a insuficiência em quantidade de acolhimentos e de serviços que sejam capazes 12 de atender as famílias e as próprias pessoas idosas, na perspectiva da prevenção da institucionalização. É, portanto, um problema com lacunas tanto em quantidade quanto em qualidade, no que se refere ao real cumprimento da legislação de proteção social. TEMA 5 – MINISTÉRIO PÚBLICO E CONSELHOS DE DIREITOS O conhecimento acerca das violências contra as pessoas idosas deve ser difundido para que se rompa com a naturalização dessa prática, bem como com os ciclos de reprodução da violência. Saber que existe uma diversidade de tipos de violência, para além da violência física permite impedir o sofrimento daqueles mais frágeis e promover vias de responsabilização daqueles que são atores desses atos de crueldade. Contudo, não basta saber quais são as violências; é indispensável conhecer também os meios de denunciá-las e exigir justiça. O poder público brasileiro conta com instituições competentes para ouvir as denúncias e aplicar as medidas cabíveis de proteção (à pessoa idosa) e responsabilização (aos agressores). O art. 19 do Estatuto do Idoso aponta as seguintes instâncias/órgãos juntos às quais se pode fazer denúncias de violências (ou suspeita de violência) contra a pessoa idosa: autoridade policial; Ministério Público e os Conselhos municipais, estaduais e nacional de direitos da pessoa idosa (Brasil, 2003). Existem delegacias especializadas para o atendimento de ocorrências em que as vítimas são pessoas idosas. E, ainda, é possível denunciar via telefone pelo Disque 100, um serviço de teleatendimento nacional, que escuta as ocorrências e que distribui para as instâncias responsáveis, para que as devidas providências sejam tomadas. No que se refere especificamente ao Ministério Público, o Estatuto do Idoso detalha suas competências no art. 74, como se pode ver a seguir: Art. 74. Compete ao Ministério Público: I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; II – promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco; III – atuar como substituto processual do idoso em situação de risco, conforme o disposto no art. 43 desta Lei; IV – promover a revogação de instrumento procuratório do idoso, nas hipóteses previstas no art. 43 desta Lei, quando necessário ou o interesse público justificar; 13 V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo: a. expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar; b. requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c) requisitar informações e documentos particulares de instituições privadas; VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção ao idoso; VII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados ao idoso, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; VIII – inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas; IX – requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social, públicos, para o desempenho de suas atribuições; X – referendar transações envolvendo interesses e direitos dos idosos previstos nesta Lei. § 1o A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuser a lei. § 2o As atribuições constantes deste artigo não excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade e atribuições do Ministério Público. § 3o O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a toda entidade de atendimento ao idoso. (Brasil, 2003) O Ministério Público possui papel central na proteção e na defesa de direitos da pessoa idosa. Conforme se vê em suas competências, a sua ação permite evitar que violências institucionais e familiares se reproduzam no cotidiano, pois atua no controle e na fiscalização, promovendo a prevenção da violência, como pode provocar ações de responsabilização de familiares e do Estado diante de cada situação vivenciada envolvendo as pessoas idosas. Outra instância fundamental são os Conselhos de Defesa de Direitos da Pessoa Idosa, que devem estar presentes em todos os municípios, além dos conselhos estaduais e nacional. Trata-se de espaços de participação da sociedade civil que, junto com representantes do poder público, discutem e definem caminhos relacionados à efetividade dos direitos da pessoa idosa e são fundamentais na consolidação dos planos de ação das políticas públicas para a pessoa idosa. O Conselho Municipal de Defesa de Direitos da Pessoa Idosa é “um órgão permanente, paritário (com o mesmo número de representantes governamentais e não-governamentais), consultivo, deliberativo, formulador e controlador das políticas públicas e ações voltadas para o idoso no âmbito de um município” (MPRN, 2007). 14 Denúncias de maus-tratos contra as pessoas idosas podem ser feitas junto aos conselhos, que, segundo cada contexto, poderão acompanhar a situação e encaminhar para as instâncias e órgãos competências para atendimento, investigação e/ou responsabilização. De forma a ampliar as possibilidades na proteção das pessoas idosas, o Guia prático do cuidador (Brasil, 2008, p. 61) aponta para as seguintes instâncias: Quanto mais dependente for a pessoa, maior seu risco de ser vítima de violência. O cuidador, os familiares e os profissionais de saúde devem estar atentos à detecção de sinais e sintomas que possam denunciar situações de violência. Todo caso suspeito ou confirmado de violência deve ser notificado, segundo a rotina estabelecida em cada município, os encaminhamentos devem ser feitos para os órgãos e instituições descriminados a seguir, de acordo com a organização da rede de serviços local: a. Delegacia especializada da mulher; b. Centros de Referência da mulher; c. Delegacias Policiais; d. Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa; e. Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); f. Ministério Público; g. IML e outros. Também é um espaço de referência para esses casos o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), uma unidade da Política Nacional de Assistência Social, voltada ao atendimento de indivíduos e famílias que sofreram violação de direitos, principalmente os casos de violência. Dessa forma, pode-se perceber a necessidade da efetividade deredes de atendimento e proteção à pessoa idosa, capazes de promover a prevenção às violências, como também de atender aqueles que dela foram vítimas, evitando, inclusive, a revitimização. NA PRÁTICA No último tema desta aula foram apresentados vários órgãos e instâncias aos quais se pode recorrer diante de situações de violência contra a pessoa idosa, tais como: Ministério Público, Conselho do Idoso, Delegacia da Mulher ou do Idoso, CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), CREAS e outros. Procure saber quais desses órgãos estão em funcionamento no seu município, afinal há distinção de coberturas de acordo com cada localidade. Procure saber mais sobre essa rede concreta de proteção à pessoa idosa no seu município. 15 FINALIZANDO Esta aula teve como objetivo conhecer as principais características e tipos de violência contra a pessoa idosa e as instâncias às quais se deve recorrer para efetivar denúncias. Foram, então, abordados os seguintes temas: violência contra a pessoa idosa; tipos de violência; violência estrutural; violência institucional; e Ministério Público e Conselhos de direitos. Foi debatida a reprodução da violência contra a pessoa idosa na sociedade, mas ainda sem o devido reconhecimento e enfrentamento. Em certa medida, essa violência é invisibilizada e mesmo naturalizada. Embora a violência física seja a mais visível, foram abordados vários outros tipos de violência que podem incidir contra a pessoa idosa, inclusive de uma forma generalizada e não quantificável, como no caso das violências estrutural e institucional. Por fim, abordamos espaços legítimos para se denunciar e procurar atendimento para os casos de suspeita ou comprovação da incidência de violências contra a pessoa idosa. Esse elemento é fundamental para que todos possam contribuir no enfrentamento a tais violências e promoção dos direitos da pessoa idosa. 16 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 3 out 2003. _____. Lei n. 12.461, de 26 de julho de 2011. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 jul. 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia prático do cuidador. Brasília: MS, 2008. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014. FALEIROS, V. P. Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores. Brasília: Universa, 2007. MINAYO, M. C. Violência contra idosos: o avesso do respeito à experiência e à sabedoria. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005. MPRN – Ministério Público do Rio Grande do Norte. Cartilha de orientação para a criação de Conselhos de direitos do idoso. Natal: MPRN, 2007. Disponível em: <http://www.ampid.org.br/v1/cartilha-de-orientacao-para-a-criacao-de- conselhos-de-direitos-do-idoso/>. Acesso em: 20 jan. 2020.
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