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Luckas Gonçalves - 117 SEMIOLOGIA – HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA INTRODUÇÃO A hipertensão arterial sistêmica é uma condição multifatorial caracterizada por níveis elevados da pressão arterial (PA), que, segundo as VI diretrizes, significa um valor igual ou acima de 140 x 90 mmHg, medida com técnica correta e sem estar em uso de medicamentos anti-hipertensivos. A enfermidade caracteriza-se por aumento da resistência vascular periférica. De início, há apenas alterações funcionais das arteríolas, mas, com o passar do tempo, ocorre espessamento da camada muscular desses vasos, que provoca aumento trabalho do ventrículo esquerdo. A HAS é uma das mais importantes doenças atualmente, pois, além de ser muito frequente, ela é a causa direta ou indireta do elevado número de óbitos, decorrentes de acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e infarto agudo do miocárdio. Homens são mais suscetíveis que mulheres, e para toda a população, quanto maior a idade maior a prevalência. SINAIS E SINTOMAS Os hipertensos são, em grande parte, assintomáticos. Assim, o único modo de diagnosticar a hipertensão é medir a pressão arterial. Contudo, pode-se suspeitar de hipertensão quando o paciente relata cefaleia – frequentemente de localização occipital, que aparece de madrugada ou pela manhã -, zumbido no ouvido, fatigabilidade, palpitações, tontura e sensação de peso ou pressão na cabeça. Ao exame físico, é possível observar pulsações da crossa aórtica na fúrcula esternal, hiperfonese da 2ª bulha cardíaca no foco aórtico e aumento da intensidade de ictus cordis. Quando há hipertrofia ventricular esquerda, o ictus cordis torna-se propulsivo e deslocado para fora e para baixo. Pode surgir uma 4ª bulha que é indicativa da diminuição da complacência ventricular. Outro grupo de sintomas depende do surgimento de complicações no coração (cardiopatia hipertensiva), nos rins (nefropatia hipertensiva) ou no cérebro (encefalopatia hipertensiva). Por fim, cumpre assinalar a alta frequência da associação de hipertensão arterial com doença das artérias coronárias. Alias, a hipertensão arterial constitui um importante fator de risco para o surgimento de aterosclerose coronária. Em mais de 70% das vezes, está associada a outras condições, denominadas fatores de risco, como dislipidemia, obesidade, sedentarismo e diabetes. Nesses casos, a hipertensão arterial, em consequência da sobrecarga que impõe ao ventrículo esquerdo, pode ser o fator desencadeante de crises anginosas. Luckas Gonçalves - 117 Na cardiopatia hipertensiva, além das palpitações, decorrentes do aumento da força de contração do ventrículo esquerdo, a manifestação mais precoce é a dispneia de esforço. Com o passar do tempo, instala-se o quadro de insuficiência cardíaca. O comprometimento dos rins só se exterioriza clinicamente quando ocorre insuficiência renal, cujos sintomas mais precoces são noctúria e poliúria. Nas formas avançadas, surgem manifestações próprias da retenção de escorias azotadas, síndrome denominada “uremia”. As manifestações encefálicas podem ser subdividas em dois grupos: encefalopatia hipertensiva, na qual predominam cefaleia, tonturas, confusão mental, alterações visuais e paresias localizadas e transitórias. O outro grupo é constituído por pacientes que sofrem uma hemorragia cerebral por ruptura vascular. As manifestações oculares ocorrem isoladamente e podem independer da encefalopatia hipertensiva, sendo constituídas de escotomas e distúrbios da visão. Decorrem quase sempre de hemorragias retinianas. O exame de fundo do olho é de grande importância no diagnóstico da hipertensão arterial, pois a visualização direta das artérias e vênulas possibilita o reconhecimento clínico das alterações do leito arteriolar. CRISE HIPERTENSIVA É a elevação repentina da pressão arterial em geral, pressão diastólica acima de 120 mmHg acompanhada de cefaleia, tonturas, palpitações e perturbações visuais. Uma crise hipertensiva pode acometer uma pessoa normotensa ou hipertensa. É comum tais crises em pacientes com feocromocitoma. Também não são raras em pacientes com hipertensão arterial essencial, relacionadas com distúrbios emocionais, ingestão de álcool ou alimentos excessivamente salgados e supressão súbita de medicamentos anti- hipertensivos. CAUSAS DA HIPERTENSÃO ARTERIAL A hipertensão arterial pode ter origem: • Primária ou essencial o Quando não se consegue caracterizar sua etiologia, sendo dependente de diversos fatores, tais como hereditariedade, ingestão excessiva de sal, obesidade, estresse, uso de bebidas alcoólicas • Secundária o Doenças renais (glomerulonefrite aguda e crônica, insuficiência renal, pielonefrite, rim policístico, entre outras) o Doenças endócrinas (doença de Cushing, hiperaldosteronismo primário, feocromocitoma, acromegalia) o Doenças vasculares (coarctação de aorta, estenose da artéria renal) o Toxemia gravídica o Medicamentos (anticoncepcionais hormonais, anti-inflamatórios esteroides e não esteroides, descongestionantes nasais, antidepressivos tricíclicos, ciclosporina) o Outras causas (hipertensão intracraniana, intoxicação por chumbo, intoxicação por tálio, ingestão de grande quantidade de alcaçuz, neoplasias) Luckas Gonçalves - 117 CLASSIFICAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL Medição casual ou no consultório (7ª diretriz brasileira de hipertensão arterial, 2016) FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Entre as doenças crônicas não transmissíveis, a hipertensão é um grande exemplo de multicausalidade, com diversos fatores influenciando sua gênese e manutenção: • Genética • Idade • Sexo • Etnia • Sobrepeso e obesidade • Ingestão de sódio e potássio • Sedentarismo • Consumo de bebidas alcoólicas • Fatores socioeconômicos • Síndrome de apneia/hipopneia obstrutiva do sono Drogas ilícitas como MDMA, cocaína, anfetamina e maconha também podem elevar a PA. IMPLICAÇÕES CLÍNICAS A hipertensão é fator de risco para várias doenças, medidas pela disfunção endotelial que a hipertensão causa. Essa disfunção endotelial, por sua vez, é causada pela baixa disponibilidade de óxido nítrico (NO), que leva a aumento da resistência vascular periférica, induz a proliferação de células musculares e ocasiona alteração da permeabilidade endotelial, facilitando a passagem de lipoproteínas de baixa densidade (LDL-c), desencadeando o processo aterosclerótico. Essas alterações da vasculatura vão levar às clássicas lesões de órgãos-alvo, notadamente cardíacas, cerebrais, oculares, macrovasculares e renais. No coração, o processo aterosclerótico vai levar à doença arterial coronariana (angina, infarto) e insuficiência cardíaca (com ou sem fração de ejeção reduzida). No sistema nervoso central, pode causar acidentes vasculares encefálicos tanto isquêmicos quanto hemorrágicos, demência vascular, acidentes isquêmicos transitórios. Os vãos retinianos podem ser acometidos, e haverá desde alterações como cruzamentos arteriovenosos patológicos e aumento do reflexo até lesões vasculares mais graves, como exsudatos e hemorragias, além de papiledema. Luckas Gonçalves - 117 O processo aterosclerótico pode levar a alterações vasculares de grandes vasos, como aorta e artérias femorais, com formação de aneurismas ou disfunção arterial. Nos rins, acarreta proteinúria e perda progressiva da função renal, sendo a segunda principal causa de doença renal terminal. Essas alterações clássicas, chamadas de condições clínicas associadas (ou lesões em órgãos-alvo), determinam geralmente metas mais rígidas de controle pressórico, visando aumentar a sobrevida. As lesões subclínicas de órgãos-alvo também tem implicância nas metas e tratamento, como índice tornozelo-braquial reduzido, microalbuminúria e redução do ritmo de filtração glomerular, hipertrofia ventricular esquerda (vista em ECG ou eco). Velocidade de onda de pulso >12 m/s, espessura média-intimalda carótida > 0,9mm ou presença de placa de ateroma. HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA Ocorre em cerca de 10% dos pacientes com HAS. Em pessoas jovens, a proporção se modifica, havendo maior número de casos de hipertensão secundaria. Nas crianças, a proporção de casos secundários é ainda maior. Assim, a investigação diagnóstica nas crianças e nos jovens deve partir da premissa de que pode haver um fator responsável pelo aumento da pressão arterial. As manifestações clínicas diretamente relacionada com o aumento dos níveis pressóricos são as mesmas da hipertensão arterial primária; a elas se somam os sintomas próprios da doença renal, endócrina ou vascular. As doenças renais são as causas mais frequentes de hipertensão arterial secundária. Para a estenose da artéria renal, consagrou-se a denominação hipertensão renovascular, em que o mecanismo patogênico é bem conhecido, sendo consequência direta da isquemia renal, a qual põe em ação o sistema renina-angiotensina- aldosterona, responsável pela regulação do fluxo arterial pelos rins. A buscas de lesões da artéria renal deve ser feita em pacientes jovens, nos quais não se constatou a presença de doenças dos rins e das glândulas endócrinas, e nos pacientes idosos que se tornaram hipertensos de maneira inesperada e rápida. O diagnóstico é feito pela arteriografia renal, mas, à ausculta do abdômen, é possível detectar um sopro sistólico que se origina no local da obstrução artéria renal. Os anticoncepcionais ativam o sistema renina-angiotensina e elevam a produção de aldosterona, provocando hipertensão arterial em mulheres jovens. Doses altas de corticoides elevam a pressão arterial pelo mesmo mecanismo da síndrome de Cushing. Luckas Gonçalves - 117 ANAMNESE DO PACIENTE COM HIPERTENSÃO Resumo dos principais itens da anamnese do paciente hipertenso: • História atual o Tempo de hipertensão o Tratamentos já realizados o Possíveis complicações • Antecedentes pessoais o Doenças concomitantes o Outros fatores de risco cardiovascular o Cirurgias, internações, gestações • Antecedentes familiares o Parentes próximos com hipertensão arterial sistêmica o Parentes com doença cardiovascular estabelecida • Hábitos e vícios o Tabagismo atual ou prévio o Consumo de bebidas alcoólicas (cerca de 30g de etanol/dia estão associadas a hipertensão) o Uso de drogas ilícitas e medicamentos o Atividade física o Hábitos alimentares • Interrogatório sobre diversos aparelho MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL Avalia-se a PA usando a constrição dos braços e escutando com o estetoscópio para determinar onde o primeiro e o último sons estão audíveis. Ainda é considerado padrão ouro para medidas não invasivas. O Dr. Nikolai Korotkoff descobriu os sons da ausculta da medida da PA, os quais carregam seu nome. São os sons (ou fases) de Korotkoff: o primeiro é um som de batida, enquanto o segundo tem caráter mais suave e sibilante. Os sons da fase III são mais agudos que os da fase I. O quarto som (fase IV) é um abafamento dos sons, sendo a fase V a cessação de todos os sons. Entre o segundo e o terceiro sons de Korotkoff, pode aparecer o intervalo (hiato) auscultatório, quando o pulso ainda é palpável, mas sons não são ouvidos. Esse intervalo pode causar erro de medida na pressão sistólica, confundindo o final do intervalo como se fosse a pressão sistólica, podendo por isso haver erros de vários milímetros de mercúrio. Por exemplo, em um paciente com pressão sistólica de 174 mmHg, o intervalo auscultatório poderia se iniciar aos 162 mmHg e terminar aos 144. Se insuflássemos o manguito somente até 170 mmHg, por exemplo, poderíamos julgar que a PAS desse paciente seria 144 mmHg. Para evitar tal erro, a pressão sistólica deve ser estimada palpatoriamente, e insuflamos o manguito 30 mmHg acima da pressão estimada. Luckas Gonçalves - 117 Aparelhos • Existem três tipos de esfigmomanômetros, que pode usar métodos auscultatórios (coluna de mercúrio e aneroides) ou oscilométricos (digitais). o Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio são fáceis de serem calibrados e relativamente portáteis, mas sua comercialização (assim como os termômetros de mercúrio) está proibida pelo dano ecológico potencial do mercúrio inapropriadamente descartado. o Os aparelhos aneroides têm baixo custo, mas exigem maior técnica para serem operados. O uso constante desse tipo de aparelho, por exemplo, em um consultório de triagem da enfermagem, pode levar a lesões articulares e musculares. Exigem calibração e manutenção constantes. o Já os aparelhos eletrônicos (digitais) apresentam maior comodidade de uso e atualmente têm custo bastante competitivo. A facilidade do uso torna esse tipo de aparelho o mais recomendável pelos próprios pacientes, sendo um importante auxiliador no controle ambulatorial de hipertensos. Existem aparelhos de punho e de braço, sendo preferíveis os de braço por serem as medidas mais reprodutíveis. Os métodos auscultatórios dependem da habilidade e experiência do operador. O manguito deve ser insuflado a uma pressão aproximadamente 30 mmHg maior que a pressão sistólica estimada pelo desaparecimento do pulso braquial pela palpação. Esse cuidado diminui a possibilidade de confundir a pressão sistólica com o intervalo auscultatório. O estetoscópio deve ser posicionado suavemente sobre a artéria braquial, pois a pressão excessiva pode aumentar a turbulência e retardar o desaparecimento dos sons, reduzindo artificialmente a pressão diastólica. Não deve haver contato do estetoscópio com o tecido ou as mangueiras do aparelho. A pressão sistólica corresponde ao primeiro som de Korotkoff, já quando os sons desaparecem, corresponde ao quinto som (fase V), que deve ser registrada como a pressão diastólica. O examinado e o examinador • As medidas de PA devem ser feitas com o examinado sentado em cadeira, com as pernas descruzadas, os pés apoiados no chão e as costas apoiadas no encosto da cadeira. • O braço escolhido deve estar apoiado, por exemplo, na mesa do consultório e deve estar sem roupas nesse braço (caso não seja possível, assegurar de que as roupas não estejam garroteando o braço). A palma da mão deverá estar virada para cima. • O examinado deverá ficar em repouso por cerca de 5 minutos antes da aferição, sem conversar. Assegurar-se de que a pessoa esteja confortável, sem dores ou incômodos (bexiga cheia, p. ex.). Certificar-se de que o paciente não tomou café (ou outras bebidas cafeinadas), nem bebidas alcoólicas, não fumou e não fez exercícios nos últimos 30 minutos. Luckas Gonçalves - 117 Anotações das medidas • Deve-se fazer 3 medidas com 1-2 minutos de intervalo entre elas, e anotar a média das 2 últimas medidas. Caso a diferença entre as 2 primeiras seja maior que 10 mmHg, mais medidas devem ser feitas. Não aproximar os números. Anotar o gap auscultatório, se tiver detectado. • Em primeira avaliação, medir a pressão nos dois braços (e, caso haja suspeita de coarctação de aorta, nos quatro membros). Nas visitas subsequentes, deve-se medir preferencialmente no braço que mostrou resultados mais elevados e sempre anotar o braço que foi usado para a medida. TRATAMENTO O tratamento da HAS visa reduzir os riscos cardiovasculares, a mortalidade global, reduzindo ou prevenindo as lesões em órgãos-alvo, além do controle de outros fatores de risco e comorbidades. A meta pressórica é manter a pressão abaixo de 140x90 mmHg e, em paciente com muitos fatores de risco CV, lesões em órgãos-alvo ou múltiplas comorbidades (principalmente diabetes mellitus), a meta deve ser mais radical de 130x80 mmHg. O tratamento não farmacológico da hipertensão é fundamental para o sucesso e deve ser exaustivamente enfatizado aos pacientes, mesmo para aqueles em que as medicações também estão recomendadas. Entre os itens importantes para o controle não-medicamentoso da hipertensão estão: • Cessaçãodo tabagismo: mesmo não interferindo diretamente na PA, é muito importante, pois o a tabagismo é fator de risco cardiovascular • Perda de peso: o emagrecimento, em paciente com excesso de peso, melhora muito o controle pressórico • Padrão alimentar: dietas como a DASH (dietary approach to stop hypertension) ou dieta do mediterrâneo influenciam de forma importante no controle • Dieta hipossódica: redução do consumo de sal • Dieta rica em potássio: padrão alimentar que ajuda no controle • Redução de consumo de álcool: o controle do consumo interfere na redução da pressão • Atividade física regular: a prática de atividades físicas auxilia na redução da PA • Controle do estresse: respiração lenta, meditação e ioga são técnicas que podem ser utilizadas O tratamento farmacológico é fundamental, principalmente em pessoas de alto risco CV ou com hipertensão grau II ou grau III. As diretrizes brasileiras reconhecem as seguintes classes de medicamentos anti- hipertensivos fundamentais para o controle pressórico e aumento da sobrevida: • diuréticos tiazídicos • inibidores de enzima conversora de angiotensina • bloqueadores de receptores de angiotensina • bloqueadores de canais de cálcio Luckas Gonçalves - 117 Outras classes de drogas, como bloqueadores adrenérgicos, vasodilatadores diretos, diuréticos poupadores de potássio ou de alça e agonistas adrenérgicos centrais, também tem efeito na redução da pressão, mas tem menor impacto na redução da mortalidade.
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