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1 EFETIVIDADE DAS LEIS Nº 11.340/2006 E Nº 13.104/2015 QUE AGEM CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À MULHER SOCIAL E ECONOMICAMENTE VULNERÁVEL NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Ingrid Cypreste dos Santos Arthur Luis Loureiro Acadêmica do curso de Direito, 9º Noturno Professor e Coordenador de Curso – Docente Multivix - Cariacica 1. INTRODUÇÃO A proteção das mulheres economicamente vulneráveis contra a violência doméstica e familiar é uma questão de extrema relevância no campo dos direitos humanos. Apesar da existência de legislação específica, a efetividade dessas leis ainda é questionada devido à complexidade do tema, déficit da punibilidade real dos criminosos e à dificuldade de garantir o acesso à justiça por parte das vítimas. Diante dessa realidade, inicia-se este trabalho de pesquisa em análise às justificativas inerentes ao tema, sendo essas sociais, psicológicas, quantitativas, físicas, históricas, linguísticas jurídicas, estéticas e religiosas, especificando a questão problemática central da efetividade de leis penalizadoras de violência contra a mulher e permeando demais questão secundárias que transpassam a realidade vivenciada por milhares de mulheres do estado do Espirito Santo, Brasil, aplicando a análise sobre a efetividade das leis de proteção às mulheres vá além da existência da legislação. Este trabalho tem como objetivo analisar a efetividade das leis de proteção às mulheres economicamente vulneráveis contra a violência doméstica e familiar no estado do Espírito Santo, com foco na sua aplicação prática e na identificação dos principais obstáculos enfrentados pelas vítimas. Serão examinados casos concretos e a jurisprudência para ilustrar a complexidade da questão, expondo subtópicos que impactam a nossa realidade brasileira e discutir possíveis soluções para enfrentar os desafios, tendo como base a obra “Violência de gênero: poder e impotência” de Heleith Saffioti e demais artigos científicos quantitativos para compreender a estatística que permeia o assunto. 2 1.1. JUSTIFICATIVAS Social: o tema central envolve uma série de fatores. A violência de gênero é um obstáculo social que está profundamente enraizado nas estruturas patriarcais da sociedade brasileira, que perpetuam desigualdades e contribuem para a violência contra mulheres de todas as classes. Psicológica: psicologicamente as mulheres que se encontram nessa situação se encontram em estado de desonra, muitas vezes acarretamento a depressão e ansiedade. Ressalta-se que a violência psicológica se equipara à física no que tange a dor causada, considerando que gera fraqueza emocional, gerando, também, falta de identidade perante a sociedade. Quantitativo: De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em março de 2021, foram registradas mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher no Disque 180, canal de denúncias do governo federal, em 2020. Além disso, o mesmo relatório aponta que o número de feminicídios no país aumentou em 1,9% em 2020 em relação ao ano anterior1. Ademais, os casos que não são denunciados são ainda maiores do que as estatísticas divulgadas. Em uma pesquisa realizada pelo Datafolha, publicada em 26 de fevereiro de 2019, 27,4% das entrevistadas alegaram ter sofrido alguma violência. Dentre as que foram violentadas, 52% não denunciaram os casos. 2 Segundo dados do IBGE de 2021, as mulheres negras têm os menores salários e ocupam as piores posições no mercado de trabalho, o que as coloca em maior risco de violência e exploração econômica. Além disso, a violência de gênero muitas vezes afasta essas mulheres do mercado de trabalho, diminuindo ainda mais suas oportunidades econômicas e aumentando sua vulnerabilidade financeira.3 1 https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-registram-mais-de-105-mil- denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020 2 https://veja.abril.com.br/brasil/datafolha-274-das-mulheres-relatam-agressoes-metade-nao-denuncia 3 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou- raca.html 3 Física: A violência física pode causar lesões graves e permanentes. Muitas vezes as ações de violência levam a resultados fatais e irreversíveis. Histórico: a violência contra a mulher no Brasil envolve uma série de fatores históricos, sociais e culturais. Durante a colonização do Brasil, a violência sexual contra mulheres negras escravizadas era uma prática comum, perpetuada por homens brancos em posição de poder. Essa violência foi incorporada à cultura e à sociedade brasileiras, o que contribuiu para a perpetuação da violência de gênero e racial até os dias atuais. A violência contra mulheres em situação de debilidade socioeconômica é agravada pela falta de acesso a serviços de proteção e assistência, pela desigualdade econômica e pelo racismo. Linguístico: envolve o assunto da linguagem inclusiva na abordagem da violência contra as mulheres é como promover uma linguagem sensível e não discriminatória sem tornar a comunicação excessivamente complexa ou difícil de entender para o público em geral. Jurídico: A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é um dos principais instrumentos jurídicos de combate à violência contra a mulher no Brasil. Ela estabelece medidas protetivas de urgência para mulheres em situação de violência doméstica e familiar, além de prever ações de prevenção e combate à violência. A Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), por sua vez, tornou mais rigorosa a punição para o crime de homicídio praticado contra a mulher em razão de sua condição de gênero. O Poder Judiciário enfrenta dificuldades para garantir a aplicação das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha, bem como para punir os agressores. A falta de recursos e a falta de sensibilidade e capacitação dos profissionais que atuam na aplicação da lei são alguns dos fatores que contribuem para a baixa efetividade das leis de proteção. Estético: a violência contra mulheres não só causa danos físicos e psicológicos, mas também pode afetar a imagem corporal e autoestima dessas mulheres. Religião: em muitas culturas religiosas, a figura masculina é vista como superior e detentora do poder. Isso pode resultar em justificativas para a 4 violência contra a mulher, como se esta fosse uma forma de "disciplinar" ou "educar" a parceira. Além disso, em algumas religiões, a submissão feminina é considerada uma virtude, o que pode levar as mulheres a suportar a violência e permanecer em relacionamentos abusivos. 1.2. DELIMITAÇÃO DO TEMA No estado do Espírito Santo o índice de violência contra a mulher, apesar do estabelecimento de leis e medidas para diminuição, cresce de forma exponencial. A sociedade recorrentemente se depara com um cenário decadente, pois em meio a tantos meios de comunicação, ainda não se consegue obter sucesso na aplicação efetiva das leis que existem para combater essa ação. Apesar de avanço em 10 anos, como estado que possuía maior quantidade de homicídio do sudeste, se tornando o menor da região, no último ano aumentou cerca de 46%, gerando inconformidade. 1.3. PROBLEMA DE PESQUISA Este artigo tem como fundamento argumentar acerca da seguinte questão: “As leis de homicídio Maria da Penha existentes para proteção da mulher contra violência doméstica cumprem seu papel de penalização e justiça no estado do Espírito Santo?” 1.4. HIPÓTESE Visando a complexidade da atuação das autoridades nessa área de discussão e de aplicação de leis já existentes, pode-se vislumbrar que em uma hipótese em que, de fato, há efetivação das leis, o percentual de mulheres que sofrem com os abusos e violência por conta de gênero diminuiria e o índice de denúncias aumentaria. Essas ocorrências se dariam pelo fato de que, com o fim da impunidade de diversos casos, os agressores se encontrariam em situação de limitação, gerando temor à punição e diminuição da insegurança à mulher que teme denunciar, gerandoconfiança nas autoridades competentes. 5 Já a hipótese que se aplica à não funcionalidade das leis já existentes, reflete que o crescimento da impunidade e cada vez menos segurança por parte das mulheres vítimas dessa atuação em denunciar os casos. 1.4.1 POSITIVA Um caso recente que demonstra a efetividade da aplicação da Lei Maria da Penha ocorreu em 2020, na cidade de Porto Alegre, Brasil. Uma mulher foi agredida e ameaçada de morte pelo seu companheiro, que tentou sufocá-la com um saco plástico. A vítima conseguiu escapar e denunciou o agressor à polícia. O agressor foi preso em flagrante, mas posteriormente conseguiu um habeas corpus e foi solto. No entanto, a rápida atuação da polícia, em conjunto com o Ministério Público, levou a uma condenação exemplar do agressor. A sentença condenatória, proferida pelo Tribunal do Júri, foi de 29 anos de prisão por tentativa de feminicídio, além de uma pena adicional por violência doméstica. Esse caso é um exemplo de como a aplicação efetiva da Lei Maria da Penha, aliada a um trabalho conjunto entre a polícia e o Ministério Público, pode levar à condenação e punição exemplares de agressores de mulheres. 1.4.2 NEGATIVA Um exemplo de caso em que se viu a impunidade mesmo depois de condenação ocorreu com a atriz Cristiane Machado, que denunciou seu ex- marido por violência doméstica em 2018. Cristiane gravou diversas cenas em que o ex-marido a agredia verbal e fisicamente, incluindo um episódio em que ele a sufocou com um travesseiro. A denúncia foi registrada na polícia e o agressor foi condenado a 15 anos de prisão em primeira instância. No entanto, mesmo depois da condenação, o agressor continuou a ameaçar e a perseguir Cristiane, que passou a viver com escolta policial. Além disso, a defesa do agressor entrou com recursos na justiça e conseguiu que ele aguardasse o julgamento em liberdade. 6 1.5. OBJETIVOS 1.5.1. OBJETIVO GERAL O objetivo principal dessa pesquisa é discutir acerca do impacto da violência contra mulher economicamente vulnerável no estado do Espírito Santo e o índice de eficiência jurídica nesses casos, tal como políticas públicas para diminuição desses índices 1.5.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Para melhor entendimento acerca do tema central deste artigo, é preciso analisar pontos que circundam nosso objetivo. Inicialmente, importante é esclarecer o que é a vulnerabilidade econômica e como ela é reconhecida no âmbito brasileiro. Serão analisados referenciais teóricos para discutir acerca dessa máxima e do conceito de violência contra a mulher, em quais casos esta é considerada trazendo especificidade na penalização. Será medido, também, o impacto da implementação da Lei Maria da Penha nos casos de violência contra a mulher e índices de denúncia no Espírito Santo e comparados os indicadores em estados que possuem maior e menor número de casos. Ademais, há análise acerca da violência contra a mulher trans no Espírito Santo, os índices e medidas de segurança e jurídicas que estão sendo implementadas pelas autoridades competentes e sua efetividade. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. VULNERABILIDADE ECONÔMICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO Inicialmente, importante é esclarecer o que é “vulnerabilidade econômica” no Brasil. Oscar José Rover e Francieli de Cesaro descrevem em sua pesquisa acadêmica que: vulnerabilidade socioeconômica é uma combinação de fatores que degradam o bem-estar pessoal e social de diferentes formas e intensidades. Ela é causa e resultado de limitado acesso a recurso e poder político, econômico e social por parte de quem dela é afetado.” 7 Desse modo, em efeito comparativo, pode-se analisar que essa questão de falibilidade social está presente mais especificamente nas áreas de periferia no Brasil, onde há menores índices de escolaridade, formação e baixa renda salarial. No livro Violência de gênero: Poder e Impotência de Heleieth I.B Saffioti, a autora objetiva demonstrar como a violência de gênero está intrínseca na sociedade, e, não só, no ponto de vista masculino, mas em como a mentalidade patriarcal de poder está presente nos referencias femininos também. Essa máxima está representada na seguinte citação: “Isto equivale a dizer que o inimigo da mulher não é propriamente o homem, mas a organização social de gênero cotidianamente alimentada não apenas por homens, mas também por mulheres.” (p. 1) Dessa forma, tem-se a especificação de um dos motivos pelos quais as leis, por si só, não surtem os efeitos desejados. Considerando que não é somente a existência de leis que restringe a atuação criminosa, mas a imposição de conceitos de direitos humanos durante a formação de cada indivíduo. Ademais, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) observou mais de 34 mil mulheres acima de 18 anos em forma de questionário. Essa pesquisa revelou que jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, negras, em vulnerabilidade econômica e escolaridade mau desenvolvida são as vítimas mais frequentes de violência de gênero. Orchiucci, Santos, Pedrosa e Nobre (2018) estabelecem uma pesquisa intitulada “Violência Doméstica ou Violência Intrafamiliar: Análise dos Termos”. Nessa pesquisa, entende-se a condição de violência como violação dos direitos humanos, ressaltando, ainda, como a causa pode ser variada e complexa, podendo estar conectada entre poder e coação, vontade consciente e impulso, determinismo e liberdade. Não havendo somente uma causa, cenário ou dimensão de violência. Os mesmos ressaltam o caput do art. 5º da Lei 11.340/2006. Pontos os quais destacados pelos pesquisadores, onde compreender como: Violência física, a 8 ação contra o corpóreo das vítimas, desferindo golpes. Os danos sendo destinados ao físico; Violência patrimonial como a ação de violação dos bens materiais como objetos e documentos da vítima; Violência sexual, caracteriza pela coerção à relação sexual quando não há desejo pela outra pessoa; Violência moral, compreendida como ação de calúnia, difamação e injúria proferida contra a vítima; e, por fim, Violência psicológica ou emocional que não é completamente visível, porém deixa tantas cicatrizes quanto às físicas, com diminuição de autoestima, humilhação, jogos de der, desvalorização, desprezo, entre outros. Em reflexo a essa desvalorização do indivíduo, o artigo Violência Doméstica Contra a Mulher: Realidades e Representações Sociais (2012) ainda expõe a seguinte observação: “Segundo o Banco Mundial (Ribeiro & Coutinho, 2011), um em cada cinco dias de falta ao trabalho é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas; a cada cinco anos, a mulher perde um ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica; na América Latina, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres; uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência; estima-se que o custo da violência doméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país, fatos esses que demonstram que a violência contra a mulher sai do âmbito familiar e atinge a sociedade como um todo, configurando-se em fator que desestrutura o tecido social.” (p.308) Nessa afirmação, consegue-se ter maior vislumbre da conexão existente entre a violência doméstica e de gênero com a vulnerabilidade socioeconômica, tendo em vista que, como nos dados publicados de pesquisa, mulheres que estão na situação de violação de seus direitos no ambiente doméstico, refletem debilidade no âmbito profissional, produzindo menor produtividade, diminuição do animus para alcançar maiores cargos, considerando que a moral e o psicológico estão extremamente frágeis, gerando cada vez maior ciclo de dependência financeira da vítima ao agressor, o que acarreta no temor ao enfrentamento daquelas a esses. 9 Em seu artigo O papel do psicólogo jurídico na violência intra familiar: possíveis articulações, Cesca predispõe que: “toda ação ou omissão que prejudiqueo bem estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação de poder à outra. (p. 41) Ressaltando que as violências de gênero acontecem, em sua maioria, no ambiente familiar, que deveria ser acolhedor. Na pesquisa, assevera, ainda, acerca da incidência de violência não só contra vítima adultas, mas também direcionada a crianças, que, são formadas dentro desse cenário de opressão mental, moral e física. 2.2. LEIS DE PENALIZAÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL E A VIOLÊNCIA NO ESPÍRITO SANTO Na sociedade ancestral, a presença masculina se associava à provisão e sustentabilidade do domicílio, incumbindo-lhe a imposição de diretrizes e regulamentos no âmbito familiar, impregnados de uma mentalidade machista, marginalizando qualquer autoridade atribuída às mulheres. Sob essa aura de Em 2013, poder absoluto, era recorrente a submissão das mulheres a situações vexatórias, movidas pelo temor de represálias provenientes da própria estrutura judiciária ou da sociedade, pois esse comportamento muitas vezes era considerado "aceitável" em virtude do machismo intrínseco na cultura. Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes sofreu abalo em sua dignidade, ao ser espancada e agredida por seu companheiro. Dessa forma, em 07 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei nº 11.340/06, denominada por Lei Maria da Penha (LMP), essa norma reconhece que a violência familiar e doméstica fere os direitos humanos, especialmente os direitos da pessoa humana. O embasamento para instituição da lei supracitada encontra respaldo na violência recorrente sofrida por mulheres simplesmente em questão de gênero. Desse modo, a lei destacou os direitos e estabeleceu como deveria ser aplicada a atuação do âmbito jurídico. Monteiro, Carvalho e 10 Reis, em seu artigo Lei Maria da Penha: uma análise crítica à luz da criminologia feminista, proclamam que: “Responder violência com punição é um lema (ou mito) que configura a essência dos seres humanos; e, dificilmente, em um momento de tantos retrocessos, alcança-se um progresso que exige avaliação refinada e honesta, não menos dolorosa, da realidade. Em momentos de retrocesso, a questão mais importante é reafirmar direitos, e não lapidar uma abordagem que apresenta falhas e contradições.” (2020) Esse estudo veio trazer um ponto de vista crítico acerca da punibilidade dos agressores através da Lei imposta. Alegando que a penalização não resolve um óbice que o foco central deveria ser a afirmação de direitos humanos já adquiridos, o que reforça a teoria que afirma que não há efetividade na punição dos criminosos, por não haver progresso, permeando a teoria de penas decorrentes de delitos, não uma visão humanizada. Coimbra, Ricciardi e Levy ressaltam em seu estudo intitulado Lei Maria da Penha, equipem multidisciplinar e medidas protetivas que: “A distância entre a previsão legal e a experiência subjetiva de violência aponta para o lugar a ser explorado pela EAM, em particular por psicólogos. Trata-se de apreender a disjunção entre o que é formulado como pedido de proteção ou responsabilização e o modo como isso é traduzido nas coordenadas legais, gerando, por vezes, distância significativa com o que é entendido como necessário pela mulher.” (2018) Tal afirmação explicita como ainda há falta obscuridade, por parte até mesmo das próprias vítimas, sobre quais são os mecanismos disponíveis para combate desse gênero de violência, o que se torna um obstáculo à atuação dos profissionais da área da saúde. Exemplo da multidisciplinariedade do tema proposto. Recentemente a Lei 14.550/23, aprovada em abril de 2023 promoveu necessárias e importantes mudanças na Lei Maria da Penha, para tratar, especialmente, da autonomia das medidas protetivas, a lei veio para expandir a proteção à mulher, aumentando o âmbito de incidência. Além da Lei nº 11 11.304/06, a fim de proteção de mulheres subjugadas pela violência de gênero, foi promulgada em março de 2015, logo após o Dia das Mulheres, a Lei nº 13.104/2015 a Lei de Feminicídio. A descrita lei acrescenta a figura do feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, inscrita no inciso VI, do Art. 121 do Código Penal. Na normal penal, está citada como homicídio praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino” e, nos incisos I e II, do §2º-A, do Código Penal delimita o que se considera como “crime em razão de gênero”. Messias, Carmo e Martins (2020), na pesquisa intitulada como Feminicídio: Sob a perspectiva da dignidade da pessoa humana correlaciona a criação da Lei da seguinte forma: [...] há ainda uma grande diferença entre homens e mulheres, diferença esta que fulmina de morte o direito fundamental à igualdade material, qual seja a diferença relacionada à compleição física, que no mais das vezes coloca as mulheres em situação de vulnerabilidade [...] Essa desigualdade e a constatação do aumento do número de homicídios contra mulheres, cometidos principalmente por homens no ambiente domiciliar e familiar, ou motivados simplesmente pelo menosprezo ou pela discriminação à condição de mulher, levaram o legislador a editar a Lei nº 13.104/2015 e, com ela, o termo feminicídio foi inserido no ordenamento jurídico pátrio para identificar, justamente, os homicídios de mulheres cometidos em virtude, simplesmente, da condição de sexo feminino, entendendo-se como razões da condição de sexo feminino, para fins legais e conforme os incisos I e II do § 2º-A, do Art. 121 do Código Penal brasileiro, o crime cometido no contexto de violência doméstica e familiar, bem como o crime cometido em virtude de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (p. 10) Nesse cenário, tem-se que uma das teorias aplicáveis à criação da lei como reconhecimento de desigualdades biológicas que colocam as mulheres em situação mais vulnerável. Roichman, em seu artigo Faca, peixeira, canivete: uma análise da lei do feminicídio no Brasil (2018) efetua uma linha de pesquisa a fim de analisar os efeitos da Lei de Feminicídio nº 13.104/2015 na estatística da violência contra a 12 mulher, mais especificamente nos casos de feminicídio, qual o impacto que a lei tem causado. Observadas as limitações da pesquisa, apurou-se que houve uma perceptível queda no número de feminicídios no ano em que a lei entrou em vigor, seguida de estabilização no ano seguinte e retomada do crescimento no subsequente. As discussões, porém, demonstram que a tipificação do feminicídio pode possuir outras repercussões, que não foram mensuradas neste trabalho. (p. 8) Com base nos resultados obtidos, é evidente que a mera criação de uma lei não produz efeitos significativamente relevantes. Observa-se que o impacto causado pela promulgação normativa não se manteve ao longo do tempo, diminuindo em determinado período e estagnando novamente em níveis alarmantes no nosso cenário. O artigo Violência contra a mulher em Vitória, Espirito Santo, Brasil, de Marabotti, Amorim, Wehrmeister e Petrucci (2017) realizou a pesquisa entre 26 unidades de saúde no Município de Vitória do Estado do Espirito Santo, Brasil, em março de 2014. Alimentada pela entrevista de 991 usuárias do sistema de 20 a 59 anos de idade. Nesse cenário, a pesquisa resultou que havia maior incidência de violência psicológica (25,3%), seguida pela violência física (9,9%) e, por fim, violência sexual (5,7%). Quase 35% das mulheres tinham renda familiar até R$ 1.500,00, o que ressalta a maior incidência de violência doméstica cometida contra mulheres que estão em situação de vulnerabilidade econômica, levando em conta o contexto social presente nessa classe. O Estado do Espirito Santo já esteve em 1º lugar no ranking nacional em 2009, com 11 homicídios para cada grupo de 100 mil mulheres,onde a média nacional era de 4,3. Contudo, de 2009 a 2019 o estado teve uma redução de 54,9% de casos. Não devendo se confundir homicídio de mulher com feminicídio. Dados da Gerência do Observatório da Segurança Pública (Geosp), vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) indica que a maior incidência de violência praticada contra a mulher no centro familiar no Espirito 13 Santo foi em 2017, onde 32% desses casos de homicídio contra mulher foram tipificados como feminicídio. Em novembro de 2022 foi divulgada uma pesquisa realizada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Espirito Santo registrou 26 feminicídios em 2020 e 38 em 2021, sendo observado um aumento de 46%. Ademais, a mesma instituição divulgou dados em julho de 2022 que relacionaram que a polícia do Espirito Santo recebe 128 ligações com denúncia de violência doméstica, dados de 2021. Em 11 de março do ano de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu que o mundo vivia em estado de pandemia decorrente do contágio do “novo coronavírus”. Desse modo, no mesmo mês, no dia 17, o Governo do Estado do Espirito Santo expediu o Decreto Estadual nº 4.599-R, dispondo sobre as medidas que deveriam ser tomadas para evitar a proliferação do vírus. Segundo dados divulgados pela Segurança Pública do Estado do Espirito Santo, 26 mulheres foram assassinadas em 2020 por maridos, namorados ou ex-companheiros, sendo 2.159 presos suspeitos de praticarem violência contra a mulher e 9.488 medidas protetivas solicitadas. O índice de feminicídio, no entanto, reduziu de 38 para 31, obtendo um avanço de 16,38% de 2021 para 2022. Dados de janeiro de 2023, divulgados pelo Observatório da Sesp. Explica Hermínia Azoury, coordenadora estadual de enfrentamento à violência doméstica e familiar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que: “Com advento da pandemia da Covid-19, as vítimas passaram a conviver mais tempo com seus agressores, em razão do isolamento, e, numa relação inversamente proporcional, aumentaram as chances de serem violentadas dentro do lar e tiveram reduzidas as chances de denunciar, uma vez que estavam de contínuo sob a égide dos agressores.” Atualmente, conforme levantamento do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo de Estudos da violência da USP (NEV-USP) e o FBSP (2023) no que tange a taxa de feminicídios, o Estado do Espirito Santo configura em 12º lugar no ranking com 1,5 por 100 mil mulheres. O que reflete o avanço das medidas tomadas pelas autoridades competentes do Estado. Reflexo tanto das legislações aplicáveis, quando de sua atuação. 14 A respeito dos índices relevantes de demais Estados brasileiros, a mesma pesquisa destacou que o Estado com maior taxa de feminicídio é Mato Grosso do Sul, com taxa de 3,5 a cada 100 mil mulheres, e o Estado com menor índice, estando sendo o Ceará com 0,6. É vital ressaltar acerca da situação de mulheres trans diante do tema central desta pesquisa e, ainda, no Estado do Espirito Santo. Quanto a proteção legislativa, a Lei nº 11.340/06 não faz distinção entre orientação sexual ou identidade de gênero dentre mulheres vítimas de violência. Não afastando a proteção legal nem a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, como bem entende a as autoridades competências em jurisprudência: "(...) 1 - Se o denunciado, companheiro de vítima transexual que se identifica com o gênero feminino, a agride com barra de ferro e corta os cabelos dela com faca, além de a injuriar e ameaçar, por ciúmes e sentimento de posse, evidenciando a subjugação da figura feminina e violência de gênero, no contexto doméstico e de intimidade familiar, a competência para processar e julgar a ação penal pelos supostos crimes cometidos é do juizado especializado da mulher" Acórdão 1671958, 07425997220228070000, Relator: JAIR SOARES, Câmara Criminal, data de julgamento: 1°/3/2023, publicado no PJe: 13/3/2023. Desse modo, entende-se que o mesmo amparo que a mulher, entendida como assim biologicamente possui judicialmente, é o mesmo que a mulher trans recebe, não devendo haver, de modo algum, distinção de tratamento quando recorrer ao amparo jurídico. Há grande disposição de meios de proteção judicial no meio teórico, contudo há debilidade em alguns julgados, carregando a subjetividade do julgador nas decisões e deficiência na ação e conceituação da sociedade. Havendo a necessidade de que haja maior investimento, não só financeiro, na renovação de cultura dos indivíduos brasileiros, em todas as idades, classes e gêneros, acerca da necessidade de aperfeiçoamento do entendimento legislativo, mas não só entendendo o que é errado ou certo perante a lei positivada, mas se tornando uma cultura de base de empatia, cuidado e respeito. Não há uma fórmula ou documento específico a ser 15 publicado ou novas punições referentes ao assunto, mas há importante necessidade de assimilação social para que, a cada estudo, seja possível acompanhar a diminuição dos números ofensivos. 3. METODOLOGIA O presente documento possui natureza básica, considerando ser fundamentada em realização de projeto de metodologia de pesquisa. Afirmando essa natureza, a presente pesquisa inclui etapas de revisão bibliográfica, coleta e análise de dados e formulação de hipóteses. Esse artigo possui abordagem quantitativa, buscando medir e quantificar variáveis, para examinar relações causais e identificar os padrões existentes entre as mulheres que sofrem de violência doméstica. Os objetivos do estudo se aplicam à pesquisa descritiva, pois descreve-se características de um grupo social e a quais situações está envolvido. Os procedimentos de pesquisa que se destacam são a pesquisa bibliográfica (com apoio de obras literárias e artigos científicos), e pesquisa documental (com análise de decisões jurisprudenciais). Os dados analisados foram baseados em pesquisas já realizadas e publicadas em artigos de relevância e credibilidade. 4. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA Atividades Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 4 Mês 5 Leitura e aplicação dos ref. teóricos X X Levantar estatísticas dos referenciais X Pesquisa de conceitos objetivos da pesquisa X Pesquisa documental de julgados X X Finalização e entrega X X 16 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. LEI Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. DF, 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 20/04/2023 BRASIL. LEI Nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 mar. 2015. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em: 21/04/2023. COIMBRA, José César; RICCIARDI, Ursula; LEVY, Lidia. LEI MARIA DA PENHA, EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E MEDIDAS PROTETIVAS. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 70, n. 2, p. 158-172, 2018. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809- 52672018000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 junho 2023. HOLANDA, Denire; RIBEIRO, Cristiane; BARBOSA, Noêmia. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: REALIDADES E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS. [S. l.], 1 jan. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/bJqkynFqC6F8NTVz7BHNt9s/?format=pdf&lang= pt. Acesso em: 27 abril 2023. JOSÉ ROVER, Oscar; DE CESARO, Franciele. 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