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GESTÃO DE CUSTOS INDUSTRIAIS AULA 1 Prof. Ernani João Silva 2 TEMA 1 - ELEMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS Por uma questão de hábito a expressão “Gestão de Custo” é utilizada como forma representativa do procedimento de planejamento e controle dos gastos de uma empresa. Todavia, chegou a hora de aprendermos que a forma mais adequada para tal contexto é “Gestão Estratégica de Custo”. Por quê? Bem, para responder esta pergunta, antes de tudo, vamos ter que entender a essência de cada uma das palavras que compõe a citada expressão. A palavra “gestão” vem do latim e, basicamente, significa ter a responsabilidade sobre algo, já “estratégia”, do grego, tem sua origem na comunicação militar, representando uma posição de planejamento para atingir um objetivo, ou seja, vencer um obstáculo ou conquistar determinada posição. Sendo assim, gestão estratégica é assumir uma posição de responsabilidade quanto à elaboração, execução e controle de um plano para alcançar uma meta, que no nosso caso específico envolve o “custo industrial”. A expressão “custo” pode ser defendida tanto como tendo raízes no latim como no grego, mas o que importa para nós é que seu uso em ambos os casos significa uma ação de sacrifício em trocas realizadas. A lógica é a seguinte, uma troca implica em uma ação de entregar alguma coisa para podermos adquirir outra. Na Indústria, isto significa dizer que custo é todo sacrifício que incorremos para produzir produtos mediante um processo de transformação dos fatores produtivos. Afinal das contas, em uma produção estamos trocando recursos, como matéria-prima e embalagem, por produtos processados. Resumindo, de forma lúdica, podemos dizer que a “Gestão Estratégica de Custo” é uma batalha executada pelos que assumem a responsabilidade de elaborar e/ou executar um plano para mitigar os dispêndios de um processo produtivo. E o inimigo a ser vencido? Bem, este, geralmente, é o desperdício e as perdas que se observam no uso dos recursos produtivos, seja na forma do capital investido ou do tempo consumido. E tudo isso para quê? Para que empresa, por meio do controle dos gastos, aumente o lucro de forma sustentável no curto, no médio e no longo prazo. Ter lucro não é simplesmente cobrar caro e comprar barato, que bom seria se fosse assim tão fácil. Entender o processo de geração de lucro significa 3 compreender o comportamento de inúmeras variáveis relacionadas ao comportamento da receita e dos dispêndios, como por exemplo, as “curvas de receita” e de “custo total” da escola econômica neoclássica. A curva de receita é uma representação gráfica das vendas, na qual os pontos ordenados são constituídos pelas receitas auferidas1 e suas respectivas quantidades de produtos (Figura 01). Figura – 01: Curva da receita Com relação ao seu peculiar formato côncavo, temos que a curva da receita indica que o mercado vai reduzindo seu interesse de comprar à medida que certos volumes dos bens/serviços são comercializados. O motivo? Simplesmente porque a utilidade destes produtos para ele diminui. Sendo assim, para que as vendas continuem aumentando, os fornecedores precisam reduzir o preço de venda, ajustando-o ao nível da atual utilidade. Quando esta redução do preço acarreta grandes aumentos na quantidade de venda, temos como consequência um aumento na receita (pontos A e B). Todavia, quando esta variação na quantidade não é expressiva, podemos ter um cenário no qual ou a 1 Receita = Quantidade de venda x Preço de venda 4 receita estabiliza (ponto C) ou mesmo diminui (ponto D). E, além da preocupação sobre a resposta do mercado, a gestão estratégica ainda precisa, para pode reduzir o preço de venda de um produto, entender o custo de sua produção. Com relação à curva do “custo total”, temos que esta representa graficamente o sacrifício de uma empresa, em termos monetários, para gerar as unidades do produto a ser vendido. Um sacrifício que, por sua vez, ocorre em duas linhas distintas de consumo de recursos produtivos, os de natureza variável e os de natureza fixa. Ou seja, a curva do custo total é, na verdade, composta pela soma de duas outras curvas de custo. A primeira é aquela que se altera conforme a quantidade produzida, onde quanto maior a quantidade de produto maior o custo total e, na mesma forma, quanto menor a quantidade menor custo total; por exemplo: custo de embalagem, matéria-prima, etc. Já a segunda natureza dos custos, a fixa, nesta não há alterações em decorrência de variações na quantidade de produção, desde que seja respeitada a capacidade instalada da fábrica. Figura – 02: Curva de custo e de receita Quando posicionamos as curvas de receita e de custo em um mesmo cenário, isto nos permite observar em quais volumes de venda teremos a intersecção das curvas da “receita” e do “custo total” e, também, o maior 5 distanciamento entre estas. Na figura 03 é possível perceber que quando a quantidade é muito baixa temos prejuízo, pois o valor do custo supera o valor da receita. Porém à medida que a quantidade vai aumentando, as duas curvas se aproximam, reduzindo o prejuízo. Quando se cruzam, neste ponto não temos mais prejuízo (= ponto de equilíbrio). Depois do ponto de equilíbrio, temos que quanto maior é a quantidade de venda/produção, maior é a distância entre as curvas e, portanto, maior o lucro... isto até um certo ponto! Olhem com atenção e vocês vão perceber que à medida que a quantidade ultrapassa certo volume as distâncias entre as curvas vão diminuindo e, assim, o lucro vai caindo a cada incremento de produto, podendo, conforme o caso, até gerar novamente prejuízos. Figura – 03: Curva de custo e de receita Portanto, a melhor estratégia de custo, visando aumentar o lucro, é preparar a fábrica para operar naquela quantidade onde a distância entre valor da receita e do custo seja maior, pois lá haverá o maior lucro. A gestão estratégica de custo exige uma visão sistêmica da empresa para que as decisões sejam tomadas analisando todas as consequências possíveis no lucro. 6 Bem, antes de fechar este assunto temos duas coisas que precisam ser ditas. Primeiramente, estes gráficos voltarão a ser comentados nas outras aulas da disciplina, pois eles ainda guardam muita informação importante para a Gestão Estratégica de Custo. Segundo, precisamos entender que tudo isto que foi dito, e muito mais que ainda está por vir, sobre o processo de gestão depende de informações úteis sobre o patrimônio da empresa e o consumo de seus recursos. E você sabe quem é que vai fornecer esta informação? A contabilidade, e, sendo assim, ela é o nosso próximo assunto. Sei que agora, dada à notícia recebida, deve teve ter muita gente torcendo o nariz e pensando “não me interessa contabilidade, o que eu quero agora saber é da gestão de custo”. Para aqueles que tiveram este momento de revolta, sinto em dizer que a contabilidade e a gestão de custo são uma dupla dinâmica poderosa. Portanto, querendo ou não, seu entendimento é um pré-requisito para aquele que deseja se tornar um bom gestor da área estratégica dos custos. Afinal de contas, ela é a principal fonte de informação sobre os custos de uma empresa, a tal ponto que é conhecida como sendo a língua dos negócios. Funciona mais ou menos assim, uma empresa pode ser vista como sendo um conjunto de recursos (bens tangíveis e intangíveis) que são disponibilizados para serem utilizados por uma sociedade organizada (diretores, gerentes, supervisores, encarregados, etc.) para atingir um determinado objetivo. Para conseguir estes recursos citados a empresa precisa de financiamento, o qual somente é possível por meio de duas fontes básicas: capital de terceiros (bancos, fornecedores, etc.) e capitalpróprio (os donos da empresa, isto é, os cotistas/acionistas). Portanto, temos dois grupos nesta história. De um lado aqueles que vão fornecer os recursos (terceiros e donos) e de outro, aqueles que vão utilizar os recursos (os gestores e colaboradores). O primeiro grupo quer saber se vale a pena investir nesta empresa, para tanto busca avaliar as decisões que esta empresa tomou no uso de recursos que já deteve; ou seja, estes agentes estão preocupados com o resultado histórico da empresa. O segundo grupo, por sua vez, quer garantir que a empresa sobreviva ao mercado para ter uma história para poder contar no futuro; dito de outra forma, estes agentes buscam tomar decisões sobre como utilizar os recursos recebidos na melhor forma possível à continuidade da empresa. 7 Tendo como base as linhas acima apresentadas, chegamos à conclusão de que os dois grupos de agentes citados são partes interessadas sobre a situação da empresa. Isto é, eles são, na linguagem contábil, os Stakeholders. Sendo que aqueles que estão dentro da empresa (os gestores) são os stakeholders internos e os que estão fora da empresa (por exemplo, os bancos) os stakeholders externos. E dado este fato, a contabilidade, para poder atender os interesses informacionais ímpares destes dois grupos, se dividiu em duas linhas distintas: Contabilidade gerencial (para os usuários internos) e Contabilidade financeira (para os usuários externos). O que muda entre elas? A liberdade no tratamento dos dados utilizados. Na contabilidade financeira existe uma maior padronização nos procedimentos utilizados, uma vez que os leitores de seus relatórios não estão inseridos na rotina da empresa. Em verdade, estes agentes, muitas vezes, operam com diferentes segmentos, sendo assim, eles precisam receber documentos padronizados de forma universal para poderem comparar uma empresa com outra. E, logicamente, eles precisam sentir confiança nos dados que lhes são apresentados, o que impõe a necessidade de auditorias contábeis externas. Estas, por sua vez, somente se tornam viáveis graças à já citada padronização dos relatórios. Padrão este, ditado tanto por leis como também, por uma elevada rigidez no uso dos princípios fundamentais da contabilidade. Com relação à contabilidade gerencial, tem-se que nesta, por se destinar aos tomadores de decisões estratégicas da empresa, o processo de sua construção é mais flexível (podendo variar de empresa para empresa). Tudo depende do custo-benefício que o relatório gerado terá para o usuário interno. Por exemplo, na contabilidade financeira o registro de valores do estoque se dá pelo valor de entrada (isto é, mediante o documento fiscal de transferência de propriedade), já na gerencial este valor pode ser mais subjetivo, por exemplo, por meio de um processo de projeção do valor de reposição do estoque. Entenderam? Tudo depende da importância da informação para o gestor no seu processo de decisão. Todavia, seja para fins internos ou externos, para que um procedimento de contabilização possa ser chamado de Contabilidade ele precisa ser guiado pelos fundamentos contábeis geralmente aceitos (de forma mais rígida pela 8 financeira e mais flexível na gerencial), os quais, sinteticamente, seguem apresentados: a) Postulados: diretrizes que são o pilar da construção contábil, sendo estes: entidade (a empresa e donos são pessoas distintas entre si) e continuidade (a empresa deve continuar a existir, no mínimo, por um tempo suficiente para honrar seus compromissos e realizar seus direitos). b) Princípios: preceitos que estabelecem a forma que as contabilizações precisam ocorrer de modo que a informação gerada possa refletir com maior segurança a realidade das operações e do patrimônio da empresa. Como exemplo, podemos citar que, segundo o princípio da oportunidade, a informação contábil precisa ser íntegra (deve conter todos os detalhes importantes) e tempestiva (deve chegar ao usuário em tempo para ser utilizada no processo decisório). c) Convenções: elementos estabelecidos pela prática contábil que estabelecem limites ao processo de contabilização, para que a essência dos princípios não seja violada. Por exemplo, pela convenção da materialidade tem-se, resumidamente, que o esforço da contabilização não deve superar o benefício da informação gerada. d) Características qualitativas: sinteticamente, podemos identificar estes itens como os preceitos mínimos que o procedimento contábil deve seguir para assegurar que haja uma adequada serventia dos dados apurados. Por exemplo, umas das características qualitativas é a “compreensão”, (o texto precisa ser objetivo e claro). Bom, depois de tudo o que já foi dito, acredito que neste momento já é possível entender o “porquê” da contabilidade ser chamada de linguagem dos negócios. Então, agora vamos conhecer dois relatórios da contabilidade que se destacam dada a relevância que detêm como instrumentos informacionais ao processo da gestão dos custos; são eles: Balanço Patrimonial (BP) e Demonstrativo de Resultado (DR). a) Balanço Patrimonial [BP] O balanço patrimonial é o relatório contábil que apresenta informações sobre a situação patrimonial da empresa. Ele informa a situação da entidade com relação ao volume monetário que se faz presente na estrutura, quanto aos seus 9 bens/direitos (ativo), deveres/obrigações (passivo) e condição patrimonial líquida (PL). Todavia, é importante que fique claro que todos estes dados se referem a um determinado momento temporal (uma data em caráter pontual); ou seja, o BP deve ser visto como uma representação sintética e estática da situação de uma empresa ao término de um determinado dia, um corte temporal transversal. Podemos dizer que ele é uma fotografia do patrimônio (um inventário) realizado naquela data. Com relação à natureza das informações que presta, temos que uma das suas principais utilidades é nos permitir apurar as relações existentes entre os investimentos feitos no ativo e os financiamentos contraídos para tanto, registrados no passivo (capital de terceiros) e no patrimônio líquido (capital próprio). Por exemplo, podemos apurar com ele, de forma macro, a necessidade de capital de giro da empresa e/ou a qualidade da dívida da empresa; neste sentido, vamos analisar as três estruturas que seguem. Neste exemplo, o volume do Ativo circulante (Caixa, direito a receber, estoques, dentre outras contas de curto prazo) apresenta o mesmo valor que o Passivo circulante (Fornecedores, Folha de salários, dentre outras obrigações de curto prazo). Portanto, o mesmo ocorre entre o “Ativo não circulante” e o “Passivo não circulante + Patrimônio Líquido”. O que isto significa? A empresa apresenta um equilíbrio no curto prazo entre o financiamento e o investimento, assim sua operação apresenta uma situação estável, a qual se reflete em um índice de liquidez corrente2 igual 1 (para cada R$1,00 de PC ela tem R$ 1,00 de AC). 2 Índice de liquidez corrente (ou indicador de liquidez corrente) é um dos instrumentos possíveis para a realização de uma análise financeira. 10 Agora, temos que o volume do Ativo circulante é maior do que o valor do Passivo circulante. Portanto, o “Ativo não circulante” é menor que o “Passivo não circulante + Patrimônio Líquido”. O que isto significa? A empresa apresenta um desequilíbrio favorável no curto prazo entre a linha de financiamento e o investimento. Ou seja, temos que financiamento de longo prazo (PNC+PL) está sendo usado no AC, assim a operação desta empresa apresenta um índice de liquidez corrente maior que 1 (para cada R$1,00 de PC ela tem mais de R$ 1,00 de AC para honrar seus compromissos, ela está tranquila no curto prazo). Por fim, temos que o volume do Ativo circulante é menordo que o valor do Passivo circulante. Portanto, o “Ativo não circulante” é maior que o “Passivo não circulante + Patrimônio Líquido”. O que isto significa? A empresa apresenta um desequilíbrio desfavorável entre a linha de financiamento de curto prazo e o investimento de curto prazo. Ou seja, temos aqui financiamento de curto prazo sendo usado no ANC, assim a operação desta empresa apresenta um índice de liquidez corrente menor que 1 (para cada R$1,00 de AC ela tem menos de R$ 1,00 de AC para honrar seus compromissos, por certo, ela terá dificuldade para honrar seus compromissos financeiros). Acredito que deve ter gente agora pensando: “Espera aí! O que isto tem a ver com a gestão de custo?” A resposta a esta pergunta é... “Tudo!”. Durante nosso processo de planejamento sistêmico dos custos da indústria, acabamos por definir quais serão os volumes de estoque que deverão ser mantidos pela empresa (matéria-prima, embalagem, produto final, etc.). Sendo assim, se o volume total dos estoques for superestimado, o custo para mantê-los será igualmente elevado (um verdadeiro desperdício de dinheiro; algo que, por sinal, queremos eliminar); ou, pior ainda, estes valores excedentes poderão 11 desequilibrar a estrutura patrimonial de tal forma (em sentido desfavorável) que a própria continuidade da empresa pode ser comprometida neste processo. Acredito que agora ficou clara a importância do BP, sendo assim, então agora vamos analisar o Demonstrativo de Resultados. b) Demonstrativo de Resultados [DR] O Demonstrativo de resultados é um relatório contábil que nos traz informações sintéticas e dinâmicas sobre o resultado econômico de um período. Ele informa se a empresa teve lucro ou prejuízo em um dado intervalo de tempo. Isto significa que ele não é uma fotografia (como no caso do BP); na verdade, o DR está nesta analogia mais para um filme. Uma vez que, os números presentes no DR são valores acumulados sobre a operação da empresa durante um dado período (Figura 03), cujo objetivo é contar a história do comportamento da empresa quanto à formação de sua receita e dos dispêndios disponibilizados para gera-la. Figura – 03: Curva de custo e de receita Como demonstra a Figura 3, as receitas brutas estão na primeira linha do relatório. Elas tratam dos valores que foram obtidos pelas vendas dos bens produzidos, porém o valor que nos interessa é aquele denominado de “Receita Operacional Líquida”, pois é deste valor que iremos nos apropriar para honrar nossos compromissos e, se for possível, obter lucro no final. O “custo do produto vendido” (CPV) é o termo utilizado na quarta linha para indicar que a empresa é do setor industrial, pois caso ela fosse comercial o 12 termo seria “custo da mercadoria vendida” e, no caso de prestadora de serviço teríamos “custo do serviço prestado”. O valor do CPV representa quanto nos custou o consumo dos recursos utilizados para gerar os produtos que foram vendidos. Sendo assim, precisamos ficar atentos sobre o nível de valor, pois é que determina o “Resultado bruto” da operação, o qual mostra quanto a nossa gestão dos custos da fábrica está sendo eficiente para que o capital possa cobrir as despesas que a empresa tem para manter toda a estrutura administrativa, comercial e financeira e, além disso, gerar lucro. Logicamente, a fábrica não pode levar todo o fardo de um prejuízo, caso este ocorra; a busca do lucro tem que ser uma preocupação de toda a empresa. Todavia, fica aqui um conselho, numa questão prática (ou seja, além dos limites contábeis), a “gestão estratégica do custo industrial” deve se estender para uma visão sistêmica sobre toda a empresa. De tal forma que, caso este gestor não venha a ter autoridade sobre as despesas da empresa, que ele pelo menos tenha influência nos encontros com aqueles que detêm tal poder. Bem pessoal, existem muitos outros relatórios contábeis interessantes (por exemplo, DFC, DMPL, DVA, etc.), mas estes dois que foram apresentados já nos permite ter uma boa visão sobre a importância dos relatórios contábeis para a “gestão estratégica dos custos industriais”. Na próxima aula vamos abordar as formas como podemos classificar os custos durante nossas análises.