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Pesquisa e conhecimento 9 Pesquisa e conhecimento O que você entende por pesquisa? E por pesquisa científica? Em que momento ou contexto da sua vida cotidiana você percebe que faz uso de pesquisas científicas? Como você diferenciaria informações de conheci- mento? Já parou para pensar como se dá o processo de construção de conhecimentos? Especialmente durante a Pandemia de Covid-19, as pesquisas e os seus procedimentos de produção de conhecimento científico ficaram em evidência, no que se refere a protocolos de validação dos processos no combate ao vírus ou na produção de vacinas. Nunca estivemos tão ávidos por conhecer como se produz e como se valida cientificamente uma vacina, por exemplo. Passamos a nos importar até com questões que eram antes irrelevantes, como marcas, armazena- mento, validade, eficácia, entre outras. O termo científico passou a ser sinônimo de credibilidade – diríamos até sinônimo da palavra verdade; se é científico é fiável, ou seja, tem confiança. Mas será mesmo que todo conhecimento precisa ser científico ou, para ser confiável, é só dizer que é científico? A questão que nos im- porta é: de que forma é produzido o conhecimento científico? Por quem é produzido? Como é validado cientificamente? Neste capítulo, o objetivo é levar à compreensão do que é pesquisa científica, conhecendo, assim, o processo de construção do conhecimen- to científico, bem como de que maneira ocorre a sua validação, concei- tuando ciência e identificando a importância das pesquisas científicas em nosso cotidiano. Também objetivamos diferenciar tanto a pesquisa científica de outras formas de pesquisa e de levantamento de dados quanto os conheci- mentos, os saberes e as informações, além de outras questões e outros aspectos/pontos produzidos em nosso cotidiano. Pesquisa e conhecimento 10 1.1 O Vídeo Podemos iniciar esta conversa pensando no simples ato de fazer uma pesquisa ou uma investigação. Por que ou para que você pesqui- sa sobre algo? É, por exemplo, para comparar preços? Você pesquisa características de determinados objetos ou produtos que deseja adqui- rir? Em síntese, você pesquisa para saber sobre algo, certo? Então, como podemos diferenciar uma pesquisa comum de uma • Entender o conceito de ciência. • Diferenciar informação de conhecimento. • Compreender o que é pesquisa científica. • Conhecer o que faz um cientista. pesquisa científica? O que vem a ser a pesquisa científica? Por definição, pesquisa científica “deve ser entendida tanto como procedimento de fabricação do conhecimento, quanto como procedimento de aprendizagem (princípio científico e educati- vo), sendo parte integrante de todo processo reconstrutivo de conhecimento” (DEMO, 2000, p. 20). Minayo (2007, p. 47) ressalta que: “A pesquisa é uma atividade básica das Ciências na sua indagação e construção da realidade. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados, pensamento e ação”. Vídeo No vídeo Conteúdo e conhecimento, publicado pelo canal Sabedoria do Conhecimento, Mario Sergio Cortella fala sobre informação, conteúdo e conhecimento. Segundo o filósofo, há muita informa- ção e pouco conheci- mento, e não se pode confundir os dois. Vale a pena conferir e refletir sobre o assunto! Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=SargvlQPWNk. Acesso em: 3 nov. 2021. Você já parou para pensar nesse processo reconstrutivo e nas di- ferenças entre os tipos de conhecimentos e entre conhecimento e informação? Por ora, temos que entender essa diferença. Em uma pesquisa, é comum procurarmos por diversas informações sobre um mesmo tema e, depois, selecionarmos as que são relevantes. O que se esquece facilmente é a informação, e o que se torna inesque- cível é o conhecimento. Informações são cumulativas, diversas e fáceis de encontrar. Já o conhecimento é seletivo, é o que fica em nós quando acabamos uma pesquisa. Em outros termos, em uma pesquisa cientí- fica, mais do que sistematizar informações, procura-se reconstruir ou produzir novos conhecimentos. Nesse sentido, é importante a compreensão de que informação e conhecimento são temas distintos, já que esse último tem finalidades https://www.youtube.com/watch?v=SargvlQPWNk https://www.youtube.com/watch?v=SargvlQPWNk Pesquisa e conhecimento 11 sociais e é produzido para a socialização e a coletividade. A produção de conhecimento requer essa validação social; por isso, na evolução da busca por conhecimentos, para as explicações de como as coisas funcionam e para as descobertas que podem melhorar as ações huma- nas, há uma necessidade de organização desses conhecimentos, isto é, dessas formas de validação. Há, também, a necessidade de os reconhe- cer, até que novas descobertas possam refutá-los ou validá-los – a todo esse processo se deu o nome de ciência. Se formos procurar a definição do termo ciência, podemos encon- trar suas origens no termo episteme, que significa aprender ou conhecer. Assim, fazer ciência significa aprofundar o conhecimento sobre deter- minado tema e buscar respostas de maneira criteriosa (PRODANOV; FREITAS, 2013). De acordo com Morin (2015, p. 15), “a ciência é, por- tanto, elucidativa (resolve enigmas, dissipa mistérios); enriquecedora (permite satisfazer necessidades sociais e, assim, desabrochar a civili- zação); é, de fato, e justamente, conquistadora, triunfante”. Porém, ad- verte o autor: “uma ciência empírica privada de reflexão e uma filosofia puramente especulativa são insuficientes [...] ciência sem consciência é apenas a ruína do homem, da alma”. No decorrer da história, a procura por conhecimentos e a curiosi- dade sempre moveram o espírito humano em busca de novas desco- bertas. Porém, a ideia de conhecimento complexo, sistematizado, organizado e cientificamente validado ainda é bastante recente na história da humanidade. Ao analisarmos por essa perspectiva, podemos fazer duas analogias: Livro Para aprofundar e entender a ideia de ciên- cia na atualidade, ligada ao conceito de pensamen- to complexo, o qual tem influenciado várias áreas do conhecimento, vale a pena conhecer a obra Ciência com Consciência, de Edgard Morin. MORIN, E. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015. Desde o nascimento, o ser humano vai experimentando e desco- brindo o mundo de modo bastante incipiente, pela percepção, pelas sensações, pelo tato e pela experimentação. À medida que o indivíduo cresce, a curiosidade também aumenta; então, ele vai em busca de no- vas descobertas, ampliando, aprendendo e descobrindo o mundo. Fazer um paralelo com o desenvolvimento da ciência na história da humanidade. ar ty w ay /S h u tt er st oc k Pesquisa e conhecimento 12 No decorrer da história da humanidade, a ciência também percorreu um processo evolutivo frente às necessidades e descobertas importantes, a saber: Figura 1 Principais acontecimentos evolutivos t Fonte: Elaborada pela autora. Invenção da escrita d aw oo l/ S h u tt er st oc k Em todas essas ações, mesmo que de maneira rudimentar, esta- vam presentes a busca por soluções e o desenvolvimento de conheci- mentos, ainda que para resolver situações do dia a dia. Contudo, por meio das demandas cotidianas, é possível perceber grandes saltos com relação à produção de conhecimentos que podem revolucionar determinada época ou período. Entretanto, nem sempre é possível demarcar a produção de conhe- cimentos sistematizados tal qual conhecemos hoje e como são valida- dos pela ciência atualmente. Sea ciência é uma forma de produzir conhecimento, devemos pensar no sujeito que produz esse conhecimento: o cientista. Quem é o cientista? O que ele faz? O cientista deve ser visto como um pesquisador, um sujeito ativo que faz a pesquisa e aplica seu procedimento, isto é, aplica uma meto- dologia sistemática para obter o conhecimento relativo à área de seu estudo, confirmando ou produzindo um conhecimento científico. A principal função do cientista é realizar pesquisas para obter uma interpretação complexa da realidade ou dos objetos pesquisados. Assim, é a metodologia da pesquisa científica que oferece a possibilidade de proporcionar uma análise mais detalhada de certa problemática e o entendimento do mundo por meio da construção do conhecimento. Para você, por que é preciso entender sobre o que é e como se faz ciência? Será que você é um cientista também? Se você está aqui, estudando esse conteúdo, é bem provável que precise entendê-lo melhor para realizar uma pesquisa científica, que pode ser: • um trabalho de conclusão de curso (TCC); • uma monografia ou um artigo de pós-graduação; • uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. Esses estudos servem como resultado da produção dos co- nhecimentos adquiridos durante a graduação ou a especiali- zação de um curso sobre determinado assunto. Por mais que pareçam distantes da ideia de ser cientista, esses trabalhos são considerados científicos, Saiba mais A evolução do conheci- mento é uma preocu- pação existente desde a Antiguidade. Um exemplo é o texto “Mito da ca- verna”, presente na obra A República, de Platão. Nele, o filósofo grego faz importantes analogias, discutindo sobre como é viver sem aquilo que o conhecimento nos proporciona e como este molda a nossa visão de mundo. O texto de Platão aborda as formas de se pensar a produção do conhe- cimento humano e do viver sem conhecimento atrelado à escravidão, trazendo uma analogia da luz e escuridão sobre o saber e o não saber. Para ler o “Mito da ca- verna” na íntegra, acesse o link a seguir. Disponível em: http://www.usp.br/ nce/wcp/arq/textos/203.pdf. Acesso em: 3 nov. 2021. Pesquisa e conhecimento 13 L ik op er /S h u tt er st oc k http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/203.pdf http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/203.pdf pois têm métodos para serem realizados e precisam seguir orientações previstas pelas instituições, por isso a necessidade de entender e co- nhecer a metodologia da pesquisa científica. 1.2 Ciência e outras formas de conhecimento Vídeo Objetivos de aprendizagem • Diferenciar a pesquisa científica de outras formas de pesquisa, levantamento de dados e produção de conhecimento. • Diferenciar o conhe- cimento científico de outras formas de conhecimento, crenças e ideologias. Agora que você já entendeu o que é pesquisa científica e percebeu que a ciência é uma forma de conhecimento presente em nosso coti- diano, vamos pensar sobre o que diferencia a ciência de outros tipos de produção de conhecimento. Iremos, então, falar sobre o conhecimento científico e as diferentes formas de conhecimento. Inicialmente, vale a pena diferenciar os conceitos de saber e de conhecimento, pois esses termos são utilizados como sinônimos em alguns contextos. A poetisa Cora Coralina (apud DENÓFRIO, 2004, p. 54), eternizou essa definição em seus versos: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. Com base na ideia de que o conjunto de saberes – que é bem maior do que simplesmente conhecer – leva à sabedoria, é possível deduzir que essa deriva dos saberes. Já o conhecimento pode ser en- tendido como aquilo que se conhece, que se aprende. As principais características dos saberes e do conhecimento são apresentadas na figura a seguir. Figura 2 Saberes e conhecimento: principais diferenças Saberes • Estão à nossa disposição. • São múltiplos, amplos, diversos. • São indissociáveis e vivos em suas relações com outros saberes. Conhecimento • É produzido sistematicamente. • É estático. • Pode ser controlado. Fonte: Elaborada pela autora. Dentro do grupo dos saberes, temos os chamados saberes populares, que são aqueles que todo mundo sabe, e exatamente por isso são A m m u s/ S h u tt er st oc k considerados populares – sabe-se porquê sabe, não há necessidade de explicações elaboradas ou de comprovações científicas. É bem provável que você já tenha ouvido falar dos saberes po- pulares ou do saber de senso comum. Também conhecidos como conhecimento popular ou conhecimento tácito, são aqueles saberes e co- nhecimentos comuns, oriundos do dia a dia pelas experiências acumu- ladas por determinado grupo social. Esses saberes ganham status de comuns ou normais, pois não há necessidade de quaisquer comprova- ções ou verificações de padrões ou análise científica. Eles acontecem naturalmente, mas podem se assemelhar ou se diferenciar enorme- mente a depender da cultura, das comunidades e da diversidade, já que se trata de um saber espontâneo. Por derivarem das experiências espontâneas, os saberes popula- res têm bases na intuição, nas crenças, nas tradições, na mitologia e nas histórias de tradições orais. São adquiridos basicamente por expe- riências pessoais; de modo geral, podem passar de geração em geração pelas vias de tradição oral, nos modos de se fazer ou de se conhecer. Às vezes, ganham status de verdades absolutas ou conhecimentos verda- deiros exatamente pelo caráter geracional (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). O interessante é que, justamente por não adotarem métodos ri- gorosos ou científicos, os saberes populares ou de senso comum não seguem as mesmas regras, por isso não passam pelas mesmas vias de validação, como as metodologias científicas. Basta crer, acreditar e entender que é assim porque é; não precisa de muitas explicações. Você poderia se perguntar: qual é a importância desses saberes? Diríamos que pode ser tão importante quanto a própria ideia de ciência. Basta analisar a importância das crenças e religiões para o mundo civilizado, além da importância dos saberes indíge- nas, por exemplo, ou dos chás me- dicinais e das terapias alternativas, que, mesmo não seguindo o cami- nho e as comprovações da ciên- cia, não podem ser descartados ou tidos como sem importância em determinadas comunidades ou contextos sociais. Os saberes populares são conhecimentos obtidos por meio da prática e fazem parte da cultura de determinado local/grupo. Chás medicinais, artesanatos, histórias passadas de geração em geração e culinária são alguns exemplos. Pesquisa e conhecimento 15 S u th ic h ai H an tr ak u l/ S h u tt er st oc k Livro Na história da humanidade, nem sempre a ciência foi tal qual se apresenta hoje. A ciência atual deriva da história das ciências ou das formas de se fazer ciência, isto é, da organização do conhecimento (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). O renomado autor brasileiro Rubem Alves (2007) classifica os conhecimentos produzidos ao longo da história da humanidade em filosóficos, teológicos ou religiosos, empíricos (popu- lares ou do senso comum) e científicos, os quais estão sistematizados no quadro a seguir. Quadro 1 Tipos de conhecimento No livro Ciência e existência: problemas científica, o importante filósofo brasileiro Álvaro Viera Pinto aborda a social da ciência aliada à existência humana, à busca pelas descobertas e às problemáticas sociais decorrentes da busca por fazer ciência. Vale a pena conhecer! PINTO, Á. V. 3. ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1985. Fonte: Elaborado pela autora com base em Alves, 2007. filosóficos da pesquisa ideia de construção Categoria/tipo de conhecimento Base epistemológica Exemplo Conhecimento filosófico É produzido por meio da reflexão, é sistemático e crítico e busca um co- nhecimento racional. Sua construção se baseia em ideias e conceitos metafí- sicos e abstratos, na busca da verdade. “A finalidade essencial da razão humana é a felicidade universal”. Conhecimento teológico ou religioso É gerado por meio de crenças, com base na fé religiosa e em dogmas intuitivos e divinamente revelados. O ser humano se relaciona com eles pelas crenças, pelos rituais e pelos textos considerados sagrados. São ti- dos como conhecimentos inquestioná- veis e infalíveis e que obviamente não precisam seguir os padrões científicos, pois se baseiam na fé e na crença. “Bem-aventurados os que choram, porque Deus os consolará”. Conhecimento empírico (popular ou do senso comum) É aquele conhecimento produzido no dia a dia, ligado a tradições, crenças ou valores. Baseia-se em percepções e observações. Não há necessidade de comprovação sistemática ou científica. Por esse motivo, é um tipo de conheci- mento superficial e subjetivo. “Chá de camomila é bom para acalmar os nervos”. Conhecimento científico É tido como o conhecimento verda- deiro, que busca conhecer as causas e as leis que regem determinado evento. É adquirido de modo racional por meio de processos que são sistematizados e organizados. “A temperatura média do universo diminui à medida que o uni- verso se expande”. Na comparação entre os diferentes tipos de conhecimentos, pode- mos concluir que o conhecimento filosófico busca descobrir aspectos relacionados ao sentido primordial da existência humana ou de uma realidade. Procura-se descobrir se há ou não liberdade, por exemplo, ou quais valores devem direcionar as ações humanas, entre outros conteúdos dessa natureza (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé, Clóvis de Barros Filho são exemplos de pensadores contemporâneos que ga- nharam notoriedade no contexto brasileiro graças às mídias sociais e ao trabalho de filósofos reconhecidos. Também é possível citar outros filósofos que popularizam discussões até então só realizadas em esco- las, universidades e contextos educacionais. Já o conhecimento teológico ou religioso é aquele que tem por base a inspiração divina, um deus ou um ser supremo, a depender da cultu- ra de cada povo (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). São exemplos os cultos e as missas dominicais, as escrituras sagradas e as várias formas de ma- nifestações e tradições religiosas de determinados grupos religiosos. Nas mídias sociais, o Padre Fábio de Melo, o Pastor Cláudio Duarte e a Monja Coen são campeões de interação com seus públicos. Sobre o conhecimento empírico ou de senso comum, podemos pensar em todo conhecimento que se faz presente em nosso dia a dia. Esses conhecimentos, tidos como populares, têm forte base nas tradi- ções orais, na mitologia e nas histórias passadas de geração em gera- ção. São exemplos a contação de causos e histórias, as benzedeiras e os usos de chás medicinais, algumas técnicas de agricultura e, ainda, os modos de preparação de alimentos, principalmente aqueles ligados às tradições de certas culturas (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). Por fim, sobre o conhecimento científico, o qual trataremos ao lon- go deste capítulo, é aquele produzido de maneira sistemática, e esse processo nunca é considerado algo pronto e acabado, pois pode sem- pre ser questionado e reavaliado. Em outras palavras, é um pro- cesso em constante construção (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). São exemplos os bancos de dados de artigos e periódi- cos de revistas de pesquisas científicas das mais diversas áreas – locais em que o conhecimento científico é sociali- zado. Para ser publicado em revistas de divulgação cien- Curiosidade Um dos filósofos brasileiros que fez uma reflexão entre os conhecimentos filosóficos e científicos foi Álvaro Viera Pinto, que aborda, em seus escritos, a ideia de construção social da ciência aliada à existência humana. Para conhecer e saber mais sobre os trabalhos desse importante cientista brasileiro, vale a pena vi- sitar o site que condensa boa parte de suas obras e a importância de seu pensamento científico na construção do conhecimento no contexto brasileiro. Disponível em: http://www. alvarovieirapinto.org/livros/. Acesso em: 3 nov. 2021. Pesquisa e conhecimento 17 p at p it ch ay a/ S h u tt er st oc k http://www.alvarovieirapinto.org/livros/ http://www.alvarovieirapinto.org/livros/ Pesquisa e conhecimento 18 1.3 Vídeo Objetivos de aprendizagem • Conhecer o processo de produção de conhecimento. • Entender os processos de validação do conheci- mento científico. tífica, em geral, o estudo é avaliado em pares e às cegas (sem saber quem é o autor), sendo revisado e validado por um conselho editorial científico. Bancos de dados como Scielo (Scientific Electronic Library Online), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Google Acadêmico são alguns exemplos. Ao abordar as diferentes formas de conhecimento, podemos compreender que todas têm sua importância. Apesar de validarmos o conhecimento científico como verdadeiro, podemos observar, ao longo da história da ciência, que alguns conhecimentos têm suas origens em outras formas e manifestações e que, de certo modo, todos eles têm a sua importância. A construção do conhecimento científico tem um processo dife- renciado das outras formas de produção de conhecimento. Para ser considerado científico, é preciso que siga alguns parâmetros consi- derados válidos; ou seja, basicamente, ele precisa seguir um método, uma metodologia. Por método, entende-se o modo de se fazer algo e um caminho para o conhecimento, pois, no método, é levado em conta o passo a passo a ser percorrido na busca por certa explicação ou resposta. Trata-se, ainda, dos instrumentos ou das técnicas utilizadas na busca e no tratamento dessas informações para convertê-las em um conhecimento científico. Na etimologia da palavra metodologia, que vem do grego methodus e significa “através, ao longo do caminho”, tem-se: meta = através; odos = caminho; logos = discurso, estudo – ou seja, é um caminho a ser percorrido. O método é, então, o conjunto de etapas necessárias para res- ponder a um objetivo proposto (THOMÁZ; BARBOSA, 2021). Em nosso dia a dia, temos vários empregos de métodos, por exem- plo, de se vestir, de preparar certos alimentos ou de podar plantas. Essas são ações simples, mas que, se não forem seguidas em um passo a passo, podem resultar em situações diferentes da proposta. Como o método é um passo a passo, não se pode alterar a ordem, pois isso implicaria um resultado diferente do previsto. Pesquisa e conhecimento 19 Assim, quando falamos de cientificidade, podemos dizer que, ao fa- zer ciência, somos guiados por pelo menos duas dimensões: Figura 3 Dimensões da cientificidade Dimensão epistemológica “A ciência como episteme, que significa origem do conhecimento, tem a função de explicar o mundo e criar teorias”. Dimensão metodológica “Essa dimensão trabalha com os aspectos operacionais, ou seja, diz respeito aos procedimentos para garantir que a investigação seja científica”. Fonte: Elaborada pela autora com base em Rauen, 2018, p. 25. Diante da epistemologia, temos alguns quadros teóricos, dentre os vários e possíveis referenciais dos quais os pesquisadores podem se valer como fundamentos. Esses quadros teóricos servem comopano de fundo para que o pesquisador vincule a sua pesquisa a essas linhas de pensamento. As variadas visões de mundo e de realidade determinam os dife- rentes métodos de se conduzir um estudo. Existe uma diversidade de métodos que podem ser organizados com base em várias abordagens teórico-metodológicas. Apresentamos, a seguir, alguns dos principais quadros teóricos, seus fundamentos e seus principais representantes. Quadro 2 Fundamentos e representantes Quadro teórico Fundamentos Representantes Positivismo • Ápice do empirismo. • Ênfase na experimentação. • Apelo à validação e à verificação. • Parte da observação e da descrição. • Francis Bacon • John Locke • David Hume • Auguste Comte Estruturalismo • Preocupa-se com as estruturas dentro de um sistema. • Estuda as relações dentro desse sistema. • Propõe modelos de representação de variáveis e de tipo. • Busca a interpretação dos significados das coisas. • Estuda as partes para compreender o todo. • Lévi-Strauss • Max Weber Sistêmico ou funcionalista • Difere-se do estruturalismo, pois a ideia de sistema aqui é consti- tuída de um todo que é superior às partes que o compõem. • Pressupõe que cada parte do todo desempenha uma função; dessa forma, a soma dessas partes é superior ao todo. • Émile Durkheim • Talcott Parson (Continua) A m m u s/ S h u tt er st oc k Pesquisa e conhecimento 20 Quadro teórico Fundamentos Representantes Materialismo histórico dialético • Tem base na realidade concreta e se preocupa com a supera- ção das contradições dos argumentos oponentes. • Possui três elementos e movimentos dos contrários: a tese, a antítese e a síntese. • Georg W. Friedrich Hegel • Karl Marx Fenomenologia • Busca a essência do que se pesquisa. • Define que o fenômeno é aquilo que se mostra em si mesmo; dessa forma, pode ser observado, examinado e explicado so- bre vários pontos de vista. • Edmund Husserl Etnometodologia • Pressupõe o contato direto com o dado, as pessoas, o fenômeno etc. • Precisa vivenciar essa realidade para entendê-la. • Harold Garfinkel Fonte: Elaborado pela autora com base em Habermas, 2014. No debate sobre o fazer ciência na modernidade, Habermas (1983) estabelece outra classificação, a qual dividiu em três grandes vertentes: Figura 4 Abordagens da cientificidade De maneira genérica, dentro das mais diversas vertentes e correntes filosóficas de abordagens de pesquisa, se vinculam os métodos que se propõem a explicar como se processa o conhecimento da realidade e como proceder para atingir o conhecimento. No que se refere às abordagens, em geral, estudam-se métodos de abordagem e métodos de procedimentos. Vejamos suas características a seguir. A abordagem histórico-hermenêutica ou fenomenológica, em que o conhecimento não está só no objeto a ser conhecido, mas também no pesquisador que o investiga; assim, deve-se verificar a relação entre esse sujeito e o objeto de conhecimento. dado/objeto a ser conhecido. vista ou da visão de mundo do pesquisador em relação ao objeto a ser conhecido em determinado contexto cultural, histórico e social. Para o autor, toda produção científica está relacionada a uma visão e às formas de organizar e conhecer o mundo. Pesquisa e conhecimento 21 1.3.1 Métodos de abordagem Os métodos de abordagem basicamente dizem respeito ao cami- nho mais amplo a ser perseguido em uma investigação, estando rela- cionado ao objetivo geral da pesquisa. São classificados em: • dedutivo; • indutivo; • hipotético-dedutivo. Seguindo a evolução histórica dos métodos, desencadeia-se nos pa- radigmas emergentes a crise de paradigmas. As principais característi- cas desses métodos estão descritas no quadro a seguir. Quadro 3 Métodos de abordagem Dedutivo Indutivo Histórico • Foi sistematizado por Francis Bacon. • Método defendido pelos filósofos René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Leibniz. Características • Parte-se da ideia do todo para as partes. • Premissa geral, maior para a menor. • Foi muito utilizado nas ciências duras da matemática e da física, devido à presença das suas leis e teorias com força equivalente. • Partes para o todo. • Premissa menor para a maior. • Parte das particularidades para a generali- zação; divide-se em três etapas: observação, relação e generalização. Exemplo • Todo homem é mortal (ideia universal). • Pedro é homem (parte menor), logo Pedro é mortal (conclusão). • Pedro é mortal, Antônio é mortal, José é mortal. • Ora, Pedro, Antônio e José são homens. • Logo, (todos) os homens são mortais. Fonte: Elaborado pela autora. No avanço do conhecimento científico, outro importante marco pode ser sistematizado, com a superação dos métodos indutivo e de- dutivo. Assim, Karl Popper (1978) propôs um novo modelo, como uma abordagem necessária a ser enfrentada, ressaltando que o que deve ser testado não é a possibilidade de verificação, mas sim a de refutação de uma hipótese, de modo a alterar o modelo dedutivo para um mode- lo hipotético-dedutivo, que se baseia na falseabilidade, modificando, assim, as noções de método e de teoria até então utilizadas. https://blog.mettzer.com/diferenca-entre-objetivo-geral-e-objetivo-especifico/ Pesquisa e conhecimento 22 1 No princípio de falseabili- dade, a comprovação, que até então era dirigida para verificar se a teoria era verdadeira (princípio de verificabilidade), com base no que é proposto por Popper, passa a ser diri- gida para comprovação de hipóteses. Para essa proposição, as hipóteses podem ser consideradas verdadeiras ou falsas, redimensionando os estu- dos não só com base na sua verificabilidade, mas também na sua refutabi- lidade, ou seja, também é possível comprovar que há hipóteses falsas. O método hipotético-dedutivo é baseado em uma crítica ao mo- delo indutivo. Esse método se dá com uma lacuna no conhecimento científico, o que propicia a formulação de hipóteses por um proces- so de inferência dedutiva. Sua linha de raciocínio pode ser apresen- tada da seguinte maneira: quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assun- to são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as dificuldades expressas no pro- blema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se consequências que deverão ser testa- das ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as consequências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se pro- cura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético- -dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la. (GIL, 2008, p. 12) Já no modelo proposto por Thomas Kuhn, essa construção do co- nhecimento se baseia na formulação de um paradigma, que signifi- ca um modelo, um exemplo ou um padrão a ser seguido. Em suas próprias palavras: “uma comunidade científica, ao adquirir um para- digma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível” (KUHN, 1998, p. 59). O modelo de paradigmas é subdividido em dois momentos, sendo eles: Nesse sentido, existe o debate em torno das crises dos para- digmas como um modelo da modernidade, em que tudo parece se esvaziar, como afirma Bauman (2021) ao abordar a crise dos paradigmas na modernidade líquida. 1.3.2 Métodos de procedimentos A definição dos métodos de procedimentos – diferentemente dos de abordagem, que são mais abstratos e gerais – está relacionada aos Segundo, a ciência, no momento de crise, trabalha pela superação do Primeiro, a ciência trabalha para ampliar ou aprofundar o aparato conceitual do paradigma.ar ty w ay /S h u tt er st oc k Pesquisa e conhecimento 23 procedimentos técnicos como sendo etapas de uma investigação, por isso esses procedimentos podem ser associados aos objetivos especí- ficos de um projeto. Nessa abordagem, é interessante, quando se refere aos objetivos específicos, pensar nos procedimentos (metodológicos) para se atingir esses objetivos, como em um passo a passo. Com o desenvolver das ciências, os métodos de procedimentos mais comuns podem ser sistematizados em: • observacional; • experimental; • comparativo; • histórico; • estatístico; • etnográfico; e • clínico. A seguir, vemos cada um dos itens mais detalhadamente explicados por Thomáz e Barbosa (2021). Como o próprio nome diz, refere-se à observação de uma dada realidade, podendo ser considerado o primeiro passo ou o mais primi- tivo dos métodos de estudos. Geralmente utilizado para descrever uma realidade, segue o passo a passo de observações do que será estudado e, nesse sentido, difere-se de uma simples observação de senso co- mum, pois parte da ideia de uma observação sistematizada. Pode ser combinado com outros métodos para análises mais aprofundadas. Usado por naturalistas desde os primeiros cientistas, intercalava as ideias de senso comum com as vertentes religiosas e filosóficas, na busca de realizar testes para comprovar cientificamente. A realização desse método, como o próprio nome demonstra, baseia-se no experi- mento e no controle das variáveis, normalmente comparando os efeitos das variáveis às condições e ao tratamento. Para a utilização desse mé- todo, é essencial que o pesquisador trace um plano experimental, bem como que estejam estabelecidas as condições da experiência e a forma como irá se obter as respostas do problema de pesquisa. Pesquisa e conhecimento 24 Consiste em estabelecer parâmetros de comparação, averiguando semelhanças e diferenças entre grupos, sociedades, entre outros fato- res comparativos. Tem como premissa básica a História como ciência e disciplina, capaz de explicar estruturas e acontecimentos, podendo versar so- bre diversos pontos – culturais, políticos, econômicos, sociais etc. É centrado na investigação de acontecimentos, fatos ou instituições do passado, com o intuito de verificar a sua influência na sociedade de hoje, realizando um retorno às raízes para uma compreensão de sua natureza e função. Essa abordagem também é conhecida como método crítico ou método histórico-crítico, em que um conjunto de procedimentos téc- nicos e interdisciplinares é aplicado para gerenciar suas fontes pri- márias, investigando eventos pertinentes às sociedades humanas e convergindo para uma produção historiográfica. Esse método pode ser utilizado junto à abordagem dialética e é bastante usado em pesquisas qualitativas. Baseia-se em dados quantitativos (da estatística ou da probabilida- de) para a explicação dos fatos e fenômenos, utilizando dados numé- ricos para interpretar uma problemática ou uma dada realidade. Um exemplo disso pode ser encontrado em números e estatísticas, como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A utilização do método estatístico possibilita medir, quantificar e mensurar a realida- de pesquisada. É uma das abordagens mais utilizadas em estudos longitudinais, pois permite ao pesquisador vivenciar uma realidade para tirar suas conclusões. Pressupõe o contato direto do pesquisador com o estudo, com a realidade, com as pessoas, com o grupo ou com o fenômeno observado e estudado. Método etnográfico Pesquisa e conhecimento 25 Derivado dos procedimentos da ciência da saúde, esse método se tornou um dos mais importantes na investigação psicológica, em especial depois dos trabalhos de Sigmund Freud e Jean Piaget, que o utilizaram em suas investigações. É necessário tomar os devidos cuida- dos ao propor generalizações, já que ele parte de experiências, análi- ses particulares e individuais, envolvendo experiências subjetivas, por meio do emprego do método clínico. Em termos de pesquisas científicas, o desenvolvimento dos méto- dos seguiu a história evolutiva do desenvolvimento das ciências. Os métodos podem ser associados aos diferentes tipos de pesquisas e nem sempre um único método poderá ser adotado com total rigorosi- dade, pois eles acabam por serem combinados em uma investigação, uma vez que um único método pode não dar conta de orientar todos os procedimentos a serem desenvolvidos ao longo dela. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, você organizou as informações e compreendeu a dife- rença entre informação e produção de conhecimento. Entendeu, ainda, os princípios que regem as pesquisas científicas, diferenciando-as de outras formas de pesquisas. Você também teve a oportunidade de aprender sobre outras manei- ras de produção na evolução do conhecimento científico, percebendo que os saberes populares são tão importantes em algumas comunidades quanto as outras formas de saberes. A finalidade de apresentar brevemente as correntes filosóficas e os seus métodos de abordagens e de procedimentos foi possibilitar uma vi- são ampla sobre como o processo de construção do conhecimento cien- tífico se desenvolve com essas abordagens. A metodologia científica é um caminho de estudo a ser percorrido. Dessa forma, seu objetivo é orientar o pesquisador sobre qual rumo pode tomar para realizar uma investigação, com base em cada um dos métodos identificados. Além disso, vimos que a ciência é algo bastante vivo, em constante interações, e que não permite mais a ideia de verdades exclusivas ou absolutas, ou rigidez de um único método, uma única verdade. De modo geral, este capítulo possibilitou uma ideia do que é e como se faz pesquisa na atualidade, pois a ciência está constantemente sendo posta à prova. Pesquisa e conhecimento 26 REFERÊNCIAS ALVES, R. Filosofia da ciência. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2007. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021. DEMO, P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. DENÓFRIO, D. F. Cora Coralina. São Paulo: Global Editora, 2004. (Coleção Melhores Poemas). GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. HABERMAS, J. Positivismo, pragmatismo, historicismo. In: Conhecimento e interesse. São Paulo: Editora Unesp, 2014. HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. In: Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. MORIN, E. 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