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Copyright © Réserver Editora, 2022 Copyright © Nicole Fiorina, 2019 Todos os direitos reservados Produção Editorial Réserver Editora Tradução Dressa Costa Revisão Aline Paiva Capa Dri K.K.Design Diagramação Editorial Réserver Todos os direitos reservados. Grafia atualizada segundo Acordo Ortográfico da língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Os personagens e as situações deste original são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos e não emitem opinião sobre eles. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, locais, eventos e incidentes são frutos da imaginação da autora ou usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência. Este livro ou qualquer parte dele não pode ser reproduzida ou utilizada de qualquer forma que seja, sem a permissão expressa por escrito de Nicole Fiorina, exceto para uso de breves citações incluídas em análises críticas e resenhas. Aviso Este livro contém cenas que podem desencadear gatilhos emocionais, bem como cenas de sexo explicito. Seu conteúdo é recomendado para leitores maiores de 18 anos. Sumário Prólogo Capítulo 01 Capítulo 02 Capítulo 03 Capítulo 04 Capítulo 05 Capítulo 06 Capítulo 07 Capítulo 08 Capítulo 09 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 EPÍLOGO Sobre a Autora Para as almas que se sentem perdidas ou incompreendidas, isto é para vocês. Você não está sozinho. “Você estava diante de mim, uma memória, mas eu era um estranho aos seus olhos. Você esqueceu de lembrar ou lembrou de esquecer? ” ─ Oliver Masters Mia EU NUNCA ESQUECEREI o dia em que você se foi. Um pequeno levantar de seu queixo e nossos olhos se encontraram. Vi somente o vazio em um lugar onde uma vulnerabilidade melancólica costumava colidir com a admiração. Agora era um vazio de um poço sem fundo. Nunca tinha visto seus olhos com tom de verde tão fraco. Senti como se caísse no mesmo eclipse sombrio, cada vez mais rápido em uma espiral infinita, sem paredes, apenas escuridão. E então você desviou o olhar. A carne dos meus ossos, o sangue das minhas veias, o oxigênio nos meus pulmões, tudo se desintegrou, quebrando-se em pequenos pedaços, mas ainda preso por um fio – o fio era o meu coração. Bombeando no piloto automático como se não pudesse se associar ao o resto do meu corpo. A batida soava em meus ouvidos, e desejei que parasse, mas meu coração não estava pronto para deixa-lo ir. Continuou com a mesma batida constante, recusando-se a desistir do que estava bem na minha frente. Talvez seus olhos voltem para os meus, pensei... ou melhor, rezei. Esperei. Dois segundos se passaram. Em seguida, três. Esperando enquanto meu corpo enfraqueceu com sua desconexão, e meu coração continuou a bombear. Quatro. E então suas costas estavam voltadas para mim. O que quer que tínhamos não existia mais, mas eu me lembrava de tudo claramente, e não era justo. Eu poderia ter aceitado o olhar vazio em seus olhos em vez de admiração? Com certeza, qualquer coisa que você tivesse para oferecer seria melhor do que nada. Se ao menos você tivesse se virado. Você ao menos tinha me notado? E então você deu um passo na direção oposta. Você se foi, deixando a escuridão e eu não pude trazê-lo de volta, mas meu coração ainda mantinha uma batida constante, bombeando ao longo de um ritmo carmesim. “Fica Comigo”, você disse várias vezes. Quem teria imaginado que você seria o único a dar um passo para o esquecimento? Estou gritando agora, você pode me ouvir? Por que você não ficou comigo? Não consegui te dar um beijo de despedida. Você se foi, e mesmo estando a apenas seis metros de distância, senti sua falta. Era perfeitamente possível que você acordasse e voltasse, ou eu acordaria. De qualquer forma, era um pesadelo. Forcei meus olhos a fechar. Não podia ver você ir embora, cada passo desenhando mais distância e menos uma chance de você voltar. A escuridão era melhor, de qualquer maneira, e se eu mantivesse minhas pálpebras bem fechadas, poderia ver as estrelas. Concentrei-me no horizonte amarelo e laranja atrás das pálpebras, fingindo que era um pôr do sol em meio à amargura. O único calor era a água se acumulando nos cantos dos meus olhos. As lágrimas resistiram por um momento, lutando contra a mesma mentira que pulsava em meu coração. Eu gostaria de poder trocar de lugar com você, porque eu não merecia um mundo uma vez abençoado por sua luz, e você não merecia isso. Mas isso é o que eu merecia. No começo, pensei que seria divertido com você e que poderia deixá-lo sem esforço. Era eu quem partia corações, mas agora era o meu que sangrava. As paredes que me cercavam eram resistentes, indestrutíveis, antes de você. E sem mais paredes, sem mais você, eu estava sufocando lentamente. Quando se tratava de você e eu, nunca pensei que você seria o único a fugir. “ Caindo através da escuridão. Ela não grita, nem clama por socorro, Perdeu a cabeça há muito tempo. Ela prefere cair“ ─ Oliver Masters NUNCA LEVEI minha madrasta a sério quando ela disse que um dia eu seria mandada embora por causa do meu comportamento imprudente depois que ela encontrou um menino no meu armário, e eu nunca me importei. Isso só alimentou minhas ações. Então, um dia, roubei as chaves da sua preciosa BMW Série 3 e dirigi direto pela a porta da garagem. Diane se cansou das minhas ações e culpou o abandono crescente de meu pai da crença de que eu poderia ser curada. Meu pai, o homem simples, passivo-agressivo que era, recebia cada palavra dura que saía de seus lábios perfeitamente maquiados enquanto se sentava à mesa da sala de jantar, com olhar vazio. Eu também não gostava do menino. Tudo o que eu queria era sentir alguma coisa. Qualquer coisa. Com quase dezenove anos, meu incidente com a BMW foi a gota d´água para minha madrasta e o fim da paciência do meu pai, ambos concordaram em acionar a justiça. Como não era a primeira vez, eu seria enviada para uma instituição para doentes mentais, mas meu pai implorou ao juiz que me mandasse para Dolor, um reformatório distante para pessoas como eu. Não me entenda mal, sabia que eu não era normal, mas nunca imaginei que haveria alguém como eu, muito menos uma escola dedicada ao meu... tipo, se é que existia tal coisa. Em que ponto tudo piorou? Presumi que sempre fui assim. Permitir que meninos me usassem nunca tinha sido para benefício deles. Tinha sido para o meu. Queria sentir suas mãos em mim, suas bocas na minha, a ânsia e a luxúria como se isso fosse passar para mim. Isso nunca aconteceu, mas talvez, apenas talvez, acendesse um fogo dentro de mim por tempo suficiente para queimar. Dor, luxúria, raiva, paixão, eu aceitaria qualquer coisa neste momento. Meu coração estava duro. O rigor mortis[1] já havia se estabelecido em minha alma, se é que eu tinha alma. Não tinha mais certeza. Minha mala estava meio vazia na beirada da minha cama enquanto eu estava de pé sobre ela. Mesmo com uma breve lista de itens aceitáveis, eu não tinha nada que desejasse levar. Sem fotos, sem apego a um travesseiro ou cobertor. Sem interesse em qualquer coisa além dos meus fones de ouvido que eu tinha certeza que confiscariam na minha chegada. Abri minha mesa de cabeceira para pegar uma caixa de camisinhas, porque não estava na lista de “itens inaceitáveis”, e a enfiei em um bolso secreto no fundo da mala. Satisfeita, alcancei a parte superior da mala, fechei-a e fechei o zíper sem pensar duas vezes. Eu não estava brava com Diane. Se eu estivesse, isso significaria que eu tinha sentimentos. Honestamente, eu não a culpava. Se eu tivesse uma enteada como eu, chamaria a polícia também. — Mia, você está pronta? — Meu pai gritou do pé da escada. Eu não respondi. — Mia Rose Jett! — Dois minutos. — Coloquei a malalevemente arrumada ao lado da porta do meu quarto e dei uma última olhada nas paredes nuas de uma antiga prisão para entrar em uma nova. Minhas paredes estavam sempre vazias, apenas com minha cama, minha cômoda e minha mesa. Sem personalidade. Uma vez que eu saísse pela porta, seria como se eu nunca tivesse morado aqui. Este espaço poderia rapidamente se tornar um quarto de hóspedes, e aposto que Diane já tinha um quadro no Pinterest dedicado a ele. — Ah, não. Você não pode usar isso. — Do pé da escada, Diane franziu o cenho. Seu cabelo curto e loiro não se mexia enquanto ela balançava a cabeça levemente de um lado para o outro. Ela sempre usava muito spray de cabelo. Parando para pensar, não lembrava se já a tinha visto sem o cabelo solto, alisado e cheio de spray no lugar. Mesmo quando ela fazia seus vídeos de treinos de quinze minutos depois do jantar em seu quarto com a porta aberta, eu nunca tinha visto seu cabelo mexer. — O que há de errado com o que estou vestindo? — Meu queixo caiu quando endireitei minha camisa preta enorme que dizia “fofa, mas psicopata” sobre meu short jeans desgastado, revelando minhas pernas de frango. Alguém poderia pensar que eu estava nua por baixo, a camisa era tão grande, mas eu não estava. Estava vestida. Prometo, pai. — Nada está errado. Venham. Já estamos atrasados para o aeroporto. — Meu pai disse, acenando para mim. Ele sempre evitou o confronto a todo custo, e às vezes eu me perguntava de quem ele tinha mais medo de Diane ou de mim? Nesse ângulo, finalmente notei a careca da qual ele estava reclamando na parte superior de sua cabeça. Não acreditei nele antes, mas agora eu não me importava o suficiente para apontar que ele estava certo. Ele era um homem bonito, mas mesmo com Diane por perto, a solidão havia sugado a vida dele. Bolsas se formaram sob seus olhos castanhos e suas bochechas estavam afundadas. O casamento fazia isso com você. A mala bateu em cada degrau quando eu desci. — Ela poderia ter, no mínimo, escovado o cabelo. — Diane disse baixinho enquanto saia pela porta na frente de meu pai e eu. Apertei meus lábios com a hipocrisia de sua declaração. Pelo menos eu poderia passar uma escova no meu cabelo se eu quisesse. — Não falta muito agora. — disse meu pai enquanto segurava a alça da mala e trazia atrás dele. Apenas onze horas e meia a mais, e eu estaria a mais de três mil quilômetros de distância de ambos, mais ou menos. Ele estava escolhendo uma vida perfeita, e eu não fazia parte da perfeição, e tudo bem. Eu havia feito uma pesquisa. Sabia o que estava esperando por mim no lado oposto da viagem de avião. A Universidade Dolor era um reformatório – prisão – projetado especificamente para almas perturbadas e delinquentes que sofriam de doenças mentais, vícios ou má influência dos pais que levava a uma carreira no crime. Aparentemente, o melhor do mundo, localizado em nada menos que o Reino Unido. Não pude deixar de pensar que o motivo da localização era para que eles não sentissem pressionados a visitar, e eu estava bem com isso. Eles poderiam me enviar para qualquer lugar. Em todo caso, eu não queria estar perto de pessoas que não queriam estar perto de mim. O isolamento era meu paraíso. Mantive minha atenção para fora da janela, enrolando meu cabelo castanho sujo em volta do meu dedo durante todo o caminho até o aeroporto enquanto meu pai falava sobre o currículo. — Com o histórico de Mia Rose, deveríamos ter escolhido um reformatório só para garotas. — Diane zombou. — Mia Rose precisa de diversidade. — Meu pai a lembrou. — Mia Rose está bem aqui e pode falar por si mesma. — Informei a ambos. Diane convenientemente ficou no carro enquanto meu pai me escoltou pelo check-in de bagagem e até o final da fila de segurança. Ele não podia ir mais além, e fiquei surpresa por ele ter chegado tão longe. Eu estava diante dele enquanto seus olhos brilhavam. — Desculpe, Mia. Ele nunca foi bom com as palavras, mas eu também não era. Segundos se passaram, e ele ainda não conseguia me olhar nos olhos. Ele nunca poderia. Mesmo quando eu falava com ele, olhava além de mim, como se eu fosse um fantasma. Olhe para mim, pai. Mas, depois de um único aceno de cabeça, ele se virou e me deixou sem nem mesmo olhar duas vezes enquanto eu agarrava meu passaporte e a passagem de avião na minha mão. “Foi instantâneo, o acordo mútuo entre sua mente, coração, corpo e alma. De repente, eles a deixaram, substituídos por quatro paredes. Embora por dentro ela esteja gritando, a escuridão era inevitável. Foi instantâneo”. ─ Oliver Masters O VOO NÃO FOI tão ruim. Nada de crianças desagradáveis chorando ou tagarelando. No entanto, eu não parecia o tipo que se entretia com uma conversa. As pessoas tendiam a ficar longe de mim. A cara aborrecida era natural, e eu usava meu veneno na manga, não meu coração. Eu não tinha um. Bem, sim, eu tinha um órgão que estava continuamente fluindo sangue pelo meu corpo. Cumpria seu papel, infelizmente. Passei o voo inteiro encostada na janela, olhando para os diferentes tons de azul com meus fones de ouvido sem fio na cabeça, ouvindo playlists que a maioria criticava. À medida que a cor do oceano se turvava no céu, era difícil dizer onde a água parava e onde o céu começava. Surpreendentemente, meu pai providenciou uma limusine para me transportar do aeroporto para a universidade. Não foi nada mais do que uma viagem de culpa, literalmente. O céu estava agora em tons de cinza à beira de uma tempestade. Quando nos aproximamos dos altos portões de ferro na escola, a letra “D” foi gravada na frente e no centro antes de abrirem lentamente dividindo o “D” ao meio. Uma parede alta de tijolos envolvia todo o campus. Não havia como escapar uma vez que os portões se fechassem. Se não fosse o segurança que foi enviado pelos melhores de Dolor, eu teria saltado na primeira oportunidade, mais do que feliz em deixar minha mala para trás. Até meus preservativos. Eu poderia encontrar meu caminho pelo Reino Unido, implorar por comida, dormir em becos. O pensamento de meu pai recebendo aquela ligação me fez sorrir para mim mesma. Eu adoraria ser uma mosca na parede para ver essa conversa. O grande homem alemão zombou de mim quando a ideia passou pela minha cabeça, ou pelo menos eu assumi que ele era alemão pela sua aparência. Ele era alto com a cabeça raspada, musculoso, mandíbula quadrada e olhos claros. Ele não falava, mas parecia o tipo de homem que cantava durante um jogo de rugby. Ele sabia o que eu estava planejando? Inevitavelmente, alguém tinha que ter tentado a grande fuga antes. Eu só podia imaginar pelo menos uma dúzia de tentativas de fuga, cada uma terminando pior que a outra. Caí de volta no couro preto, desviei os olhos do alemão silencioso e olhei pela janela escura em direção ao castelo diante de mim. O gramado estava perfeitamente cuidado com as listras do cortador de grama ainda visíveis. As trepadeiras serpenteavam verticalmente pelas laterais das paredes de pedra do castelo. Uma torre alta se projetava do lado esquerdo e, à direita, havia um prédio separado, totalmente separado e feito de concreto. Janelas vitorianas cobriam a maior parte da frente do castelo com a adição de barras pretas através delas. Sem saída. A limusine parou e um comitê de boas-vindas de um homem só me cumprimentou assim que o motorista abriu a porta. — Obrigado, Stanley. — disse o cavalheiro mais velho, cumprimentando o Alemão Silencioso enquanto eu saía do veículo. — Olá, Srta. Jett, bem-vinda a Dolor. Eu sou Dean Lynch. Agora, siga- me. — Lynch não se incomodou em estender a mão para um aperto de mão formal, o que me encheu de alívio. Eu o segui com minha bagagem na mão e meus fones de ouvido em volta do meu pescoço. Atravessamos as altas portas duplas de madeira e um posto de segurança esperava convenientemente por mim. Stanley pegou minha mala e a colocou em um cinto giratório antes de entrar no scanner pela segunda vez nas últimas vinte e quatro horas. — Braços para cima. — Stanley insistiu com um aceno de um bastão. Elefala. Eu levantei meus braços para os lados quando meu rosto encontrou o teto. — Isso tudo é realmente necessário? Stanley passou o detector por cada lado da minha cintura e, assim que ele encontrou meu quadril, o bipe disparou. — Entregue. — disse Lynch com a palma da mão no ar. — Telefones celulares não são permitidos. — Você só pode estar brincando comigo. Eu não posso nem ouvir minha música? — Foda-se falar com as pessoas. Eu não me importava se nunca mais falasse com meu pai ou Diane. — Vou precisar de seus fones de ouvido e quaisquer outros objetos de valor também. Tirei os fones de ouvido do meu pescoço e os deixei cair em sua palma. — Você gostaria de sangue e um exame de Papanicolau enquanto está aqui? — Zombei. Lynch relaxou os ombros. — Isso virá depois do nosso breve encontro. Minhas sobrancelhas se juntaram. Eu estava brincando, mas ele estava falando sério. Depois que Dean Lynch coletou os únicos itens para me manter sã, passei pelo posto de segurança sem nenhum bip. Lynch me conduziu pelo corredor com piso de mármore branco e cinza brilhante. Olhei ao redor enquanto o seguia. Tábuas de madeira de cor natural estavam espalhadas pelas paredes. — Estamos duas semanas do novo ano letivo, então você já está atrasada. Acredito que este é seu primeiro ano em uma universidade? — Lynch perguntou enquanto se arrastava rapidamente à minha frente. Ele era magro, frágil, e eu esperava que se ele se virasse de lado, ele desapareceria no ar. — Sim, está certo. Lynch parou no meio do caminho, e eu quase colidi com ele. Ele se virou e, em vez de desaparecer como eu esperava, ele olhou para mim, seus dentes amarelos e tortos. — Nós temos nossas próprias regras aqui na Dolor. — Seu rosto estava pálido e seus olhos eram azuis cristalinos e fundos, cicatrizes de acne cobrindo sua expressão. — Sim, senhor. — sussurrei com um sorriso. Seus olhos sem vida encararam os meus, mas eu mantive. Eu vivi com os mesmos olhos insensíveis por mais de nove anos. Nenhuma pressão me faria ceder. Lynch olhou para frente novamente e continuou andando pelo corredor vazio no mesmo ritmo rápido de antes, mas desta vez mantive uma boa distância entre nós. Grandes retratos alinhados sobre a madeira com ripas enfileiradas. Cada foto estava emoldurada em latão manchado contendo os mesmos olhos sem vida de Lynch. Parecia que quem entrasse pelas portas teria a vida sugada. Viramos uma esquina e entramos em um escritório. Lynch gesticulou para que eu me sentasse. Estantes de cerejeira cobriam toda a parede atrás de sua mesa de mesmo material, e uma grande janela com uma cortina grossa de veludo vermelho ocupava a maior parte da parede adjacente. Sua mesa não era bagunçada, havia apenas uma única pasta com meu nome impresso na guia. Ele se sentou e abriu o arquivo. — Seu primeiro ano estará trabalhando em direção ao seu diploma de graduação, que é transferível nos Estados. Se você passar os dois anos aqui na Dolor com os requisitos apropriados de classificação, aconselhamento e terapia em grupo, junto com bom comportamento, você será liberada com um registro limpo. — Lynch puxou um papel de cima e me entregou. — Aqui está sua agenda. Você se encontrará com a Dra. Conway duas vezes por semana e começará a terapia de grupo na segunda semana depois de se acostumar com nossos costumes. Aqui está o manual de Dolor. Sugiro que você se familiarize com nosso código de conduta e vestimenta. — O grosso manual foi entregue a mim. — Você tem alguma pergunta, Srta. Jett? Balancei minha cabeça, apesar do fato de que eu parei de prestar atenção na metade da conversa. — Muito bem, então. Stanley irá acompanhá-la até a enfermaria antes de levá-la ao seu dormitório. — Lynch fechou a pasta e a arquivou em uma gaveta da mesa enquanto eu estava sentada entorpecida. — Srta. Jett, se você perder uma sessão, será enviada para o confinamento solitário. Se você causar algum problema, será enviada para o confinamento solitário. Se você... Um suspiro exagerado me escapou. — Eu entendo. Confinamento solitário. — Esta é sua única chance. Se você não puder jogar bem, será forçada a sair e será admitida em uma instituição para doentes mentais que seu juiz determinar. Você quer isso? Eu o encarei, permitindo que as palavras afundassem quando ele me pressionou com um olhar. — Não senhor. Lynch assentiu. — Stanley, ela é toda sua. Segui Stanley até a enfermaria, os únicos sons nos corredores vazios eram os saltos das minhas botas de combate contra o mármore e um tintilar de chaves presas ao cinto de Stanley. Eu fiquei em dúvida sobre tentar ou não deixar Stanley do meu lado com uma conversa casual e charme, mas no momento que abri a boca, chegamos. A grande sala estéril era ofuscante. Todas as paredes eram de um branco nítido sob as luzes fluorescentes. Três camas de hospital com a mesma roupa de cama branca e limpa estavam enfileiradas, cada uma com a opção de ser cercada por uma fina cortina branca. Máquinas brancas cheia de botões estavam encostadas nas paredes, junto com várias cestas de arame cheias de luvas azuis de tamanhos diferentes. O cheiro de desinfetante para as mãos deixou meu nariz insensível. — Você precisa usar o lavabo antes de começarmos? — Uma mulher de pele escura perguntou, vindo de outra porta ao lado. Stanley já havia saído e fechado a porta atrás dele, mas eu tinha certeza de que ele não iria muito longe, possivelmente do lado de fora da porta esperando por mim como um bom cão de guarda. — O lavabo? — perguntei, virando-me para encará-la. — Ah, isso mesmo, Vocês chamam assim aqui... não, eu estou bem. — Vamos direto ao assunto então. Abaixe suas calças e calcinha e deite- se na mesa. Vou esperar atrás da cortina até que você esteja pronta. Com o exame de Papanicolau, impressões digitais e exames de sangue concluídos, fui violada de todas as maneiras possíveis. A enfermeira explicou que era rotina checar doenças sexualmente transmissíveis, anormalidades físicas e deficiências enquanto repassávamos meu histórico médico. Conversamos sobre meu anticoncepcional, que eu não teria mais controle. Ela iria regular a partir de hoje. Assim como eu esperava, Stanley me cumprimentou do lado de fora. Subimos um lance de escadas curvas de mármore com corrimão de ferro preto e seguimos em um corredor forrado com a mesma madeira e ripas antes de virarmos uma esquina. — As salas de aula estão localizadas no terceiro nível. Os dormitórios no segundo. Há um mapa em seu dormitório. — Viramos novamente a esquerda. — Aqui tem o banheiro comunitário e o refeitório fica logo à frente, a direita. — disse ele, explicando com gestos de mão. — Você ficará na quarta ala, compartilhando este banheiro com a terceira ala. — Banheiro comunitário? Ambos os sexos compartilhando as mesmas instalações? — Somos neutros em termos de gêneros e não discriminamos. Você vai se acostumar com isso. Ele fez uma pausa para verificar se entendi antes de se virar. Portas de aço pesadas se alinhavam no corredor de cada lado. O chão era do mesmo mármore cinza ondulado, mas as paredes eram agora de cimento azul- nuvem. Nós nos aproximamos de uma porta à direita quando Stanley parou. — Sem aulas para você hoje. Familiarize-se com o manual. O jantar é às cinco e meia no refeitório e o toque de recolher é às oito e meia. As portas serão trancadas automaticamente às oito e quarenta e cinco em ponto. Se você precisar usar o banheiro durante a noite há uma campainha no seu quarto. O guarda do turno da noite irá escoltá-la. Stanley pegou o molho de chaves do cinto e abriu a porta. Depois examinar o dormitório minuciosamente, ele me deixou entrar. — Vai ficar melhor. — Acrescentou, lendo minha linguagem corporal com precisão. E a porta bateu atrás dele enquanto eu estava na minha nova prisão. As paredes do quarto eram cinza-azuladas e cimentadas como o corredor que eu tinha acabado de percorrer. Eu não estava esperando isso, embora eu realmente não soubesse o que esperar. Confesso que um quarto branco com paredes acolchoadas passou pela minha cabeçana viagem de avião até aqui. Uma cama de solteiro sem cabeceira e estava encostada na parede esquerda com um único lençol cinza e travesseiro sobre o colchão fino, e uma mesa vazia encostada na parede paralela com uma única cadeira de metal preta. Aproximei-me da pequena janela do outro lado da sala para ver uma vista dos fundos da escola atrás das grades. Nada além de bosques esparsos e o muro de tijolos ao longe. Minha mala esperava por mim ao lado da porta, mas eu não me importei em desfazê-la. De qualquer forma, não havia uma cômoda, apenas um baú com rodinhas embaixo da cama. Sentei-me na cama e passei os dedos pelo lençol fino. Quantos dormiram neste quarto antes de mim? Um relógio pendurado acima da única porta da sala que marcava 15:16h. Deitei, cruzei as mãos atrás da cabeça e olhei para o teto enquanto pensava no que me colocou neste buraco do inferno para começar. Eu. Eu fiz isso. Causei mais brigas na escola e fui parar mais vezes na sala do diretor do que participei das aulas. O dia que ateei fogo no carro do diretor Tomson foi o dia em que fui expulsa e presa. Depois de horas de serviço comunitário e terapia, me formei com notas perfeitas em um programa de educação em casa. Eu martelei meu próprio prego no caixão quando dirigi a BMW de Diane pela garagem intencionalmente. Meu pai negociou com o juiz para que eu pudesse fazer uma faculdade em vez de ser forçada a ir para uma instituição para doentes mentais. Peguei o manual ao meu lado e o segurei acima da minha cabeça antes de abri-lo na primeira página houve uma batida na porta. Ignorando, virei para a segunda página. Outra batida impaciente. Meus pés encontraram o chão, e eu amaldiçoei no caminho em direção a porta. Do outro lado estavam dois indivíduos: uma garota de cabelo preto encaracolado de comprimento médio e um garoto louro e magro, alguns centímetros mais alto que a garota, com olhos azuis brilhantes e lábios finos. — Viu, Jake... eu disse que alguém estava aqui. — A garota disse ao garoto, dando um tapa em seu braço. Ela usava uma gargantilha preta em volta do pescoço e uma verruga pequena e admirável ao lado de sua boca. — Não estou interessada. — Eu disse e comecei a fechar a porta. O menino enfiou o pé na porta. — Não tão rápido. Abri a porta novamente e descansei contra ela com a mão sobre o quadril, esperando o propósito desta intrusão. — Eu sou Jake. Esta é Alicia. — E deixe-me advinhar, você é gay pra caralho, e Alicia aqui se alimenta dessa merda, ambos procurando outro membro para sua festa de piedade mostrando a nova garota ao redor? Alicia e Jake trocaram olhares antes de uma risada explodir entre eles. Meus olhos rolaram. — Bem? — Nós não vemos muitos americanos entrando por essas portas, mas você está certa, — Jake deu uma risadinha entre as respirações. — nós poderíamos usar alguém como você em nossa “festa de piedade”. — Vão chupar um pau. — Acenei para os dois. Meu comentário não os incomodou. Jake se inclinou com as mãos nos joelhos, e sua risada ficou alta e desagradável. Alicia deu um tapinha nas costas de seu amigo e respondeu meu comentário. — Eu entendo, você é fodona e odeia todo mundo. — Alicia disse, e eu estava sentindo sarcasmo em seu tom. — Mas, se você está procurando diversão esta noite, nos encontre no jantar. Alicia e Jake se viraram e começaram a zombar do meu sotaque no corredor. “Vá chupar um pau”, disse um deles, empurrando o outro no ombro. Suas risadas continuaram a ecoar pela ala antes de eu bater a porta com mais força do que deveria. Deitada na cama mais uma vez, puxei meu boné sobre meu rosto em uma tentativa de acabar com seus irritantes sotaques britânicos enquanto eles quicavam em meu cérebro. Quando meus olhos se abriram novamente, o relógio marcava cinco horas e cinquenta minutos. Merda. Eu tinha adormecido e agora estava vinte minutos atrasada. Sem tempo para me trocar, corri para fora da porta e perambulei pelo corredor vazio, tentando me lembrar das instruções de Stanley para o refeitório. Eu deveria ter ouvido. Então, lá estava, os sons distantes de conversas ficando cada vez mais altos a cada passo que eu dava. Um mar de camisas brancas e calças pretas lotava o refeitório. Mantive meus olhos à minha frente enquanto caminhava pelo meio entre as mesas em direção a fila inexistente de comida no fundo. A conversa se acalmou quando um silêncio substituiu a loucura. Sussurros e perguntas sobre minha presença dançavam no ar enquanto eu passava por cada mesa, mas não me preocupei em olhar para eles. Uma senhora mais velha com uma rede no cabelo e uma camisa salpicada de molho se aproximou da porta do bufê ao mesmo tempo que eu. — Desculpe, a cozinha está fechada. Talvez da próxima vez você esteja mais consciente do tempo. — Abri a boca para falar, mas ela me interrompeu. — Ah, e... se eu fosse você voltaria para o dormitório para me trocar. E ela fechou a porta na minha cara. — Você está brincando comigo? — gritei, esperando que ela pudesse me ouvir do outro lado da porta. O grande refeitório ficou em silêncio, e quando me virei, uma centena de olhos estavam em mim. — O quê? — Repreendi com as palmas da mão no ar. Silêncio. Meus olhos se arregalaram esperando uma reação, mas ninguém parecia ter uma. Todos voltaram para suas conversas habituais, e encontrei uma mesa vazia ao lado das janelas de vidro com vista para a frente do campus; Além do dia cinzento se transformando em noite, não havia muito o que olhar. Um homem de macacão de golfe recolhendo o lixo sobre o gramado. Do outro lado estava meu novo corpo estudantil. Havia mesas redondas colocadas aleatoriamente em todo o refeitório, e os alunos se agrupavam em cada mesa enquanto sorrisos, risadinhas e algumas zombarias cruzavam seus rostos. Era o ensino médio de novo. Notei Alicia e Jake olhando para mim do outro lado da sala enquanto falavam um no ouvido do outro. Havia quatro deles em sua mesa, e eles não se incomodaram em esconder o tópico de sua discussão. Um cara estava sentado em cima da mesa com suas longas pernas apoiadas sobre o assento de uma cadeira enquanto uma garota magra como um palito de dente, pele pálida e cabelo preto com corte pixie[2] deitou a cabeça sobre a mesa ao lado dele. Eu poderia dizer que ele era alto pela forma como seus joelhos estavam dobrados enquanto seus cotovelos descansavam sobre eles. Uma camisa branca pendia solta em volta do pescoço, tatuagens pretas pintadas em cada um de seus braços, e eu mal podia ver a pesada subida e descida de seu peito enquanto ele respirava fundo. Mas eu notei. Minha atenção foi para seu rosto e nossos olhos se encontraram. Um gorro cinza cobria sua cabeça, mas fios escuros saíam por baixo. Suas sobrancelhas se juntaram e então ele – mal – acenou em minha direção. Quando não retribuí seu avanço, ele ergueu a cabeça com as mãos e levou os dedos à boca. Anéis decoravam cada dedo e uma covinha apareceu ao lado de seu sorriso oculto. Rompendo nossa conexão, uma pequena caixa de leite voou pelo refeitório entre nós e meus olhos a seguiram na direção de um garoto que estava sentado à mesa na minha frente, acertando-lhe bem na cabeça. O liquido branco voou em todas as direções, encharcando o garoto. O refeitório explodiu em um rugido quando ele, que acabou de ser atingindo, pulou de seu assento e se jogou contra a grande janela. Um grito saiu de seus pulmões e eu empurrei minha cadeira para trás e fiquei de pé. O Garoto Tatuado pulou da mesa e correu até o garoto. — O que há de errado com você, Liam? Quer morrer? — Sua voz era alta, mas controlada enquanto falava com o grupo de hienas rindo com os braços no ar. O Garoto Tatuado se agachou diante do garoto gritando. — Respire, Zeke. — Ele insistiu, agarrando os braços do garoto. O jovem olhou para ele. Seu rosto estava mudando de um vermelho intenso para roxo em questão de segundos. — Respirações profundas. — O Garoto Tatuado mostrou a ele inspirando profundamente. Ele contou até três com os dedos no ar antes de expirar, e o menino o observou espantado, assim como eu. Osgritos do menino se dissolveram e ele conseguiu respirar novamente. O Garoto Tatuado olhou para mim, e eu rapidamente me virei. — Vamos sair daqui, sim? — Ele o ajudou a se levantar do chão, e Zeke se agarrou ao seu lado enquanto eles saíam do refeitório. — América, você pensou em nossa oferta? — Jake perguntou quando seu pelotão cercou minha mesa. Eu exalei e voltei ao meu lugar enquanto o Garoto Tatuado e Zeke saiam de vista e então respondi: — Eu te disse. Não estou interessada. — Caso você mude de ideia, começa à meia-noite. — disse Alicia. Essas crianças não conseguiam entender, mesmo que lhes desse um soco na cara. A garota de cabelo pixie deu um tapa na cabeça de Alicia. — Você não pode dar esses detalhes a ninguém, Alicia. Você tem que perguntar ao grupo primeiro. Você já falou com Ollie? — Ela é legal. Confie em mim. — Alicia continuou. — Se você olhar pela sua janela, é o quarto bloco à sua esquerda. — E como você acha que eu chego lá? — Não tinha interesse em ir, mas se havia uma maneira de sair do meu dormitório sem usar a porta, eu tinha que saber. Discretamente Alicia apontou para a abertura no teto antes de os três se virarem e irem embora. “ Expor verdades e despir suas mentiras de uma só vez, E assim, pânico e paz me consomem. ” ─ Oliver Masters A NOITE TODA eu me revirei no colchão fino e incrivelmente duro. Com a mudança de fuso horário e tendo dormido muito nas últimas vinte e quatro horas entre a viagem de avião e meu cochilo à tarde, tentar dormir era inútil. Eu consegui contar cada rachadura no cimento, cada ferrolho na porta de aço, e se eu me concentrasse, poderia ver constelações nos redemoinhos do chão de mármore enquanto a lua brilhava sobre ele. Um clique alto, precisamente às seis da manhã, soou quando as portas foram destrancadas automaticamente. Sou a primeira no banheiro comunitário com uma escova de dentes, minha nova camisa Dolor e jeans skinny preto nas mãos. Não tive permissão para trazer shampoo, condicionador ou desodorante. Nem mesmo uma navalha. Meu pai disse que tudo seria fornecido para mim. As paredes de cimento do banheiro eram pintadas de branco, e uma fileira de seis pias estava à minha direita. Espelhos altos cobriam a parede uniformemente, um acima de cada pia. Em frente às pias estavam os chuveiros. Os ladrilhos de metrô se estendiam pela parede dos fundos, e cada box era separado por tábuas de madeira de cedro com uma cortina branca. Toalhas limpas estavam empilhadas nas prateleiras estreitas em ambos os lados da fileira de pias, e produtos de toalete básicos estavam enfiados em cestas entre as pias, a mesma marca para homens e mulheres. Felizmente, o cheiro de coco não me fez vomitar. Escolhi o chuveiro mais distante no final e liguei para esperar que esquentasse. Mesmo estando totalmente vestida, ainda me sentia nua e exposta sem maquiagem no espelho. Impressionar as pessoas nunca foi um objetivo meu, e mesmo que nunca precisasse disso, ainda usava maquiagem porque sabia que incomodava Diane. Eu usava o delineador mais pesado, o tom de lábios mais ousado e preto nas unhas pelo simples fato de que a deixava louca. Olhando para o meu reflexo, era apenas eu, parecendo cinco anos mais jovem com as sardas levemente salpicadas sob meus olhos e na ponta do meu nariz. Porém, meus olhos não mentem. Uma olhar e você podia ver os segredos, a dor e a miséria por trás do marrom opaco. Minhas sobrancelhas grossas normalmente distraiam os outros da história que meus olhos continham. Ninguém nunca parou para olhar bem ou perto o suficiente. Veja o exemplo do meu pai. Uma presença entrou no banheiro, mudando o foco da minha atenção. O Garoto Tatuado se arrastava em minha direção com as roupas por cima do ombro, enxugando o canto dos olhos. Calças cinzas pendurados em seus quadris, e uma camiseta preta simples cobria o resto dele enquanto seu cabelo castanho selvagem estava de lado. Depois que ele tirou a mão do rosto e me notou, ele parou de andar. Seu rosto não tinha expressão enquanto ele me encarava a cerca de um metro e meio de distância. Então, um sorriso sonolento me cumprimentou antes de sua voz. — Oi. Devolvi o sorriso, mas apenas porque o dele era contagiante, nada mais. — Oi. Mas ele ainda não se moveu. Assim que me dei conta de quanto tempo estávamos ali parados, encarei o espelho novamente e abri a troneira para escovar os dentes. Ele se aproximou antes de aparecer no reflexo do espelho atrás de mim e se inclinou para pegar uma toalha da prateleira, tomando cuidado para manter distância, mas também demorando mais do que deveria. Ele ligou a água da cabine ao lado da minha e pendurou suas roupas e toalha. Quando ele se virou, se aproximou da pia ao lado da minha. Nossos olhos se encontraram no reflexo do espelho. — Mia, certo? Foi nesse momento que notei seus olhos verdes. Eles eram lindos. Únicos. Uma cor tão perceptivel, mas ao mesmo tempo indescritível. Era a cor do reflexo das palmeiras ao longo da costa quando o sol estava no ponto mais alto do dia. A cor era meio-dia. Não era o tom azul profundo do oceano além do reflexo da linha das árvores, ou o branco quando a espuma se acumulava na areia, mas o ponto ideal no meio. Era o momento perfeito quando as três das criações de Deus colidiram: o sol, as árvores e a água. Era de tirar o fôlego, mesmo no maldito espelho. — Sim, está certo. Ele virou seu corpo para me encarar e se inclinou na pia enquanto estendia a mão, seus olhos ainda mais bonitos quando encaravam os meus sem barreiras. — Eu sou Ollie. Seus lindos olhos e a formalidade me pegaram desprevenida. Depois de lançar meus olhos entre seu rosto e sua mão, aceitei seu gesto. Eu não dava um aperto de mãos há muito tempo. Será que eu estava fazendo certo? Ollie sorriu. Ele colocou a escova de dentes e uma navalha sobre a pia, e seu rosto se contorceu enquanto tentava arrumar seu cabelo grosso e rebelde passando os dedos. Seu cabelo não era longo o suficiente para cobrir suas orelhas, mas longo o suficiente para cair sobre seus olhos se ele não o penteasse para trás. — Ótima primeira impressão, hein? — Ele seguiu com uma risada preguiçosa, mas minha atenção estava na navalha, e eu a olhei como se fosse um milhão de dólares. — Como posso conseguir uma dessas? Ollie olhou para o o balcão e para mim, uma pequena ruga se formou entre as sobrancelhas. — Você não tem uma navalha? — Eu balacei minha cabeça, e ele deslizou a navalha na minha direção como se estivéssemos traficando drogas. — Pode ficar com essa. É nova. Eu não usei. — Obrigada. Nós compartilhamos um sorriso, e ele abaixou a cabeça em reconhecimento antes de se virar e desaparecer atrás da cortina. A água não demorou muito para esquentar enquanto eu me despia atrás da cortina antes de entrar no chuveiro. Estava quente, mas quente o suficiente para suportar. Eu apertei o shampoo na palma da minha mão e massgeei meu couro cabeludo, tomando meu tempo e esperando Ollie terminar antes que minha água ficasse fria. Eu não era boa em conversa fiada. Era estranho e inútil, e eu evitava a todo custo. A água dele parou, e o som da cortina contra a haste veio logo em seguida. — Eu sugiro se apressar se você quiser evitar a hora do rush. — Ele gritou sobre o som da minha água corrente. Sua voz veio profunda. Ele falou devagar, como se cada palavra que escolheu fosse cuidadosamente pensada. Eu espiei pela pequena fenda na cortina assim que sua camisa caiu sobre sua barriga tatuada no reflexo do espelho. — Só te dando um aviso. Sem uma resposta minha, ele saiu. Nem mesmo cinco minutos depois, as pessoas chegaram enquanto chuveiros e torneiras se abriram ao meu redor, e alguns comentários foram lançados no ar. Hoje era meu primeiro dia de aula e minha primeira sessão de aconselhamento. Eu também não estava ansiosa. Minha agenda consistia em quatro cursos rotativos. As segundas e quartas eram as mesmas, com uma sessão individual a seguir, e as terças e quintas eram as mesmas seguido com uma sessão de terapia em grupo. As sextas-feiras eram dias livrespara atividades extracurriculares, das quais eu não planejava participar. Cheguei aqui em uma quarta-feira, fazendo de hoje meu primeiro e último dia da semana para aulas antes de um fim de semana de três dias. Mesmo que hoje fosse para ser uma sessão em grupo, Dean Lynch deixou uma nota adesiva sobre minha agenda para me lembrar que eu continuaria as sessões individuais com Dra.Conway até minha segunda semana aqui. Como eu não tinha permissão para usar um secador de cabelo, deixei meu cabelo solto e secando ao vento, e usei minhas botas de combate sobre meu jeans skinny preto. Eu não estava desprezando o código de vestimenta. Poderia ter sido pior. A camisa de gola Dolor não era muito folgada, mas também não era muito justa, ficava bem sobre meus peitos de tamanho médio. Deixei os botões abertos. No momento em que entrei no refeitório, o cheiro de xarope e bancon fez meu estômago roncar. Resolvi sentar na mesma mesa do dia anterior, declarando-a oficialmente como minha. A atmosfera durante o café da manhã era muito diferente do jantar da noite passada. O sol da manhã espreitava através das nuvens cinzentas enquanto seus raios criavam holofotes através da janela e na grande sala. Meus novos colegas ficaram quietos, arrastando os pés na fila do café da manhã em direção às mesas. Os alunos chegavam lentamente, o pavor do novo dia estampado em seus rostos. Alicia, Jake e seu grupo de amigos foram para a mesma mesa em que se sentaram ontem. Jake acenou para mim do outro lado da sala, mas eu recusei dar um aceno de cabeça. Eu não precisava de amigos, especialmente do tipo tenaz. Os humanos me irritavam, e Jake só iria prolongar meus dias aqui. Minha única missão era manter minha cabeça baixa e passar os próssimos dois anos sem complicações. Fazer Jake acreditar que éramos amigos seria uma complicação. Eventualmente, os sentimentos mesquinhos de alguém seriam feridos por causa da minha língua venenosa e ações imprudentes. Ollie entrou alguns minutos depois com seu cabelo castanho jogado em uma onda torta e vestindo uma camiseta branca simples em torno de seu corpo alto e magro. Tatuagens espreitavam por baixo de sua camisa, e seu sorriso contagiante iluminou a sala quando ele entrou. O fato dele não usar a camisa da Dolor me deixou intrigada. Ele parecia o tipo de cara que se safava de merdas assim. Ollie entrou ao lado de outro cara alguns centímetros mais baixo com cabelo preto como meia-noite, mas longo no topo e curto nas laterais. Ele tinha feições mais escuras e pêlos faciais aparados. Como não planejava me aproximar o suficiente do grupo para saber seus nomes, decidi chamá-lo de Midnight.[3] Ambos olharam na minha direção e Ollie falou em seu ouvido. A garota de cabelo pixie comprimentou Ollie com um beijo na bochecha, e ele rapidamente olhou para mim e depois para ela, e sua postura mudou. Poderia ser sua namorada, mas a maneira como ele reagiu disse o contrário. Minha atenção voltou para a minha comida. Dei uma mordida nas panquecas sem graça e olhei para o garoto que estava gritando, Zeke, comendo sozinho. As pessoas aqui, em sua maioria, ficavam com seu grupo ou sozinhas. Os solitários se espalharam por todo o refeitório, mas tinha grupos de sexualmente confusos, os punks, bandidos, atletas, garotas malvadas e deficientes, todos provavelmente evitando a prisão ou, como eu, uma instituição mental. E então, tinha o grupo em que Jake e Alicia estavam. Eles eram uma mistura e tanto. Ollie e Midnight se sentaram em sua mesa antes que os olhos de Ollie me encontrassem do outro lado da sala. Ele estava interessado. Os humanos são programados para olhar para aqueles em que estão interessados. Uma vez li um estudo sobre os diferentes níveis de contato visual. Existem nove níveis, a propósito. Ollie estava no nível três agora, que é o “meio olhar”. No entanto, se ele desviasseo olhar e voltasse para mim uma segunda vez, ele estaria atualizado para o nível quatro “o olhar duplo”. Ele desviou o olhar, e eu segurei mais alguns segundos. Ele olhou novamente e BUM nível quatro, senhoras e senhores. Seu olhar fixo em mim, de alguma forma estava prendendo toda minha atenção agora. Nível cinco. Aqueles olhos verdes ferozes segurava um grau de gravidade, pesando-me e levantando-me ao mesmo tempo. Ele sorriu – nível seis – e eu balancei a minha cabeça com sua arrogância. Estou sorrindo? Oh, Jesus, estou sorrindo. Ollie levantou uma sobrancelha enquanto seu sorriso combinava com o meu. Sua covinha se aprofundou, e eu consegui me afastar de seu aperto para permitir que meu sorriso diminuisse. Eu precisava transar, tipo ontem. O primeiro horário passou rápido. Eu já tinha feito álgebra durante meu último ano do ensino médio, então agora fui colocada em trigonometria. A matemática é em preto e branco, certa ou errada. A resposta era clara. Em seguida, foi introdução à literatura. Entrei na classe e imediatamente vi Jake com os olhos arregalados, batendo com a mão na mesa vazia ao lado dele. — Graças a Deus, — sussurrou enquanto eu me sentava na cadeira que ele reservou para mim, já que ele não tinha me deixado muita opção. — Você tornou esta aula muito mais interessante. — Tão ruim assim, hein? Jake assentiu enquanto continuava a me contar sobre o professor monótono e o número de trabalhos que teríamos que escrever neste semestre. Odiava inglês, literatura e tudo o mais que o acompanha, incapaz de entender por que as pessoas ficam intrigadas com algo inteiramente inventado. Como diabos isso era essencial para a sobrevivência no mundo real? Cada história tem um significado diferente para pessoas diferentes, interpretações diferentes, então nunca haveria uma resposta precisa. Depois da aula, Jake rapidamente juntou seus livros para acompanhar meu ritmo. Eu estava quase fora da porta, quase. — Se importa se caminharmos juntos para o refeitório? — perguntou, recuperando o fôlego. — Só se você me deixar te ler. — Deixar você me ler? — Ele ofegou. — Sim, é um jogo que gosto de jogar. O rosto de Jake se contorceu com um sorriso divertido e curioso. — Tudo bem, claro... sim, leia-me. Embora já o tivesse desvendado, tirei um tempo para estudá-lo de cima a baixo para obter um efeito dramático. Jake endireitou sua postura e conseguiu crescer mais um centímetro. Eu tenho apenas 1,61 de altura, e ele não pode ser mais do que dez centímetros mais alto que eu. — Tudo bem, Jacob... atende pelo nome de Jake porque faz você parecer... menos masculino. — Ele revirou seus olhos azuis antes de mudar seus livros para a outra mão. Jake está em contato com seu lado feminino; você podia ver isso em seu passo. — Você é o filho do meio cercado por irmãs. Jake abriu os lábios finos para falar, mas levantei um dedo para silenciá- lo. E rapidamente acrescenti: — Mas você tem um irmão mais velho que é o melhor atleta da família e com quem todos são comparados. Isso o colocaria como o segundo mais novo. — Jake ergueu as sobrancelhas e soube por sua expressão que estava no caminho certo. — Você vem de uma família religiosa e mesmo sendo um garoto exemplar, sempre seguiu as regras, sempre fez a coisa certa, seus pais ainda te mandaram aqui para tentar tirar o gay de você. Jake balança a cabeça em descrença. — Puta que pariu, você é boa. Eu limpei meu ombro. — É um talento. No entanto, o que eu não entendo, é por que você concordou em vir. Você é um adulto. Seus pais não podem te forçar. — Você está certa, eles não podem me forçar, mas com certeza podem me subornar. Durante o resto de nossa curta caminhada até o refeitório, descobri que Jake tinha um namorado em casa, com quem ele foi pego na cama por seu pai. Ele nem conseguiu se despedir antes de ser trazido para cá. No início, a escola recusou Jake, mas como seu pai era pastor de uma igreja, eles se ofereceram para ajudar os alunos com serviço comunitário após sua libertação, em uma negociação para receber Jake. Jake tentou me convencer a sentar com ele durante o almoço, mas decidi ficar na minha mesa. Depois que terminei de comer, peguei meu horáriode aula para ver que psicologia era a próxima, minha favorita. Cruzei meus braços sobre a mesa e coloquei minha cabeça para baixo até o sinal do almoço tocar. Meus olhos vagaram em direção à mesa de Jake. A garota de cabelo pixie estava com a cabeça apoiada no ombro de Ollie enquanto ele falava com Midnight. Alicia e Jake estavam rindo e apontando para uma garota do outro lado da sala que tinha problemas para levar a comida à boca. Ollie percebeu a diversão de Jake e Alicia, vira-se para trás para ver do que eles estavam rindo, então deu um soco na mesa. Como eu não conseguia ouvir uma palavra do que eles diziam, finji que todos faziam parte de uma novela enquanto fazia comentários na minha cabeça. A garota de cabelo pixie tirou a cabeça do ombro de Ollie antes de se enrolar em uma bola ao lado dele, e o olhar de Ollie desviou em minha direção. Eu rapidamente virei minha cabeça sobre minhas mãos na direção oposta para olhar pela janela. A vista não era melhor, mas não gostei do que seu olhar fez comigo. Isso me puxou e de repente eu estava perdendo o controle. Nunca perdi o controle. Controle era tudo que eu tinha. A turma de psicologia era pequena, com cerca de dez alunos no máximo. Embora houvesse muitas mesas disponíveis na frente, escolhi uma na última fileira na parte de trás. Mais uma vez, culpei minha necessidade de controlar a situação. Eu podia ver todos à minha frente, sabia a localização da minha saída e entendia o que estava à minha volta. O professor ainda não estava, e dediquei um tempo para analisar cada aluno. A maneira como eles caíram em suas cadeiras ou se sentaram eretos e prontos para o início da aula, quem tinha amigos na sala de aula e quem não. Na segunda fileira à direita estava uma garota com cabelos loiro curtos e ombros pequenos. Ela olhou para cima em direção a porta a cada dez segundos. Ela estava esperando por alguém. — Boa tarde, olá, bom dia. — Um cavalheiro divagou enquanto entrava apressado pela porta. — Desculpem, estou um pouco atrasado hoje, mas se todos puderem rapidamente pegar seus livros e encontrar o capítulo sobre a Hierarquia das Necessidades Emocionais de Maslow, entraremos em ação.. O professor era um sujeito baixinho com cabelos grisalhos e fios de barba por fazer em volta do maxilar. Seus óculos estavam na ponta do nariz enquanto ele mexia nos papéis no pódio. Ele era um desleixado, com a camisa meio enfiada nas calças cáqui, dois tamanhos maiores. Pela aparência, você poderia dizer que ele se atrasava com frequência. Ele ergueu os olhos de sua mesa e sua atenção foi imediatamente atraída para mim na parte de trás. — Eu sou o Dr. Kippler. Há livros extras na estante atrás de você, se precisar. — Depois de retomar meu assento, folheiei as páginas do livro quando o Dr. Kippler falou novamente. — Ah, que bom que você se juntou a nós, Masters. Levantei meu olhar para ver Ollie sentando na frente da sala e na frente da garota de cabelo loiro, e então fazia sentido. Ela estava esperando por Ollie. Seus ombros pequenos relaxaram e ela colocou o cabelo curto atrás da orelha. — Desta vez, vou deixar passar, já que também me atrasei, mas sem mais avisos. — Acrescentou o Dr. Kippler, mas sabia que isso era normal para ele. Nunca chegaria na hora certa. Ollie assentiu antes de virar a cabeça para a garota loira que o cumprimentou com uma mão gentil sobre seu ombro. Mas sua atenção rapidamente se tornou minha no momento em que ele me viu na parte de trás. Três segundos intensos se passaram com seus olhos nos meus antes que ele murmurasse, “Oi”. A garota loira se virou para ver o que havia roubado sua atenção. Ela estreitou os olhos e dei a ambos um pequeno aceno com os dedos. O Dr. Kippler pigarreou, e tanto Ollie quanto a garota loira viraram a cabeça para frente. — Masters, quais são as seis necessidades emocionais humanas? A postura de Ollie relaxou quando ele esticou as longas pernas na frente dele. — Certeza, variedade, significância, amor, crescimento e contribuição. — respondeu ele sem abrir o livro. — E quais são necessárias para a sobrevivência humana? — Kippler o testou. — Certeza, variedade, significância e... Amor. — Eu tossi uma risada com a menção do último. — Gostaria de discordar... Senhorita... — Kippler olhaoupara sua mesa. — Jett. Enquanto batia meu lápis na borda da mesa, todos se viraram em seus assentos. — Não, continuem. Vocês estão indo muito bem. — Eu disse com o polegar no ar e um sorriso para combinar com meu sarcasmo. Já estive em situações como essa antes, e era uma batalha perdida. Tinha minhas crenças sobre o amor, eles tinham as deles e eu não estou aqui para convencer ninguém do contrário. — Becks, qual você acha que é mais significativo para suas necessidades? O calor foi tirado de mim e agora estava em um menino ruivo sardento sentado na frente. Ele é era incendiário total. Ele tinha o cabelo vermelho para combinar. — Significado. Meus olhos rolaram com a minha precisão. — Acho que quero ser visto e ouvido. — Acrescentou Becks. Sim, como fogo. — Gwen? — perguntou Kipller. Gwen, também conhecida como a garota loira atrás de Ollie, inclinou-se para mais perto de Ollie. — Certeza. — disse ela. Ollie se ajustou em seu assento antes que ela continuassee — Eu quero me sentir segura e protegida, suponho. Especialmente em meus relacionamentos. — A maneira como ela disse isso de alguma forma tornou o ar na sala mais espesso, mais abafado. — E quanto a você, Masters? Qual é a sua necessidade mais significativa? Estava na ponta do meu assento por causa disso, certa de que Ollie ia dizer “Significância” também. Desde que eu cheguei aqui, ele conseguiu obter mais atenção das garotas do que eu recebi de Jake. Ele parecia o tipo de cara que anseia por atenção e a necessidade de ser desejado pelos outros tanto quanto o outro cara. — É difícil dizer, Kipp. Eu quero dizer, entre minhas opções, amor, mas amor dificilmente é uma emoção. Espera. O quê? — O que você quer dizer? — perguntou o Dr. Kippler. — As emoções podem mudar. Elas podem ir de um extremo ao outro dependendo de várias condições, mas o amor... — Ele balançou a cabeça levemente, — o amor nunca desiste. Suporta todas as outras emoções. Se não pudesse resistir, então nunca foi realmente amor, em primeiro lugar. — Ollie soltou um suspiro. — O amor é invariável, Kipp. Constante. Não é uma emoção. Olhei para a parte de trás de sua cabeça com minhas sobrancelhas erguidas. O Dr. Kippler coçou o queixo pensando profundamente. — Com isso dito, qual é o melhor termo para substituir o amor como uma emoção? Ollie soltou uma pequena risada. — Me diz você. A sala ficou em silêncio novamente quando o Dr. Kippler olhou ao redor. — E você, Jett? Qual necessidade emocional é mais importante para você? Minha cabeça virou na direção do Dr. Kippler agora que o calor estava de volta em mim. — Variedade. — respondi bruscamente, não tendo que pensar em minha resposta. — Pode explicar? — Não. Dr. Kippler assentiu para minha honestidade e voltou sua atenção de volta para a classe. — Para aqueles de vocês que não estão familiarizados com a variedade, é a motivação para buscar a mudança ou um desafio fora da rotina normal. A menos que Masters aqui gostaria de alterar a pirâmide mais uma vez? — Ele perguntou, olhando para Ollie com um sorriso desafiador. Risadas se espalharam pela classe e Ollie balançou a cabeça antes que o Dr. Kippler continuasse. — Muito bem. Suas respostas à minha pergunta podem esclarecer a razão pela qual vocês estão aqui em primeiro lugar. — Kippler juntou as mãos enquanto se orgulhava de si mesmo com sua revelação. Depois da minha última aula do dia, entrei no consultório da Dra. Conway. A sala era do mesmo tamanho do meu dormitório, e o sol lançava luz suficiente através da grande janela iluminando o espaço. Um sofá de couro estava encostado na parede, de frente para uma mesa com papéis espalhados e pôsteres de citações positivas enchiam suas paredes azul-claras. A Dra. Conway se virou para mim da cadeira com um sorriso genuíno.— Mia, é tão bom finalmente conhecê-la. — Ela se levantou com a mão estendida. — Por favor, sente-se. Assim que ela abriu a boca, percebi que a Dra. Conway era americana e pelo sotaque seria de Boston. Seu espesso cabelo preto emolduravam seu rosto e caía logo abaixo dos ombros. — Como foi sua viagem até aqui? — Longa. — Meu corpo afundou no couro enquanto meus olhos vagavam ao redor da sala até que caírem em um pôster de um gatinho com a frase: “Hoje não vou me estressar com coisas que não posso controlar”. Por que diabos um gatinho tinha que se estressar? À minha direita, havia uma estante cheia de romances dos quais eu nunca tinha ouvido falar e uma coleção de livros de autoajuda. — Sim, eu não esqueço aquele voo. — Dra. Conway disse soltando um suspiro. — Boston? — Nascida e criada. Eu vim para o Reino Unido durante um ano sabático. Encontrar o amor da minha vida aqui não estava nos planos, mas ei... — ela jogou as mãos para o alto. — Merdas acontecem. Eu me desliguei depois que ela disse sabático, mas continuei a acenar com interesse. Eu tinha dominado a habilidade de fingir. — Então, me diga, por que você acha que está aqui? — perguntou. — Estou aqui porque meu pai está em negação. A imagem de sua única filha se formando na faculdade e levando uma vida normal é a única razão pela qual ele se recusou a me mandar para uma instituição mental. — Você pertence a uma instituição mental? — Eu não pertenço, ponto final. A Dra. Conway bateu no meu arquivo com suas longas unhas postiças enquanto cruzava as pernas. — Eu li seu arquivo, Mia. Você sofre de Alexitimia[4] e Transtorno de Desapego Emocional. Você já tentou cometer suicídio duas vezes, do que estou ciente, dirigiu o carro da sua madrasta em uma garagem, incendiou o carro do seu diretor e... este é meu favorito.... apareceu na casa do seu conselheiro vestida com um sobretudo e salto alto retratando uma prostituta contratada? — Ela soltou uma pequena risada enquanto descruzou as pernas e descansou os cotovelos sobre os joelhos. — Espero que a esposa dele tenha perdoado. Dei de ombros, e o clima na pequena sala mudou junto com sua expressão facial. — Se você não se importa que eu pergunte, por que você acha que não teve sucesso com as tentativas de suicídio? Minha cabeça caiu para trás com sua ousadia. — Eu teria tido sucesso se meu pai não tivesse me encontrado. — Algo me diz que uma parte sua queria que seu pai te encontrasse. Ela estava errada. Ele deveria estar no trabalho até às cinco da tarde nos dois dias. — Você está errada. — Não, acho que estou chegando a algum lugar... deixe- me perguntar outra coisa. Quando foi a última vez que você chorou? Ela não podia estar falando sério. — Eu não choro. Você tem que ter sentimentos para chorar. — Você chorou quando sua mãe morreu? Não. — Eu não falo sobre minha mãe. Dra. Conway recostou-se na cadeira e cruzou as mãos sobre o colo. — Seu pai informou que você nem sempre foi assim. Alguma coisa horrível deve ter acontecido durante a sua infância, e seu cérebro desligou um interruptor para se proteger. A medicina não vai ajudar. Isso só vai prolongar sua capacidade de ligá-lo novamente. Silêncio. — Vou falar com o reitor e tirar seus remédios enquanto estiver aqui, mas Mia, você tem que ligar o interruptor novamente. Você é a única que tem o poder de fazer isso. — Se alguém me contasse o que aconteceu comigo, isso poderia ajudar a acelerar esse processo. — Eu disse com um suspiro. — Eu gostaria que fosse tão fácil, mas a única maneira de você sair disso é se você se lembrar por conta própria. Ambos caminham lado a lado. Desviei minha atenção da janela e a encarei. — Você sabe o que aconteceu comigo? A Dra. Conway levou um momento para responder. Seus grandes olhos castanhos olharam para além de mim como eu tinha visto o meu pai fazer tantas vezes antes. — Do ponto de vista do seu pai... sim, mas nunca será o suficiente. — Ela se levantou e foi até a estante antes de pegar um romance e entregá-lo a mim. — Aqui está sua primeira tarefa. — Eu não leio. — afirmei categoricamente. — De agora em diante, você lê. — Ela se sentou em sua cadeira. — Eu te vejo na segunda. Você precisa estar preparada para me dizer o que você pensa. Olhei para o livro intitulado O Sol é para Todos. — É isso? Fiquei aqui cinco minutos e você quer que eu saia e leia um livro estúpido? — Vejo você na segunda-feira, Mia. Aproveite o seu fim de semana. — Dra. Conway girou em sua cadeira e virou as costas para mim. — Ah, e deixe a porta aberta ao sair para o meu próximo compromisso. A senhora não tinha limites, ao contrário dos outros conselheiros que eu tinha visto no passado. Joguei minha pilha de livros na minha mesa quando cheguei ao meu quarto e me esparramei na cama. O relógio acima da minha porta marca 14:32h. Faltam três horas para o jantar. Enfiei o travesseiro sobre rosto para bloquear a luz e, nem mesmo dois segundos depois, houve uma batida na minha porta. Abri para encontrar um homem que eu nunca tinha visto antes com uma bolsa ao ombro. — Você tem correspondência. — disse ele, segurando um envelope. Ele devia estar na casa dos trinta. As rugas ao redor de seus olhos se aprofundaram quando sorriu, e seu cabelo preto caía sobre seus olhos castanhos escuros. — Dolor tem um carteiro? — Ele balançou sua cabeça. — Guarda de segurança, ainda em treinamento. Eu faço o trabalho sujo. Ele era fofo, algo com que eu poderia trabalhar. Agarrei sua camisa em seu peito e o puxei para dentro do quarto sem pensar nas consequências. A correspondência em suas mãos caiu no chão aos nossos pés e a porta se fechou automaticamente atrás de nós. Seus olhos se arregalaram. — Eu não posso... — Oh, silêncio. — Eu ordenei e o empurrei sobre minha cama. Precisava disso. Estava no topo da “Hierarquia de Necessidades de Mia”, especialmente depois do dia que eu tive. Ele simplesmente estava no lugar e na hora certa. Tirei minhas roupas em segundos, e seus olhos disparam para frente e para trás de mim para a porta, tentando decidir qual cabeça ouvir. Tirei um preservativo da caixa, aquela que coloquei na minha mala, sabendo que acabaria sendo útil. — Qual o seu nome? Um sorriso malicioso cresceu em seu rosto. — Oscar. — Esta é sua única chance, Oscar. — Eu disse, abanando a camisinha no ar enquanto estava nua diante dele. Seus olhos cheios de luxúria desistiram da moral quando ele rapidamente desfez o cinto e abaixou as calças. Sua masculinidade saltou livre, e joguei a camisinha em seu estômago para que ele pudesse colocá-la. — Não fale e não se atreva a tentar me beijar. Ele assentiu entusiasmado enquanto se deitava contra a minha cama. Seu abdômen flexionou enquanto ele acaricia a camisinha em questão de segundos. Ajoelhei-me sobre ele, montando-o enquanto agarrei seu comprimento com uma mão. Ele soltou um gemido e seus olhos percorreram meu corpo. Não demorou muito para que ele estivesse dentro de mim. Fechei meus olhos enquanto me balançava contra ele, incapaz de assistir o que estava fazendo com ele. Suas mãos seguraram meus seios e beliscavam meus mamilos enquanto ele xingava baixinho. E às 14:36h, o estagiário já havia atingido o clímax. “ Os momentos não vão embora, Eles enterram e se tornam você.” ─ Oliver Masters O TEMPO PAROU em Dolor. Estava oficialmente aqui há uma semana, e todo mundo andava sem rumo de uma aula para a outra em uma névoa enquanto os segundos pareciam horas, inclusive eu. Tinha certeza de que o tédio seria a minha morte. A única ação, e variedade, que recebi foi de Oscar, o estagiário, que vinha às terças e quintas-feiras para deixar cartas e dinheiro inútil que meu pai me mandava. O único propósito do sexo com Oscar era passar o tempo e permitir que eu assumisse o controle da minha agenda mundana. Eu fui chamada de muitos nomes durante o ensino médio. Vagabunda. Prostituta. Vadia. Você escolhe. Isso nunca me incomodou da maneira como matou a confiança de outras garotas e quase destruiu a de Sarah, minha única conhecida no colégio. Tentei ignorar, maso choro só piorou no box do banheiro atrás de mim. Revirando os olhos, cutuquei a porta da cabine com o pé para ver se estava trancada, e estava. Depois de gemer, gritei: — Por favor, pelo amor de Deus, pare de chorar. Mas ela não parou. — Abra a maldita porta. — Eu disse, sem saber por que eu estava irritada com isso, só querendo que parasse. A fechadura clicou e o peso carregou a porta aberta. Sentada sobre o vaso sanitário, calças levantadas, graças a Deus, estava uma menina gordinha com cabelos loiros e grandes olhos azuis. Seu rosto encharcado de lágrimas estava vermelho. Ela olhou silenciosamente para mim. — Por que você está chorando? — Eu perguntei a ela. Ela tentou recuperar o fôlego enquanto tentava secar os olhos e o nariz com as mãos. — Eu cometi um erro. — Sua voz estava trêmula e as palavras quase inaudíveis. Encostei-me na porta, sem saber se tinha energia para me envolver. Não era simpatia que eu sentia pela garota. Honestamente, eu não dava a mínima para o motivo do choro dela, mas estava entediada e curiosa. — O que você fez? Ela mordeu o lábio para parar o tremor. — Eu fiz sexo com Trey Sullivan. O ar saiu do meu nariz quando deixei escapar uma risada leve. — E deixe-me adivinhar, ele contou a todos. — Ela acenou com a cabeça quando outra lágrima caiu, e eu continuei. — E Mallory e todo o seu grupo deixaram você saber disso? Te classificando como uma vagabunda? Ela assentiu novamente. — Você transa muito? A garota estreitou os olhos como se minha pergunta fosse um insulto. — Ei, eu também gosto de foder. Estive com Trey e seu micro pau. Você pode ser honesta comigo. Seus ombros relaxaram e suas lágrimas finalmente pararam. — Não sei por que faço isso... acho que gosto da atenção. Exalando, recuei contra a cabine e cruzei os braços. — Deixe-me te contar algo. A única pessoa com quem você precisa se preocupar é você mesma. Se fazer sexo com outras pessoas a faz feliz e te faz se sentir bem, então quem se importa com o que as outras pessoas pensam? Esse é o problema com as pessoas hoje em dia...Todo mundo quer colocar os outros para baixo por causa de suas próprias inseguranças. Então, toda vez que alguém te chama de vagabunda, o que eles estão realmente dizendo é: “Cara, eu gostaria de estar seguro com minha sexualidade”. Sempre que alguém chama você de vagabunda, o que eles estão realmente dizendo é: “Estou com ciúmes do caralho por não ter experimentado isso sozinho”. Os olhos da garota se arregalaram e seu sorriso cresceu. — Você realmente acha isso? — Eu tenho certeza disso. Está provado que meninas solteiras que fazem sexo casual com vários parceiros têm maior autoestima e imagem corporal. Procure se você não acredita em mim. Elas também têm padrões mais elevados quando estão prontas para um relacionamento. Não estou dizendo para você sair e dormir por aí o máximo que puder... Tudo o que estou dizendo é que garotas como Mallory e garotos como Trey são os únicos inseguros. — Dei de ombros. — Ninguém tem o direito de insultar algo que não consegue entender, e as lágrimas não devem ser desperdiçadas em mal- entendidos. A garota riu e eu me encolhi. — Você é inacreditável... — Ela sorriu. — Qual o seu nome? — Mia. — Sarah. — disse ela enquanto apontava para si mesma. — Acho que devemos ser amigas, Mia. Eu forcei um sorriso de volta. — Eu não curto toda essa coisa de “amigos”. — O que você curte, então? — Para começar, homens com mais a oferecer do que um micro pênis... Nós duas compartilhamos uma risada, e eu nunca admitiria isso para ninguém, mas foi a única vez em que fui genuinamente legal com alguém. Jake era o único que eu não conseguia evitar, já que ele não entendia as dicas. Ele era como um cão detestável procurando um osso, e eu só podia tomá-lo em doses. Ele não era tão ruim, mas isso não significava que iria manter contato com ele depois de Dolor. Todos os dias, ele me implorava para me juntar a ele e seus amigos para o encontro da meia-noite, e todos os dias eu recusava. Até hoje à noite. Tive a impressão de que ele continuaria a me assediar até que eu concordasse. Além disso, o tédio estava me comendo viva de dentro para fora, e achei que ir seria melhor do que ler o livro que a Dra. Conway havia me dado na semana passada. Portas travadas automaticamente na hora certa. Stanley completou sua rotina de segurança noturna. A meia-noite chegou, e eu andei de um lado para o outro no meu pequeno dormitório em meu short de pijama de flanela e uma camiseta branca lisa, me convencendo a desistir no último minuto. Quem estava enganando? Merda como essa tinha meu nome escrito por toda parte. Minha cabeça caiu para trás para ver uma abertura grande o suficiente para passar um corpo, mas não tinha ideia de como alcançaria. A mesa não era pesada. Mudei minha cama para o centro do quarto e de alguma forma consegui levantar minha mesa em cima dela antes de subir. De pé sobre minha montanha improvisada, empurrei a ventilação para encontrar os parafusos já soltos. Juro, se houver um cadáver ai em cima, terei as duas cabeças de Jake, uma em cada mão. O som distinto da risada de Jake ecoou pelo labirinto no teto. Depois de rastejar quatro blocos para a minha esquerda, chegei à abertura de onde a festa estava acontecendo e coloquei minha cabeça para ver o cabelo encaracolado de Alicia logo abaixo. Alicia apontou para cima quando me notou. — Não acredito! — Ela saiu do caminho. — Alguém a ajude, sim? Ollie apareceu sob o respiradouro, vestindo uma camiseta preta, calça de moletom e um sorriso alcançando seus olhos verdes excepcionais. — Venha, amor. — Ele gritou, e empurrei meus pés pelo buraco. — Peguei você. — Seus dedos envolveram meus tornozelos antes que suas mãos deslizassem pelos meus quadris e continuassem a me puxar para baixo até que meus pés alcançaram o chão. Suas mãos permaneceram em volta da minha cintura, relutantes em interromper a conexão. — Já era hora. — Ele sussurrou enquanto examinava meu rosto, então pegou minha mão e a segurou bem acima da minha cabeça. — Mia, pessoal. — Mia! — O grupo repetiu em aplausos, e Ollie olhou para mim, nossos braços caindo entre nós. Sua boca se curvou para o lado. — Bem-vinda a minha humilde residência. Meus olhos caíram em Jake, que estava sentado no chão vestindo um macacão vermelho e um sorriso satisfeito. Sim, a porra de um macacão, com bastões de doces, devo acrescentar. O quarto de Ollie quase não tinha móveis. Sem mesa, sem cadeira, sem estrutura de cama. Apenas um colchão no chão e suas roupas empilhadas em um canto ao lado do colchão. Como diabos eu sairia daqui? — Você já conhece Jake e Alicia. Esta aqui é Bria, — Ollie apresentou com a mão estendida em direção à garota de cabelo pixie sentada no chão. — E este é meu companheiro, Isaac. — Ollie deu um tapinha no peito de Midnight ao lado dele, o mesmo cara com quem o vi conversando no refeitório. Isaac estava sem caminsa, exibindo seus músculos naturalmente bronzeados e tonificados, carregando um tipo de arrogância que eu já tinha visto antes, e eu soube imediatamente que poderíamos nos divertir inofensivamente juntos. Os olhos verdes de Ollie me olharam de volta. — Sente-se. Conte-nos sua história. Todos os outros se acomodaram em seus lugares, no colchão ou no chão enquanto eu me sentei sobre o cobertor no chão ao lado de Ollie. — Acho melhor não. — Toda a minha abertura foi reservada para a Dra. Conway e terapia de grupo. Pelo menos eles eram licenciados, ao contrário dos colegas sentados diante de mim, que não deveriam ter mais de vinte e um anos. Eles tinham seus próprios problemas, seus próprios julgamentos e suas próprias opiniões. Tudo o que essas crianças queriam era outra coisa para manter suas mentes longe de suas próprias vidas complicadas. — Somos todos ferrados aqui, Mia. Dê-nos algo para conversar. — Bria implorou, provando meu ponto sem saber. — Problemas de raiva? Infratora? Psicótica? — Isaac divagou. Cinco pares de olhos ansiosos estavam em mim. — Eu matei minha mãe. — Menti um pouco, e uma quietude tomou contado quarto enquanto o grupo olhava para frente e para trás. Talvez eu não a tenha matado, mas definitivamente desempenhei um papel na morte dela. — Merda. — Ollie respirou, enfiando a mão no bolso. Isaac estendeu a palma da mão. — Pague Masters. Meus olhos se arregalaram enquanto observava a troca de dinheiro. — Você está brincando. Vocês fizeram uma aposta? Trazer-me aqui era um jogo para vocês? — Relaxe, querida. — disse Isaac enquanto embolsava seus ganhos. — Não leve para o lado pessoal. O grupo começou a conversar e eu me sentei desconfortável. Por um lado, eu não diria que nenhum deles pertence a um lugar como este. Jake é muito influenciável, você poderia dizer pelo jeito como ele usava Alicia como apoio social. E eu admitia que Alicia era legal. Ela não embarcou nas risadinhas de Bria. Alicia era linda. Sua pele é lisa e escura, seus olhos da cor de avelã e grossos cachos negros emolduravam seu rosto oval. Mas a cereja do bolo era a verruga preciosa em sua bochecha. Se eu gostasse de garotas... Bria, por outro lado, se retratou como a sexy com sua camisa cortada e sem sutiã. Eu não estava julgando o que quer que a fizesse se sentir bem consigo mesma. Ela procurava os pequenos momentos em que iria ajustar seu posicionamento, sua cabeça disparando entre Isaac e Ollie, notando a maneira como eles olhavam para ela, ou se eles a olhavam. Ela tinha um corpo bonito, seios pequenos e empinados e um torso longo e curvilíneo. Mas assim que abria a boca, seus dentes tortos e voz irritante arruinavam sua imagem. Isaac notou os movimentos sutis de Bria. Era interessante como cada vez que ela se inclinava para trás e sua camisa subia mais, ele se inclinava para trás e coçava a ponta do nariz com o polegar e o indicador, pensando que isso esconderia seus pensamentos. Todo o corpo de Ollie estava apontando para mim agora e me perguntei se era para evitar a linguagem corporal de Bria ou porque ele estava afim de mim. Poderia facilmente ter balançado para qualquer lado. Eu nunca disse que eu lia mentes. Embora eu não gostasse de humanos e evitasse conversas, era brilhante em ler as pessoas. Meu pai se recusava a assistir a filmes comigo porque eu sempre poderia dizer quem era o assassino ou prever o final, mas em situações como essa, tinha a vantagem. Depois de muitos anos estudando o comportamento humano, não houve surpresas. As ações dos homens eram esperadas, as reações das mulheres igualmente previsíveis. Veja o estagiário, Oscar, por exemplo. Eu soube no momento em que abri a porta que ele se submeteria a mim, a maneira como seus olhos dilataram quando ele se inclinou no batente da porta. Era típico. Mas ele não acreditou em meus avanços até que eu me despi diante dele. Ele poderia ter dito não, poderia ter ido embora, mas ele não foi. Ollie tirou uma garrafa de vodca de sua pilha de coisas e o rosto de todos se iluminou. — Agora para a verdadeira diversão. — Ele balançou a garrafa de um lado para o outro e voltou para o meu lado. — Sério? Mas como você conseguiu a vodca? — Talvez Ollie tivesse conexões. Um sorriso torto apareceu no rosto de Ollie quando ele piscou para mim. Ele passou a mão vazia pela testa e pela espessa bagunça marrom em sua cabeça. — Alguém pronto para se divertir? Álcool e eu nunca nos misturamos bem. As pessoas normalmente sucumbiam ao prazer do álcool para afogar suas emoções, mas tem o efeito oposto em mim. Com o álcool nas veias, eu tendia a sentir coisas. Depois de tomar um gole, passei a garrafa para Jake ao meu lado enquanto o líquido claro chiava pela minha garganta e queimava no meu peito. A garrafa continuava a ser passada dentro do nosso círculo desgrenhado. — Nós só temos uma regra. — Alicia disse para mim do outro lado do círculo, uma vez que a garrafa a alcançou. — Sim? E qual é? — Sem ressentimentos. O que quer que aconteça neste quarto, fica neste quarto. — Jake respondeu. Sem ressentimentos? Perfeito. Assenti, aliviada por não estar em um quarto com um bando de cadelas. Depois de cerca de uma hora de brincadeiras, e todos tomando seu quinhão de vodca, eu finalmente pude desfrutar de uma leve embriagês pela primeira vez no que parecia uma eternidade. Nunca precisei ficar bêbada, mas ajudava em situações embaraçosas como esta. Eu só esperava que, depois que os efeitos colaterais passassem, a paralisia dos meus sentimentos não me atingisse dez vezes mais forte como no passado. Viver sem emoções era fácil, foi a saída de um estado emocional induzido que era difícil, como um viciado tentando ficar sóbrio. Álcool e drogas me ia sentir, e se eu não tomasse cuidado, esta noite poderia ficar ruim. A música baixa encheu o quarto de algum lugar, e olhei para baixo para ver um modelo mais antigo de iPhone no colo de Ollie. Não me incomodei em fazer perguntas e, honestamente, não me importava em saber as respostas. Ele poderia levar uma máquina de pipoca, e eu não ficaria surpresa neste momento. Contanto que compartilhasse comigo, e tornasse meu tempo aqui um pouco agradável. Bria estava sentindo o ritmo e se levantou. Seus quadris balançavam para frente e para trás enquanto ela erguia os braços acima da cabeça. A parte de baixo de seus seios espreitava por baixo de sua blusa curta. Ela sugou os lábios e examinou o quarto para ver se os meninos estavam prestando atenção nela. Seguindo seu olhar, peguei Isaac observando na beirada do colchão enquanto ele mordia o lábio inferior. Olhando para a minha direita, os olhos de Ollie encontraram os meus quando os cantos de seus lábios se ergueram. A temperatura estava subindo. Um cômodo, muitas pessoas e aquela covinha. — Vamos lá, Mia. — Bria implorou gesticulando com seu indicador — Venha dançar comigo. Acenando minha mão na minha frente, eu disse: — Não, eu não danço. — A única dança que fiz foi sozinha no meu quarto. Ollie inclinou a cabeça na minha direção e ergueu uma sobrancelha. — Do que você tem medo? — Eu não tenho medo de nada. Simplesmente não danço. Isaac se levantou e se juntou a Bria. Seu corpo se esfregou contra sua pélvis ao som de uma música eletrônica enquanto suas mãos imprudentes agarravam os quadris dela. — Eu pensei que você e Bria estivessem juntos. — Eu disse casualmente, olhando para Ollie. Sabia que não era o caso, mas fiquei curiosa para ver a reação de todos à ideia. Jake e Alicia riram enquanto Ollie balançou a cabeça. — Não, definitivamente não. — Disse Ollie com uma risada incrédula. — Não há relacionamentos na Dolor. — Acrescentou Jake. O sorriso de Alicia rapidamente se dissolveu e ela voltou sua atenção para Bria e Isaac dançando. — Sério? Relacionamentos não são permitidos? Jake se inclinou. — Oh, não há regras contra isso... mas acredite em mim quando digo, você não quer estar em um. — E por que isto? — Não gostava que me dissessem o que eu podia ou não fazer, mesmo que um relacionamento estivesse no fim da minha lista. Alicia, Jake e Ollie trocaram olhares até que Ollie me encarou novamente. — Uma longa história para outro dia. — Então, de onde você é? — Alicia rapidamente mudou de assunto assim que Bria ergueu os braços e os envolveu no pescoço de Isaac. Sua camisa cortada levantou ainda mais, os mamilos quase à mostra. Isaac arrastou sua mão pela lateral dela até o seio e o agarrou, acariciando sob o tecido fino. Quando estremeci, Bria gemeu e seus olhos permaneciam em Ollie, mas ele estava alheio enquanto percorria a música no telefone. Depois de alguns segundos sendo apalpada, Bria se virou e beijou Isaac. Não estava falando de um beijo inocente. Não. Este foi um duelo de línguas, troca de cuspe, beijo maníaco, e eu esqueci completamente a pergunta de Alicia. — Eu... É... — Afastei meus pensamentos dos dois que estavam se beijando e voltei minha atenção para Alicia. — P.A. — P.A.? — Pensilvânia. — Tomei outro gole de vodca enquanto Jake se levantava. Ele caminhou em direção a Isaac e Bria com o lábio inferior entre os dentes. Os três dançaram. Bem, eu não usaria o termo “dançar”. Eu nem sabia que termo usar para explicar o que eles estavam