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HISTÓRIA DE ISRAEL AULA 2 Prof. Roberto Rohregger 2 CONVERSA INICIAL Hoje veremos a saga de Israel, que passou de um amontoado de pessoas peregrinando no deserto e se transformou numa nação, implicando uma série de sacrifícios e a exigência de uma liderança forte e decidida. Seu primeiro grande líder foi Moisés, que manteve uma unidade entre o povo e os conduziu à terra prometida por Deus, porém, ele morreu antes de adentrá-la. Esse trabalho coube a Josué, que, tímido e com sérias dúvidas sobre sua capacidade de conduzir essa empreitada, mostrou-se uma liderança confiável e robusta, conseguindo conquistar boa parcela de uma terra que, apesar de enfraquecida por uma série de conflitos, ainda tinha várias cidades- Estado militarmente fortes. Após a instalação do povo na terra e a morte de Josué, inicia-se o período dos Juízes, que fazem o papel de líderes nos momentos de dificuldade e de ataques dos inimigos. Israel manteve-se na terra, porém o povo percebeu que o sistema de Juízes não produziu uma unidade entre as tribos para formar uma nação, e assim a população esteve em desvantagem em relação aos povos ao redor. O período da Monarquia consolidou a nação e, apesar das falhas de Saul, Israel fortaleceu-se, e com Davi a conquista se consolidou. Salomão, o último dos grandes reis, também fortaleceu a nação, edificou o templo, desenvolveu o comércio, porém cometeu erros que desestabilizaram a nação e a fragmentou novamente. TEMA 1 – A CONQUISTA E A TERRA REPARTIDA ENTRE AS TRIBOS Como vimos, a saída do Egito iniciou a formação do povo de Israel, que, mantendo-se coeso, estabeleceu uma nação. Mas para isso é preciso montar um território numa terra que já tinha muitas nações e cidades-Estado. Há uma série de desafios nesse momento, sendo um deles a grande inferioridade militar em comparação aos povos já estabelecidos da região. Temos como principal fonte histórica os relatos das Escrituras sobre a conquista da terra prometida, trazendo alguns contrapontos da pesquisa histórica, geográfica e textual para compreendermos todo esse momento complexo. A autoria do livro tem sido atribuída ao próprio Josué (exceto os textos 3 Js. 15:13-17 e 24:29-31). O livro teria sido escrito pouco tempo depois da ocorrência dos fatos, tendo como base Js. 6:25. Após a morte de Moisés, a liderança foi passada a Josué. Líder e guerreiro, nascido no Egito, seu nome significa “Javé é salvação” (Nm. 13:10). Serviu como atendente pessoal de Moisés durante o período no monte Sinai (Ex. 24:13). Josué, o sucessor de Moisés como mediador da aliança, já havia se destacado como um homem de sabedoria e um líder militar de coragem. Enquanto se posicionava no lado oriental do rio Jordão, antecipando-se a conquista da terra, sua mente já possuía toda uma estratégia militar preparada. Ele percebeu de forma correta que a terra de Canaã dividia-se em duas grandes áreas que representavam dois elementos étnicos distintos. Para o sul e na região montanhosa estavam as cidades controladas pelos amoritas; para o norte, especialmente na planície de Jezreel, estavam as grandes concentrações de cananeus. Procedendo de acordo com a experimentada estratégia de guerra, Josué sabia que a melhor chance para o sucesso baseava-se no princípio “dividir para conquistar”. (Merrill, 2001, p. 106) Há duas vertentes para a data dos livros. Alguns pesquisadores sustentam uma data mais recuada, por volta de 1400 a.C., época da conquista de Canaã sob sua liderança. Outra linha apresenta uma data mais recente – por volta de 1240 a.C. –, mais difícil de harmonizar, pois a presença dos filisteus tinha grande poder na Palestina na época, o que era uma dificuldade muito maior para conquistar a terra. Na época da conquista de Canaã, possivelmente a maioria das cidades estava fragilizada por causa de vários conflitos na região, e isso também ocorreria com o império egípcio, que estaria se recuperando do conflito com o império hitita, renunciando à sua influência na região. Há, porém, uma questão que estudiosos levantam com relação ao Livro de Josué e à conquista da terra prometida. Para eles, o livro apresenta uma contradição interna que também problematiza o Livro dos Juízes. A primeira parte do Livro de Josué, do Capítulo 1 ao 12, apresenta uma conquista relativamente rápida e completa de Canaã, porém o próprio livro, no Capítulo 13, parece indicar que Josué não conquistou totalmente a região, mas parcialmente, condizendo com o Capítulo 1 de Juízes, conforme Bright: De acordo com a narração principal (Js cap. 1 a 12) a conquista representou um esforço concentrado de todo o Israel e foi repentina, sangrenta e completa. Depois da maravilhosa travessia do Jordão e o desmoronamento dos muros de Jerico, três campanhas-relâmpago pelo centro da região (cc. 7 a 9) dirigindo-se para o sul (c. 10) e para o norte (c 11) levou toda a Palestina a submeter-se ao controle israelita 4 (c. 11.16-23). Tendo sido os habitantes massacrados, a terra foi em seguida dividida entre as tribos (cc. 13 a 21). Mas juntamente com essa narração a Bíblia apresenta outro quadro da ocupação da Palestina, que mostra com evidências ter ela sido um processo longo, resultado dos clãs individuais e parcialmente completos. Vê-se isso muito bem em Jz c. 1, embora algumas passagem de Josué (cc. 13, 2-6; 15, 13- 19; 63; 23, 7-13) mostrem a mesma coisa. Aqui vemos claramente como a ocupação israelita da Palestina estava longe de ser realmente completa. (1978, p. 165) Apesar da pequena divergência, consideraremos, para efeito de nossos estudos, o relato apresentado nas Escrituras. Tendo isso em vista, podemos dividir o Livro de Josué em três grandes partes: 1. Conquista da terra prometida (Js. 1-12); 2. Partilha do território entre as tribos (Js. 13-21); 3. Fim da carreira de Josué (Js. 22-24). Temos no início do livro a escolha de um novo líder, pois Moisés morreu antes de entrar efetivamente na terra prometida. Josué assumiu a liderança e conduziu os hebreus. Além disso, espiões foram enviados para explorar a terra de Canaã (em especial Jericó). Com a cheia do rio Jordão, os hebreus acamparam por três dias. Um fator que auxiliou Josué nas batalhas foram justamente as cheias, que impossibilitavam o uso de carros de guerra por parte dos inimigos, o que reduzia significativamente a supremacia militar dos oponentes. Na sequência, atravessaram o Jordão, e a primeira cidade conquistada foi Jericó. As muralhas de Jericó tinham que ruir para que os israelitas pudessem avançar na conquista da terra prometida, por ser Jericó a chave do sul de Canaã […]. O muro tinha duas partes. A parte exterior tinha dois metros de espessura e a interior quatro. Entre ambas as partes havia um espaço de quatro a cinco metros. As duas tinham cerca de metros de altura. Deveria ser uma estrutura imponente, visível a uma distância de vários quilômetros. […] As ruínas pareciam indicar que a muralha exterior desmoronou-se para fora e pelo declive abaixo, arrastando a muralha interior e as casas. Isso possibilitou aos invasores entrar. (Mears, 1982, p. 79) A vitória em Jericó foi uma grande conquista para Israel, possibilitando sua continuidade na campanha ao sul (Js. 10), conquistando a cidade de Ai após uma segunda investida. As conquistas do povo israelita começaram a chamar a atenção dos outros povos, que formaram uma aliança para se defender. 5 Segundo Merrill, O fundador e líder da aliança era Jabim, rei de Hazor (Tele d-Quedah) – a maior das cidades do norte e possivelmente de toda a Canaã. […] Jabim solicitou o apoio dos reis cananeus, amorreus, hititas, ferezeus, jebuseus e heveus de ambos os lados do rio Jordão e do Hebron, ao norte da região montanhosa de Efraim. Com um numeroso contingente de infantaria e carros de combate, essas forças combinadasesperavam pela vinda de Israel às águas de Merom, um campo de batalha preparado pela natureza. (2001, p. 117) Porém, com um ataque rápido e mortal, Josué abateu as forças inimigas, derrotando-as completamente. Quem conseguiu escapar fugiu para o mais longe possível dos israelitas. Assim Israel começou a se estabelecer na região de Canaã. Tecnicamente, apesar das grandes vitórias e conquistas de Josué, os israelitas ainda enfrentariam muitas dificuldades para se fixar na terra. Agora, porém, aquele aglomerado de pessoas, fugitivos do Egito, tinha conquistado uma terra e poderia começar a desenvolver uma nação. Para isso, precisavam construir uma estrutura administrativa e governamental. TEMA 2 – O GOVERNO TEOCRÁTICO Josué distribuiu o território da terra prometida entre as tribos, bem como uma lista das principais cidades conquistadas (Js. 12:1-24). Conforme Js 18:1- 7, a comunidade israelita reuniu-se em Siló, onde distribuíram as terras. Na cidade de Siquém, Josué reuniu as tribos com seus líderes e renovou a aliança dos israelitas com Deus. A liderança de Josué foi fundamental para conquistar Canaã, mas estava restrita ao período de guerra. Com a divisão das terras, tivemos uma confederação de tribos, cada uma com uma liderança específica, e a aliança com Deus tornou-se a única união entre todas elas, estabelecendo-se uma teocracia não estruturada, pois as tribos deveriam seguir os preceitos estabelecidos e herdados de Moisés. O que ligava as tribos era, portanto, uma confederação de proteção em caso de ataques à religião comum. 6 Figura 1 – Divisão da terra prometida Crédito: João Miguel, 2021. Essa organização persistiu por muito tempo. Sempre que necessário, levantava-se o líder de uma tribo para conduzir as demais tribos. Podemos considerar esse período uma teocracia? De certa maneira, sim, pois o elemento que ligava as tribos era a religião, a crença em Deus e na sua revelação. Entretanto, não era uma teocracia formal, pois ainda não havia uma estrutura de Estado. Apesar de terem uma terra e um elemento religioso comum, ainda não estava consolidada como nação propriamente dita, pois lhes faltava um governo, 7 uma estrutura política e militar formal. Esse período foi desde a tomada da terra por Josué até o estabelecimento da monarquia com Saul. TEMA 3 – OS JUÍZES Israel já estava se instalando, porém, apesar do sucesso militar, ainda estava numa terra não totalmente dominada, cercada de outros povos. O nome hebraico deste Livro é Shophetim, significando “juízes” ou “líderes executivos”. O título da Septuaginta, Kritai, tem o mesmo significado, “juízes”. O título é derivado do tipo de governo que a teocracia israelita gozava durante o intervalo da morte de Josué e a coroação do rei Saul. O tema básico do livro é a falha de Israel como teocracia, no sentido de não ter conseguido a liderança de homens escolhidos por Deus, os quais libertavam a nação da opressão do mundo pagão ao derredor. (Archer, 1973, p. 197) Podemos perceber, pelo relato bíblico, momentos de afastamento e reaproximação do povo com Deus, sendo um período cíclico; isto é, Israel oscilava entre Yahweh e outros deuses de Canaã. Segundo Merrill, Após a geração de Josué haver passado, o povo esqueceu-se de Yahweh, trocando-o pelos deuses de Canaã. Isto provocou a ira de Yahweh, de forma que Ele enviou inimigos a Israel a fim de puni-lo e despertar-lhe o interesse em retornar para os caminhos de Deus. (2001, p. 162) Josué não deixou sucessores, assim, cada tribo agiu de forma independente, não havendo estrutura de governo, tampouco uma capital. Nesse período de guerra, levantavam-se os Juízes para conduzir o povo à libertação ou ao enfrentamento dos inimigos. Israel ainda não tinha um governo organizado e, apesar de provavelmente ter uma organização militar, não era um exército permanente. Segundo Ellisen, “Essa necessidade é relatada com clareza nos capítulos 1-16, e é afirmada quatro vezes na parte final. Sem um rei, eles se encontravam num estado de anarquia” (1991, p. 79). 8 Quadro 1 – Cronologia e principais eventos do período de Juízes Data (a.C.) Opressor Juiz Tribo Referência Evento 1382-1374 1374-1334 Mesopotâmia Otniel Judá Juízes 3:7-11 Culto a Baal logo após a morte de Josué. Opressão por antigo inimigo distante. 1370 --- --- 17-17 Tribo de Dã migra para o norte por não ter conseguido expulsar os filisteus das terras do sudoeste. 1365 --- --- -- 19-21 A imoralidade da tribo de Benjamim provoca guerra civil com Israel. Fineias era ainda o sumo sacerdote. 1340 --- --- --- Livro de Rute Época provável em que a moabita Rute se casou com Broaz, descendente de Raabe. 1334-1316 1316-1235 Moabitas Eúde Benjamim 3:12-30 Benjamim torna-se forte novamente. Segue-se um longo período de paz. 1230 Filisteus Sangar Judá 3:31 Crime violento nas ruas de Israel. Opressão dos filisteus. Uso do aguilhão dos bois. Escassez de ferro. 1235-1216 1216-1176 Cananeus Débora Efraim 4-5 Homens tímidos na liderança. Duas valentes mulheres livram Israel (Jael e Débora). 1176-1169 1169-1129 Midianitas Gildeão Manassés 6-8 Culto a Baal. Medo leva Israel para as covas. Saque pelos beduínos. Posse de um humilde fazendeiro. 1129-1126 Rei usurpador Manassés 9 Mau filho de um grande líder tenta tornar-se primeiro rei de Israel pela violência. 1120-1097 Período pacífico Tola / Jair Issacar / Gileade 10:1-2 Juízes mais pacíficos do que libertadores. 1103-1085 1085-1079 Amonitas Jefté Manassés 10-12 Israel seve a muitos deuses estrangeiros. Israelita proscrito recebe o poder de libertar e repreende Efraim. 1100-1085 Período pacífico Ibsã / Elom / Abdom Judá / Zebulom/ Efraim 12:8-15 Tribos do norte, sul e do centro têm paz. 1103-1063 1095-1075 Filisteus Sansão Dã 13-16 Filisteus ocupam Israel ocidental. Um nazireu sem moral é o único juiz que falha. 9 1095-1055 1070-1020 Filisteus Samuel Levi 1 Samuel 7:16 O primeiro dos profetas e o primeiro líder a unir todo Israel desde Josué. Fonte: Ellisen, 1991, p. 81. O período de Juízes foi bastante conturbado, e o povo percebeu que as nações ao redor eram mais coesas e tinham uma administração e governo central. Israel sentia-se fragilizado, pois a falta de uma ação em conjunto prejudicava muito quando necessitavam de defesa, e assim nasceu o desejo de um governo que efetivamente unificasse as tribos. O povo exigia um rei. TEMA 4 – EXIGÊNCIA POR UM REINADO Podemos dizer que o profeta Samuel conduziu as controvérsias relacionadas à exigência da unificação pela escolha de um rei. Havia a posição ortodoxa, defendida inicialmente pelo próprio Samuel, de que já haveria um rei sobre a nação de Israel: o próprio Deus. Porém, como afirma Merrill (2001), O refrão do livro dos Juízes – “Naqueles dias não havia rei em Israel” (17.6; 18.1; 19.1; 21.25) – foi finalmente traduzido pelo povo israelita em um forte clamor a Samuel: “[…] constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como têm todas as nações” (1 Sm 8.5). Embora a reação esboçada por Samuel tenha sido negativa (v. 6), o problema não estava no desejo de possuir um rei, mas no espírito antiteocrático com que o pedido foi feito, e em sua prematuridade. Havia ainda outro problema: os filhos de Samuel. Como era um homem de bastante idade naquele tempo e já havia indicado seus dois filhos como juízes para sucedê-lo, e ambos já tinham se demonstrado incapazes para a tarefa – além de serem corruptos –, o povo os rejeitou, abrindo-se caminho para a exigência de um rei mais capacitado. Segundo Josefo, Samuel, depois de ter ajustado tão bem os interesses de sua nação, escolhe algumas cidades onde deveriam resolver todos os litígios. […] A velhice, porém, tornava-o incapaz de suportar tal trabalho, e ele entregou o governonas mãos de seus filhos, o mais velho dos quais chamava-se Joel e o mais moço Abias. […] A experiência então mostrou que os filhos nem sempre se assemelham aos pais […]. Estes, em vez de seguir as pegadas paternas, tomaram caminho totalmente oposto. Recebiam presentes, vendiam vergonhosamente a justiça, calcavam aos pés as leis mais santas, chafurdavam-se em toda a sorte de impurezas, sem temor de ofender a Deus nem de desagradar ao pai, que desejava com tanto ardor que eles cumprissem o dever. (1990, p. 151) 10 Samuel cedeu à pressão popular e iniciou a busca por um indivíduo que pudesse assumir o porto de rei de Israel. As Escrituras (1 Sm. 9:1-2) relatam que “Havia um homem de Benjamim, rico e influente chamado Quis, filho de Abiel, neto de Zeror, bisneto de Becorate e trineto de Afia. Ele tinha um filho chamado Saul, jovem de boa aparência, sem igual entre os israelitas; os mais altos batiam nos seus ombros”. Este seria o escolhido para ser o primeiro rei de Israel. Apesar da descrição da origem familiar de Saul e de sua complexidade física, ele não vinha de uma linhagem especial e aparentemente não tinha muitas características que o elegessem como rei. A escolha de Samuel foi, segundo as Escrituras, por orientação divina, possivelmente pelos dons carismáticos, como era comum na escolha dos juízes. O encontro entre Samuel e Saul foi inusitado. Estava Saul procurando algumas jumentas que haviam se desgarrado e isso o levou até Ramá, procurando pelo vidente da cidade que pudesse auxiliá-lo a encontrar os animais. Ao se encontrar com Saul, Samuel teve a confirmação de que ele deveria ser o rei de Israel (1 Sm. 9:15-17). Saul foi ungido por Samuel numa cerimônia pública e consagrado rei, iniciando o período da monarquia em Israel. TEMA 5 – PERÍODO DA MONARQUIA O período monárquico abrange o reinado dos três primeiros reis, quando Israel se consolidou como nação – Saul, Davi e Salomão –, estendendo-se desde o ano 1040/1030 a.C. até 931/920 a.C. Os reinados se dividem assim: • Saul (1030-1010 a.C.); • Davi (1010-970 a.C.); • Salomão (970-931 a.C.). 5.1 Saul Saul, ungido primeiro rei de Israel, logo começou a organizar e solidificar a nação. O primeiro grande desafio de Saul foi desmontar o cerco à cidade de Jabes Giliades, realizado por Naás, rei de Amom. Naás aproveitou o momento de transição de Israel para invadir a cidade, que era distante e vulnerável. Se a 11 cidade fosse tomada, abalaria totalmente a confiança em Saul, e Israel ficaria ainda mais enfraquecido. Entretanto, a resposta de Saul foi altamente eficaz: uniu as tribos de Israel e cerca de 300 mil israelitas e mais 30 mil homens de Judá, que se juntaram e atacaram os amonitas, destruindo-os completamente (Merrill, 2001, p. 211). Saul e seu filho Jônatas guerrearam contra diversos povos que ainda não haviam sido dominados e os derrotaram, inclusive os filisteus, que ainda faziam incursões em Israel, mas esse ataque provocou forte reação. Foi quando Saul tomou o ofício sacerdotal, sendo este um dos seus erros, senão o maior. Podemos elencar alguns dos principais erros que levaram à derrocada de Saul como rei: • Usurpação da função sacerdotal de Samuel durante o enfrentamento com os filisteus; • Falta de entendimento com suas tropas, tornando-se de uma exigência quase impossível de suportar; • Depois da vitória sobre os amalequitas, deixou de obedecer a ordem de Deus para destruir a todos; • Seu descabido ciúme com relação a Davi; • Seu amargor por julgar injustos os castigos que recebia de Deus. O suicídio de Saul marcou definitivamente suas ações equivocadas. Seu reinado, que tinha começado com uma boa perspectiva (apesar da sua inexperiência), terminou abalando a estrutura de Israel, que ainda estava estabelecendo suas fronteiras. 5.2 Davi Davi sucedeu a Saul. Já havia conquistado grande respeito após derrotar Golias e se destacar como chefe militar, conseguindo consolidar as tribos numa grande nação. Ele já governava em Hebrom havia sete anos, mas entendia que a cidade- sede do governo deveria ser em um lugar mais neutro, sem ligação a nenhuma tribo, num reinado único. Jerusalém, importante e estratégica cidade, continuava em mãos estrangeiras, e essa cidade seria um importante trunfo para Davi. 12 Segundo Merrill, A longa história da independência de Jerusalém, como uma ilha no mear de israelitas, pode ser praticamente atribuída à sua situação geográfica, que lhe dava grandes condições de defesa. […] Como era característico de todas as cidades muradas de Canaã, Jerusalém tinha uma passagem vertical de águas conectada a um túnel ligado a uma fonte subterrânea fora das muralhas. Sendo o sistema necessário para a sobrevivência de uma cidade cercada, também apresentava o maior perigo, já que providenciava acesso a qualquer um que achasse a entrada. (2001, p. 248) Davi usou justamente esse subterfúgio para acessar a cidade, elaborando uma entrada estratégica, conforme a Figura 2. Figura 2 – Plano de Davi para entrar em Jerusalém Fonte: Rohregger, 2021. Davi tomou Jerusalém, um passo decisivo para consolidar seu reinado. Além desse grande feito, podemos listar outras vitórias suas: • Contra os filisteus (2 Sm. 5:17-25; 8:1); • Contra os moabitas (2 Sm. 8:2); • Edom é derrotado e controlado por tropas (2 Sm. 8:13-14); • Amom é totalmente derrotado (2 Sm. 12:26-31); • Derrota do rei Hadadezer (2 Sm. 10:15-19); 13 • Damasco é conquistada (2 Sm. 8:5-8). Após efetivamente colocar Israel como nação estruturada e bem estabelecida, Davi morreu em idade avançada, após reinar 40 anos e meio: 7 anos em Hebrom e 33 em Jerusalém. Sucedeu-lhe seu filho Salomão, que tivera com Bate-Seba. 5.3 Salomão O relato sobre o reinado de Salomão é encontrado no Livro dos Reis. É importante compreendermos inicialmente que Salomão não era o herdeiro natural de Davi, porém, acabou sendo sua escolha pessoal, o que recheou sua posse de intrigas e inimizades. A morte iminente do rei explica a luta resultante entre os aliados mais fortes de Davi. Adonias, o mais velho dos filhos sobreviventes de Davi (2 Sm. 3.4), liderou uma conspiração pra fazer-se rei. Ele recebeu o apoio de Joabe e do sacerdote Abiatar em Em-Rogel, onde celebraram sua entronização iminente. Entretanto o profeta Natã, o sacerdote Zadoque, Benaia, capitão da guarda do rei, e Salomão, irmão de Adonias, foram excluídos. Natã sabia o que isso significava: exclusão ou morte. Davi ordenou a unção de Salomão junto à fonte de Gion. Quando Adonias ouviu o povo gritar “Viva o rei Salomão!”, fugiu, buscando segurança no tabernáculo, onde se agarrou às postas do altar. (Dockery, 2001, p. 285) Logo após ser coroado, Salomão eliminou todos os inimigos. Mandou matar seu irmão Adonias, o general Joabe e desterrou o sumo sacerdote Abiatar. A Bíblia descreve Salomão como um homem de extrema sabedoria e astúcia. Ele se demonstrou, no início do reinado, um rei acima das expectativas. Apesar de não expandir as fronteiras que Davi conquistara, ele as consolidou, fortalecendo as estruturas administrativas e militares, forjando importantes alianças com outras nações. Também desenvolveu a nação, sendo uma das suas principais realizações o Templo em Jerusalém. Depois de ser construído o templo, Salomão passou a construir o seu próprio palácio, uma obra que levou treze anos para ser concluída. Parece claro que os dois projetos foram realizados em sequência, e não simultaneamente, pois, embora 1 Reis 3.1 registre que Salomão construiu “seu palácio e o templo do Senhor”, o historiador indica que foi preciso sete anos para a construção do templo (1 Reis 6.39) e treze para o palácio (1 Reis 7.1), somando um total de vinte anos (1 Reis 9.10). (Merrill, 2001, p. 314) Como grande diplomata, suas alianças com os demais povos permitiram a Salomão desenvolver um comércioforte, gerando recursos para fortificar Jerusalém e outras cidades. 14 Entretanto, a Bíblia relata, a partir de 1 Reis 11, o afastamento de Salomão de Deus, muito influenciado pelos deuses que suas concubinas traziam, rompendo a estrutura religiosa de Israel e as alianças entre as tribos, principalmente com Judá. A primeira ruptura na estrutura imperial de Salomão surgiu no leste do mar Morto, na província de Edom. Este reino orgulhoso havia sido tomado por Davi em algum tempo na primeira metade do seu reino[…]. Hadade, como outros adversários de Salomão, passou a reivindicar independência. (Merrill, 2001, p. 318) Salomão começou a enfrentar sérias dificuldades na administração do reinado. Divisões internas, aumento dos impostos e uma insatisfação cada vez maior do povo atiçaram o espírito de rebelião. O rei morreu em torno do ano 632 a.C. O líder que começou sua história com a expectativa de consolidar o reino acabou deixando-o profundamente fragmentado. Seu filho Roboão lhe sucedeu, mas as consequências da administração de Salomão e as insatisfações do povo eram irrefreáveis. NA PRÁTICA Pudemos ver nesse recorte histórico a conquista da terra prometida. Moisés não pôde entrar, mas Josué obedeceu ao seu chamado e liderou o avanço do povo hebreu em busca de seu território. Os israelitas se estabeleceram, mas os povos ao redor ainda os hostilizavam. A federação tribal necessitava, de tempos em tempos, de um líder para enfrentar os inimigos, mas essa situação não perdurou, sendo necessário um poder central que proporcionasse uma maior coesão entre as tribos. E então o povo exigiu um rei. O período da monarquia teve um início conturbado com Saul, que não conseguiu se impor e por várias vezes desobedeceu a Deus, atitude que o levou à ruína. Com Davi, Israel se tornou de fato um reino, ampliando seu território, consolidando suas fronteiras e se estabelecendo como potência respeitável. Salomão manteve o reino, construiu o templo e estabeleceu novas rotas comerciais, desenvolvendo a nação, porém cedeu à idolatria e impôs forte jugo sobre o povo. Assim, a insatisfação com Salomão trouxe uma série de rupturas irrefreáveis. 15 FINALIZANDO Israel conquistou seu território e começou a se estruturar, mas ainda não tinha coesão, mais parecendo um grupo de tribos sob um acordo. O povo percebeu que, como os outros povos ao redor, foi necessária uma liderança unificada e estável. Assim começou o período da monarquia de Israel, que, apesar de fixar o território e desenvolver a nação, não conseguiu se sustentar por muito tempo. O resultado foi, no final do tempo de Salomão, um reinado fragmentado, com uma série de intrigas familiares. O processo que se iniciou fortalecendo Israel acabou fragilizando-o, trazendo consequências terríveis. 16 REFERÊNCIAS ARCHER, G. L. Merece confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova, 1973. BRIGHT, J. História de Israel. São Paulo: Paulus, 1978. DOCKERY, D. S. Manual bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001. ELLISEN, S. A. Conhecer melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 1991. JOSEFO, F. História dos hebreus. Rio De Janeiro: CPAD, 1990. MEARS, H. C. Estudo panorâmico da Bíblia. São Paulo: Vida, 1982. MERRILL, E. H. História de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: CPAD, 2001.