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REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Kevin Daniel dos Santos Leyser Indaial - 2020 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L685r Leyser, Kevin Daniel dos Santos Reabilitação neuropsicológica. / Kevin Daniel dos Santos Leyser. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 246 p.; il. ISBN 978-85-7141-448-8 ISBN Digital 978-85-7141-449-5 1. Neuropsicologia. - Brasil. 2. Reabilitação. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 612.8 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA .......9 CAPÍTULO 2 REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DO PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO, ATENÇÃO E MEMÓRIA ...................................................................................85 CAPÍTULO 3 REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS, LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO SOCIAL ..........171 APRESENTAÇÃO Caro acadêmico, antes de apresentar o conteúdo deste livro, gostaria de me apresentar a você̂. Sou Bacharel e Licenciado em Psicologia (2005) e Licenciado em Filosofia (2004) pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó e Bacharel em Teologia pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). Especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas e Gestão Escolar pela FACEL (2007) e em Educação à Distância: Gestão e Tutoria pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2018). Mestre em Educação (FURB, 2011) e Doutorando em Educação (FURB, 2019). Agora vamos ao Livro Didático. Este é um momento emocionante para se envolver na reabilitação neuropsicológica (RN), e a produção deste Livro Didático reflete o crescente interesse e desenvolvimento de conhecimento, novos tratamentos e procedimentos de avaliação de todo o mundo, com o objetivo de melhorar a vida das pessoas com uma lesão cerebral adquirida, causada por um acidente ou por uma doença, seja estática ou progressiva. Houve uma aceitação recente de que, independentemente de quão comprometidas sejam as pessoas com lesão cerebral, e quaisquer que sejam seus problemas particulares, há melhorias em suas vidas e nas vidas de suas famílias que podem ser feitas. Este livro reflete uma experiência em rápido crescimento entre os terapeutas que está sendo estimulada por acadêmicos especializados no ensino superior e por seu envolvimento subsequente na reabilitação neuropsicológica. As contribuições deste livro são informadas por pesquisas rigorosas conduzidas por acadêmicos e profissionais, algumas vezes trabalhando separadamente e outras trabalhando juntos. De fato, um princípio primordial no trabalho descrito e explicado neste livro é que a reabilitação após lesão cerebral é mais eficaz quando pesquisadores, profissionais e clientes e suas famílias trabalham juntos para encontrar soluções para problemas causados por uma lesão no cérebro. O trabalho de um neuropsicólogo, como é reconhecido nos capítulos deste livro, pode envolver interação especializada com crianças ou adultos, com clientes altamente motivados, com aqueles que sofreram lesões cerebrais recentemente ou aqueles que sofreram lesões há muitos anos. Todos esses grupos são abordados neste livro e podem incluir pessoas com distúrbios da consciência, com demência, com problemas de saúde mental, com epilepsia, acidente vascular cerebral, lesão cerebral traumática (LCT), encefalite, HIV, lesões por explosão, e danos cerebrais variados. As questões de avaliação, tratamento e pesquisa são discutidas à medida que as principais funções cognitivas são consideradas, incluindo velocidade do processamento de informações, atenção, memória de trabalho, memória, funções executivas, linguagem e comunicação social. Todas as discussões sobre essas funções são informadas pelo trabalho prático e profissional com famílias e indivíduos. Métodos experimentados e testados são avaliados, bem como terapias novas e futuras. Modelos e teorias teóricas, bem como aplicações práticas, são abordados neste livro. A reabilitação neuropsicológica (RN) é um campo que precisa de uma ampla base teórica incorporando estruturas, teorias e modelos de várias áreas diferentes. Nenhum modelo, teoria ou estrutura é suficiente para resolver os problemas complexos que as pessoas enfrentam com dificuldades resultantes de danos ao cérebro. Ao mesmo tempo, problemas da vida real devem ser abordados. O objetivo da RN é permitir que as pessoas com deficiência atinjam seu nível ideal de bem-estar, reduzir o impacto de seus problemas na vida cotidiana e ajudá- las a retornar aos seus ambientes mais adequados. Para muitas pessoas, isso é voltar para casa, mas para aqueles com problemas demais para ir para casa, o ambiente mais apropriado pode ser o cuidado a longo prazo. Mesmo aqui, no entanto, devemos nos preocupar em ajudar pacientes e clientes a alcançar seu bem-estar ideal e reduzir o impacto de seus problemas no dia a dia. Ao mesmo tempo, pensava-se que a reabilitação de pessoas com demência e outras condições progressivas não valia a pena diante da deterioração, mas isso não é mais aceito em países com atitudes positivas em relação à reabilitação e abordagens positivas na reabilitação. Os leitores deste livro descobrirão muitos exemplos de vida diária aprimorada após a reabilitação. Podemos não conseguir restaurar o funcionamento perdido, mas isso não significa que nada possa ser feito para reduzir ou moderar os problemas reais enfrentados por pessoas com danos cerebrais. Pelo contrário, eles podem ser ajudados a lidar, contornar ou compensar seus problemas; eles podem aprender como chegar a um acordo com sua condição e seus efeitos através da compreensão de suas circunstâncias de vida; e sua ansiedade e angústia podem ser reduzidas. A RN está preocupada com a melhoria dos déficits cognitivos, emocionais, psicossociais e comportamentais causados por um dano ao cérebro. Essa reabilitação não apenas melhora a vida de pessoas com lesão cerebral e de suas famílias, mas também faz sentido em termos econômicos. Pois, os custos de não reabilitar pessoas com lesão cerebral são consideráveis. Em resumo, este livro fornece uma perspectiva abrangente e contemporânea da RN em todo o mundo. Os capítulos a seguir fornecem uma integração da teoria, pesquisa e aplicações práticas da RN e abrangem uma variedade de tópicos relevantes para clínicos, pesquisadores, educadores, administradores de serviços de saúde e formuladores de políticas. Grandes avanços e desenvolvimentos de ponta no campo são delineados e áreas prioritárias para futuras pesquisas e desenvolvimento de serviços são previstas. Para alcançar seu objetivo final de melhorar a vida das pessoas com distúrbios neurológicos e suas famílias, os princípios e a prática da RN devem acompanhar as descobertas científicas em andamento, particularmente nas neurociências cognitivas e sociais, e as mudanças no cenário sociocultural do mundo. Desejo uma boa jornada a todos, rumo à edificação da educação e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Reabilitação Neuropsicológica. Prof. Me. Kevin Daniel dos Santos Leyser CAPÍTULO 1 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA A partir da perspectivado saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber Conhecer os fundamentos da Reabilitação Neuropsicológica. Compreender o uso das teorias e planejamentos no desenvolvimento da Reabilitação Neuropsicológica. Fazer Associar as novas evidências e a tecnologia com o processo de Reabilitação Neuropsicológica. Estabelecer metas e gerenciar planejamentos de Reabilitação Neuropsicológica. 10 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA 11 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Seja bem-vindo ao primeiro capítulo do Livro Didático de Reabilitação Neuropsicológica. Aqui vamos explorar a reabilitação neuropsicológica (RN) como a área de conhecimento e prática que se preocupa com a melhoria dos défi cits sociais e emocionais cognitivos causados por um dano ao cérebro. Como outros tipos de reabilitação, os principais objetivos da reabilitação neuropsicológica são permitir que as pessoas com defi ciência atinjam seu nível ideal de bem-estar, reduzir o impacto de seus problemas na vida cotidiana e ajudá-las a retornar aos seus ambientes mais adequados. Neste capítulo, especifi camente, analisaremos algumas das contribuições históricas mais importantes para a reabilitação neuropsicológica moderna. Algumas das principais teorias e modelos que infl uenciam a prática atual de reabilitação serão descritas, incluindo aquelas do funcionamento cognitivo, aprendizagem, emoção, avaliação e identidade. Assim como abordaremos a necessidade de uma ampla base teórica (ou várias bases) ao planejar e implementar programas de reabilitação, para garantir boas práticas clínicas. Veremos a importância de que os profi ssionais de saúde justifi quem suas decisões de tratamento com base nas evidências disponíveis e levem em consideração as preferências e o status de seus pacientes. Vamos também apontar que a ocorrência de recuperação espontânea após lesão cerebral está bem estabelecida atualmente, tanto do ponto de vista comportamental quanto de imageamentos cerebrais, assim como exploraremos neste capítulo a explosão das tecnologias da informação e comunicação e como estas nos oferecem novas ferramentas de reabilitação. 2 UMA BREVE HISTÓRIA DA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA A descrição mais antiga conhecida do tratamento de lesão cerebral é de um documento egípcio de 2500 a 3000 anos atrás. O papiro foi descoberto por Edwin Smith em Luxor em 1862 (WALSH, 1987). Este documento escreve o tratamento de 48 casos de lesão, dos quais 27 foram traumatismos cerebrais. Ele contém as primeiras descrições conhecidas das estruturas cranianas, das meninges, da superfície A descrição mais antiga conhecida do tratamento de lesão cerebral é de um documento egípcio de 2500 a 3000 anos atrás. O papiro foi descoberto por Edwin Smith em Luxor em 1862 (WALSH, 1987). 12 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA externa do cérebro, do líquido cefalorraquidiano e das pulsações intracranianas. É o registro mais antigo que utiliza a palavra "cérebro". Os procedimentos de tratamento descritos demonstram um nível de conhecimento egípcio sobre este tema que supera o de Hipócrates, que viveu há 1000 anos depois. Entre os primeiros casos descritos, está um homem com uma ferida aberta na cabeça, penetrando no osso do crânio, deixando o cérebro exposto. Deve-se dizer, no entanto, que os procedimentos descritos no papiro de Smith eram mais sobre tratamento do que reabilitação. Além do papiro descoberto por Smith, alguns relatórios descrevendo o tratamento aparecem ao longo dos séculos, incluindo um caso de Paul Broca (1865 apud BOAKE, 1996). Broca estava atendendo um paciente adulto que não conseguia mais ler palavras em voz alta. Ele foi primeiro ensinado a ler letras, depois sílabas antes de combinar sílabas em palavras. No entanto, ele não aprendeu a ler palavras de mais de uma sílaba, de modo que o tratamento passou para uma abordagem de palavras inteiras e o paciente aprendeu a reconhecer várias palavras. A seguir você poderá compreender como eventos históricos, como as guerras, infl uenciaram o surgimento e o desenvolvimento da reabilitação neuropsicológica. 2.1 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL A reabilitação moderna, como a entendemos, começou na Primeira Guerra Mundial. Isso ocorreu porque mais soldados com ferimentos de bala na cabeça sobreviveram. Durante a Guerra Civil Americana (1861 a 1865), ferimentos de bala na cabeça foram vistos em grande número e, embora estatísticas precisas sobre as taxas de mortalidade não estejam disponíveis para o século XIX, a taxa de sobrevivência era baixa por causa de infecção. Técnicas antissépticas aprimoradas no fi nal do século XIX e procedimentos neurocirúrgicos mais efi cazes levaram à redução da mortalidade na Primeira Guerra Mundial. Outros fatores que contribuíram para o aumento das taxas de sobrevivência foram devidos aos próprios rifl es: a velocidade do cano era mais rápida e as balas eram menores e mais deformáveis. Melhores capacetes também contribuíram para melhorar as taxas de sobrevivência. No entanto, ferimentos penetrantes na cabeça ainda ocorreram e centros de reabilitação de lesões cerebrais dedicados foram criados pela primeira vez (BOAKE, 1996). É importante ressaltar que a pessoa mais importante e infl uente daquela época foi Kurt Goldstein, um neurologista e psiquiatra alemão pioneiro na A reabilitação moderna, como a entendemos, começou na Primeira Guerra Mundial. Isso ocorreu porque mais soldados com ferimentos de bala na cabeça sobreviveram. 13 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 neuropsicologia moderna. Ele tratou os soldados na frente de batalha antes de enviá-los para um departamento terapêutico em Frankfurt onde as avaliações eram realizadas por psicólogos. O centro de Frankfurt incluía um hospital residencial, uma unidade de avaliação psicológica e uma ofi cina especial para os pacientes praticarem e serem avaliados em habilidades vocacionais (POSER; KOHLER; SCHÖNLE, 1996). Goldstein fez recomendações específi cas sobre terapia para comprometimentos da fala, leitura e escrita (GOLDSTEIN, 1942; BOAKE, 1996). Após a Primeira Guerra Mundial, Goldstein criou o Instituto de Pesquisa sobre as Consequências de Lesões Cerebrais. Foi ali que ele desenvolveu uma teoria das relações cérebro-mente. Em 1930, ele aceitou uma posição na Universidade de Berlim, mas em 1933, quando os nazistas chegaram ao poder, Goldstein foi preso e encarcerado. Depois de uma semana, ele foi libertado com a condição de concordar em deixar o país imediatamente e nunca mais voltar. Durante o ano seguinte, ele morou em Amsterdã, escreveu seu trabalho principal, The Organism (O Organismo), e depois emigrou para os EUA em 1935. Ele se tornou cidadão dos EUA em 1940 e morreu lá em 1965. Walter Poppelreuter foi outro neurologista e psiquiatra alemão que realizou investigações de soldados com lesões cerebrais durante a Primeira Guerra Mundial e documentou os resultados de perda e comprometimento da função cerebral. Ele publicou o primeiro livro sobre reabilitação de lesões cerebrais em 1917, cujo título era Distúrbios das capacidades visuais inferiores e superiores causadas por danos occipitais: com referência especial às implicações psicopatológicas, pedagógicas, industriais e sociais (POPPELREUTER, 1990). Neste livro, ele descreveu seu tratamento de soldados com distúrbios visuoespaciais e visuoperceptuais. Ele também discutiu reabilitação vocacional/profi ssional. Muitas das estratégias que ele descreveu são semelhantes às dos programas de reabilitação profi ssional hoje. Ele se juntou ao partido nazista em 1931 e morreu em 1939. Apesar destes neurologistas e suas brilhantes investigações, pouca reabilitação de lesão cerebral ocorreu após a Primeira Guerra Mundial. Cushing, um neurocirurgião americano, disse que nos EUA, muitos veteranoscom feridas cerebrais receberam uma pensão inadequada por seu grau de incapacidade e foram enviados para casa sem mais reabilitação (CUSHING, 1919). Perante este fato, o psicólogo americano, Franz (1917), sugeriu que o governo estabelecesse uma instituição nacional para tratar soldados com lesões cerebrais, mas isso nunca aconteceu. Acabamos de ver, resumidamente, a infl uência da Primeira Guerra Mundial no desenvolvimento histórico da reabilitação neuropsicológica. Agora vamos Após a Primeira Guerra Mundial, Goldstein criou o Instituto de Pesquisa sobre as Consequências de Lesões Cerebrais. Foi ali que ele desenvolveu uma teoria das relações cérebro-mente. 14 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA seguir neste mesmo ímpeto ao discorrermos as infl uências da Segunda Guerra Mundial. 2.2 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Com o início da segunda guerra mundial, houve novamente a necessidade de centros especializados para tratar indivíduos com ferimentos de bala na cabeça. Enquanto a maioria das pessoas recebeu apenas fi sioterapia por difi culdades motoras, aquelas com comprometimentos cognitivos ou comportamentais signifi cativos foram enviadas para instituições psiquiátricas e de saúde mental. O neuropsicólogo mais famoso que veio à tona na Segunda Guerra Mundial foi Alexander Romanovich Luria, do que era então a União Soviética. Ele é frequentemente chamado de avô da neuropsicologia. Nascido em Kazan, Luria foi para a Universidade de Kazan aos 16 anos e obteve seu diploma em 1921 aos 19 anos. Ainda estudante, ele estabeleceu a Associação Psicanalítica de Kazan e planejou uma carreira em psicologia psicanalítica. Suas primeiras pesquisas procuraram estabelecer métodos objetivos para avaliar ideias freudianas sobre anormalidades do pensamento e os efeitos da fadiga nos processos mentais. Então veio a Segunda Guerra Mundial e Luria liderou uma equipe de pesquisa em um hospital do exército, procurando maneiras de compensar disfunções psicológicas em pacientes com lesão cerebral. A trágica disponibilidade de pessoas com várias formas de lesão cerebral traumática forneceu-lhe materiais volumosos para o desenvolvimento de suas teorias da função cerebral e métodos para remediar os défi cits. Luria (1992) sempre acreditou que a pesquisa psicológica deveria ser para o benefício da humanidade e argumentou que deveríamos olhar para a pessoa em seu contexto social, deixando, assim, um legado que está muito em evidência hoje nas práticas de reabilitação neuropsicológica. No Reino Unido, Oxford era um centro especializado no tratamento de soldados feridos na Segunda Guerra Mundial. O neurocirurgião chefe, Cairns, percebeu que quanto mais cedo os ferimentos na cabeça fossem tratados, melhor o prognóstico. Ele enviou Unidades Neurocirúrgicas Móveis, que realizaram operações nos soldados feridos o mais próximo possível da frente de batalha. Os pacientes foram então enviados de volta por via aérea para tratamento mais completo em Oxford. Isso, juntamente com o fato de a penicilina ter sido desenvolvida e estar sendo usada, signifi cou que a taxa de mortalidade de pessoas com lesões cerebrais traumáticas caiu de 50% na Primeira Guerra Mundial para 5% na Segunda Guerra Mundial (QUARE, 2003). A fábrica de automóveis Morris também estava sediada em Oxford, onde Lord Nuffi eld, chefe da Morris Motors, O neuropsicólogo mais famoso que veio à tona na Segunda Guerra Mundial foi Alexander Romanovich Luria, do que era então a União Soviética. Ele é frequentemente chamado de avô da neuropsicologia. 15 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 foi persuadido a desenvolver máquinas para produzir as placas de metal usadas na reparação de danos no crânio. Um amigo de Luria, o psicólogo britânico Oliver Zangwill (1913-1987), às vezes é conhecido como o pai da neuropsicologia britânica. Ele trabalhou no Hospital Bangour nos arredores de Edimburgo com soldados britânicos que sobreviveram a lesões cerebrais durante a Segunda Guerra Mundial. Um artigo importante de Zangwill (1947) sobre reabilitação de pessoas com lesão cerebral foi publicado no qual ele discutiu, entre outras coisas, os princípios da reeducação. Ele se referiu a três abordagens principais: compensação, substituição e retreinamento direto. Até onde sabemos, ele foi o primeiro a categorizar abordagens para a reabilitação cognitiva dessa maneira. As perguntas que ele levantou ainda são pertinentes hoje. Por exemplo, no artigo de 1947, ele escreveu: "Desejamos saber em particular até que ponto o paciente com lesão cerebral pode compensar suas defi ciências e até que ponto o cérebro humano com lesão é capaz de reeducação" (ZANGWILL, 1947, p. 62). Vale lembrar que esta questão é tão relevante agora no século XXI como foi durante a Segunda Guerra Mundial. Por compensação, Zangwill signifi cava a "reorganização da função psicológica, a fi m de minimizar ou contornar uma determinada incapacidade" (ZANGWILL, 1947, p. 63). Ele acreditava que a compensação ocorria em grande parte espontaneamente, sem intenção explícita do paciente, embora em alguns casos isso pudesse ocorrer pelos próprios esforços do paciente ou como resultado de instruções e orientações do psicólogo/terapeuta. Exemplos de compensações oferecidas por Zangwill incluem oferecer a uma pessoa com afasia uma lousa para escrever ou ensinar alguém com hemiplegia direita a escrever com a mão esquerda. Substituição era "a construção de um novo método de resposta para substituir um lesionado irreparavelmente por uma lesão cerebral" (ZANGWILL, 1947, p. 64). Ele reconheceu que isso era uma forma de compensação, mas que ia além disso. Leitura labial para pessoas surdas e o uso do Braille para pessoas cegas seriam exemplos de substituição. A forma mais elevada de treinamento, no entanto, era o retreinamento direto. Diferentemente da compensação e substituição, que eram os métodos de escolha para funções que “não se recuperam genuinamente” (ZANGWILL, 1947, p. 65), algumas funções danifi cadas poderiam, talvez, ser restauradas através do treinamento. Como ele disse, “direto, em oposição ao treinamento substitutivo, tem um papel real, embora limitado, a desempenhar na reeducação’ (ZANGWILL, 1947, p. 66)”. Enquanto isso, nos Estados Unidos da América, as pessoas mais infl uentes 16 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA foram Cranich e Wepman, que trabalhavam com pessoas com problemas de linguagem (CRANICH, 1947; WEPMAN, 1951), e Aita, que estabeleceu um programa de tratamento diário para pessoas com lesões penetrantes para o cérebro (AITA, 1948). Aita estabeleceu um programa de reabilitação de pós- traumatismo craniano em um hospital geral militar que usava um sistema interdisciplinar de atendimento. Os pacientes eram tratados por uma equipe de fi sioterapeutas e terapeutas ocupacionais, psicólogos, especialistas profi ssionais, assistente social, médico e gerente de casos. Parentes também participaram do programa e ensaios terapêuticos foram realizados em casa. Foi estabelecida uma terapia de trabalho, que resultou em 60% dos pacientes que se matricularam na escola ou retornaram ao trabalho após o acompanhamento. Mais uma vez, no fi nal da guerra, esses programas de reabilitação foram encerrados. Você acabou de ver, resumidamente, a infl uência da Segunda Guerra Mundial no desenvolvimento histórico da reabilitação neuropsicológica. Agora vamos seguir com a infl uência da Guerra do Yom Kipur. 2.3 A GUERRA DO YOM KIPUR Outro confl ito armado que teve grande infl uência na reabilitação de lesões cerebrais foi a Guerra do Yom Kippur de 1973. Yehuda Ben-Yishay (nascido em 1933), um israelense americano, foi convidado de volta a Israel após a guerra para trabalhar em um projeto conjunto do Ministério da Defesa de Israel e do Instituto de Medicina de Reabilitação da Universidade de Nova York. Um programa de tratamento diário, infl uenciado pelo trabalho deGoldstein, foi estabelecido em 1975 em Tel Aviv. Este foi o precursor de programas holísticos. Ben-Yishay (1996) descreve como o programa de Tel Aviv começou. Ele disse que já havia tratado alguns soldados israelenses enviados a Nova York para reabilitação antes da Guerra do Yom Kippur e percebeu que era necessário um tipo diferente de abordagem para a reabilitação então disponível. Cerca de 250 soldados sofreram uma lesão cerebral nesta Guerra e receberam bons cuidados físicos, mas foram "incapazes de retomar vidas produtivas, principalmente por causa de problemas neurocomportamentais, cognitivos e psicológicos residuais" (BEN-YISHAY, 1996, p. 327-328). Com o apoio de pessoas em Nova York e Israel, nasceram a comunidade terapêutica e o estilo de tratamento holístico. A seguir, você verá brevemente contribuições em tempos mais recentes para o surgimento e desenvolvimento da reabilitação neuropsicológica. Um programa de tratamento diário, infl uenciado pelo trabalho de Goldstein, foi estabelecido em 1975 em Tel Aviv. Este foi o precursor de programas holísticos. 17 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 2.4 TEMPOS MAIS RECENTES Embora algumas pessoas estivessem trabalhando na reabilitação de problemas cognitivos antes de 1976, o primeiro programa a se chamar programa de “Reabilitação Cognitiva" parece ter sido o aberto por Leonard Diller (nascido em 1924) em Nova York em 1976 (DILLER, 1976). Diller também foi um dos primeiros a publicar estudos sobre negligência unilateral (DILLER; WEINBERG, 1977). Diller e Ben-Yishay trabalharam juntos por muitos anos e o primeiro foi um dos principais apoiadores de Ben-Yishay na criação do programa israelense. Goldstein (1942) e mais tarde Ben-Yishay (1996) reconheceram que cognição, emoção e comportamento estão interligados, difíceis de separar e devem ser abordados em conjunto em programas de reabilitação. Esse é o núcleo da abordagem holística a ser discutido mais adiante neste capítulo. Um dos programas holísticos mais conhecidos é o de George Prigatano (1986). Seu centro em Oklahoma City foi grandemente infl uenciado por Ben- Yishay (PRIGATANO, 1986). Depois ele mudou o centro para Phoenix, Arizona. Por sua vez, Prigatano infl uenciou Anneliese Christensen, que introduziu um centro semelhante na Dinamarca em 1995 (CHRISTENSEN; TEASDALE, 1995), e Wilson e seus colegas que abriram o Oliver Zangwill Center em Cambridgeshire, Inglaterra em 1996 (WILSON et al., 2000). Para aprofundar o seu conhecimento sobre o desenvolvimento histórico da Reabilitação Neuropsicológica, leia o artigo: “Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica: Desenvolvimento Histórico e Perspectivas Atuais” de Hamdan, Pereira e Riechi (2011) e o artigo “Neuropsicologia no Brasil: passado, presente e futuro” de Hazin et al. (2018), disponíveis nos seguintes links respectivamente: <https:// revistas.ufpr.br/psicologia/article/viewFile/25373/17001> e <http:// pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v18nspe/v18nspea07.pdf>. As investigações e programas de reabilitação neuropsicológica propostas no curso da história concomitantemente possibilitaram uma diversidade teórica e metodológica que sustentasse e orientasse tais intervenções. A seguir vamos aprofundar um pouco sobre o desenvolvimento teórico na reabilitação neuropsicológica. 18 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA 1 No contexto histórico do desenvolvimento da reabilitação neuropsicológica as guerras tiveram um protagonismo central. Podemos perceber claramente isso comparando alguns dados entre a Guerra Civil Americana e a Primeira Guerra Mundial. Disserte sobre os fatores que indicam o início da reabilitação moderna na Primeira Guerra Mundial. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 3 DESENVOLVIMENTOS TEÓRICOS NA REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA No início desta seção, são necessárias algumas palavras sobre o signifi cado do termo "reabilitação" e sua prática. Reabilitação não é sinônimo de recuperação, se com isso queremos dizer fazer o indivíduo retornar ao que ele era antes da lesão ou doença. Tampouco é sinônimo de tratamento (o tratamento é algo que fazemos às pessoas ou damos às pessoas, como quando administramos medicamentos ou cirurgia). A reabilitação é um processo interativo bidirecional pelo qual os sobreviventes de lesões cerebrais trabalham em conjunto com a equipe profi ssional e outras pessoas para alcançar seu bem-estar físico, psicológico, social e profi ssional/vocacional ideal (MCLELLAN, 1991). 19 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 A Sociedade Britânica de Medicina de Reabilitação (BSRM) e o Royal College of Physicians (RCP) no Reino Unido defi nem reabilitação como “um processo de mudança ativa pelo qual uma pessoa que se tornou incapacitada adquire o conhecimento e as habilidades necessárias para obter melhores funções físicas, psicológicas e social” e, em termos de prestação de serviços, isso implica “o uso de todos os meios para minimizar o impacto de condições incapacitantes e ajudar as pessoas com defi ciência a atingir o nível desejado de autonomia e participação na sociedade” (BSRM/RCP National Clinical Guidelines, 2003 , p. 7). Agora sim, vamos às abordagens teóricas! 3.1 ABORDAGENS INICIAIS PARA A REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Uma das primeiras tentativas de fornecer um modelo de tratamento foi proposta por Powell (1981), que listou seis procedimentos, desde a estratégia de não intervenção (deixando a natureza seguir seu curso) até a prática (que ele considerava a estratégia mais usada), a tratamentos médicos, bioquímicos e cirúrgicos que às vezes podem ser combinados com outros tratamentos terapêuticos (DURAND, 1982). Embora esses procedimentos possam ter descrito a situação atual naquele momento, eles eram mais uma lista de títulos do que modelos teóricos. Mais próximos a este último no sentido de fornecer teorias de tratamento estão os cinco passos das intervenções neuropsicológicas sugeridas por Gross e Schutz (1986). Esses são: 1. Controle ambiental. 2. Condicionamento estímulo-resposta (S-R). 3. Treinamento de habilidades. 4. Substituição de estratégia. 5. Ciclo cognitivo. Gross e Schutz (1986) afi rmam que essas diretrizes são hierárquicas para que os pacientes que não conseguem aprender sejam tratados com técnicas de controle ambiental; pacientes que podem aprender, mas não conseguem generalizar, precisam de condicionamento S-R; pacientes que podem aprender e generalizar, mas não conseguem se auto-monitorar, devem receber treinamento de habilidades; aqueles que podem se auto-monitorar se benefi ciarão da substituição da estratégia; e aqueles que conseguem gerenciar tudo o que precede e são capazes de defi nir seus próprios objetivos serão os mais adequados para o tratamento incorporado ao modelo do ciclo cognitivo. 20 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA Embora esses “modelos” pareçam plausíveis, é duvidoso que os terapeutas sejam capazes de determinar se um paciente pode ou não aprender ou generalizar. Sabemos, por exemplo, que pacientes em coma são capazes de algum grau de aprendizagem (SHIEL et al., 1993). Além disso, há muito se sabe que podemos ensinar generalização (ZARKOWSKA, 1987). Apesar dessas reservas, as tentativas de Gross e Schutz foram úteis para incentivar os terapeutas da época a pensar em maneiras delidar com os problemas na reabilitação. Elas permanecem, no entanto, “maneiras de tratar”, em vez de modelos a partir dos quais é possível teorizar ou conjecturar. A seguir vamos discorrer sobre as teorias com o foco no funcionamento cognitivo. 3.2 TEORIAS COM O FOCO NO FUNCIONAMENTO COGNITIVO Talvez a área em que a teoria tenha tido maior infl uência na reabilitação esteja no funcionamento cognitivo, particularmente no tratamento de pessoas com transtornos de linguagem e leitura. Como Baddeley (2014) indicou, um modelo pode ser pensado como uma representação que pode nos ajudar a entender e prever fenômenos relacionados. Foi na terapia com afasia que os modelos, nesse sentido, apareceram pela primeira vez (COLTHEART, 1991). Coltheart (1991) argumentou que, para tratar um défi cit, é necessário entender completamente sua natureza e, para isso, é preciso ter em mente como a função é normalmente alcançada. Sem esse modelo, não se pode determinar que tipos de tratamento seriam apropriados. Isso parece plausível, mas o modelo talvez seja limitado na reabilitação porque, embora modelos de linguagem e leitura nos permitam entender a natureza do défi cit ou o que está errado, eles não nos dizem como consertar as coisas. Além disso, as pessoas em reabilitação raramente apresentam défi cits isolados, como difi culdade em entender sentenças reversíveis ou passivas, identifi cadas pelos modelos propostos por Coltheart. A maioria das pessoas terá défi cits cognitivos adicionais, como processamento de informações mais lento ou falta de memória, défi cits de atenção ou executivos. Também é provável que tenham problemas emocionais, sociais e comportamentais. Lembre-se de que na reabilitação é mais provável que os pacientes precisem de ajuda com os problemas do dia a dia, como usar o telefone, em vez de apenas 21 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 ajudar com o comprometimento identifi cado pelos modelos. É preciso entender que, embora haja pouca dúvida de que os modelos teóricos da neuropsicologia cognitiva tenham sido infl uentes para nos ajudar a entender e explicar fenômenos relacionados e desenvolver procedimentos de avaliação (WILSON; PATTERSON, 1990), eles são insufi cientes para o desenvolvimento de programas de reabilitação (WILSON, 2002). Muito bem, você acabou de vislumbrar as contribuições das teorias com foco no funcionamento cognitivo, agora vamos introduzir as teorias com o foco na aprendizagem. 3.3 TEORIAS COM O FOCO NA APRENDIZAGEM Para Baddeley (1993, p. 235) "uma teoria da reabilitação sem um modelo de aprendizagem é um veículo sem um motor". Ele continuou dizendo que na reabilitação há difi culdade em distinguir entre aprendizagem e memória. A memória (pelo menos a memória episódica), ele sugere, é a capacidade de recordar eventos pessoais, enquanto a aprendizagem é qualquer sistema ou processo que resulta na modifi cação do comportamento pela experiência. A teoria da aprendizagem e a modifi cação do comportamento estão intrinsecamente ligadas e têm sido usadas na reabilitação há muitos anos, inclusive na reabilitação cognitiva. Goodkin (1966) foi um dos primeiros a defender explicitamente técnicas comportamentais com adultos com lesão cerebral. O condicionamento operante da estratégia comportamental foi aplicado inicialmente a problemas motores, mas Goodkin (1966) posteriormente o aplicou para ajudar um paciente com AVC com disfasia a melhorar as habilidades de linguagem. Não foi até o fi nal da década de 1970, no entanto, que modelos e técnicas comportamentais começaram a ser aplicados seriamente a problemas cognitivos. Atualmente, abordagens comportamentais são amplamente usadas na reabilitação para ajudar a reduzir ou compensar défi cits cognitivos. Alderman e seus colegas, por exemplo, demonstraram originalidade na aplicação de estratégias da psicologia comportamental a pacientes com problemas executivos e problemas comportamentais (ALDERMAN; FRY; YOUNGSON, 1995). As técnicas de terapia comportamental e modifi cação de comportamento foram adaptadas e modifi cadas para ajudar as pessoas com distúrbios de memória, percepção, linguagem e leitura (WILSON, 1999). Essas técnicas são 22 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA incorporadas à reabilitação cognitiva porque fornecem uma estrutura, uma maneira de analisar problemas cognitivos, um meio de avaliar as manifestações cotidianas de problemas cognitivos e um meio de avaliar a efi cácia do tratamento. Elas também nos fornecem muitas estratégias, como modelação, modelagem, encadeamento, dessensibilização, inundação, extinção, reforço positivo, custo da resposta e assim por diante. Todas essas estratégias podem ser adaptadas para atender a propósitos específi cos de reabilitação. A partir desta introdução das teorias focadas na aprendizagem você já deve ter percebido a valiosa contribuição desta abordagem teórica para a reabilitação neuropsicológica. A próxima abordagem que veremos é aquela das teorias com o foco na emoção. Vamos lá? 3.4 TEORIAS COM O FOCO NA EMOÇÃO Isolamento social, ansiedade, depressão e outros problemas emocionais são comuns em sobreviventes de lesão cerebral (WILSON et al., 2009). Reconhecer e lidar com as consequências emocionais da lesão cerebral se tornou cada vez mais importante nos últimos anos. Prigatano (1999) sugere que a reabilitação provavelmente falhará se não lidarmos com os problemas emocionais. Consequentemente, a compreensão de teorias e modelos de emoção é crucial para uma reabilitação bem-sucedida. Desde que o livro altamente infl uente de Aaron T. Beck, Terapia Cognitiva e Distúrbios Emocionais, apareceu em 1976, a terapia comportamental cognitiva (TCC) tornou-se um dos procedimentos psicoterapêuticos mais importantes e mais bem validados. Uma atualização do modelo de Beck apareceu em 1996 (SALKOVSKIS, 2004). Um de seus principais pontos fortes foi o desenvolvimento de teorias clinicamente relevantes. Existem várias teorias não apenas para depressão e ansiedade, mas também para pânico, transtornos obsessivo- compulsivos e fobias. Mateer e Sira (2006) sugerem que a TCC é adequada para melhorar as habilidades de enfrentamento, ajudando os clientes a gerenciar difi culdades cognitivas e abordando a ansiedade e a depressão mais generalizadas no contexto de uma lesão cerebral. Um desenvolvimento mais recente, utilizando muitas das técnicas na TCC, é a Terapia Focada na Compaixão (TFC). Com base no trabalho de Gilbert (2005), a TFC enfatiza a experiência emocional associada a problemas psicológicos. Ela se baseia em abordagens sociais, evolucionárias (especialmente a teoria do 23 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 apego) e neurofi siológicas para mudar sentimentos perturbados. Uma diferença entre a TCC e a TFC é que o foco é diferente. A TFC promove o desenvolvimento de emoções como gentileza, cuidado, apoio, incentivo e validação como parte da experiência de intervenções psicológicas. Por exemplo, se um cliente identifi ca alguns pensamentos negativos e pode gerar alternativas, ele é treinado para gerar sentimentos de calor, bondade, compreensão e apoio a essas alternativas. Essa abordagem tem sido usada para pessoas com lesão cerebral traumática (ASHWORTH, 2014). Inerente à abordagem TFC está a visão de que podemos ser gentis, compassivos e compreensivos em relação a nós mesmos, ou podemos ser críticos e até odiar a nós mesmos. Pessoas com autocrítica podem experimentar uma série de difi culdades de saúde mental, enquanto aquelas que são auto- compassivas são muito mais resistentes a esses problemas. Uma abordagem simples da TFC é identifi car a autocrítica e ajudar as pessoas a se concentrarem na autocompaixão. Ashworth (2014) relata pacientes que se benefi ciaram da TFC. A psicoterapia analítica também é usada na reabilitação. Talvez o proponente mais conhecido dessa abordagem para o tratamentode pessoas sobrevivendo lesão cerebral traumática (LCT) seja Prigatano. Ele descreve sua abordagem (baseada na Abordagem da Terapia Milieu de Ben-Yishay) em seu livro Princípios de Reabilitação Neuropsicológica (PRIGATANO, 1999). Um estudo analisou os efeitos de um programa de reabilitação que oferece psicoterapia e reabilitação cognitiva em comparação com apenas reabilitação cognitiva. O primeiro grupo mostrou um funcionamento emocional signifi cativamente melhorado, incluindo menor ansiedade e depressão. Os autores concluíram que “psicoterapia comportamental cognitiva e remediação cognitiva parecem diminuir o sofrimento psicológico e melhorar o funcionamento cognitivo entre pessoas que vivem na comunidade com LCT leve e moderado” (TIERSKY; ANSELMI; JOHNSTON, 2005, p. 1565). Em resumo, pode-se dizer que lidar com as consequências emocionais da lesão cerebral pode fazer toda a diferença entre um resultado bem-sucedido e um malsucedido. Agora vamos falar um pouco sobre as teorias com o foco na avaliação. 3.5 TEORIAS COM O FOCO NA AVALIAÇÃO Os neuropsicólogos clínicos estão fortemente envolvidos na avaliação, isto é, na coleta sistemática, organização e interpretação de informações sobre uma 24 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA pessoa e sua situação. Normalmente, várias abordagens teóricas são usadas nessas avaliações. Isso inclui (i) a abordagem psicométrica baseada em análise estatística, (ii) a abordagem de localização pela qual o examinador tenta avaliar quais partes do cérebro estão danifi cadas, (iii) avaliações derivadas de modelos teóricos de funcionamento cognitivo, como mencionado acima, (iv) ) defi nição de uma síndrome através da exclusão de outras explicações, como falta de visão e capacidade de nomeação prejudicada, por não reconhecer objetos como vistos na agnosia; e (v) avaliações ecologicamente válidas que preveem problemas na vida cotidiana. As avaliações neuropsicológicas, no entanto, não podem fornecer todas as informações necessárias para a reabilitação cognitiva. Embora os testes nos permitam criar uma imagem dos pontos fortes e fracos da pessoa com lesão no cérebro, eles não conseguem identifi car com detalhes sufi cientes a natureza dos problemas cotidianos enfrentados pela pessoa e pela família. Precisamos saber (i) quais problemas estão causando a maior difi culdade, (ii) quais estratégias de enfrentamento são usadas, (iii) se os problemas são exacerbados por ansiedade ou depressão, (iv) se essa pessoa pode voltar ao trabalho e assim por diante. As respostas para essas perguntas podem ser obtidas a partir de procedimentos mais funcionais ou comportamentais, incluindo observação direta (em ambientes naturais ou simulados) ou através de medidas de autorrelato ou técnicas de entrevista. Agora vamos falar brevemente sobre as teorias com o foco na identidade. 3.6 TEORIAS COM O FOCO NA IDENTIDADE Existem muitas teorias e modelos que abordam a identidade, a maioria dos quais é abordada de maneira abrangente em uma excelente obra de Ownsworth (2014). A teoria da identidade social (TAJFEL; TURNER, 1979) refere-se ao autoconceito de uma pessoa derivado de sua participação percebida em um grupo social relevante. De acordo com essa teoria e com a teoria da auto-categorização (JETTEN et al., 2012), a participação em grupos é parte integrante do nosso senso de self e não é facilmente separável do mesmo. Quando as pessoas são forçadas, por exemplo, a desistir do trabalho, perdem sua identidade profi ssional e podem sofrer perda de autoestima. A perda de membros do grupo pode signifi car menos apoio social, pior qualidade de vida e uma sensação prejudicada de bem-estar. Haslam et al. (2008) aplicaram a teoria da identidade social a 25 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 sobreviventes de AVC. Eles sugeriram que a participação em vários grupos protegia as pessoas contra os efeitos negativos da lesão cerebral. Ownsworth (2014) nos lembra que uma lesão no cérebro pode afetar praticamente qualquer aspecto do funcionamento e, no nível mais profundo, pode alterar o senso de self ou as qualidades essenciais que defi nem quem somos. Como um dos clientes de Oliver Zangwill disse: "Vivo nas ruínas do meu antigo self". Claire, uma mulher com severa prosopagnosia e perda de conhecimento das pessoas, sente que perdeu a essência de seu antigo self, dizendo que sente que se espatifou na vida de outra pessoa (WILSON; ROBERTSON; MOLE, 2015). Um modelo infl uente dos últimos anos é o modelo em forma de "Y". Este modelo sugere que “um conjunto complexo e dinâmico de fatores biológicos, psicológicos e sociais interage para determinar as consequências da lesão cerebral adquirida” (GRACEY; EVANS; MALLEY, 2009; p. 867). O modelo integra descobertas de ajuste psicossocial, conscientização e bem-estar. É, essencialmente, uma tentativa de reduzir a discrepância entre o antigo "self" e o novo "self". É importante ressaltar que abordar questões de identidade tornou-se cada vez mais importante na reabilitação com o modelo em forma de "Y", um dos pilares do Oliver Zangwill Center. Muito bem, você acabou de ler sobre as teorias com foco na identidade, vamos introduzir agora as teorias com o foco na abordagem holística. 3.7 TEORIAS COM O FOCO NA ABORDAGEM HOLÍSTICA Ben-Yishay e Prigatano (1990) fornecem um modelo de estágios hierárquicos na abordagem holística através do qual o paciente deve trabalhar na reabilitação. Estes são, em ordem: engajamento, conscientização, domínio, controle, aceitação e identidade. Uma das principais mensagens dessa abordagem é que é inútil separar os aspectos cognitivos, sociais, emocionais e funcionais da lesão cerebral, uma vez que a forma como nos sentimos afeta o modo como nos comportamos e como pensamos. Os programas holísticos, explícita ou implicitamente, tendem a trabalhar nos estágios hierárquicos de Ben-Yishay e preocupam-se com: (i) aumentar a conscientização do indivíduo sobre o que aconteceu com ele; (ii) aumentar a aceitação e a compreensão do que aconteceu; (iii) fornecer estratégias ou 26 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA exercícios para reduzir problemas cognitivos; (iv) desenvolvimento de habilidades compensatórias; e (v) fornecer aconselhamento profi ssional. Todos os programas holísticos incluem terapia de grupo e individual. Cicerone, Dahlberg e Kalmar (2005, 2011) fornecem evidências da efi cácia de abordagens holísticas quando dizem: “Recomenda-se a reabilitação neuropsicológica holística abrangente para melhorar a participação pós-aguda e a qualidade de vida após LCT moderada ou grave” (CICERONE; DAHLBERG; KALMAR, 2011, p. 526). Nos tópicos anteriores temos um pouco sobre algumas abordagens teóricas para a reabilitação neuropsicológica como aquelas que focam no funcionamento cognitivo, na aprendizagem, na identidade, na avaliação, na emoção e em programas holísticos. Diante dessa variedade de teorias e modelos podemos nos perguntar por que precisamos de inúmeras teorias e modelos de reabilitação? Vamos responder esta pergunta a seguir. 3.8 POR QUE PRECISAMOS DE INÚMERAS TEORIAS E MODELOS EM REABILITAÇÃO As pessoas com lesão cerebral provavelmente têm vários problemas cognitivos (por exemplo, com atenção, memória, funções executivas, busca de palavras etc.). Também é provável que tenham problemas não-cognitivos adicionais, como ansiedade, depressão, défi cits de habilidades sociais e assim por diante. Consequentemente, é improvável que qualquer teoria, modelo ou estrutura possa resolver todas essas difi culdades. Estar associado a uma única abordagem provavelmente levará a práticas clínicas precárias. A reabilitação precisa de uma ampla base ou bases teóricas e, para esse fi m, Wilson (2002) publicou um modelo provisório e sintetizado, incorporando muitas áreas que precisam ser consideradas no planejamento de programas de reabilitação. Qualquer programa de reabilitação precisacomeçar com o paciente e sua família: quais são suas necessidades, o que eles esperam alcançar, o que é mais importante para eles e qual é sua formação cultural? A natureza, extensão e gravidade dos danos cerebrais devem ser determinadas. Precisamos estar cientes dos padrões de recuperação. Problemas cognitivos, emocionais, psicossociais e comportamentais precisam ser avaliados. Teorias e modelos de linguagem, leitura, memória, funcionamento executivo, 27 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 atenção e percepção estão disponíveis para nos permitir entender padrões de funcionamento. As ferramentas de avaliação nos permitem determinar difi culdades cognitivas, emocionais, comportamentais e sociais. Avaliações comportamentais ou funcionais podem ser usadas para complementar procedimentos de avaliação padronizados. Devemos estar cientes das teorias da aprendizagem. Finalmente, qualquer intervenção precisa ser avaliada. Para conhecer mais sobre as abordagens teóricas da reabilitação neuropsicológica e tipos de reabilitação quanto à abordagem teórica neurológica leia os artigos: “A reabilitação neuropsicológica sob a ótica da psicologia comportamental” de Livia Pontes e Maria Hübner (2008) e “Métodos em reabilitação neuropsicológica” de Gigiane Gindri et al. (2012). 1 A terapia comportamental cognitiva (TCC) tornou-se um dos procedimentos psicoterapêuticos mais importantes e mais bem validados. Além de proporcionar um desenvolvimento de teorias clínicas efetivas, a TCC é adequada para a reabilitação no que tange ao gerenciamento de diversas difi culdades cognitivas. Partindo da TCC a Terapia Focada na Compaixão (TFC) também tem sido muito utilizada na reabilitação neuropsicológica. O que é a TFC? E quais são seus benefícios na reabilitação neuropsicológica? R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ 28 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA 4 TRATAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS Em nossos sistemas atuais de assistência à saúde, torna-se cada vez mais importante mostrar que nossas intervenções são efi cazes, como também econômicas. Os médicos são obrigados a usar protocolos de tratamento baseados em evidências e os pesquisadores são incentivados a estudar a clínica e a relação custo-benefício do tratamento. Os formuladores de políticas e a gerência precisam tomar decisões sobre quais formas de atendimento oferecer em uma sociedade onde os custos com saúde estão crescendo e os orçamentos estão diminuindo. É possível fazer uma distinção entre efetividade (se o tratamento funciona, como é que funciona, para quem funciona), efi cácia (se realmente ajuda) e efi ciência (relação custo-benefício). Do ponto de vista do paciente, a efi cácia é a mais relevante. Neste tópico, apresentamos um esquema básico para planejamento e avaliação do tratamento neuropsicológico, proposto por Wilson, Herbert e Shiel (2003). Nesta abordagem, são descritas 11 etapas, desde a especifi cação do comportamento a ser alterado até o planejamento da generalização dos resultados do tratamento. Além disso, diferentes formas de evidência de tratamento em geral são discutidas a partir de estudos de caso único, para delineamentos de grupos e, fi nalmente, o ensaio clínico randomizado (ECR). Atenção especial será dada ao delineamento experimental de caso único (DECU), que oferece uma alternativa valiosa quando não é possível realizar estudos em grupo em larga escala. Os padrões de qualidade para relatar os resultados de ECRs e DECUs são discutidos. Finalmente, apresentamos uma visão geral dos fundamentos dos estudos de avaliação econômica. A aplicação de informações gerais sobre medicina baseada em evidências (MBE) à reabilitação neuropsicológica, em particular, é feita e ilustrada com exemplos. Lembre-se de que um dos elementos principais das boas práticas clínicas é tornar explícitas nossas ações clínicas. Isso não é importante apenas para o clínico, mas também para os outros membros da equipe de tratamento. Além disso, é de grande importância para os pacientes e seus cuidadores. A avaliação de tratamentos individuais fornece informações sobre a efi cácia. A explicitação de suas ações clínicas melhorará a comunicação entre as diferentes partes envolvidas e ajudará o tratamento multidisciplinar e interdisciplinar, pois os objetivos são compartilhados e o quadro de referência é conhecido por todos. Uma das maneiras de fazer isso é planejando e avaliando o tratamento de cada 29 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 paciente em um plano de tratamento. Wilson, Herbert e Shiel (2003) propuseram um plano básico de 11 etapas para o tratamento, conforme descrito na tabela a seguir. TABELA 1 - CONFIGURANDO UM PLANO DE TRATAMENTO Etapa Ação Exemplo 1 Especifi que o comportamento a ser alterado Concentração fraca 2 Decida se uma defi nição operacional é ou não necessária Não é capaz de ater a uma tarefa por mais de 3 minutos 3 Declare as metas ou objetivos do tratamento Ater a uma tarefa por 3 minutos, 2 vezes ao dia, por 5 dias consecutivos; por exemplo, escovação dos dentes 4 Avalie o problema (faça uma linha de base) Desenvolver uma escala de classifi cação para os cuidadores avaliarem o comportamento atencional durante a escovação dos dentes 5 Considere motivadores ou reforçadores Use feedback e elogios específi cos e positivos; evite multitarefa 6 Planeje o tratamento Quem, quando, onde, com que frequência, quais estratégias etc. 7 Comece o tratamento Informe o paciente, cuidadores e equipe de tratamento quando o tratamento começará 8 Monitore o progresso do tratamen- to Medição regular do problema, por exemplo, use a escala de classifi cação (etapa 4) todos os dias e avalie semanalmente 9 Avalie tratamento Avaliações regulares são discutidas dentro da equipe e comparadas para monitorar o progresso 10 Altere se necessário Os objetivos da etapa 3 podem ter sido muito ambiciosos, altere objetivos para um objetivo mais realista; ou as metas são cumpridas e novas metas precisam ser defi nidas 11 Planeje para generalização Como a concentração pode ser melhorada durante outras tarefas além da escovação dos dentes? FONTE: Adaptado de Wilson, Herbert e Shiel (2003) 4.1 MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS A medicina baseada em evidências (MBE) é uma abordagem para cuidar de pacientes que envolve o uso explícito e criterioso da literatura de pesquisa clínica combinada com uma compreensão da fi siopatologia, experiência clínica e preferências do paciente para ajudar na tomada de decisões clínicas. Embora a MBE tenha sido projetada no campo da medicina, os princípios e a prática podem 30 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA ser facilmente aplicados à reabilitação neuropsicológica. A MBE é projetada para tomar decisões de tratamento menos tendenciosas às preferências ou conhecimentos dos profi ssionais. Além disso, a aplicação dos processos de MBE ajuda a garantir que a forma mais efi caz de atendimento seja oferecida com base em argumentos e responsabilidades, conforme suportado por evidências científi cas. O termo foi originalmente usado para um método educacional da McMaster Medical School no Canadá, no qual os médicos eram ensinados a melhorar suas decisões para pacientes individuais. A aplicação da MBE na prática clínica é realizada por meio de um método de cinco etapas (SCHOUTEN; OFFRINGA; ASSENDELFT, 2014): 1. Traduza o problema clínico em uma pergunta respondível. 2. Pesquise com efi ciência as melhoresevidências. 3. Avalie as evidências em termos de qualidade metodológica e aplicabilidade em sua própria situação clínica. 4. Tome uma decisão com base nas evidências. 5. Avalie a qualidade desse processo regularmente. A quantidade de evidências na medicina (atualmente) é esmagadora e precisa ser reunida e traduzida em diretrizes baseadas em evidências para uso na prática clínica (ou seja, prática baseada em evidências). FIGURA 1 - PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO CLÍNICA FONTE: O autor Dessa forma, os médicos podem usar as melhores e mais atualizadas evidências para decisões sobre pacientes individuais. Na defi nição da MBE, o médico deve usar a evidência com cuidado, explícita e criteriosamente. Além das melhores evidências, o clínico usará as preferências do paciente e as informações disponíveis sobre o prognóstico do paciente para orientar a decisão, conforme mostrado na Figura 1. 31 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 Algumas armadilhas comuns na MBE são o uso de hábitos, regras e rituais dos profi ssionais (por que as evidências seriam melhores do que o que tenho feito nos últimos 20 anos?) e a estrutura muitas vezes hierárquica em um ambiente médico. Por exemplo, o chefe do departamento pode liderar decisões sobre o tratamento, e não as evidências. Além disso, os pacientes se tornaram mais informados e capacitados ao longo dos anos, o que torna o papel das preferências dos pacientes mais infl uente na tomada de decisões. Um dos desenvolvimentos nessa linha é a tomada de decisão compartilhada ou colaborativa, um processo no qual médicos e pacientes se comunicam sobre as melhores evidências disponíveis para orientar a decisão do tratamento. É importante ressaltar que no campo da reabilitação neuropsicológica, usamos, por exemplo, abordagens de reabilitação centradas no cliente, nas quais é usado o estabelecimento de metas colaborativas entre a equipe de tratamento, o indivíduo com lesão cerebral e sua família. Agora vamos ver um pouco sobre as evidências da efi cácia de tratamentos de reabilitação neuropsicológica com base em estudos de grupo. 4.2 MELHOR EVIDÊNCIA COM BASE EM ESTUDOS DE GRUPO O ensaio clínico randomizado (ECR) oferece o melhor design para estudar a efi cácia do tratamento. O relato de ECRs pode ser aprimorado usando listas de verifi cação bem aceitas, como a declaração CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials), desenvolvida com a intenção de facilitar o relato claro e transparente dos ensaios clínicos (CONSORT Statement, 2010). Uma revisão recente mostrou que o endosso de periódicos científi cos ao CONSORT pode de fato benefi ciar a integridade dos relatórios dos ensaios (TURNER et al., 2012). Originalmente, a declaração CONSORT foi desenvolvida para uso em ensaios farmacológicos. Em estudos de tratamento não farmacológico – como aqueles que avaliam reabilitação neuropsicológica – nem sempre é possível oferecer uma intervenção falsa, estudos às cegas para pacientes e profi ssionais também é difícil. Como resultado, esses ensaios clínicos randomizados poderiam potencialmente ser classifi cados como de qualidade inferior e, portanto, uma lista de verifi cação alternativa para o relatório de estudos não farmacológicos foi desenvolvida. Especifi camente, a lista de verifi cação para avaliar um relatório de um estudo não farmacológico (CLEAR-NPT) é uma ferramenta mais adequada para avaliar 32 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA criticamente os ECRs no campo da reabilitação neuropsicológica. A cada ano, o número de artigos revisados por pares no campo da medicina está crescendo e tornou-se impossível para os médicos coletar as evidências por eles mesmos. Bjork, Roos e Lauri (2009) estimaram que em 2006, 1,346 milhão de artigos foram publicados em 23.750 periódicos. O crescimento médio anual dos índices na Web of Sciences é estimado em 2,5%. Uma das maneiras mais efi cientes de traduzir essa enorme quantidade de evidências na prática clínica é usar diretrizes baseadas em evidências. Geralmente, são publicados por sociedades profi ssionais, organizações governamentais ou equipes de pesquisadores e clínicos trabalhando juntos para formular recomendações para a prática clínica (como o grupo INCOG). Um exemplo no campo da reabilitação de lesões cerebrais em adultos são as diretrizes da Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN, 2013). Lembre-se de que no campo da reabilitação neuropsicológica, as recomendações do INCOG para o manejo da cognição após lesão cerebral traumática podem ser usadas. Este grupo internacional de pesquisadores e médicos (conhecido como INCOG) se reuniu para desenvolver diretrizes de prática clínica para reabilitação cognitiva após lesão cerebral traumática. O grupo INCOG formulou recomendações sobre cinco tópicos: amnésia pós-traumática e delírio (PONSFORD et al., 2014a), atenção e velocidade de processamento de informações (PONSFORD et al., 2014b), função executiva e autoconsciência (TATE et al., 2014), comunicação cognitiva (TOGHER et al., 2014) e memória (VELIKONJA et al., 2014). O grupo liderado por Keith Cicerone formulou recomendações para reabilitação cognitiva após acidente vascular cerebral e lesão cerebral traumática com base em uma série de revisões sistemáticas avaliando a efi cácia da reabilitação cognitiva (CICERONE; DAHLBERG; KALMAR, 2000, 2005, 2011). Os resultados dessas revisões foram traduzidos no manual de reabilitação cognitiva publicado pelo Congresso Americano de Medicina Física (HASKINS, 2012). Outra maneira de reunir as melhores evidências é usar as informações da Cochrane Collaboration, que é uma rede global independente de pesquisadores, profi ssionais, pacientes, prestadores de cuidados e pessoas interessadas em reunir informações de alta qualidade para tomar decisões de saúde. Os resultados das revisões sistemáticas são publicados na Cochrane Reviews, que pode ser acessada facilmente no site: <https://www.cochranelibrary.com/>. Para o campo da reabilitação neuropsicológica, revisões relevantes estão disponíveis em muitos tópicos, por exemplo: reabilitação para défi cits de memória; défi cits de atenção; disfunção executiva; negligência espacial; distúrbios perceptivos; apraxia; afasia; ansiedade após acidente vascular cerebral; ansiedade após lesão cerebral 33 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 traumática; depressão após acidente vascular cerebral; e depressão após lesão cerebral traumática. Acesse o site do Cochrane Brazil (<https://brazil.cochrane.org/>) que é uma organização não governamental, sem fi ns lucrativos e sem fontes de fi nanciamento internacionais, que tem por objetivo contribuir para o aprimoramento da tomada de decisões em Saúde, com base nas melhores informações científi cas disponíveis. Sua missão consiste em elaborar, manter e divulgar revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, o melhor nível de evidência para tomada de decisões em saúde. Inaugurado em 1996, o Cochrane Brazil, um dos 13 Centros da Colaboração e 28 extensões, promove workshops de revisão sistemática e metanálise e realiza consultorias científi cas para autores de Revisões Sistemáticas. O Centro já propiciou ao País cerca de duas centenas de publicações internacionais. O Centro possui produção científi ca comparável à de instituições similares dos países europeus e funciona como laboratório para a pesquisa e ensino de graduação e pós-graduação. Lembre-se de que a evidência da efi cácia da intervenção, resumida em metanálises e revisões sistemáticas e traduzida em diretrizes e recomendações para a prática clínica, é baseada principalmente em ensaios clínicos randomizados (ECR). Contudo, nem sempre é possível implementar um tratamento ou replicar um estudo com base em um ECR, pois podem estar faltando informações essenciais nos relatórios. Primeiro, talvez não seja possível julgar a confi abilidade ea validade dos resultados do estudo e, segundo, informações sobre o tratamento em si podem estar faltando. Por exemplo, noventa e cinco ECRs foram revisados e mostraram que há um grande conjunto de evidências para apoiar a efi cácia da reabilitação cognitiva após lesão cerebral, mas também foi concluído que a maioria dos estudos fornece pouca informação sobre o conteúdo do tratamento real (VAN HEUGTEN; WOLTERS-GREGORIO; WADE, 2012). Isso difi culta o uso dos estudos ao tomar decisões de tratamento na prática clínica diária. Neste tópico, sugerimos que pesquisadores e clínicos usem uma lista de verifi cação ao relatar intervenções de reabilitação em estudos futuros. Os itens desta lista de verifi cação dizem respeito a: (1) características do paciente para ajudar os médicos a decidir se os pacientes no estudo são comparáveis aos 34 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA pacientes em seu próprio ambiente; (2) características do tratamento para ajudar os médicos a decidir se o tratamento é aplicável ao seu próprio ambiente; e (3) informações sobre metas, custos e benefícios do tratamento, para permitir que os médicos antecipem os resultados. Após contemplar as evidências com base em estudos de grupo, lhe convidamos a focar sua leitura nas evidências de delineamentos experimentais de casos únicos. 4.3 DELINEAMENTO EXPERIMENTAL DE CASO ÚNICO Os estudos de delineamento experimental de caso único (DECU) têm uma longa tradição em educação e psicologia e hoje são publicados em periódicos nas áreas de educação especial, terapia comportamental e reabilitação neuropsicológica (EVANS et al., 2014). Os DECUs infl uenciaram a prática clínica em alguns campos, como educação especial e defi ciências intelectuais, mas na maioria dos contextos médicos, os ECRs, revisões sistemáticas e metanálises são valorizadas como níveis mais elevados de evidência. Os DECUs são classifi cados em relatórios de caso único, apesar da base experimental e, às vezes, de um nível de controle muito elevado para fatores de confusão. O termo DECU é usado para descrever estudos nos quais um participante, ou uma série de participantes, é estudado em um delineamento experimental no qual o participante atua como seu próprio controle. As medições são realizadas repetidamente antes da intervenção (fase de linha de base), durante a intervenção (fase de intervenção) e possivelmente durante uma fase de manutenção ou retirada do tratamento. Os fatores de confusão são controlados de várias maneiras. Muitos delineamentos diferentes são usados, como delineamentos de reversão (delineamento ABA ou ABAB), vários delineamentos de linha de base e de tratamento alternado ou paralelo. O poder do DECU está relacionado ao número de medições, e não ao número de participantes, como nos delineamentos de grupo. A validade externa do DECU é aumentada quando o delineamento é replicado com mais participantes. Os DECUs são diferentes das descrições de casos e relatórios de casos, nos quais o delineamento é principalmente observacional e os resultados são descritivos. Os DECUs são preferíveis quando a população de pacientes de interesse mostra alta variabilidade ou quando os casos são raros, o que impede a formação de amostras homogêneas em larga escala, necessárias para realizar ECRs bem 35 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 projetados (GUYATT et al., 1990). Por exemplo, esse pode ser o caso ao estudar pessoas com lesão cerebral com comportamento desafi ador, como agressão. O comportamento alvo pode diferir de paciente para paciente, o que tem consequências para a escolha de uma medida de resultado comum. Um exemplo desse comportamento-alvo específi co é um paciente que frequentemente grita, berra e amaldiçoa e faz ameaça aos enfermeiros durante os cuidados diários (WINKENS et al., 2014). Usando um DECU, esse comportamento verbal agressivo foi avaliado duas vezes por dia por uma enfermeira imediatamente após as atividades de vida diária (AVD), numa escala de 0 a 4: 0 = não grita, berra ou amaldiçoa; 1 = grita, berra ou amaldiçoa uma vez; 2 = grita, berra ou amaldiçoa várias vezes; 3 = grita, berra ou amaldiçoa e ameaça a enfermeira uma ou várias vezes; 4 = comportamento contínuo de gritar, berrar, xingar ou ameaçar. Nos últimos anos, os DECUs ganharam popularidade. Evans et al. (2014) argumentaram que esse interesse renovado se deve às seguintes mudanças: os DECUs agora são classifi cados como evidência de nível 1 pelo Oxford Center para Medicina Baseada em Evidências; agora estão disponíveis ferramentas para avaliar a qualidade dos DECUs e diretrizes para relatar os resultados seus resultados, como a escala de risco de viés em ensaios (TATE et al., 2013); e os métodos para analisar dados deste tipo de delineamento estão melhorando e os métodos de análise estatística estão se tornando mais disponíveis e aceitos. A edição especial sobre DECUs da revista Neuropsychological Rehabilitation (o volume 24, número 3-4, publicada em abril de 2014) é um exemplo do foco crescente em neste tipo de delineamento no campo da reabilitação neuropsicológica. Além da escolha de uma metodologia adequada de delineamento de pesquisa para obtermos mais evidências para fundamentar nossas práticas clínicas em reabilitação neuropsicológica, também surge a questão de uma avaliação econômica de tal empreendimento, pois, sem uma compreensão de custo-benefício, custo-efetividade e custo-utilidade, podemos comprometer toda a investigação e todo programa de reabilitação proposto. É sobre este tema que veremos a seguir. 4.4 AVALIAÇÃO ECONÔMICA A avaliação econômica pode ser defi nida como a análise comparativa de cursos de ação alternativos em termos de custos (uso de recursos) e consequências (resultados, efeitos). O objetivo dos estudos de avaliação econômica é descrever, medir e avaliar todos os custos e consequências alternativas relevantes (por exemplo, intervenção X versus comparador Y). Existem diferentes tipos de 36 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA avaliação econômica, como análise de custo-benefício, análise de custo- efetividade e análise de custo-utilidade. Nas avaliações econômicas parciais (por exemplo, análises de custos e estudos de descrição de custos), são fornecidas menos evidências sobre a descrição, medição ou avaliação de intervenções e tecnologias em saúde, em comparação com avaliações econômicas completas. Para dar um exemplo relevante da diferença entre avaliações econômicas parciais e completas, foi publicado uma avaliação econômica completa de uma intervenção de terapia cognitivo-comportamental aumentada em comparação com o treinamento cognitivo computadorizado para sintomas depressivos pós-AVC (VAN EEDEN et al., 2015). Neste estudo, os custos e os efeitos foram levados em consideração da perspectiva da sociedade. Outro exemplo é a publicação de uma análise de custos de um programa residencial de reintegração comunitária para pacientes com lesões cerebrais graves, onde apenas os custos do programa, mas não os efeitos, foram levados em consideração (VAN HEUGTEN et al., 2011). A pesquisa de avaliação econômica pode ser usada em diferentes áreas da assistência à saúde, independentemente do tipo de intervenção, população ou doença. No entanto, existem certos tipos de intervenção que são de interesse específi co para o campo da pesquisa em avaliação econômica, devido ao seu potencial de serem rentáveis para mais de uma população (por exemplo, intervenções de autogestão). Também existe um interesse crescente por doenças crônicas devido ao seu alto ônus social e fi nanceiro. A lesão cerebral adquirida é universalmente reconhecida como uma doença crônica devido às consequências a longo prazo. Além disso, o número de pessoas que vivem com as consequências de formas graves de lesão cerebral está aumentando como resultado de melhorias nos cuidados médicos agudos e no envelhecimento da população. Portanto,o impacto econômico dessas condições, especialmente acidentes vasculares cerebrais e lesões cerebrais traumáticas em jovens, está se tornando um tópico de grande interesse para pesquisadores e formuladores de políticas de saúde. Provavelmente, isso levará a um aumento nos estudos de avaliação econômica nos próximos anos. 4.5 PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS Conforme discutido neste tópico, são possíveis diferentes formas de avaliação do tratamento, dependendo do objetivo: este tratamento ajuda meu paciente? Este tratamento funciona e para quem funciona? Quais são os custos e benefícios deste tratamento? Alguns requisitos podem ser formulados para todas as formas de avaliação, independentemente do delineamento. Primeiro, o nível 37 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 de funcionamento do paciente precisa ser avaliado em horários predeterminados, usando os mesmos instrumentos. Além disso, as medidas escolhidas para mensurar a mudança no funcionamento devem estar alinhadas com os objetivos do tratamento; por exemplo, quando o objetivo do tratamento é retornar ao trabalho, não faz sentido repetir um teste neuropsicológico. Finalmente, os estudos em grupo geralmente relatam signifi cância estatística com base nas pontuações médias do grupo total. Na prática clínica, os escores médios são menos relevantes. Outras formas de relatar os resultados dos estudos sobre efi cácia também devem ser consideradas. Essas formas podem incluir o nível de relevância clínica, além da signifi cância estatística, relatando, por exemplo, a porcentagem de pacientes que melhoraram x pontos na medida do resultado primário. Outros parâmetros podem ser relatados nos quais as melhorias individuais são levadas em consideração, como o Índice de Mudança Confi ável (RCI). Por fi m, medidas de resultados individualizadas podem ser usadas no nível do grupo e do indivíduo. A Escala de Objetivos Atingidos (GAS) é uma ferramenta valiosa para esse fi m e demonstrou ser viável na medição dos resultados da reabilitação após lesão cerebral (BOUWENS; VAN HEUGTEN; VERHEY, 2009). As medidas de resultado centradas no cliente também podem formar uma fonte valiosa de informação ao considerar o resultado de um ponto de vista mais individual. A Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM) pode, por exemplo, ser usada para defi nir problemas no desempenho ocupacional com base em uma entrevista semiestruturada com o paciente (LAW et al., 1998). Também pode ajudar no estabelecimento de metas e na medição de mudanças no desempenho ao longo do tempo, da perspectiva dos pacientes. Jenkinson, Ownsworth e Shum (2007) mostraram a utilidade clínica da COPM na reabilitação comunitária de indivíduos com lesão cerebral e recomendam a incorporação de autoavaliações no contexto de outros resultados. Para aprofundar a leitura sobre reabilitação neuropsicológica baseada em evidências, leia o capítulo 10 do livro “Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica” de Jaqueline Abrisqueta-Gomez et al. (2012). 38 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA Até este momento conseguimos discorrer sobre o contexto histórico do desenvolvimento da reabilitação neuropsicológica, as abordagens e modelos teóricos que foram propostas para fundamentar a prática clínica da reabilitação e focamos principalmente no modelo de práticas baseadas em evidências. Agora vamos percorrer um outro caminho, vamos introduzir o tema dos mecanismos de recuperação após lesão cerebral adquirida. O intuito aqui é elucidar fenômenos existentes na prática de reabilitação neuropsicológica partindo da compreensão dos modelos teóricos vistos anteriormente. Você está pronto para este desafi o de estudo? Então, vamos lá. 1 Na pesquisa em busca de evidências para fundamentar a prática clínica em reabilitações neuropsicológicas podemos utilizar diversos delineamentos, os mais utilizados são os Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs) e os Delineamentos Experimentais de Caso Único (DECUSs). Em quais situações é recomendável a utilização de DECUs? Justifi que sua resposta. R.: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 39 TEMAS GERAIS EM REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Capítulo 1 5 MECANISMOS DE RECUPERAÇÃO APÓS LESÃO CEREBRAL ADQUIRIDA Após a lesão, o cérebro é capaz de um alto grau de autorreparo. Os mecanismos subjacentes à chamada recuperação espontânea não são completamente compreendidos. A única ideia bem estabelecida é que esses mecanismos são baseados na plasticidade do cérebro, na capacidade do cérebro de mudar sua estrutura e função como resultado de processos de recuperação autônomos. Além disso, a plasticidade é estimulada pela aprendizagem e pela estimulação ambiental. Três mecanismos principais de plasticidade são importantes na recuperação espontânea: a resolução da diásquise, a recuperação funcional da rede e os reajustes compensatórios mais orientados por comportamento após danos cerebrais. O conceito de "diásquise", cunhado em 1914 por von Monakow (1914) para explicar a perda de excitabilidade que ocorre distante de uma região cerebral focal, experimentou destinos mistos. No entanto, o recente desenvolvimento de novos métodos para investigar a função cerebral revitalizou o conceito. A recuperação funcional da rede tem sido intensivamente estudada em pacientes com défi cits motores e afasia, enquanto mecanismos compensatórios comportamentais foram encontrados em vários domínios após lesão cerebral adquirida (NUDO, 2013; ROBERTSON; MURRE, 1999). Como mencionado, a plasticidade cerebral também está subjacente aos processos de recuperação com base na experiência e na aprendizagem, comumente referidos como recuperação "dependente da experiência". Essas mudanças na organização cerebral são mais evidentes em pessoas com defi ciências sensoriais (por exemplo, surdas ou cegas congênitas) no chamado fenômeno de plasticidade cross-modal (FRASNELLI et al., 2011), mas no remapeamento plástico induzido pela reabilitação de áreas cerebrais lesionadas também deve estar presente em pessoas com lesão cerebral adquirida. Neste tópico, descrevemos alguns estudos raros que investigaram a reorganização cerebral adaptativa após o treinamento cognitivo. O método mais frequentemente usado para promover a recuperação após danos cerebrais é o ensino de estratégias compensatórias. Nesse caso, a recuperação não é realizada pela restauração de uma função perdida, mas por oferecer aos pacientes com lesão cerebral adquirida estratégias para compensar suas defi ciências. Essas estratégias podem ser amplamente subdivididas em estratégias externas e internas. Estratégias externas são auxílios materiais que ajudam os pacientes a 40 REABiLiTAÇÃo NEuroPSiCoLÓGiCA superar défi cits cognitivos na vida cotidiana. Estratégias internas são métodos verbais e não verbais para melhorar o processamento e retenção de informações, resolução de problemas e autorregulação (por exemplo, mnemônica e treinamento autoinstrucional). No caso do treinamento de estratégia compensatória, os mecanismos de recuperação são bem conhecidos no nível da tarefa, mas não há estudos até o momento que investiguem a recuperação no nível cerebral. A lesão cerebral adquirida frequentemente afeta
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