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ESTUDO DO MOVIMENTO III: FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Gustavo Leite Camargos Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a fisiologia do exercício como ferramenta de auxílio na prescrição e montagem do programa de exercícios. Apresentar os efeitos fisiológicos de base para interpretação das ne- cessidades do exercício físico. Discutir as condutas iniciais para o atendimento e prescrição do exercício. Introdução Para aqueles que trabalham com a prescrição de exercício físico, o co- nhecimento em fisiologia do exercício é altamente necessário, pois é extremante importante conhecer a ampla gama de respostas ao exercício, incluindo aquelas que ocorrem no âmbito de uma determinada classe de doenças, bem como entre as diferentes condições especiais. Neste capítulo, você conhecerá a importância do conhecimento em fisiologia do exercício na prescrição e aplicação de programas de exercício físico com ênfase em grupos especiais. Assim, ampliará seu conhecimento sobre as principais modificações fisiológicas ocorridas nas condições especiais apresentadas, compreendendo o possível papel do exercício no seu tratamento. Além disso, conhecerá as principais condutas para o atendimento às respectivas populações especiais, com destaque para suas individualidades e aspectos mais importantes. A fisiologia na prescrição e montagem de programas de exercícios O conhecimento em fi siologia do exercício é essencial para compreender quais são as demandas impostas ao organismo, dependendo dos tipos e métodos de treinamento utilizados, e quais poderão ser as respostas e adaptações provo- cadas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A aptidão física é um estado de funcionamento corporal caracterizado pela capacidade do indivíduo em tolerar o estresse do exercício. Como diferentes tipos de exercícios envolvem diferentes capacidades para serem realizados, a aptidão física abrange um conjunto de componentes, como força, potência e resistência musculares, a resistência cardiorrespiratória, a fl exibilidade, a composição corporal e a agilidade. E para promover melhorias nesses componentes da aptidão física, é importante conhecer antes de mais nada quais são as variáveis relevantes e as relações de estímulos necessários para promover as modifi cações (POWERS; HOWLEY, 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Apenas assim é possível estabelecer um diagnóstico correto das necessidades do indivíduo (EHRMAN et al., 2017). Quando trabalhamos com grupos especiais, esses conhecimentos se tornam ainda mais urgentes, pois estamos lidando com indivíduos que apresentam algum problema de saúde ou alguma condição de caráter irreversível que pode interferir diretamente na prática esportiva, ou que exigem cuidados específicos para participarem de algum programa de exercício físico. Nesse contexto, podem ser incluídos idosos e indivíduos com alguma condição cardiovascular ou alteração metabólica como diabetes, obesidade e câncer (ROBERGS; ROBERTS, 2002; ACSM, 2018). Para cada uma das condições citadas, se torna importante compreender as principais modificações fisiológicas associadas e como o exercício físico deve ser prescrito, ou seja, quais são as principais diretrizes de prescrição e as principais variáveis fisiológicas de controle e avaliação. Assim, é necessário compreender, por exemplo, as principais modificações vasculares e neuromus- culares no indivíduo idoso, a fim de promover uma prescrição adequada, que permita adaptações específicas e melhora nas variáveis necessárias (POWERS; HOWLEY, 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Além disso, o conhecimento das variáveis fisiológicas e de como elas se comportam nas condições especiais permite o controle adequado da intensi- dade do exercício. Em cardiopatas e hipertensos que usam betabloqueadores, por exemplo, o exercício irá promover competição pela ligação de adrenalina e noradrenalina nos receptores beta-adrenérgicos cardíacos, o que reduz a Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais2 frequência cardíaca (FC) e o vigor da contração miocárdica durante o esforço físico. Assim, ter esse conhecimento é importante ao prescrever exercícios e interpretar os resultados dos testes de esforço de indivíduos que tomam esse tipo de medicamento, dentre outros (EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018). Um fisiologista do exercício capacitado deve possuir ampla gama de co- nhecimentos nas seguintes áreas: anatomia, fisiologia, química, biologia e psicologia, além, é claro, do conhecimento sobre prescrição de exercício físico. Os fisiologistas do exercício avaliam, planejam ou implementam programas de condicionamento que incluem exercícios físicos destinados a melhorar a função cardiorrespiratória, a composição corporal, a força e a resistência muscular e a flexibilidade (EHRMAN et al., 2017). Sendo assim, é possível afirmar que conhecimentos em fisiologia do exer- cício para prescrição de programas permitem promover melhores resultados, com base em análises de dados e levantamentos da condição de cada indivíduo. Conhecer todas as respostas fisiológicas durante a realização de diferentes modalidades e intensidades de exercícios permitirá ao profissional ser mais assertivo na sua prescrição e, principalmente, prestar um trabalho de maior qualidade, segurança e eficiência para seu aluno, cliente ou paciente, com atenção especial aos indivíduos que possuem alguma condição especial ou alguma doença diagnosticada (EHRMAN et al., 2017; POWERS; HOWLEY, 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Efeitos fisiológicos para interpretação das necessidades de exercício físico Como já destacado, os grupos especiais englobam um conjunto de indivíduos que apresentam alguma condição especial. A fi m de promover uma melhor organização e entendimento dessas condições, serão apresentadas as principais alterações fi siológicas para as seguintes condições, nessa ordem: crianças e adolescentes; envelhecimento; gestantes; diabetes melito; obesidade; doenças cardiovasculares; doenças pulmonares; câncer; doenças neurodegenerativas; transtornos mentais comuns. Crianças e adolescentes As crianças e adolescentes são fi siologicamente adaptáveis tanto aos treinamen- tos aeróbicos quanto aos de força muscular (resistência). Para essa população, o exercício físico contribui na redução dos fatores de risco cardiometabólicos, 3Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais auxiliando no controle do peso corporal, no aumento da força óssea e no bem-estar psicossocial. Além disso, a atividade física (AF) e a aptidão física parecem estar associadas positivamente ao melhor desempenho escolar e cognitivo (ACSM, 2018). Crianças apresentam menor eficiência ventilatória quando comparadas aos adultos, além de possuírem menor amplitude e maior frequência de passadas. Além disso, apresentam menores valores de capacidade aeróbica absoluta (l/ min) e menor capacidade de gerar potência muscular. As crianças pré-púberes, quando comparadas às crianças púberes e aos adultos, possuem capacidade limitada para aumentar a massa muscular, principalmente devido aos níveis mais baixos de andrógenos (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Envelhecimento A partir dos 35–40 anos de idade, a tendência é que nossa capacidade fun- cional comece a declinar, com a deterioração variando em qualquer idade, porém sofrendo infl uências genéticas, sexuais e de estilo de vida de cada um. Nosso pico de força muscular geralmente é alcançado entre os 20 e 40 anos, quando, então, a força concêntrica da maioria dos grupos musculares começa a declinar (MCARDLE; KATCH; KATCH TCH, 2018). A perda de força sofre infl uência direta do nível mais baixo de AF em indivíduos idosos; no entanto, a perda acelerada que ocorre entre os 60 e 80 anos de idade decorre da própria perda de massa muscular, inerente ao envelhecimento, chamada de sarcopenia(POWERS; HOWLEY, 2017). Observa-se ainda que o ritmo de perda de força é maior nos membros inferiores do que nos membros superiores, o que se torna uma preocupação por elevar o risco de quedas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No entanto, o treinamento de força é capaz de promover alterações positivas, aumentando a força muscular nos idosos de forma muito similar ao que ocorre em indivíduos mais jovens (POWERS; HOWLEY, 2017). De fato, cargas equivalentes a 80% de uma repetição máxima (1–RM) são capazes de promover tanto o aumento de massa quanto de força muscular (Figura 1), indicando que os idosos apre- sentam impressionante plasticidade nas características fisiológicas, estruturais e relacionadas com o desempenho, mesmos que as capacidades de responder aos sinais de crescimento muscular diminuíam com a idade (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais4 Figura 1. Plasticidade na resposta fisiológica de resistência em dutos mais velhos: (a) corte transversal da coxa de idoso de 92 anos antes e (b) depois de 112 semanas de treinamento de força. Houve aumento de 44% na área magra de corte transversal. Fonte: Adaptada de McArdle, Katch e Katch (2018). A potência aeróbica máxima (VO2máx) declina com o passar dos anos, em aproximadamente 1% ao ano (0,4–0,5 ml/kg) sendo influenciada por reduções no nível de AF e aumento no percentual de gordura corporal. A manutenção de programas de treinamento é útil para promover menores perdas no VO2máx e maior cinética do consumo de O2 de forma semelhante para indivíduos jovens, sendo necessário um tempo maior para ocorrer o efeito do treinamento (POWERS; HOWLEY, 2017). Durante o envelhecimento, ainda se observam outras alterações cardiovasculares, como o declínio da FC e do volume sistólico, devido à diminuição do efluxo simpático ao coração, menor débito cardíaco e redução na complacência das grandes artérias, com consequente elevação da pressão arterial (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Gestantes A gestação é marcada por modifi cações fi siológicas e anatômicas progressi- vas. O organismo da grávida está constantemente tentando adequar as suas demandas às necessidades do feto em desenvolvimento. Para isso, vários mecanismos tentam manter um ambiente fi siologicamente estável. As principais adaptações cardiovasculares e metabólicas à gestação incluem um aumento do volume sanguíneo em torno de 40–50%, ligeiro aumento do consumo do O2, aumento do gasto energético para exercícios com sustentação de peso, 5Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais maiores valores para frequência cardíaca e aumento do débito cardíaco durante os dois primeiros trimestres, com sua redução no terceiro trimestre, gerando maior risco de hipotensão. Dessa forma, a implementação de um programa de exercício físico deve levar em consideração essas modifi cações (POWERS; HOWLEY, 2017). De fato, gestantes sem contraindicações são orientadas a se exercitar ao longo da gravidez, pois, além dos benefícios do exercício para essa população, existe uma preocupação com os riscos a curto e a longo prazos associados ao comportamento sedentário. Alguns dos benefícios incluem (ACSM, 2018): prevenção no ganho excessivo de peso durante a gestação; prevenção de desenvolvimento de diabetes melito gestacional; redução do risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia; redução dos sintomas de lombalgia; risco reduzido de incontinência urinária; prevenção e/ou melhora de sintomas da depressão; manutenção da aptidão física; prevenção de retenção de peso no pós-parto. Atualmente, diversas evidências apontam para o benefício da prática de exercício físico durante a gestação; no entanto, ainda existem barreiras que precisam ser quebradas, tal como o temor de profissionais da saúde com o risco de complicações na gestação devido ao exercício físico. Isso é lamentável, pois já é comprovado que a AF praticada de forma regular está associada positivamente com a prevenção de várias condições e melhora da qualidade de vida da gestante. Portanto, deve-se enfatizar a divulgação dessas informações para o grupo de profissionais que atuam junto a essa população, para que tenham real conhecimento sobre os riscos e benefícios da AF durante a gestação (POWERS; HOWLEY, 2017). Diabetes melito Diabetes melito é um termo que abrange um grupo de doenças metabólicas caracterizadas pela difi culdade de se produzir insulina sufi ciente ou de utilizá-la de forma adequada, resultando em hiperglicemia. A insulina é um hormônio Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais6 produzido pelas células beta do pâncreas, e é extremamente necessária para que os músculos, tecido adiposo e o fígado, consigam utilizar glicose. Os tipos que mais acometem os indivíduos são o diabetes melito tipo 1 (DM1) (5 a 15% dos casos) e o diabetes metilo tipo 2 (DM2) (90 a 95% dos casos) (EHRMAN et al., 2017). O DM1 é uma condição ocasionada principalmente pela destruição autoimune das células beta do pâncreas, embora, em alguns casos, seja idiopático. Pela ausência quase absoluta de insulina, o portador de DM1 tem grande tendência a desenvolver cetoacidose diabética por acúmulo de cetonas (corpos cetônicos) devido a maior metabolismo de ácidos graxos. Dessa forma, é prescrito insulina via injeções regulares (insulinodepen- dentes). A cetoacidose diabética pode ocorrer principalmente se estiverem descompensados e/ou quando a insulina encontra-se muito baixa ou o seu uso não está correto. Os sintomas associados a essa condição incluem dor abdominal, náusea, vômito, hálito com odor adocicado ou de fruta e respiração acelerada ou profunda (taquipneico) (EHRMAN et al., 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). O DM2 acomete principalmente indivíduos acima de 40 anos; no entanto, atualmente observa-se um aumento da sua incidência em adolescentes. Essa condição é complexa e multifatorial, manifestando-se geralmente com resis- tência à insulina (RI) nos tecidos periféricos e/ou secreção diminuída de tal hormônio (EHRMAN et al., 2017). Dessa forma, o organismo é incapaz de utilizar a insulina de modo adequado, sobretudo nos músculos esqueléticos, gerando uma sobrecarga do pâncreas, que aumenta a produção desse hormô- nio. Uma vez que o pâncreas não consegue mais elevar essa produção para compensar a RI, haverá a elevação da glicemia sanguínea (hiperglicemia) (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Os fatores que influenciam o risco de desenvolver o DM2 são genéticos, a obesidade, principalmente central (circunferência de cintura maior que 102 cm nos homens e 89 cm nas mulheres), a idade, o sedentarismo e a presença de hipertensão; além disso, a dislipidemia parece contribuir com a sua fisio- patologia. De fato, 80% dos indivíduos com DM2 tem excesso de peso ou são obesos (EHRMAN et al., 2017). Indivíduos que apresentam obesidade central e RI frequentemente evoluem para uma condição de pré-diabetes, marcada por hiperglicemia em resposta a dietas carboidratadas (intolerância à glicose) e/ou glicemia plasmática em jejum elevada (intolerância à glicose em jejum) (Quadro 1). Esses indivíduos 7Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais apresentam risco elevado de desenvolver DM, uma vez que a capacidade de secreção das células beta tende a diminuir com o tempo (ACSM, 2018). O exercício físico é capaz de promover o aumento da sensibilidade à insulina e melhora no transporte de glicose para as células musculares, por sinalização celular via AMPK (POWERS; HOWLEY, 2017). Fonte: Adaptado de ACSM, (2018). Normal Pré-diabetes DM HbA1c < 5,7% HbA1c = 5,7 a 6,4% HbA1c > 6,4% GPJ < 100 mg.dl-1 GPJ = 100 a 125 mg.dl-1 GPJ > 125 mg.dl-1 GP de 2h < 140 mg.dl-1 GP de 2h = 140 a 199 mg.dl-1 GP de 2h > 199 mg.dl-1 HbA1c: hemoglobina glicada; GPJ: glicose plasmática de jejum; GP: glicose plasmática. Quadro 1. Critérios diagnósticos para pré-diabetes e DM ObesidadeO sobrepeso e a obesidade são defi nidos com base na avaliação do índice de massa corporal (IMC), correspondendo a 25–29,9 kg.m-2 e a 30 kg.m-2 ou mais, respectivamente. Para todas as idades e etnias, ambas condições estão associadas a um aumento no risco de diversas condições crônicas como doenças cardiovasculares, DM, alguns tipos de cânceres e até alterações musculoes- queléticas (EHRMAN et al., 2017; POWERS; HOWLEY, 2017; ACSM, 2018). Embora o IMC seja utilizado para avaliar a obesidade, é necessária a rea- lização de outras avaliações para corroborar o real estado do indivíduo, pois esse dado isolado não leva em consideração sua proporção de massa gorda e massa magra (Figura 2) (EHRMAN et al., 2017). Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais8 Figura 2. Comparação entre dois homens com mesma estatura e mesmo peso corporal, mas com diferenças nas outras variáveis antropométricas. Fonte: Adaptada de Ehrman et al. (2017). O sobrepeso e a obesidade resultam de um balanço calórico positivo a longo prazo, associado ao consumo e ao gasto energético (CE e GE, respectivamente); portanto, entende-se que a redução do peso exige uma elevação do GE e uma diminuição do CE a médio e longo prazos (ACSM, 2018). O GE envolve a taxa metabólica basal (TMB), a termogênese dos alimentos e a prática de exercício/ AF. A primeira corresponde à velocidade do gasto energético mensurado em condições padronizadas, e representa um gasto entre 60 a 75% do total de um indivíduo sedentário, sendo maior em indivíduos mais jovens e, após os 20 anos, diminui cerca de 2 a 3% por década em mulheres e homens, respectivamente. Além disso, o aumento do percentual de gordura corporal e dietas restritivas prolongadas contribuem para redução da TMB. A termogênese dos alimentos corresponde a cerca de 10 a 15% do GE total, não sendo, portanto, um preditor de obesidade quando se avalia o GE. Por fim, a AF e o exercício representam um gasto de até 40% do GE diário. De fato, estudos mostram uma associação inversa entre AF e o peso corporal, havendo melhor distribuição de peso em pessoas fisicamente ativas (POWERS; HOWLEY, 2017). 9Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais Atualmente, admite-se que uma inflamação sistêmica crônica subclínica está associada a uma gama de doenças crônicas como a hipertensão, car- diopatias e acidente vascular encefálico, alguns tipos de câncer, condições respiratórias, DM2 e síndrome metabólica. Essa inflamação é caracterizada por aumento na concentração de citocinas inflamatórias como o TNFα, interleucina 6 (IL–6), interleucina 1β (IL–1β) e proteína C reativa (PCR). A quantidade excessiva de tecido adiposo parece promover o aumento na concentração de alguma dessas citocinas, o que poderia justificar o elo entre a obesidade e as variadas doenças crônicas (POWERS; HOWLEY, 2017). Em condições normais, células chamadas adipócitos sintetizam e armazenam lipídeos, além de liberar hormônios anti-inflamatórios como a adiponectina. No entanto, essas mesmas células possuem a capacidade de secretar citocinas inflamatórias. De fato, o aumento dos adipócitos, principalmente viscerais, promove maior secreção de IL–6, concomitantemente à redução de adiponectina. Além disso, macrófagos começam a se infiltrar no tecido adiposo aumentado, contribuindo para uma inflamação local, onde passam a secretar TNFα. O tecido adiposo passa então a liberar ácidos graxos livres (AGL), juntamente com a IL–6 e o TNFα no fígado, que, em seguida, cairão na circulação geral. Esses fatores inflamatórios estimulam o fígado a secretar a PCR, e esta é usada como marcador inflamatório (POWERS; HOWLEY, 2017). Doenças cardiovasculares Os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV) são sobrepeso e obesidade, comportamento seden- tário e componente genético (EHRMAN et al., 2017). As DCVs mais comuns englobam a insufi ciência cardíaca (IC) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) (EHRMAN et al., 2017; POWERS E HOWLEY, 2017; ACSM, 2018; MCAR- DLE; KATCH; KATCH, 2018). Pacientes que sofrem de IC apresentam uma incapacidade cardíaca em acompanhar as demandas metabólica dos órgãos e tecidos. Essa condição está associada principalmente ao ventrículo esquerdo (VE), podendo ser causada por falhas na função sistólica ou diastólica (EHRMAN et al., 2017). Cerca de 60% dos casos de IC estão associados a doença cardíaca isquêmica (DCI), ou seja, aterosclerose coronariana, gerando infarto do miocárdio (IM), Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais10 além de consumo crônico de álcool, hipertensão a longo prazo, disfunções das válvulas cardíacas, infecções virais e/ou outros fatores desconhecidos (EHRMAN et al., 2017). Essa condição gera várias adaptações fisiológicas e mudanças compen- satórias associadas à disfunção do VE. De forma resumida, podem ocorrer reduções da fração de ejeção, aumento da massa do VE, com volume diastólicos e sistólicos finais elevados (insuficiência sistólica) ou diminuídos (insuficiência diastólica), edemas ou retenção de líquido tanto pelo aumento da pressão dias- tólica quanto pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAA) e ainda um desequilíbrio do sistema nervoso autônomo, podendo promover inibição da atividade parassimpática e aumento da atividade simpática, que promove maior resistência periférica, além da diminuição da secreção de óxido nítrico (NO) e aumento de endoteliana–1 (EHRMAN et al., 2017). O treina- mento físico é amplamente reconhecido como um complemento extremamente importante na terapêutica para o atendimento de indivíduos com IC crônica e estável, promovendo melhoras no VO2pico , na função hemodinâmica central, na regulação do sistema nervoso autônomo, na função vascular periférica e no aumento da capacidade oxidativa do músculo esquelético dos membros e da musculatura respiratória (ACSM, 2018). A HAS é considerada, atualmente, a doença cardiovascular mais comum, afetando milhões de pessoas pelo mundo. Segundo as diretrizes internacionais, a HAS é diagnosticada quando o indivíduo apresenta pressão arterial sistólica (PAS) em repouso maior que 139mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) superior a 89mmHg, confirmadas por no mínimo duas medições em pelo menos dois dias separados, ou pela ingestão de algum medicamento anti-hipertensivo (EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018). Os fatores patogênicos que contribuem para a HAS estão associados a aumento do débito cardíaco, da resistência periférica total (RPT) ou de ambos, sendo mais comumente associada ao aumento da RPT (EHRMAN et al., 2017). A manutenção de valores pressóricos elevados causa lesão no endotélio vascular, contribuindo para o processo de aterosclerose, elevando a RPT. Dessa forma, ocorre aumento da pós-carga cardíaca, o que contribui para remodelação hipertrófica do VE, que, como já descrito, é uma das principais causas de IC. Doenças pulmonares As alterações pulmonares podem ser subdivididas em condições obstrutivas, em que há difi culdade do fl uxo de ar pulmonar, ou restritivas, em que há redução das dimensões pulmonares (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). 11Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) envolve um conjunto de doenças do trato respiratório que geram obstrução ao fluxo de ar, sendo as mais comuns o enfisema e a bronquite crônica, que se manifestam mais frequen- temente em indivíduos tabagistas crônicos; seus sintomas incluem dispneia, hipercapnia, tosse persistente e cianose. Atualmente a asma não é considerada uma DPOC; no entanto, suas condições ventilatórias se assemelham a uma, e, por isso, será discutida juntamente com as DPOCs (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). O enfisema é caracterizado por um aumento permanente e anormal dos bronquíolos e alvéolos, devido à destruição do parênquima pulmonar sem a presença de fibrose. Os indivíduos enfisematososcostumam apresentar uma baixa capacidade física e sensação de dispneia extrema mediante esforços físi- cos. Já a bronquite se manifesta como uma inflamação que, quando prolongada, pode levar a bronquite crônica. Essa inflamação pode ser desencadeada por agentes irritantes como a fumaça do cigarro. As membranas mucosas tendem a se dilatar, o que eleva a produção de muco, obstruindo as veias respiratórias e gerando a tosse crônica típica desses pacientes. Assim como no enfisema, esses indivíduos apresentam capacidade funcional reduzida, podendo apresentar fadiga mesmo em esforços mais leves (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Estudos tem demonstrado que, além das alterações pulmonares, a DPOC contribui para a disfunção da musculatura esquelética, o que poderia, por sua vez, contribuir para a intolerância aos exercícios nesses indivíduos. Biopsias de músculos de pacientes com DPOC demonstraram uma menor proporção de fibras do tipo 1 (oxidativas), o que poderia ser justificado pela hipoxemia crônica (baixa concentração de O2 no sangue) (MCARDLE; KATCH; KA- TCH, 2018). Por sua vez, a asma é uma condição que acomete vários indivíduos ao redor do mundo, caracterizada por uma inflamação e hipersensibilidade das vias aéreas inferiores, gerando broncoconstrição. É uma condição crônica que gera episódios recorrentes de falta de ar, sibilo, dor no peito e tosse, estando associada a uma ampla variação de obstruções, frequentemente reversíveis. Assim, observa-se sintomas característicos da DPOC (EHRMAN et al., 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Algumas metanálises sugerem que o exercício pode ser benéfico, demonstrando melhora na quantidade de dias sem sintomas de asma, na capacidade aeróbica, na taxa de trabalho máxima, na tolerância ao exercício e na ventilação-minuto pulmonar (POWERS; HO- WLEY, 2017; ACSM, 2018). Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais12 Uma atenção especial deve ser dada ao indivíduo com asma, pois os sintomas podem ser provocados ou piorados pelo exercício, uma condição associada à broncoconstrição induzida pelo exercício (BIE), chamada de asma induzida pelo exercício (AIE). Uma forma de minimizar essa condição é evitar a realização de exercícios em ambientes frios e secos, bem como com alto nível de poluição (ACSM, 2018). Por fim, as doenças pulmonares restritivas (DPR) se caracterizam por uma redução na mobilidade do tórax, pois os tecidos pulmonares ficam enrijeci- dos, opondo-se à expansão torácica. Essa resistência aumentada exige maior realização de força da musculatura inspiratória para manter uma ventilação adequada. Dessa forma, o custo energético da ventilação se eleva, podendo corresponder a até cerca de 50% da demanda total de O2 durante a AF. Das condições de DPR, a que mais parece se beneficiar pela prática de exercício físico é a doença pulmonar intersticial (fibrose pulmonar) (MCARDLE; KA- TCH; KATCH, 2018). Câncer O câncer engloba um grupo de doenças caracterizadas por um crescimento descontrolado de células anormais. Dentre as consequências mais sérias para o sobrevivente do câncer, podemos destacar a perda de massa corporal e o seu estado funcional, incluindo difi culdade na deambulação, fadiga séria, perda de endurance cardiovascular e força muscular, afetando suas atividades diárias. Dessa forma, a realização de exercícios e atividades físicas para os pacientes durante e após as diferentes modalidades de tratamento pode auxiliar na retomada de seu cotidiano, além de parecer prevenir recaídas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). De fato, existe uma associação inversa entre a prática de exercício físico regular após o diagnóstico e a recidiva do câncer, além da mortalidade específi ca da doença e geral. Além disso, o exercício parece ter um papel preventivo ao desenvolvimento de certos tipos de câncer, como o de mama, de próstata e o colorretal (EHRMAN et al., 2017). Os tratamentos do câncer acabam por desenvolver manifestações clínicas como sensação de dispneia, com redução da capacidade pulmonar, fraqueza muscular, incontinência urinária, diarreia, náuseas, vômitos, aterosclerose prematura, miocardiopatias, disfunção sexual, anorexia, anemia, perda de massa muscular, osteoporose, cefaleia, alterações da pressão arterial, dentre 13Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais outras (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A reabilitação para câncer com AF auxilia na recuperação e na retomada do estilo de vida normal, com maior independência e capacidade funcional, mitigando a sensação de fadiga e aumentando a força muscular e o endurance cardiovascular (ACSM, 2018; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Evidências atuais demonstram que a AF está fortemente associada a um menor risco de desenvolvimento de câncer de cólon, com uma associação um pouco mais fraca para o câncer de mama e de endométrio e ainda limitada para cânceres de próstata, estômago, pâncreas, ovários e pulmão. Estima-se uma média de redução nos riscos entre 20 a 30%, e acredita-se que esses efeitos protetivos estejam associados a múltiplos fatores, como a redução da adiposidade central, mudanças nos biomarcadores e na resistência a insulina, aprimoramento da função imune e menores níveis de inflamação (KRUK; CZERNIAK, 2013). Doenças neurodegenerativas As duas condições neurodegenerativas mais comuns são a doença de Pa- rkinson (DP) e doença de Alzheimer (DA), que afetam principalmente indivíduos idosos. A DP confi gura-se como um transtorno neurológico crônico e progressivo marcado por sintomas que consistem em tremores em repouso, bradicinesia (redução da velocidade da amplitude do movimento), rigidez, instabilidade postural e anormalidade na marcha. A sua causa ainda é desconhecida; no entanto, parece haver infl uências genéticas e do meio ambiente. Além disso, o processo de envelhecimento, respostas autoimunes e a disfunção mitocondrial dos neurônios também parecem contribuir com a doença. O exercício físico representa um tratamento complementar no auxílio ao paciente com DP. De fato, a prática regular de exercícios parece retardar as sequelas secundárias que podem afetar os sistemas musculoes- quelético e cardiorrespiratório, além de melhorar a performance da marcha, a qualidade de vida e a capacidade aeróbica do paciente (ACSM, 2018). Um estudo conduzido por Zigmond e Smeyne (2014) propôs a hipótese de que o exercício físico apresenta um papel neuroprotetor em indivíduos com DP, mas sua comprovação ainda exige mais estudos. Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais14 A DA também é uma doença crônica que apresenta um declínio progressivo na capacidade funcional, gerando perda gradual da autonomia do indivíduo. É considerada a principal causa de demência nos idosos. Geralmente, co- meça com sintomas leves, marcados pela piora da memória, principalmente para eventos recentes, além de dificuldades de raciocínio e de julgamento e problemas de orientação no tempo e no espaço. Na sua evolução, o indivíduo passa a ter dificuldade de aprender coisas novas e lembrar de informações pouco utilizadas, passando a esquecer de coisas importantes e a apresentar comprometimento da linguagem. Estudos tem demonstrado que o nível de AF é um fator modificável de risco que pode atenuar o declínio cognitivo nas fases progressivas da DA. Além disso, a prática de exercícios revela-se uma estratégia importante para melhorar as capacidades neuromotoras e as funções cognitivas, contribuindo para a melhora da capacidade funcional e outras complicações da DA (FORLENZA et al., 2012). Transtornos mentais comuns São considerados transtornos mentais comuns (TMC) as alterações do hu- mor que, em questões epidemiológicas, atingem grande parte da população. Abrangem a depressão, a ansiedade e os transtornos somáticos, condições que têm sido incluídas entre os maiores problemas do século XXI, estando relacionadas com a correria do dia a dia, pressões cotidianas, questões fi nan- ceirase familiares, bem como o trabalho (VIEIRA, 2015). Estudos demonstram que o nível de AF está positivamente associado com a boa saúde mental quando esta é avaliada pelo bom humor, bem-estar geral e sintomas relativamente esporádicos de ansiedade e depressão. Entre outros aspectos, o exercício físico regular parece modular a liberação de alguns neu- rotransmissores como a serotonina, demonstrando ser positivo para pacientes com depressão. A manutenção de um programa de exercícios para indivíduos propensos a distúrbios psicológicos parece promover alegria, motivação e sociabilização (VIEIRA, 2015). Distúrbios do sono são uma característica marcante das condições de TMC, e muitos medicamentos utilizados no tratamento de TMC parecem influenciar no sono (EHRMAN et al., 2017). Um estudo realizado por Singh et al. (2005) demonstrou que 8 semanas de treinamento de força promoveram melhora em sintomas depressivos e na qualidade do sono em relação ao grupo de controle, além de revelar que o treinamento de força de alta intensidade foi mais significativo que o treinamento de baixa intensidade. 15Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais Condutas iniciais para prescrição de exercícios O Colégio Americano de Medicina do Esporte propõe que todos os indivíduos antes de iniciarem um programa de exercícios físicos devem passar por uma triagem pré-participação (ACSM, 2018). Nessa etapa, deve ser avaliado seu histórico médico de forma minuciosa, incluindo informações anteriores e atuais a respeito de sua condição. Além disso, devem ser avaliadas as variá- veis associadas à aptidão física relacionada à saúde (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Devido às peculiaridades das condições aqui discutidas, apresentaremos a seguir as principais orientações e condutas para cada uma no que tange a prescrição de exercícios. No link a seguir, você poderá acompanhar um vídeo de apresentação do instrumento proposto pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) para a realização da triagem pré-participação em exercícios. https://qrgo.page.link/6cpdJ Crianças e adolescentes Crianças e adolescentes saudáveis podem iniciar um programa de exercícios sem a necessidade de realização de teste de esforço; no entanto, se apre- sentarem condições como asma, diabetes, obesidade ou alguma condição cardiovascular, o teste de esforço pode ser solicitado. Em geral, podem ainda ser realizados testes de saúde e aptidão, como, por exemplo, a bateria de testes do FitnessGram, que avalia os seguintes componentes: composição corporal (IMC, dobras cutâneas ou impedância bioelétrica) aptidão cardiorrespiratória; e aptidão muscular e fl exibilidade (ACSM, 2018). Geralmente, as diretrizes de treinamento de força para adultos podem ser aplicadas a esta população, respeitando-se as características inerentes a cada idade (ACSM, 2018). A maneira como crianças e adolescentes respondem ao exercício pode ser diferente de como o adulto responderia, e suas adaptações ao treinamento estão associadas, até certo ponto, ao crescimento e maturação (EHRMAN et al., 2017). Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais16 Envelhecimento As recomendações para programas de treinamento físico voltados para idosos são similares àquelas para pessoas mais jovens, com a necessidade de realização de um exame clínico e de triagem de fatores de risco, já que idosos apresen- tam maior probabilidade de terem DCV e outras comorbidades. Devem ser investigados os padrões de AF habituais, seu nível de capacidade funcional e os sintomas induzidos pelo exercício (dor no peito, dispneia, palpitações, tonturas ou claudicações). Caso o idoso apresente histórico desses sintomas ou infarto do miocárdio, revascularização periférica, presença de DM e/ou outros distúrbios, ele deverá ser colocado em uma categoria de maior risco. Devido às possíveis condições que essa população pode apresentar, é importante identifi car os medicamentos utilizados, pois podem infl uenciar no desempenho e na segurança do exercício físico. Exemplo disso são os fármacos psicoativos (como os ansiolíticos), que podem aumentar o risco de quedas (ACSM, 2018; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Deve ser realizado um exame físico focado na PA e na auscultação cardíaca e pulmonar, além de avaliações físicas que incluem medidas antropométricas para composição corporal, avaliação postural e avaliação funcional. Um teste simples de caminhada por um corredor pode revelar alterações na marcha. Geralmente, idosos que não apresentam alterações da PA e nenhuma outra DCV podem iniciar um programa de exercício de intensidade baixa ou moderada (de 3 a 6 METs; 40–60% do VO2máx estimado) sem a necessidade de um teste de esforço (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No caso de idosos com riscos maiores ou que desejam realizar exercícios mais intensos, é recomendado a realização de um teste de esforço, incluindo capacidade cardiorrespiratória, força e flexibilidade. Se apresentarem histórico de queda, é importante a avaliação do equilíbrio. Alguns dos testes de desempenhos mais utilizados são o Senior Fitness Test, Short Physical Performance Battery, Velocidade de Marcha Usual, Teste de Caminhada de 6 min e Teste de Desempenho Físico de Escala Contínua (ACSM, 2018). Gestantes A avaliação médica da gestante para prática de exercícios físicos pode incluir a aplicação do PARmed-X para gestação, que é um instrumento que avalia o seu estado de prontidão para AF (ACSM, 2018). Os testes de esforço máximo não devem ser realizados, a menos que seja uma necessidade médica e desde 17Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais que a grávida não apresente qualquer contraindicação para a realização de exercícios físicos (POWERS; HOWLEY, 2017; ACSM, 2018). De maneira geral, as seguintes recomendações devem ser observadas junto a gestantes (POWERS; HOWLEY, 2017): se forem previamente sedentárias e desejam iniciar a prática de exercício físico, devem preferir atividades de baixo risco, como caminhada, natação, hidroginástica, etc.; se já praticam atividade física e desejam continuar, é recomendado atividades de médio risco, como ginástica aeróbica, musculação e esportes com raquetes; atividades que apresentam grandes possibilidades de trauma, como esportes coletivos e ginástica de alto impacto, devem ser evitados. Diabetes melito O exercício físico regular em indivíduos com DM2 resulta em melhorias na tolerância à glicose, na sensibilidade à insulina e na diminuição da hemoglo- bina glicada (HbA1c). Além disso, existem outros benefícios para indivíduos com DM1, DM2 ou pré-diabéticos, que incluem melhoria nos fatores de risco associados a doenças cardiovasculares, bem como no bem-estar geral. A prática de exercícios 150 minutos/semana está associada à diminuição da morbimor- talidade em todas as populações, incluindo aquelas com DM (EHRMAN et al., 2017). A prescrição de exercícios físicos para indivíduos com DM1 deve ter como preocupação a possibilidade de hiperglicemia e cetose, que podem resultar em coma diabético (ACSM, 2018). Os sintomas comuns associados à hiperglicemia são fadiga, poliúria, fraqueza, sede e hálito cetônico. É recomendado avaliar a concentração de cetonas se a glicemia do paciente estiver superior a 250 mg.dl-1. Indivíduos que apresentem uma glicemia maior que 299 mg.dl -1, se estiverem se sentindo bem e não apresentarem corpos cetônicos nos testes de sangue e urina, podem praticar exercícios de intensidade moderada, abstendo-se de exercícios de intensidade vigorosa. Caso apresentem corpos cetônicos, o exercício deve ser adiado (Figura 3) (LAMOUNIER et al., 2015; EHRMAN et al., 2017). Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais18 Figura 3. Exercício físico e hiperglicemia. Fonte: Adaptada de Lamounier et al. (2015). Porém, outra preocupação é a possibilidade de ocorrência de hipoglicemia (glicose sanguínea inferior a 60–70 mg.dl -1) ocasionadapelo excesso de insulina ou agente hipoglicemiante oral, ingestão inadequada de carboidratos, jejuns prolongados e prática de exercícios excessivos ou mal planejados, sendo os principais sintomas tremores, fraqueza, sudorese anormal, ansiedade, formi- gamento na boca e nos dedos e fome, podendo evoluir para dor de cabeça, distúrbios visuais, confusão mental e até coma. A hipoglicemia pode ocorrer tanto durante o exercício quanto várias horas após o término da sessão. Em indivíduos com DM1, uma glicemia inferior a 70 mg.dl -1 é uma contraindica- ção relativa para início de exercícios aeróbicos agudos. Dessa forma, quem faz uso de insulina deve monitorar a sua glicemia antes, durante e após o exercício. A maioria desses indivíduos pode precisar consumir entre 15 e 45 g de carboidratos (incluindo glicose, sacarose ou lactose) antes da prática de exercícios se sua glicemia estiver abaixo de 100 mg.dl -1, dependendo da intensidade e da duração do exercício (EHRMAN et al., 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Já os indivíduos com DM2 tendem a não apresentar as mesmas flutuações na glicemia durante os exercícios. Nesse caso, se sua glicemia estiver elevada por duas ou três horas após uma refeição (pós-prandial), eles provavelmente sofrerão queda no nível de glicose sanguínea durante o exercício aeróbico, uma vez que os níveis endógenos de insulina estarão altos (ACSM, 2018). Nessa situação, é preciso ter cuidado, pois pode haver um aumento na micção de forma exagerada, o que poderia levar a uma desidratação e uma diminuição da atividade mental, podendo resultar em coma. Essa condição é chamada de síndrome hiperosmolar não cetótica, e ocorre quando a glicemia é intensa e prolongada. Nesse caso, o exercício é contraindicado (EHRMAN et al., 2017). 19Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais Obesidade Embora a obesidade seja, aparentemente, uma condição médica óbvia, é necessária uma avaliação completa para determinar sua real condição. Para isso, é preciso realizar uma avaliação da massa corporal, da estatura, das cir- cunferências de cintura, quadril e pescoço (recentemente sendo demonstrado como fator de risco para DM e DCV), gordura corporal, problemas musculo- esqueléticos e/ou ortopédicos, além de outras medidas para identifi cação de possíveis comorbidades, como HAS e DM (ACSM, 2018). Um teste de esforço não é indicado para indivíduos com sobrepeso ou obesos antes do início de um programa de exercícios de intensidade leve à moderada (2–6 METs). Porém, caso seja realizado, principalmente para os indivíduos obesos, é recomendado a utilização de bicicletas ergométricas que permitam com que o indivíduo possa ficar sentado (ACSM, 2018). Apesar disso, um estudo conduzido por McCullough et al. (2006) com indivíduos obesos que possuíam indicação para cirurgia bariátrica (IMC > 45 km.m-2), demonstrou que apenas um não pode realizar o protocolo de caminhada testado. Além disso, recomenda-se a realização de teste de força, para orientar na elaboração de um programa de força, e a avaliação da flexibilidade, para identificar articulações com amplitude limitada (EHRMAN et al., 2017). Doenças cardiovasculares Antes de iniciar um programa de AF, é necessário realizar uma triagem de saúde que deve incluir anamnese, exame físico, avaliações laboratoriais e testes fi siológicos pertinentes. O histórico médico deve estar atualizado, sendo importante seu acompanhamento ao longo do programa de treinamento (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). O ACSM (2018) propõe a utilização do algoritmo de triagem de pré-participação, um instrumento desenvolvido para identifi car participantes com risco de complicações cardiovasculares durante ou imediatamente após exercícios. Para indivíduos com sinais/sintomas ou alguma DCV diagnosticada, é reco- mendada a avaliação dos níveis plasmáticos de colesterol e triglicerídeos, além da glicemia de jejum. Além disso, deve ser realizado, com base na avaliação médica, eletrocardiograma de 12 derivações em repouso, angiografia coronária, ecocardiograma, radiografia de tórax (em caso de suspeita ou presença de IC), perfil bioquímico e hemograma completo (EHRMAN et al., 2017). O teste de esforço limitado por sintomas é seguro junto a pacientes com IC, e, quando associados à medição indireta de gases inspirados, fornece Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais20 informações úteis sobre respostas eletrocardiográficas e hemodinâmicas ao exercício (ACSM, 2018). Já para indivíduos hipertensos, controlados e assintomáticos, o teste de esforço não é uma indicação; porém, pode ser útil para avaliar a resposta da PA ao exercício. Indivíduos com HAS podem apresentar respostas exa- geradas da PA durante a AF, mesmo se ela estiver controlada em repouso (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A utilização de medicamentos pelos praticantes sempre deve ser levada em consideração, como é o caso dos be- tabloqueadores, que podem reduzir a capacidade submáxima e máxima do exercício. Medicamentos anti-hipertensivos e vasodilatadores podem levar a reduções excessivas e súbitas da PA pós-exercício, justificando uma volta à calma de forma gradual e prolongada, com monitorização da PA e da FC até que retornem aos níveis de repouso. Independentemente dessa resposta, indivíduos que sofrem de HAS tendem a apresentar hipotensão pós-exercício, principalmente aeróbico, e devem ser conscientizados sobre isso (EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018). Doenças pulmonares Antes de iniciarem um programa de exercício físico, os pacientes que apre- sentam doenças pulmonares devem ser orientados a realizar testes de esforço, pois eles fornecem medidas objetivas da capacidade de exercício, mecanismos de intolerância ao exercício, prognóstico, progressão da doença e resposta ao tratamento. Em indivíduos cuja doença é leve ou moderada, os sintomas podem surgir apenas quando o sistema respiratório é demandado, como du- rante o exercício. Já nas condições graves, a sua capacidade está tão reduzida que até a atividade simples se torna um desafi o para o sistema respiratório (EHRMAN et al., 2017). Durante os testes, devem ser realizados a monitorização da PA, a atividade elétrica cardíaca (eletrocardiograma), a saturação de O2 arterial e a medição da dispneia. Já existem aparelhos validados para a medição da PA durante exercícios. Além disso, um oxímetro de pulso, também validado, pode ser utilizado. Para avaliação da dispneia, podem ser utilizadas escalas subjetivas (como a escala de Borg CR-10 modificada para dispneia) (EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018). Para indivíduos com DPOC, é preciso tomar um cuidado especial com seu risco de desenvolver hipertensão pulmonar, tanto durante os testes quanto durante os exercícios. É recomendada cautela ao realizar exercícios de membros superiores, pois o aumento da pressão adicional nos músculos assessórios da 21Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais respiração pode dificultar ainda mais a ventilação nesses indivíduos, aumen- tando sua dispneia. Para os pacientes que sofrem de asma, deve-se acompanhar a utilização do medicamento broncodilatador inalatório de curta duração (como albuterol, bitolterol e pirbuterol), que pode ser indicado para evitar BIE (ACSM, 2018). Além disso, uma dessaturação de oxi-hemoglobina inferior a 80% pode ser utilizada como forma de término tanto do teste quanto do exercício. Se houver exacerbações da asma, o paciente não deve se exercitar até que os sintomas e a função respiratória tenham melhorado. Também deve ser evitada a realização de exercícios em ambientes frios ou com poluentes, sob risco de desenvolvimento de broncoconstrição (EHRMAN et al., 2017). Câncer Ainda são poucas as pesquisas que demonstram a prescrição adequada de exercícios para indivíduos com câncer, bem como o momento mais adequado para iniciar o programa em relação às fases do tratamento. Por conta disso, as recomendações para a reabilitaçãooncológica, em geral, incluem exercícios que são limitados por sintomas. Devem ser avaliados o estado nutricional, possíveis problemas metabólicos, além de sinais agudos ou sintomas que são específi cos de um tipo de câncer e que poderiam impedir a participação no exercício (uma mulher que realizou mastectomia recente, por exemplo, pode estar limitada a realizar exercícios de membros superiores). Também deve ser realizada uma avaliação funcional que permita identifi car possíveis instabilidades na marcha associadas à quimioterapia ou ao envolvimento do sistema nervoso, alterações na cicatrização, imunossupressão e sangramentos. Além disso, alguns sintomas agudos podem exigir mudanças no planejamento, como náusea, vômito, fadiga e fraqueza. Isso requer uma reavaliação constante durante o programa de treinamento (EHRMAN et al., 2017). Os procedimentos utilizados para os testes de esforço são os mesmos adotados para indivíduos sadios, com a ressalva de que tais pacientes devem receber uma atenção especial em termos de suas sensações de fadiga. Não é recomendado que se exercitem ao máximo, e algumas informações podem sugerir uma contraindicação para a realização de exercícios (EHRMAN et al., 2017): Hemoglobina < 10 g.dl-1 Células brancas (leucócitos) < 3.000/ml Neutrófilos < 0,5.109.ml-1 Plaquetas < 50.109.ml-1 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais22 Febre > 38°C (100,4° F) Marcha instável (ataxia) Caquexia ou perda de > 35% do peso pré-comorbidade Dispneia limitante com esforços físicos Dor óssea Náusea severa Metástase esquelética extensa Doenças neurodegenerativas Como estas condições afetam principalmente os idosos e apresentam re- percussões signifi cativas nas suas capacidades funcionais, é recomendada a realização de testes de aptidão física específi cos para idosos, que incluam avaliações de equilíbrio, marcha, mobilidade geral, amplitude de movimento articular, fl exibilidade e força e resistência musculares (ACSM, 2018). Como se tratam de condições degenerativas progressivas, pode haver dis- função do sistema nervoso autônomo, o que talvez acarrete em anormalidades na pressão arterial. Dessa forma, deve-se ter cuidado na prescrição e deve ser realizado monitoramento constante das variáveis hemodinâmicas. Além disso, esses indivíduos podem apresentar com maior frequência hipotensão ortostática, sendo recomendado, portanto, a realização de exercícios com a maior segurança possível, evitando-se a mudança de posição rápida e constante (FORLENZA et al., 2012; ACSM, 2018). Transtornos mentais comuns As orientações para indivíduos com TMC são as mesmas, respeitando-se sua idade, sexo e/ou alguma comorbidade que apresentem. No entanto, deve-se dar uma atenção especial ao seu estado motivacional e à sua percepção de esforço, pois eles tendem apresentar menor tolerância à fadiga. Portanto, o profi ssional deve criar estratégias que promovam a maior adesão destes indivíduos ao programa de treinamento, preferencialmente promovendo a prática de exercícios mais prazerosos para cada um. É importante também que os profi ssionais conheçam os sintomas específi cos da condição apresentada. Sendo assim, todo um processo de pré-participação deve ser realizado junto a estes indivíduos (VIEIRA, 2015; EHRMAN et al., 2017). Com base no que foi exposto, podemos perceber a importância dos co- nhecimentos em fisiologia aplicada à prescrição de exercícios, principalmente associados às populações especiais. Foi possível identificar os principais 23Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais cuidados, necessidades e restrições que devem ser levados em conta durante a prescrição e orientação do treinamento. São procedimentos a serem segui- dos para a análise das principais condições associadas aos indivíduos, que permitem nortear com segurança a atuação do profissional de educação física e outros profissionais que atuem na área do exercício físico. A fisiologia do exercício é uma área em constante crescimento, e hoje existe um ramo dessa disciplina, chamado fisiologia do exercício clínico, que amplia o entendimento das principais doenças crônicas e o papel do exercício físico no seu tratamento. ACSM. Diretrizes do ACSM para os testes de esforço e sua prescrição. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. EHRMAN, J. K. et al. Fisiologia do exercício clínico. 3. ed. São Paulo: Phorte, 2017. FORLENZA, O. et al. Doença de Alzheimer: uma perspectiva do tratamento multiprofis- sional. Rio de Janeiro: Atheneu, 2012. KRUK, J.; CZERNIAK, U. Physical activity and its relation to cancer risk: updating the evidence. Asian Pacific Journal of Cancer Prevention, v. 14, n. 7, p. 3.993–4.003, 2013. 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