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VALLE, Lílian do. Por uma definição da educação: contribuições da filosofia para pensar o fazer educativo. ● “Haveria, ainda hoje, sentido em se buscar a filosofia para definir a educação? O que teria, atualmente, a filosofia a contribuir para a teoria sobre a educação?” - p. 3 ● A autora cita que, de início, para quem não está familiarizado com a filosofia, ela pode parecer um conhecimento ultrapassado, específico, difícil e inútil, no entanto, nem sempre foi assim, tendo a filosofia um importante papel como incentivo ao pensamento crítico, indo contra aos que falsamente a usavam para manipular a população - o Estado, a Igreja. ● “A substituição da antiga autoridade filosófica pelas referências provenientes do saber científico consolidou-se no século passado, em função da crescente confiabilidade que esse último alcançou, e foi finalmente selada, em nossos tempos, pela definitiva adoção da identidade que as “ciências da educação” passaram a conhecer à pedagogia” - p. 4 ● “No século XX o saber pedagógico se emancipou do modelo metafísico que, desde a antiguidade até pelo menos o século XVII, dominou a educação.” - p. 4 ● “A centralidade da especulação filosófica como guia da pedagogia foi substituída no pensamento contemporâneo pela centralidade da ciência, e de uma ciência autônoma, cada vez mais autônoma em relação à filosofia” - Franco Cambi, p. 4 ● “Com o advento da ciência, introduz-se uma atitude radicalmente diferente, que enfatiza e valoriza a criação e experimentação de novos métodos e procedimentos técnicos para o ensino, tanto quanto para a administração da educação escolarizada.” - p. 4, 5. ● Na modernidade, a influência da filosofia foi substituída pelo saber científico, a entrega das informações por meio de comprovações e do pensamento racional. Dessa forma, a filosofia foi reduzida a um mero saber supérfluo na educação, enquanto o saber científico pauta como deverá ser dada a educação e passa a fornecer as respostas prontas. ● “A filosofia teria que ter seu papel definitivamente reduzido. De disciplina específica e soberana que anunciava as verdades, <agora> tudo a que ela poderia aspirar, era ao posto de uma reflexão que as ciências deveriam manter sobre sua própria prática - sobre seu método, sobre sua coerência interna, sobre a validade de seus argumentos, definições e deduções.” p. 5 “A filosofia havia se transformado em apenas um momento do fazer metodológico do investigador.” ● No campo da educação, a concepção filosófica de Antônio Gramsi exerceu grande influência a partir dos anos 80: “designar como filosofia não mais uma atividade conscientemente realizada, mas genericamente, um <<modo de ser>> de um indivíduo ou de um grupo” - p. 6 ● “A filosofia já pode ser confundida com a própria <<atividade de pensar>>” - p. 6 - aqui a autora cita os perigos de confundir a filosofia com a atividade de pensar cotidianamente, como se todos os seres fizessem filosofia no dia a dia (como cita Gramsi), pois a filosofia vem exatamente para o incentivo ao pensamento crítico, ela começou como uma visão crítica do comportamento comum da sociedade. ● “A filosofia não começou como um <<pensar>> genérico, nem apareceu do movimento irrefletido pelo qual as sociedades se constroem estabelecendo valores, normas, costumes e finalidades comuns: sua invenção está historicamente ligada à invenção da democracia, correspondendo ao projeto de crítica e superação dos dogmas e das dominações, ao projeto de autonomia.” - p. 7 ● “Há que se temer que a naturalização da filosofia leve não só a desperdiçar esse rico patrimônio que é o de nosso pensamento, mas, o que é ainda pior, a que nossa atualidade rompa definitivamente com ele, tornando-se cegamente submissa aos novos dogmas e dominações de nossa sociedade” p. 7 ● “É preciso convir que é impossível fazer caber a realidade humana nos estreitos limites da racionalidade científica.” - p. 8 ● Aqui, a autora cita Anísio Teixeira. É importante abrir um “parênteses” para classificar as definições desse autor sobre Filosofia, educação e filosofia da educação: => Filosofia: De acordo com a vivência do ser, ele cria sua própria filosofia e a ela se deixa ser guiado. “Tais filosofias individuais não se articulam, porém, em sistemas filosóficos. Esses, quando não são inquietações pedantes de gabinete, mas expressões reais de filosofia, representam e caracterizam uma época, um povo ou uma classe de pessoas.” p. 15 “A filosofia de um grupo que luta corajosamente para viver, não é a mesma de outra cujas facilidades transcorrem em uma tranquila e rica abundância. Conforme o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada um” => Filosofia e educação: “A filosofia se traduz, assim, em educação, e educação só é digna desse nome quando está percorrida de uma larga visão filosófica. Filosofia da educação não é, pois, senão o estudo dos problemas que se referem à formação dos melhores hábitos mentais e morais em relação às dificuldades da vida social contemporânea.” p. 15 “está claro que a filosofia dependerá, como a educação, do tipo de sociedade que se tiver em vista”. => Educação: Aqui ele cita a importância da escola na formação do ser pensante. “De todos os lados as instituições humanas se abalam e se transformam (...) A escola tem que dar ouvidos a todos e a todos servir.” p. 15 “Esses têm que honrar as responsabilidades que as circunstâncias lhes confiam, e só poderão fazer transformando-se a si mesmos e transformando a escola.” ● “A filosofia tem, assim, tanto de literário quanto de científico. Científicas devem ser as suas bases, os seus postulados, as suas premissas; literárias ou artísticas as suas conclusões, a sua projeção, as suas profecias, a sua visão.” Anísio Teixeira, p. 8 “Quando o conhecimento é suscetível de verificação, transforma-se em ciência, e enquanto permanece como visão, como simples hipótese de valor, diremos, é filosofia.” ● “e haveria, também, uma produção filosófica da educação, que, mantida e apoiada pela própria racionalidade científica, estaria presente e atuante nas <<ciências da educação>>. Quanto àquilo que a razão não pode afiançar, essa seria uma elaboração filosófica que, não podendo se converter em ciência, deveria permanecer como intuição, como <<visão>>, como <<hipótese de valor>>.” p. 8, 9. ● A partir da modernidade, a educação rompeu com os dogmas da metafísica e ficou inteiramente ligada pela valorização dos saberes científicos e a ciência como o saber absoluto. ● “A aspiração a um saber totalmente objetivo sobre o enigma humano, sobre o enigma da educação estão na base do dogma científico e toda a mistificação em torno dos <<métodos>> geniais.” p. 9 ● “da insistência - anteriormente metafísica e, na modernidade, científica - na identificação de fontes legítimas para a explicação do sentido humano e social resulta a incapacidade de lidar com o que não pode ser inteiramente determinado” p. 9 ● “Se, sob a influência científica, o fazer educacional de fato se <<emancipou>> das concepções dogmáticas da filosofia (...) foi só para melhor submetê-lo ao domínio da autoridade científica que, pretendeu estabelecer, antecipadamente, as regras pelas quais a educação deveria forçosamente se pautar.” p. 10 ● Aqui, a autora cita o Cornelius Castoriadis, no qual ao final do texto é destacado alguns trechos de suas obras sobre a filosofia e a razão crítica: => “À crise pertencem também a proclamação - em particular por Heidegger, mas não só por ele - do fim da filosofia (...) o fim da filosofia significa nem mais nem menos do que o fim da liberdade (...), pela atrofia do conflito e da crítica, pela incapacidade crescente de questionar o presente e as instituições existentes. - p. 16. Aqui ele cita a filosofia como uma ciência capaz de fazer o ser pensar e questionar, ao invés de aceitar as respostas prontas que lhe dão. “Nessa crítica, a filosofia sempre teve uma parte central, ainda que, na maior parte do tempo, sua ação tenha sido indireta.” p. 16 => “Um filósofo escreve e publica porque crê que tem coisas verdadeirase importantes a dizer, mas, também, porque quer ser discutido.” p. 16 “Pensava que sua crítica pública dos outros filósofos era um fator essencial da manutenção e do alargamento desse espaço como sendo de liberdade.” ● A autora cita a perspectiva democrática definida por Castoriadis e, sob a luz dessa perspectiva democrática “à luz do projeto de autonomia individual e coletiva, a filosofia não é a atividade espontânea pela qual as sociedades criam seus costumes, valores, representações e finalidades, mas a forma sistemática e deliberada de interrogar essa criação” p. 10 - a busca do sentido do livre arbítrio humano com sua organização no coletivo. ● É citado também, Hannah Arendt, a qual Cornelius se aproxima nessa questão de democracia e autonomia. Aqui vai algumas concepções da autora: =>A autora acredita que o ser é a-político, ou seja, não tem a política em sua essência, essa vindo de fora dos homens e se estabelecendo depois como relação. => Ela critica a concepção de Deus sendo um ser único e supremo que, por sua solidão, criou o homem como mais ou menos uma repetição sua na Terra e nessa linha de raciocínio é que se fundamento o estado de natureza de Hobbes (o homem, mau por natureza, pode todas as coisas e pode ir atrás de todos os meios para conseguir o que quer, sendo assim, é necessário um governo autoritário para contê-lo e tirá-lo de seu estado de natureza => “Não se precisa deplora e, em nenhum caso, deve-se tentar modificar o fato de os preconceitos desempenharem um papel tão extraordinário no cotidiano (...) pois nenhum homem pode viver sem preconceitos” p. 18 “porque tal falta de preconceito requereria um estado de alerta sobre-humano. Por isso, a política tem de lidar, sempre e em toda parte com o esclarecimento e com a dispersão de preconceitos (...) o que não significa que aqueles que se esforcem para fazer tal esclarecimentos sejam livres de preconceitos” p. 18 => “os homens, enquanto puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e o incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo” p. 19 ● “Nesse momento, e após muitos séculos, a definição filosófica da educação voltou a buscar, na radicalidade de sua tradição de questionamento, seu caráter eminentemente instituinte.” p. 11 ● “Essa dimensão instituinte do fazer educativo foi proclamada com insistência durante o período da Revolução Francesa, que redescobriu a direta relação entre este fazer e a instituição política da sociedade. Decorre daí uma nova definição filosófica da educação, uma definição política.” p. 11 ● “Aos poucos, porém, a autoridade científica foi retomando o poder: a prática do controle se reinstituiu, pela ambição ampliada de uma definição científica da educação, que promove as <<ciências da educação>>” p. 11 “Muito particularmente a psicologia - no que se refere aos aspectos individuais - e a estatística - no que se refere ao aspecto coletivo - passam a ser irrestritamente valorizadas no campo educativo.” ● “Não se pode dizer que essas definições especializadas da educação tenham liberado o fazer educativo de seus enigmas, apenas ajudaram a ocultá-lo.” p. 11 ● “Por isso, na área da educação, as diferentes disciplinas dificilmente convergiram para uma compreensão organizada e harmônica da realidade humana e social - e não é essa a função da filosofia.” p. 12 ● “Sem o questionamento de seus limites, essas perspectivas continuarão disputando o privilégio de fornecer a definição acabada e total para a educação (...) mas a tentação de fornecer as explicações acabadas para o humano e a sociedade é um traço comum entre a ciência e a filosofia da modernidade” p. 12 - ou seja, aqui é citado como a ciência e a filosofia se encontraram no ponto em que ambas tentaram das respostas prontas, se apresentaram como verdade absoluta e tiraram a liberdade do indivíduo a partir do momento em que o obrigaram a acreditar em suas verdades. ● Aqui, a autora cita Immanuel Kant e, mais uma vez, irei colocar uns pontos sobre sua filosofia: => O homem nasce sem saber de nada, em um estado animalesco, precisando ser educado e apenas essa educação é que irá tirá-lo desse estado, sem ele ter a capacidade imediata de o fazer. => Se não recorrer à disciplina desde cedo, o homem se acostuma com a liberdade e não aceita mais a educação e civilidade ditados pela sociedade e por seu convívio, estando em um estado mais animalesco do que aqueles tiveram essa educação. => “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber esta educação de outros homens, os quais a receberam igualmente de outros. Portanto, a falta de disciplina e de instrução em certos homens os torna mestres muito ruins de seus educandos. (...) Mas, assim como, por um lado, a educação ensina alguma coisa aos homens e, por outro lado, não faz mais do que desenvolver nele certas qualidades, não se pode saber até onde nos levariam as nossas disposições naturais.” p. 17 ● “[a contribuição de Kant para a definição filosófica da educação é inegável, ainda que pouco explorada] Ele julgou poder estabelecer não só os fundamentos universais e absolutos para o entendimento humano, mas também as bases inquestionáveis de um <<conhecimento prático>>, sucumbindo à tentação de estabelecer parâmetros universais que reduziriam a educação a uma simples questão de método” p. 12 ● “Começa com Platão a crença de que se possa encontrar uma teoria única e válida para todas as questões sobre o humano, uma ontologia unitária (...). É essa a <<torção e a distorção>> que sofrem, primeiramente, a filosofia e, em seguida, a ciência moderna: a de acreditar que o conhecimento pode e deve substituir a liberdade humana” p. 13 ● “Dessa forma, alguns críticos pós modernos renunciam à filosofia como práxis e à educação como ação deliberada e racional” p. 13 ● “Mas, feita compromisso racional e deliberado com o projeto de autonomia, a filosofia pode definir a educação como prática de formação coletiva de subjetividades reflexivas e deliberantes de que a democracia carece.” p. 14 ● “Não há método, ou regra para garantir que se vai desistir para sempre de toda ambição de controle da educação; ou para garantir que se vá admitir a liberdade (...), a singularidade do aluno (...) não como um obstáculo, mas como uma condição essencial da construção comum da educação.” p. 14 “Não há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito do fazer educativo. Eis o que é próprio da definição filosófica da educação: à luz do projeto de autonomia humana, individual e coletiva, elucidar o enigma do fazer educativo.”