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CBI of Miami 1 CBI of Miami 2 DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre o mesmo estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. CBI of Miami 3 Programação de Ensino Natalie Brito Araripe 1. O Que é Programação de Ensino? Olá, aluna (o) do CBI! Seja bem-vinda (o) a uma nova disciplina! Nela, abordaremos os componentes fundamentais de um plano individualizado de ensino: desde o conceito de programação de ensino, a elaboração de um objetivo de ensino, o processo de habilitação na escolha dos objetivos e dos componentes de um programa de ensino. É uma disciplina fundamental para a elaboração de um plano de ensino individualizado, conhecimento que será complementado posteriormente na disciplina de PEI. Muita gente não sabe, mas a programação de ensino é disciplina antiga aqui no Brasil. Se você digitar “programação de ensino” no google acadêmico, encontrará dezenas de referências. Tem suas raízes na década de 60, com o PSI (Sistema Personalizado de Ensino) e se popularizou na década de 70. As cinco características principais do PSI são: domínio sequencial do conteúdo (o aluno só avança de domínio quando domina o anterior), ênfase na palavra escrita (as principais informações são passadas de forma escrita), papel indispensável do tutor (o tutor fornece feedback e fornece aspectos sociais), ritmo próprio, aulas e demonstração como veículo de demonstração (as aulas possuem caráter motivacional) (Todorov, Moreira & Martone, 2009). Foi com a professora Carolina Bori, no entanto, que a ênfase no comportamento de PLANEJAR foi tomada. Cortegoso & Coser (2011), afirmam que: Foi com as iniciativas de Bori, como professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo, que a noção de "ensino programado” de Skinner, que colocava ênfase na tecnologia elaborada, passou por uma mudança, surgindo a expressão "programação de ensino” que enfatiza os processos comportamentais complexos envolvidos na construção de programas de ensino” (p. 13). CBI of Miami 4 As autoras supracitadas enumeram NOVE PASSOS para a construção de programas de ensino (Cortegoso & Coser, 2011, p. 16): 1. Descrever situações-problema de forma a identificar e caracterizar necessidades de ensino ou treinamento; 2. Propor objetivos terminais para programa de ensino em termos de comportamentos desejáveis dos aprendizes para lidar com a situação- problema; 3. Analisar objetivos terminais de programas de ensino em objetivos intermediários; 4. Descrever objetivos de um programa de ensino em termos de relações comportamentais (classes de estímulos antecedentes, classe de estímulos subsequentes e classes de resposta); 5. Sequenciar objetivos propostos para um programa de ensino de modo a favorecer a aprendizagem; 6. Especificar repertório de entrada dos aprendizes para o programa de ensino; 7. Organizar objetivos do programa em unidades de ensino; 8. Propor condições de ensino (atividades, procedimentos e materiais) para diferentes objetivos propostos para o programa; 9. Elaborar procedimentos e instrumentos para avaliação no e do programa de ensino. Esses são os componentes básicos de uma programação de ensino. Podemos fazer paralelos com o planejamento de ensino para intervenção em autismo. Começamos avaliando o repertório, a fim de identificar os déficits e os excessos comportamentais. Construímos uma programação seguindo as orientações do PSI. A partir daí, elabora passos de ensino hierárquicos, cada passo ensinado objetivando o uso da habilidade de forma funcional e autônoma. Além disso, um bom plano de ensino deve contemplar também as condições de ensino de generalização de habilidades (Najdowski; Gould; Lanagan, & Bishop, 2014). Um plano de ensino individualizado necessita, antes de tudo, de objetivos operacionalizados. Esse é o ponto crucial de qualquer planejamento. Se não sabemos para onde vamos, como construímos um CBI of Miami 5 caminho? O propósito de um plano é prover a descrição do que será alvo de mudança. Além disso, muitos planos de ensino também descrevem o como fazer, ou seja, o meio para obtenção dos resultados: quem aplicará, quais as condições de ensino, quais os procedimentos de ensino e os critérios relevantes. Papatola & Lustig (2016) sugerem alguns componentes necessários em um plano de tratamento: 1. Supervisor responsável pelo caso e os papeis dos profissionais. 2. Objetivos operacionalizados. 3. Critérios para atingir os objetivos. 4. Descrição dos procedimentos de treinos de pais e mensuração do seu progresso. 5. Critérios para alta e follow-up. Não obstante, para que o analista do comportamento escreva objetivos de ensino, precisa saber: 1. Selecionar os comportamentos-alvos para a intervenção; 2. Priorizar os comportamentos-alvos que serão eleitos para a intervenção e 3. Escrever os objetivos de ensino. Cada etapa dessas envolve uma série de considerações e diretrizes, as quais veremos nos próximos tópicos. 2. Selecionando Comportamentos para a Intervenção. Você já aprendeu, nas disciplinas de avaliação e de mensuração do comportamento, a descrever comportamentos de forma operacional. Deve lembrar das três características necessárias em uma definição operacional: objetividade, clareza e completude. Essas características devem compor todos os comportamentos alvos, déficits ou excessos, resultados de uma avaliação acurada do repertório do aprendiz. Partindo do pressuposto que o terapeuta já tem a lista desses comportamentos, convém selecionar todos os socialmente relevantes. E essa não é uma tarefa fácil, pois exige a capacidade analítica, em relação aos melhores métodos de avaliação e estratégias interventivas. CBI of Miami 6 Cooper, Heward & Heron (2007) enumeram 10 perguntas que o analista do comportamento deve utilizar no momento de selecionar os comportamentos- alvos para a intervenção. Abaixo, descrevemos as perguntas postas pelos autores e, posteriormente, teceremos alguns comentários. 1. O comportamento provavelmente produzirá reforçamento no ambiente natural do cliente após final do tratamento? 2. Esse comportamento é um pré-requisito necessário para uma habilidade útil? 3. O comportamento irá aumentar o acesso do cliente a ambientes nos quais outros comportamentos importantes poderão ser aprendidos? 4. A mudança nesse comportamento predispõe que outras pessoas interajam com o cliente de uma forma mais suportiva? 5. Esse comportamento é uma cúspide comportamental ou comportamento pivotal? 6. Esse comportamento é apropriado para a idade? 7. Se o comportamento-alvo deverá ser reduzido, qual outro adaptativo o substituirá? 8. O comportamento representa o problema atual ou objetivo terminal e não é apenas indiretamente relacionado? 9. Esse comportamento é “apenas a fala de alguém” ou é de fato um comportamento de interesse? (feedback das pessoas relevantes). 10. E se o comportamento-alvo relatado pelo cliente não for um comportamento, mas um produto colateral? A pergunta número 01 é chamada “regra de relevância”. É importanteque os comportamentos ensinados produzam consequências que os mantenham, ou seja, reforçadoras. Por isso, é importantíssimo considerar, na escolha de alvos, as preferências e as escolhas do aprendiz. Muitas vezes, no entanto, o comportamento escolhido não produz resultados diretos, mas sim, indiretos. Se essa escolha estiver pautada em bases éticas, as questões de 2 a 10 vão endereçar pontos importantes para as que trazem benefícios indiretos. A terceira questão é relativa à regra de “acesso”, relativa a CBI of Miami 7 comportamentos que produzem acesso a condições de aceitação. A quarta questão é bem similar, mas se refere à produção de resultados significativos na vida de alguém relevante para o aprendiz. E a sexta questão está relacionada ao reforçamento produzido por pares da mesma idade (regra da normalização). No entanto, para além de produzir repertórios que conduzem a uma normalização do sujeito, é importante ensinarmos comportamentos de autorrepresentação, que envolve desde ensinar o aprendiz a fazer escolhas até conhecer e defender seus direitos. A questão 5 é bem específica. Traz conceitos analítico comportamentais. Cúspides comportamentais são comportamentos que, quando aprendidos, produzem acesso a contingências inéditas na vida do sujeito. Comportamentos pivotais, por sua vez, são generativos, ou seja, uma vez aprendidos, geram a emersão de novos comportamentos não treinados. A sétima questão, ou regra da “fair pair” está relacionada ao enfoque construtivo da análise do comportamento: se um comportamento ocorre, ele tem uma função. Encontrar essa função e um substituto que melhore a qualidade de vida do aprendiz deveria ser missão de vida de qualquer profissional na área. É bem importante focarmos no potencial de alguém, ou seja, no que ela pode construir. A nona questão está relacionada à falta de correspondência entre dizer e fazer. Muitas vezes o aprendiz ou outras pessoas relevantes relatam eventos como de interesse, mas os comportamentos a serem modificados são outros, estão indiretamente relacionados ou até mesmo não estão. Descobrir a operação motivadora de determinadas queixas auxilia na compreensão dos problemas reais. Por fim, a décima questão está relacionada a produtos do comportamento de interesse que, muitas vezes, podem estar descritos no lugar do alvo. Exemplo: passar em um concurso. Najdowski; Gould; Lanagan, & Bishop, 2014 acrescentam alguns fatores importantes a se considerar na eleição dos alvos: barreiras de aprendizagem, nível de funcionamento, taxa de aquisição, validade social da habilidade, idade da pessoa, pré-requisitos, Cúspides e Pivotais, habilidades complementares, duração e recursos provenientes. CBI of Miami 8 Após levantar uma lista de comportamentos-alvos, utilizando todos os critérios elencados acima, o analista do comportamento deverá priorizar os mais importantes, ponto abordado no próximo tópico. A. Priorizando Comportamentos para a Intervenção. Discordando de Renato Russo, não temos todo tempo do mundo. Muito menos nosso aprendiz. Isso aumenta a nossa responsabilidade enquanto analistas do comportamento: precisamos priorizar os alvos que serão mais importantes na vida do cliente. Novamente, essa escolha perpassa por uma série de perguntas norteadoras. Selecionamos 14 perguntas que julgamos ser fundamentais para a priorização dos comportamentos. A primeira questão advém de um texto de Bannerman; Sheldon; Sherman & Harchik (1990), chamado “balanceando o direito à habilitação com o de liberdade pessoal: os direitos das pessoas com deficiência a comer muitos Donuts e tirar uma soneca” (tradução livre). No texto, os autores argumentam que precisamos balancear, na escolha de objetivos e de intervenções, o direito a habilidades que habilitam para a vida e escolhas pessoais. Esse direito à escolha embasa a nossa primeira pergunta: “estou ensinando a pessoa a fazer escolhas, mesmo que elas não levem ao maior ganho de habilidades?” Colocamos essa pergunta em primeiro lugar pois ela pressupõe acesso a direitos humanos básicos e o acesso ao assentimento em terapia. Outras quatro perguntas fundamentais foram colocadas por Ala’i- Rosales; Cihon; Currier; Leaf; Leaf, & Weinkauf (2019) para realização de escolhas em avaliações funcionais, em um sistema chamado big four. Elas também podem nortear a escolha dos objetivos de ensino: - Estou ensinando essa pessoa a comunicar o que ela quer e ela não quer de forma eficiente e segura? - Estou ensinando essa pessoa a ganhar atenção de forma eficiente e segura? - Estou ensinando essa pessoa a engajar em atividades e jogos prazerosos? - Estou ensinando habilidades de enfrentamento e tolerância? CBI of Miami 9 Essas perguntas são, acima de tudo, perguntas éticas. Elas deveriam guiar a tomada de decisão do analista do comportamento em toda intervenção. Além das perguntas supracitadas, Cooper, Heron & Heward (2020) citam um sistema elaborado por Dardig and Heward (1981) para selecionar e priorizar alvos em uma intervenção. Eles sugerem 09 perguntas que auxiliam a tomada de decisão e, a partir daí, fornecer um número de 0 a 4 para cada número em cada pergunta, sendo 0 nenhum valor e 4 maior benefício daquela questão relacionada àquele comportamento. Cada comportamento, então, deverá passar por cada uma das 09 perguntas e receber um valor de 0 a 4. No final, o terapeuta soma os valores de cada comportamento e o que obtiver maior valor deve ser priorizado. As perguntas colocadas pelos autores são: 1. Esse comportamento ameaça algum dano para o sujeito ou outros? 2. Quantas oportunidades a pessoa precisará ter para emitir esse novo comportamento? 3. O quão longo em duração tem sido esse comportamento ou déficit? 4. Mudanças nesse comportamento produzirão altas taxas de reforçamento para a pessoa? 5. Qual é a importância relativa desse comportamento para o desenvolvimento futuro de habilidades? 6. Mudanças nesse comportamento produzirão redução de atenção negativa ou indesejada de outros? 7. Esse comportamento produzirá reforçamento para outras pessoas relevantes? 8. O quão é provável essa mudança? 9. Qual o custo para mudar esse comportamento? B. Criando Objetivos de Ensino. Após definir, selecionar e priorizar os comportamentos-alvos, vem a missão de transformá-los em objetivos de ensino. Os objetivos devem estar organizados de forma hierárquica, de forma que os mais complexos sejam os terminais ou de longo prazo, e contrabalancear déficits e excessos em diferentes domínios de intervenção. Um objetivo comportamental deve ter quatro características: o aprendiz, o desempenho, as condições de ensino e o critério de aprendizagem. O aprendiz é um componente importante, pois previne armadilhas comuns na elaboração dos objetivos: quando o instrutor escreve ações voltadas para CBI of Miami 10 outras pessoas ou para ele mesmo (ex.: ensinar...). O aprendiz pode ser uma pessoa, um grupo específico ou um grupo menor. Exemplos: Maria será capaz de... a turma da quarta série deverá... O desempenho é a descrição do que o aprendiz será capaz de fazer. Para o desempenho, é importante indicar comportamentos finais do aprendiz, na forma de uma ação (uma única ação – verifique se não há ambiguidades escondidas em gerúndios). O desempenho deverá ser descrito na forma de comportamentos operacionalizados: precisa ser objetivo e claro. O terceiro componente é relativo às condições nas quais o comportamento deverá ser emitido, ou seja, as condições antecedentes (instrução, materiais e ambientes). Essas condiçõespoderão ser parte do ambiente de contingências naturais do comportamento ou parte de uma tarefa de aprendizado (Alberto & Troutman, 2006). Alberto & Troutman (2006) define algumas categorias de classes de estímulos antecedentes possíveis: instruções verbais, instruções escritas, demonstração, materiais, lugares específicos, período específico e a forma de assistência. Alguns exemplos são: Dada instrução para ir ao recreio... Diante modelo fornecido por par... Diante as formas geométricas 3D... Durante o período da manhã... Durante o recreio... De forma Independente... Com no máximo duas pistas visuais... Por fim, é necessário definir a performance mínima aceitável pelo aluno, ou seja, o critério de aprendizagem. A partir do critério, sabemos se o comportamento foi de fato atingido ou não. Um dos critérios mais básicos e mais utilizados é relativo à frequência de ocorrência ou acurácia de respostas (número de respostas corretas). Eles são descritos comumente em termos de porcentagem de respostas corretas, acurácia na apresentação de oportunidades ou alguma performance emitida dentro de uma quantidade aceitável de erros (Alberto & Troutman, 2006). É importante considerar a dimensão do comportamento para definir o critério (ex.: se a dimensão relevante for a duração, o critério é definido em termos de duração). Já falamos sobre critério na disciplina de mensuração. Cortegoso & Coser (2011) afirmam que o primeiro objetivo a ser definido é o terminal, ou seja, o desempenho esperado em longo prazo. Objetivos de longo CBI of Miami 11 prazo são aqueles que o aprendiz será capaz de emitir em contexto natural. Devem ser viáveis, passíveis de verificação e podem mudar ao longo do tempo, a depender das mudanças contextuais. Objetivos de curto prazo são comportamentos-alvos que precisam de intervenção imediata ou expansão de comportamentos com base em pré- requisitos. Objetivos de médio prazo, por sua vez, podem ser habilidades de curto prazo que foram revisitadas, pode ser aumento de precisão, de fluência, na complexidade e na frequência dos comportamentos de curto prazo. Decompor um objetivo terminal em objetivos de curto e de médio prazo pode ser uma tarefa difícil e exige prática supervisionada para competência. Abaixo, um exemplo de objetivo de longo e de curto prazo: Longo prazo: Marina será capaz de imitar vocalmente, no mínimo, 20 palavras ditadas por 03 pessoas diferentes em 03 ambientes diferentes. Um Plano de Ensino Individualizado deve conter objetivos de ensino distribuídos em diversos domínios. A extensão desses domínios dependerá de algumas variáveis. Abordaremos essas variáveis nos próximos típicos. CBI of Miami 12 Referências Bibliográficas TODOROV, J. C., MOREIRA, M. B., & MARTONE, R. C. (2009). Sistema personalizado de ensino, educação a distância e aprendizagem centrada no aluno. Psicologia: teoria e pesquisa, 25(3), 289-296. NAJDOWSKI, A. C., GOULD, E. R., LANAGAN, T. M., & BISHOP, M. R. (2014). Designing curriculum programs for children with autism. In Handbook of early intervention for autism spectrum disorders (pp. 179- 204). Springer, New York, NY. PAPATOLA, K. J., & LUSTIG, S. L. (2016). Navigating a managed care peer review: guidance for clinicians using applied behavior analysis in the treatment of children on the autism spectrum. Behavior analysis in practice, 9(2), 135-145. COOPER, J. O., HERON, T. E., & HEWARD, W. L. (2007). Applied behavior analysis. BANNERMAN, D. J., SHELDON, J. B., SHERMAN, J. A., & HARCHIK, A. E. (1990). Balancing the right to habilitation with the right to personal liberties: The rights of people with developmental disabilities to eat too many doughnuts and take a nap. Journal of Applied Behavior Analysis, 23(1), 79-89. ALA’I-ROSALES, S., CIHON, J. H., CURRIER, T. D., FERGUSON, J. L., LEAF, J. B., LEAF, R., ... & WEINKAUF, S. M. (2019). The big four: Functional assessment research informs preventative behavior analysis. Behavior analysis in practice, 12(1), 222-234. ALBERTO, P., & TROUTMAN, A. C. (2006). Applied behavior analysis for teachers (pp. 1-474). Upper Saddle River, NJ: Pearson Merrill Prentice Hall. BOARD, B. A. C. (2019). Clarifications regarding applied behavior analysis treatment of autism spectrum disorder: Practice guidelines for healthcare funders and managers.
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