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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Qualidade de Vida e Saúde Mental no Trabalho Saúde Mental no Trabalho Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Sarajane de Fátima Lima de Oliveira Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Saúde Mental no Trabalho; • As Transformações no Mundo do Trabalho e os Impactos na Saúde do Trabalhador; • Saúde Mental no Trabalho e Assistência ao Trabalhador; • Saúde Mental no Trabalho e Políticas Públicas. Fonte: Getty Im ages Objetivos • Oportunizar ao aluno a compreensão das transformações ocorridas no âmbito do tra- balho ao longo dos tempos, evidenciando as implicações no processo de adoecimento do trabalhador; • Realizar uma aproximação do acadêmico para questões atuais sobre saúde mental e tra- balho, e propiciar a identificação de políticas públicas e de assistência ao trabalhador. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! Saúde Mental no Trabalho UNIDADE Saúde Mental no Trabalho Contextualização Ter saúde mental no trabalho passa a ser um desejo de milhões de pessoas nos dias de hoje, pois a forma como o trabalho está organizado, as pressões pelos cumprimentos de metas e prazos, as relações interpessoais cada vez mais estremecidas, seja com colegas ou com chefia, as mudanças e inovações tecnológicas cada dia mais frequentes, tudo isso nos leva a pensar que vamos enlouquecer. Muitas empresas também estão preocupadas com a forma negativa que o trabalho está implicando na saúde mental dos seus funcionários, haja vista o aumento do absenteísmo e, por que não dizer, o elevado índice de afastamen- tos do trabalho, especialmente por problemas relacionados à saúde mental, tais como de- pressão, estresse, burnout, entre outras. Infelizmente, as estatísticas apontadas pelo INSS nos mostram que é inegável essa crescente realidade no Brasil, o que nos impulsiona a ampliar as discussões sobre essa temática. 6 7 Saúde Mental no Trabalho A saúde mental no trabalho ganhou foco no período subsequente à Segunda Guerra Mundial, que teve seu término em 1945, tendo como país de berço a França. De acor- do com Lima (2015), embora, inicialmente, os estudos sobre saúde mental no trabalho tenham sido associados a duas dimensões específicas: a ergoterapia (quando a atividade laboral se constitui em recurso terapêutico, favorecendo a saúde mental) e a psicopa- tologia do trabalho (quando é potencialmente patogênica, favorecendo o adoecimento mental), foi a segunda dimensão que ganhou maior visibilidade. Sob a ótica dos estudiosos franceses, os fatores psicológicos que mais impactavam no adoecimento do trabalhador eram a monotonia, a falta de interesse pela tarefa a ser desempenhada e a dissociação entre o ritmo imposto pela máquina e o do corpo do tra- balhador. Outros fatores sociais também foram considerados, como o clima psicológico com que o sujeito desenvolvia suas tarefas e a qualidade das relações interpessoais no interior da empresa (LIMA, 2015). No Brasil, a doença mental no trabalho passou a ser discutida nos anos 80 do sé- culo passado, a partir de estudos de Selligmann-Silva. Contudo, somente em 2001, o Ministério da Saúde reconheceu a existência de transtornos mentais e sua relação com o trabalho, tendo publicado uma lista desses transtornos no Manual de Doenças Rela- cionadas ao Trabalho. Ressalta-se que o campo da saúde mental no trabalho permanece em processo de consolidação e vem pontuando os impactos da reestruturação produtiva na saúde dos trabalhadores. As Transformações no Mundo do Trabalho e os Impactos na Saúde do Trabalhador O trabalho acompanha o homem desde os primórdios da civilização, não só como uma forma de sustento e sobrevivência, mas também como elemento constitutivo do sujeito trabalhador. Contudo, vem sofrendo alterações com o passar do tempo, o que implica em novas formas de o homem se relacionar com o mesmo. Merlo e Lapis (2007) apontam como mudanças significativas as inovações tecno- lógicas, a organização do trabalho e da produção, a qualificação do trabalhador, as estratégias empresariais e as novas formas de configuração de poder e controle sobre o trabalhador. Os autores relatam que esse conjunto de transformações passa a ser conhe- cido como “Primeira Revolução Industrial”. 7 UNIDADE Saúde Mental no Trabalho Primeira Revolução Industrial No século XVIII, o capitalismo passa a tomar grande relevância com o uso intensivo de mão de obra assalariada. Foi nesse contexto que surgiram as primeiras indústrias têxteis, que contavam com invenções como a máquina de fiar, o tear mecânico, a má- quina a vapor e, ainda, o uso de outras fontes de energia como o carvão e o petróleo, trazendo como consequências o aprimoramento de técnicas de produção e a evolução tecnológica e científica. Foi nesse cenário que mudanças ocorreram quanto ao “fazer do trabalhador”. Hou- ve a necessidade de maior qualificação da mão de obra operacional, uma vez que o operário deixou de ter o domínio sobre o conteúdo de seu trabalho, e a divisão deste aprofundou-se, ganhando espaço a especialização do trabalho. Houve a transição da manufatura para a maquinofatura, expandindo os processos industriais. Contudo, o perfil do trabalhador também sofreu consequências, especialmente no que se refere à fragmentação “do seu fazer”. Neste período, conforme Merlo e La- pis (2007), o controle exercido sobre os trabalhadores era extremamente autoritário. Os trabalhadores com longas jornadas de trabalho viviam em condições precárias, além de receberem salários baixos, que não atendiam às suas necessidades. Como agravante, recebiam punições, agressões físicas, ameaças e possível perda do emprego. Considerando esses aspectos, já podemos compreender que a saúde do trabalhador inicia um processo de degradação, uma vez que os trabalhadores não dispunham de um sistema de proteção social. Sob essa ótica capitalista e a ênfase na produtividade, intensificaram-se as reivindicações dos trabalhadores quanto a melhorias, uma vez que muitos se acidentavam com facilidade, especialmente por estarem expostos a processos acelerados e desumanos de produção, elevando o número de acidentes e adoecimentos (BITTENCOURT; BELOME; MERLO, 2014). É fato que, desde aquela época, já se colocava em risco a saúde do trabalhador, a qual comprometia a produtividade e acarretava prejuízos econômicos. Assim, as indústrias, como forma de reduzir os índices de acidentes e afastamentos, passaram a contratar médicos, de modo que estes cuidassem da saúde dos empregados (DIAS; HOEFEL, 2005). É importante ressaltar que, dessa maneira, haveria maior cuidado com o corpo do trabalhador e, consequentemente, este se manteria produtivo e contribuindo para que a empresa alcançasse seus objetivos, garantindo produção e lucratividade. (MENDES; DIAS, 1991) Segunda Revolução Industrial No final do século XIX e meados do século XX, houve o surgimento da eletricida- de que, aos poucos, foi sendo introduzidanas indústrias, alimentando os motores de máquinas e facilitando o processo produtivo. Deu-se nesse período o surgimento do que hoje chamamos de “Segunda Revolução Industrial”. As atividades passaram a ser monitoradas, de forma que a organização do trabalho fosse racionalizada, surgindo a 8 9 normatização, os procedimentos sistemáticos e uniformes. Neste período, difundiu-se o modelo Taylorista/Fordista com a organização do trabalho, a especialização das tarefas e a racionalização da produção. Os trabalhadores, mesmo obtendo o ganho de prêmios ou, ainda, recebendo amea- ças e sanções por parte dos empregadores, não conseguiam aumentar a produtividade. As atividades passaram a ser pensadas e monitoradas por especialistas, em sua maioria engenheiros. Com esse propósito, os operários passaram a exercer atividades especí- ficas e fragmentadas, deixando de ter a noção do todo, e ter limitada sua capacidade produtiva, exercendo tarefas repetitivas e sem sentido, sem nenhuma possibilidade de aplicar seu potencial criativo. Desta forma, ficou evidente a separação entre o “saber e o fazer”, “entre a concepção, o planejamento e a execução; entre o trabalho manual dos operários e o trabalho intelectual das gerências” (MERLO; LAPIS, 2007, p. 63). A monotonia no trabalho, o ritmo produtivo cada vez mais intenso determinado pelas esteiras rolantes por onde circulavam as partes do produto a ser montado, uma vez que as linhas de montagem passaram a fazer parte do parque fabril das indústrias da época, foram aspectos que contribuíram muito para a saúde do trabalhador sofrer abalos, especialmente no que diz respeito às relações de trabalho estabelecidas. Nesse contexto, identificou-se deterioração no funcionamento mental e equilíbrio psicoafetivo, denunciando o aparecimento de comportamentos hostis, agressivos, violentos e dis- criminatórios entre colegas de trabalho e entre as estruturas hierárquicas, envolvendo cargos de comando e subordinados (DEJOURS, 1992). Para melhor compreensão do processo produtivo no período da Segunda Revolução In- dustrial e do impacto deste na saúde do trabalhador, assista aos vídeos/recortes do filme “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin, que retrata de maneira brilhante as consequências nefastas do modelo produtivo adotado na época sobre a saúde do trabalhador. https://youtu.be/Gi9zUU3FsdU https://youtu.be/ELExsE9o238 Terceira Revolução Industrial A Terceira Revolução Industrial, também chamada por muitos de Revolução Tecnoló- gica, ou ainda de “Era Pós-Industrial”, “Era da Informação” ou “Era do Conhecimento”, trouxe grandes e profundas mudanças no mundo do trabalho. Segundo alguns autores, ela teve início nos anos 70 do século passado, e foi influenciada diretamente pelo mo- delo de organização do trabalho e pela experiência japonesa conhecida por Toyotismo. Nessa perspectiva, o foco deixou de ser a produção em série, e passou a ser a diversifi- cação e a personalização, atendendo às novas necessidades, o que exigia aprimoramen- to na qualidade dos produtos ofertados ao mercado. Esse novo modelo produtivo pautou-se na atualização do produto, ou seja, a cada tecnologia lançada, o sistema era atualizado, algo que se tornaria impossível com as técnicas anteriores. Ao contrário do que ocorreu no sistema Taylorista-fordista, o perfil 9 UNIDADE Saúde Mental no Trabalho do trabalhador sofreu alterações significativas, sendo que o operário precisaria conhecer amplamente o processo produtivo e as novas tecnologias, o que culminou em desem- prego para muitos trabalhadores. Conforme Merlo e Lapis (2007), houve a necessidade de um trabalhador mais escola- rizado, com raciocínio lógico, que soubesse operar máquinas e equipamentos diversos, e aptos a lidar com a complexidade desses, além de ter desenvolvidas suas capacidades de relacionamento, sabendo trabalhar em equipe e alinhado aos objetivos da empresa. Esta inversão dos modelos produtivos afetou consideravelmente a saúde do traba- lhador, uma vez que houve um deslocamento do componente manual do trabalho para o modelo intelectual, exigindo, além de outras capacidades, a qualificação profissional dos trabalhadores (GOULART, 2002). Para tanto, a busca do conhecimento e aprimo- ramento profissional levou à necessidade de formação permanente, o que implica em tensão, desgaste físico e psicológico, ansiedade e o medo da possível demissão. Para Zanelli (1998), as transformações ocorridas na estrutura e funcionamento das organi- zações de trabalho afetaram diretamente os trabalhadores, dos quais se passa a exigir readaptações físicas e psicológicas, com elevado custo de energia vital e implicações para sua saúde. O advento da globalização, em meados da década de 90 do século passado, repre- sentou “o período das mais rápidas transformações econômicas, tecnológicas e sociais já ocorridas na história da humanidade”, segundo Goulart (2002, p.24). Dentre elas, a autora cita cinco grandes eixos: a informática, as telecomunicações, a biotecnologia, as novas energias e a descobertas de novos materiais. O fenômeno da globalização impli- cou no elevado nível de competitividade entre países, ultrapassando as fronteiras e re- querendo produtividade atrelada à qualidade, reforçando a necessidade de trabalhadores qualificados e o enxugamento das empresas. Sob a ótica de Zanelli (2010, p.21), “no ge- ral, a realidade atual do emprego pode ser descrita com a imagem de um número menor de pessoas, que estão ganhando menos, para fazerem, desgastadas, mais atividades”. Goulart (2002) reforça que houve o surgimento de novos modos de gestão, pauta- dos na busca da qualidade total e que enfatizam aspectos como: supervalorização da ação, desafio permanente, adaptabilidade, polivalência da mão de obra, e suavização das relações hierárquicas. Tais aspectos levam a uma pressão constante dos trabalha- dores, exigindo desses a aprendizagem contínua de procedimentos e novas tecnologias, expondo-os a uma situação de ameaça de perda do emprego e vivências de sofrimento no trabalho que, por sua vez, coloca-os em evidente risco de adoecimento (ZANELLI; BASTOS, 2004). A gestão do conhecimento passou a ser um precioso recurso estratégico para o controle dos processos pelas organizações, bem como o principal ativo das empresas na busca por maior competitividade. 10 11 Quarta Revolução Industrial A Quarta Revolução Industrial, também conhecida como Indústria 4.0, teve seu início na Alemanha em 2012, quando o país estava em busca de novas tecnologias para me- lhoria nos processos produtivos. Assim, o impacto desta mudança se caracteriza por um conjunto de tecnologias que permitem a fusão do mundo físico, digital e biológico que, por sua vez, trará implicações diretas na produtividade das empresas, especialmente no que se refere à redução de custos (ganhos de eficiência, menores custos de manutenção de máquinas e consumo de energia), controle sobre o processo produtivo, a customiza- ção da produção, entre outros. Oliveira e Simões (s.d.) ressaltam que de produção em massa, evoluímos para uma customização em massa. Os autores descrevem que os principais conceitos que emba- sam a Quarta Revolução Industrial são: a Internet das Coisas, Sistema Físico-Ciberné- tico, Big Data e Segurança dos Dados. Reforçam ainda que, na lógica da Indústria 4.0, serão criadas fábricas inteligentes (Smart Factory), nas quais o processo de produção será totalmente digitalizado e conectado em rede através de sistemas de informação, tornando a produção autônoma e inteligente. Veja-a na figura abaixo, que retrata melhor essa ideia: Figura 1 Fonte: Getty Images 11 UNIDADE Saúde Mental no Trabalho Segundo Coelho (2016), o mundo anda a velocidades diferentes e, por esse motivo, há uma grande lacuna entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. O au- tor ressalta que a indústria passa por um processo de transformação a uma velocidade nunca antes vista, “impulsionada pelo desenvolvimento e utilização detecnologias faci- litadoras, cada vez mais evoluídas e ágeis” (COELHO, 2016, p.07). Vale salientar que ainda é incipiente a implantação dessa nova lógica nas empresas brasileiras, o que implicará em novas plantas fabris, mudanças na estrutura das cadeias produtivas, um novo mercado de trabalho, fábricas do futuro, massificação do uso de tecnologias digitais, startups, test beds, entre outras. Considerando que a Indústria 4.0 aproxima os processos produtivos físicos e os processos de informação e tecnológicos altamente desenvolvidos, e que se baseia na digitalização de processos industriais, certa- mente trará novas exigências com relação aos funcionários que desenvolverão atividades profissionais em empresas com esse perfil. O documento “Agenda Brasileira para a Indústria 4.0” traz um conjunto de iniciativas que visam promover o desenvolvimento da Indústria 4.0 no País. Disponível em: https://bit.ly/2OJyqJK Aproveite e leia a reportagem da BBC sobre como uma nova revolução na indústria pode mudar o mundo. Disponível em: https://bbc.in/2JgjZIJ Assista ao vídeo “O que é indústria 4.0”. Disponível em: https://youtu.be/mR1COdqkQF4 Quanto aos impactos da Indústria 4.0 nos trabalhadores, raros são os estudos a esse respeito. Todavia, podemos arriscar dizer que haverá maior necessidade de especializa- ção e qualificação, uma vez que competências como resolução de problemas complexos e pensamento crítico, conhecimento sobre sistemas, processos e articulação do conheci- mento poderão ser amplamente utilizadas. Costa (1995, p.12) aponta que haverá grande tendência de um “deslocamento de mão de obra em direção ao setor de informações, ou seja: perdem-se empregos em determinados setores, mas são ganhos no setor de informações”. Outros aspectos levantados pela autora são a rapidez com que a tecno- logia evolui e, portanto, eleva-se o risco de a pessoa tornar-se obsoleta para o mercado de trabalho, bem como o isolamento que essas tecnologias podem trazer ao indivíduo. Diante destes aspectos, certamente a saúde mental do trabalhador será afetada, es- pecialmente se considerarmos o medo da perda do emprego e/ou de não conseguir colocação no mercado de trabalho, elevando os níveis de ansiedade e pressão sentidas por este em torno da busca permanente por qualificação. 12 13 No seu ponto de vista, com base nas informações sobre as transformações no mundo do trabalho, quais são os impactos que a Indústria 4.0 pode trazer à saúde mental dos trabalhadores? Saúde Mental no Trabalho e Assistência ao Trabalhador Como mencionado anteriormente, quando o capitalismo ganhou ascensão, houve preocupação por parte das empresas quanto à saúde do trabalhador, especialmente, aos aspectos físicos, uma vez que compreendiam relação direta com a produtividade. Assim, os médicos eram os responsáveis por estes cuidados. Em meados de 1965, países indus- trializados sofreram mudanças a partir de reflexões e, por consequência da mobilização da classe de trabalhadores, políticas sociais transformaram-se em leis, desencadeando alterações na legislação do trabalho e nos aspectos da segurança e saúde do trabalhador. No Brasil, segundo Galon et al. (2011), a maior parte das leis que regulamentam a saúde e segurança ocupacional é apresentada na forma de Normas Regulamentadoras (NRs), aprovadas pela Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978. Segundo os autores, especificamente voltadas aos riscos biológicos, algumas NRs deram vida aos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), Co- missão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (CIPA), Equipamentos de Prote- ção Individual (EPI), Programa de Controle Médico em Saúde Ocupacional (PCMSO), Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), entre outros. Como podemos observar, todos vinculados à iniciativa privada, adotando um mode- lo de atuação subordinado à lógica do capital. Nesse sentido, a Medicina do Trabalho, responsável pelos cuidados com o trabalhador, se deu a partir de uma forma autoritária de regulação das relações entre empregados/trabalhadores e empresários. Somente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve avanços na legislação trabalhista brasileira, sendo que a saúde do trabalhador passa a se inserir efetivamente no campo da saúde, incorporando-se dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), cujas ações se constroem com base em seus princípios de universalidade, integralidade e par- ticipação social (NARDI; RAMMINGER, 2012). Considerando que, ainda nos dias atuais, as empresas possuem a área de medicina do tra- balho e os trabalhadores buscam nela o atendimento para seus problemas de saúde, sejam eles físicos ou mentais, qual seu posicionamento quanto ao interesse das empresas em estabelecer nexo causal, ou seja, instituir relação direta entre o trabalho e o adoecimento do trabalhador? 13 UNIDADE Saúde Mental no Trabalho Saúde Mental no Trabalho e Políticas Públicas Ao longo dos anos, a organização do trabalho privilegiou o capital em detrimento das pessoas, dos trabalhadores (BITTENCOURT; BELOME; MERLO, 2014), e, por consequência, ainda nos dias atuais, a saúde mental ocupacional e as ciências do com- portamento evidenciam a origem do adoecimento mental dos trabalhadores no universo intraindividual, sendo pouco considerado o trabalho na sua concepção, de como está organizado e as condições que ele oferece ao trabalhador (SATO; BERNARDO, 2005). Nessa mesma perspectiva, Seligmann-Silva et al. (2010) reforçam que são minimi- zados ou ignorados os aspectos sociais, econômicos e organizacionais, assim como os processos psicossociais e seus impactos sobre a subjetividade do trabalhador. Portanto, ainda se observa um grande desafio quanto ao atual modelo de trabalho, uma vez que “[...] o sofrimento /adoecimento psíquico é visto como um sinal de fraqueza pessoal”, (BERNARDO, 2011 apud BITTENCOURT; BELOME; MERLO, 2014). A Reforma Sanitária e de institucionalização do Sistema Único de Saúde foram mar- cos importantes que balizaram os movimentos em prol da saúde do trabalhador, embora alguns autores os considerem ainda tímidos frente às necessidades impostas pelo sofri- mento psíquico. Para Nardi e Ramminger (2012), a Primeira Conferência Nacional de Saúde do Tra- balhador (CNST), ocorrida em 1986, teve como principal marca a formulação de conte- údos para a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, os quais foram incorporados à Constituição Federal de 1988 e à Lei nº 8080, de 1990. Nesse ínterim, foram criados pelo Ministério da Saúde os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), na tentativa de promover atenção integral aos trabalhadores no âmbito do SUS, bem como evidenciar algumas das suas expressões atuais a partir da assistência e da vigilân- cia em saúde do trabalhador. Contudo, por estarem vinculados às Secretarias Municipais de Saúde e apresentarem baixa cobertura de ações e fraca articulação intersetorial, não houve real articulação dos CERESTs ao SUS. A Segunda CNST focou-se na construção de uma política de saúde do trabalhador, ou seja, a unificação das ações de Saúde do Trabalhador no SUS e a discussão das di- mensões políticas, sociais, econômicas, técnicas e gerenciais dessa política pública. No que concerne à Saúde Mental, foram reconhecidas algumas doenças profissionais e a sugestão do envolvimento de empresas públicas e privadas na elaboração e manutenção de programas educativos em relação ao alcoolismo. (NARDI; RAMMINGER, 2012) Na Terceira CNST houve participação conjunta dos Ministérios da Saúde, do Traba- lho e Emprego, e da Previdência Social, na tentativa de integrar as ações direcionadas à saúde do trabalhador brasileiro. Assim, discutiu-se a política intersetorial proposta, bem como a integração e a implantação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), instituída em 2002 (NARDI; RAMMINGER, 2012). Todavia, com o passar do tempo, a RENAST passou por revisões, sendo que asatividades dos 14 15 CERESTs foram mais bem definidas, incluindo contribuições referentes ao apoio dos CERESTs na organização e na estruturação da assistência de média e alta complexida- de, no âmbito local e regional, dando atenção especial aos acidentes ocupacionais e aos agravos como os transtornos mentais relacionados ao trabalho. Somente dez anos após a criação da RENAST, foi lançada a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNST), que dentre as diretrizes firmadas, elenca-se a estratégia da atuação do SUS nos diversos níveis para o desenvolvimento da performance integral em saúde do trabalhador, dando ênfase à vigilância (BITTENCOURT; BELOME; MERLO, 2014). Contudo, coube aos CERESTs ações diretas de vigilância, especialmente nos casos em que o Município não tenha condições técnicas e operacionais para realizá- -la, ou ainda, para situações que exijam maior complexidade. Desta forma, fragilizam-se as ações de vigilância, na falta de prioridades e programas articulados nos vários níveis do território (COSTA et al. 2013). Para Bittencourt, Belome e Merlo (2014), as atividades dos CERESTs somente farão sentido se estiverem articuladas aos demais serviços de rede do SUS, de modo que os atendimentos relacionados ao adoecimento mental no trabalho sejam realizados em to- dos os níveis de atenção do SUS, de forma integral e hierarquizada. Concluindo, aponta-se para o pensamento de alguns autores que reforçam a neces- sidade de discutir e articular, de forma conjunta, governo e sociedade civil, para que ações preventivas, de assistência e de reabilitação profissional, estejam embasadas em mudanças estruturais e organizacionais do mercado de trabalho e das empresas, permi- tindo formas de gestão mais adequadas e reestruturação produtiva que se atente para a humanização, em vez de focar-se em uma gestão onde prevalece o interesse do capital (SELIGMANN et al., 2010; NARDI; RAMMINGER, 2012). Para que você possa aprofundar seus conhecimentos a respeito do conteúdo da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNST). Acesse o link: https://bit.ly/2q7wXi9 15 UNIDADE Saúde Mental no Trabalho Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos O trabalho no Futro – Documentário https://youtu.be/oDcgWE_3VII Leitura A Quarta Revolução Industrial e as Perspectivas para o Brasil BRITO, A. A. F. A Quarta Revolução Industrial e as Perspectivas para o Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 07. Ano 02, v. 02, p. 91-96, Outubro de 2017. https://bit.ly/2H39XqE Cadernos de Saúde Pública GLINA et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(3): 607-616, mai-jun, 2001. https://bit.ly/2XqXWHX São Paulo em Perspectiva HELOANI, J. R. CAPITÃO, C. G. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em Perspectiva. vol.17, n.2. São Paulo Abr./Jun. 2003. https://bit.ly/2xsH4CF 16 17 Referências BITTENCOURT, L. C.; BELOME. M. 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