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Álgebra Linear II Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Ana Lúcia Junqueira Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin Espaços vetoriais 5 · Espaço Vetorial · Subespaços Vetoriais · Espaço Soma · Subespaço Gerado · Espaço-Solução de um Sistema Homogêneo · Considerações Finais Os objetivos desta unidade são: » Apresentar a noção de espaço vetorial, procurando relacionar com as ideias que os educandos trazem sobre vetores; » Trabalhar espaços vetoriais do R2 e R3 e outros espaços vetoriais sobre R; » Definir subespaços vetoriais e explorar as propriedades de espaços e subespaços vetoriais; » Trazer exemplos significativos e algumas aplicações. Nesta Unidade trataremos de espaços e subespaços vetoriais. A primeira coisa que devemos pensar é que o plano cartesiano R2 é um espaço vetorial com as operações já conhecidas de adição e multiplicação por escalar dos vetores de R2. Isso também se dá com o espaço euclidiano R3 com seus vetores e as mesmas operações. Então o que faremos aqui? Vamos ver que este tipo de estrutura pode ser estendida para outros conjuntos, então chamados de espaços vetoriais. Veremos também como alguns subconjuntos mantêm a mesma estrutura do conjunto que os contém, sendo assim considerados subespaços vetoriais. Outro aspecto importante é que você acompanhe o desenvolver da teoria, preste bem atenção nas características das definições, nas propriedades das operações definidas e confira estas propriedades nos exemplos dados, preparando-se, assim, para resolver as atividades propostas na unidade. Também é importante você acompanhar as demonstrações e ir se familiarizando com a escrita algébrica, pois a matemática tem uma linguagem e uma lógica próprias, muito importantes de serem decodificadas e compreendidas, ao mesmo tempo em que adquirimos desenvoltura com essa linguagem. Desejamos que ao término da Unidade você seja capaz de reconhecer espaços vetoriais, bem como seus possíveis subespaços, compreender as técnicas e operações algébricas do conteúdo e saiba utilizá-las em outras situações que as demandem. Espaços vetoriais 6 Unidade: Espaços vetoriais Contextualização Vocês já devem ter ouvido falar em sinal, como sinal da televisão ou sinal de frequências de ondas de rádio, por exemplo. E o que é um sinal? É uma função de uma ou mais variáveis, que veicula informações sobre a natureza de um fenômeno físico. Sinal da mensagem Sinal Transmitido Transmissor Canal Receptor Sinal Recebido Estimativa do sinal da mensagem E um sistema? É uma entidade que manipula um ou mais sinais para realizar uma ação produzindo novos sinais, como por exemplo, sistema digital de reconhecimento de voz, sistema de geoprocessamento ou sistema de controle de algum objeto e o objeto a ser controlado chama-se planta, sendo exemplos de sistemas de controle: piloto automático de avião, motores de automóveis, refinarias de petróleo, usinas elétricas, robôs, temperatura ambiente, funcionamento do elevador, controle remoto de um aparelho, entre tantos outros. Diz-se que um sistema é robusto se tem boa regulação, ou seja, se há um processo de filtragem de perturbações externas, levando a uma realimentação. Controlador Entrada de referência x(t) Sinal de realimentação r(t) + – e(t) v(t) v(t) y(t) Sensor(es) Planta Perturbação SaídaΣΣ Matematicamente, os sinais de entrada e saída de um sistema são funções. E é muito importante que essas funções sejam somadas e multiplicadas por escalar (número real). Essas duas operações em funções têm propriedades algébricas análogas à soma de vetores e multiplicação de vetor por escalar (número real) nos espaços euclidianos, ou mesmo similar a estas operações com matrizes, vistas na Disciplina Álgebra Linear I. Por isso, o conjunto de todas as entradas possíveis (funções) é chamado de Espaço Vetorial. 7 No contexto histórico, a ideia original associada à definição de espaço vetorial costuma ser atribuída a Hermann Grassmann (1808-1887), teólogo e filósofo polonês, devido a uma publicação sua, de 1844, denominada Lineale Ausdehnungslehree conhecida como Teoria Linear de Extensão, anunciada por ele como uma primeira parte de uma teoria mais geral. Nesse trabalho, Grassmann discutiu e obteve boa parte dos resultados elementares da teoria atual de espaços vetoriais e de álgebra linear, perto de uma formalização axiomática. Na época da publicação, seu trabalho não teve muita repercussão, talvez pela forma obscura de apresentação ou mesmo pela incompreensão dos seus pares acerca do assunto. Sentindo-se pouco reconhecido, desanimou e acabou por não completar o pretendido na versão original. Por não ter influenciado seus contemporâneos, a maior parte de seus resultados foi redescoberta, independentemente de seu trabalho. Entretanto, 44 anos depois, o matemático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) publicou uma interpretação condensada dos conceitos tratados por Grassmann. No entanto, as definições correntes de espaço vetorial, subespaço vetorial, bases e dimensão foram estabelecidas pelo matemático alemão Hermann Weyl (1895-1955), que reconheceu a magnitude e relevância do trabalho originalmente proposto por Grassmann. 8 Unidade: Espaços vetoriais Espaço Vetorial Na Matemática, muitas vezes lidamos com conjuntos e é interessante realizar algumas operações com os elementos destes conjuntos. Vocês devem ter visto na disciplina Álgebra Linear I que podemos somar matrizes de mesmo tamanho, como também multiplicar uma matriz por um número real. E muita coisa foi feita a partir disto, dependendo destas operações. Também o R3 pode ser visto como o conjunto formado por todos os vetores do espaço, de tal forma que podemos multiplicar um vetor por um número real ou somar dois ou mais vetores do espaço, como indicado na figura a seguir. Pois o R3, com as operações de adição de vetores e multiplicação de vetor por um número real (escalar), é um espaço vetorial. A definição de espaço vetorial envolve um corpo K, cujos elementos são chamados de escalares e um conjunto não vazio E, munido de duas operações com seus elementos, chamados vetores. Para o nosso estudo, o corpo K = R, ou seja, o conjunto dos números reais. Um corpo K é um conjunto não vazio munido de duas operações, adição e multiplicação, satisfazendo as seguintes propriedades: comutatividade e associatividade em relação a cada operação, elemento neutro aditivo, elemento neutro multiplicativo, elemento inverso aditivo, elemento inverso multiplicativo para todo elemento não nulo de K, distributividade da multiplicação em relação à adição. Observe que o conjunto R dos números reais constitui um corpo com as operações usuais de adição e multiplicação. Definição 1 Dizemos que um conjunto não vazio E de elementos, chamados vetores, é um espaço vetorial sobre R, se E é munido de duas operações, adição e multiplicação por escalar, satisfazendo as seguintes condições (ou axiomas), para todos os vetores u, v e w de E e todos escalares α e β em R: Glossário Um axioma ou postulado é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada; é tida como verdade; um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. É aceito como verdade e serve como ponto inicial para dedução e inferências de outras verdades. 9 1 A soma de u e v, denotada por u + v, pertence a E (propriedade de fechamento sob a adição) 2 u + v = v + u (propriedade comutativa) 3 (u + v) + w = u + (v + w) (propriedade associativa) 4 Existe um vetor nulo 0 em E tal que v + 0 = v, para todo v em E (elemento neutro ou identidade aditiva) 5 Para cada v em E, existe um vetor –v em E, tal que v + (-v) = 0 (elemento oposto, ou inversoaditivo) 6 O múltiplo escalar de v por α, denotado por αv, pertence a E (propriedade de fechamento sob a multiplicação por escalar) 7 α(u + v) = αu + αv (propriedade distributiva em relação à soma de vetores) 8 (α + β)u = αu + βu (propriedade distributiva em relação à soma de escalares) 9 α(βu) = (αβ)u (propriedade associativa da multiplicação por escalar) 10 1.u = u (elemento neutro ou identidade para multiplicação por escalar). Usando os axiomas, é fácil verificar que o vetor 0 é único em E, pois veja: suponhamos que exista outro vetor w tal que w + v = v, para todo v de E. Daí w + 0 = 0(1) e w + 0 = w(2); igualando as equações (1) e (2), temos w = 0 Agora, tente você mostrar que o elemento oposto é único! Observe ainda que: 0v = 0, α0 =0 e (-1)v = -v. Um conjunto V não vazio com duas operações satifazendo os 10 axiomas é um espaço vetorial X Caso algum dos 10 axiomas (basta um!) não seja confirmado, então V não será um espaço vetorial 10 Unidade: Espaços vetoriais Exemplo 1 Espaço vetorial dos vetores do plano R2. Recordemos que um vetor u do R2 pode ser escrito u = (x, y), em que x é a coordenada projetada no eixo horizontal, a abscissa, e y é a coordenada projetada no eixo vertical, a ordenada, como indica a figura a seguir. Consideremos os vetores u = (x1, y1) e v = (x2, y2) em R2 e o escalar a em R. Então, u + v = (x1 + x2, y1 + y2) e au = (ax1, ay1), são vetores que pertencem ao R2. Como as abscissas e ordenadas, bem como os escalares, são números reais e os números reais constituem um corpo, a adição e a multiplicação por escalar dos vetores de R2 satisfazem todos os axiomas de espaço vetorial. Importante! Verifique! Da mesma forma, podemos mostrar que espaços euclidianos de ordem superior, Rn, cujos vetores são as n-uplas u = (x1,x2,x3, ...,xn) com as mesmas operações de adição de vetores e multiplicação de vetor por escalar, são espaços vetoriais sobre R. Exemplo 2 Seja E o conjunto das matrizes 2x2, com elementos reais, e munido das operações de adição de matrizes e multiplicação de matriz por escalar. E é um espaço vetorial. Vejamos! Sejam as matrizes 11 12 11 12 11 12 21 22 21 22 21 22 , , a a b b c c a a b b c c é ù é ù é ù ê ú ê ú ê ú= =ê ú ê ú ê úë û ë ë = û û u v w e os escalares r, s, em R. 1 11 12 11 12 11 11 12 12 21 22 21 22 21 21 22 22 a a b b a b a b a a b b a b a b é ù é ù é ù+ +ê ú ê ú ê ú+ = + = Îê ú ê ú ê ú+ +ë û ë û ë û u v E 2 11 12 11 12 11 12 11 12 21 22 21 22 21 22 21 22 a a b b b b a a a a b b b b a a é ù é ù é ù é ù ê ú ê ú ê ú ê ú+ = + = + = +ê ú ê ú ê ú ê úë û ë û ë û ë û u v v u 3 ( ) ( ) 11 12 11 12 11 12 11 12 21 22 21 22 21 22 21 22 11 11 12 12 11 11 12 12 11 12 21 21 22 22 21 21 22 22 21 22 a a b b c c a a a a b b c c a a b c b c a b a b c c b c b c a b a b c c æ öé ù é ù é ù é ù÷çê ú ê ú ê ú ê ú÷+ + = + + = +ç ÷çê ú ê ú ê ú ê ú÷çè øë û ë û ë û ë û é ù é ù é ù+ + + +ê ú ê ú ê ú= + = +ê ú ê ú ê ú+ + + +ë û ë û ë û u v w u v +w 11 4 Existe a matriz nula 11 12 11 12 11 12 21 22 21 22 21 22 0 00 0 0 0 0 tal que 0 00 0 0 0 a a a a a a a a a a a a é ù é ù é ùé ù é ù + +ê ú ê ú ê úê ú ê ú= + = + = = =ê ú ê ú ê úê ú ê ú + +ë û ë ûë û ë û ë û u 0 u 5 Para cada 11 12 21 22 a a a a é ù ê ú= ê úë û u existe a matriz 11 12 21 22 ( ) a a a a é ù- -ê ú- = ê ú- -ë û u tal que ( ) 11 12 11 12 11 11 12 12 21 22 21 22 21 21 22 22 0 0 0 0 0 a a a a a a a a a a a a a a a a é ù é ù é ù é ù- - +- +-ê ú ê ú ê ú ê ú+ - = + = = =ê ú ê ú ê ú ê ú- - +- +- ë ûë û ë û ë û u u 6 A matriz 11 12 11 12 21 22 21 22 a a ra ra r r a a ra ra é ù é ù ê ú ê ú= = Îê ú ê úë û ë û u E 7 ( ) 11 11 12 12 11 11 12 12 11 12 11 12 21 21 22 22 21 21 22 22 21 22 21 22 a b a b ra rb ra rb a a b b r r r r r r a b a b ra rb ra rb a a b b é ù é ù é ù é ù+ + + +ê ú ê ú ê ú ê ú+ = = = + = +ê ú ê ú ê ú ê ú+ + + +ë û ë û ë û ë û u v u v 8 ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) 11 1211 12 11 12 21 2221 22 21 22 r s a r s aa a ra ra r s r s r s a r s aa a ra ra é ùé ù é ù+ +ê úê ú ê ú+ = + = = +ê úê ú ê ú+ +ê úë û ë ûë û u 11 12 11 12 11 12 21 22 21 22 21 22 sa sa a a a a r s r s sa sa a a a a é ù é ù é ù ê ú ê ú ê ú= + = +ê ú ê ú ê úë û ë û ë û u u 9 ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 11 12 11 12 21 22 21 22 rs a rs a sa sa rs r r s s r rs a rs a sa sa é ù é ùê ú ê ú= = = =ê ú ê úê ú ë ûë û u u u 10 O escalar 1∈R é tal que 11 12 11 12 21 22 21 22 1. 1. 1. 1 1. 1. a a a a a a a a é ù é ù ê ú ê ú= = =ê ú ê úë û ë û u u Para demonstrar cuidadosamente, exige certo trabalho. Entretanto, muitas vezes, apenas usamos e argumentamos sobre o que já é conhecido. O mais importante é perceber e nos convencermos de quando é um espaço vetorial. Exemplo 3 Considere o conjunto E de todas as funções reais a valores reais, f: R → R, tal que para cada x ∈ R, f(x) ∈ R, com as operações de soma de funções e multiplicação de função por escalar, a saber: (f + g) (x) = f(x) + g(x) e (αf) (x) = α.f(x). Observe que também neste caso estaremos trabalhando com números reais que, sendo um corpo, já satisfazem todos os axiomas de espaço vetorial para estas duas operações, nas quais a adição de funções lida com a adição de números reais e a multiplicação de função por escalar (também um número real) lida com a multiplicação de números reais. Sendo assim, E é um espaço vetorial sobre R. Se você quiser treinar um pouco mais, mostre a validade dos 10 axiomas neste caso. 12 Unidade: Espaços vetoriais Exemplo 4 Considere V um plano qualquer do R3 que passa pela origem. Nesse caso, a equação geral desse plano é dada por: ax+by+cz = 0, com a, b, c números reais fixos. Vamos mostrar que V é um espaço vetorial, com as operações usuais do R3. Sejam dois pontos de u e v de V, u = (x1, y1, z1) e v = (x2, y2, z2). Então, temos ax1 + by1 + cz1 = 0 e ax2 + by2 + cz2 = 0, pois satisfazem a equação do plano. Temos então u+v=(x1 + x2, y1 + y2, z1 + z2) e tu=(tx1, ty1, tz1). Daí, vamos verificar se u + v e tu pertencem a V: a(x1 + x2) + b(y1 + y2) + c(z1 + z2) = ax1 + ax2 + by1 + by2 + cz1 + cz2 = (ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2) = (ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1) = 0 + 0 = 0, com o que u + v ∈ V. Também a(tx1) + b(ty1) + c(tz1) = t(ax1 + by1 + cz1) = t.0 = 0, e assim tu ∈ V, o que satisfaz as propriedades de fechamento em relação às duas operações (axiomas 1 e 6). Como o plano passa pela origem, existe o vetor 0 = (0, 0, 0) em V (axioma 4), e 1 . u = u, para todo u de V (axioma 10). É fácil de ver que u + v = v + u pela propriedade comutativa dos números reais: (ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2) = (ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1) = 0 + 0 = 0 (axioma 2). Também não é difícil verificar a propriedade associativa u+(v+w) = (u+v)+w, pois (ax1+by1+cz1) + [(ax2 + by2 + cz2) + (ax3 + by3 + cz3)] = [(ax2 + by2 + cz2) + (ax1 + by1 + cz1)] + (ax3 + by3 + cz3) = 0 + 0 + 0 = 0 (axioma 3). O axioma 4 é trivial, vez que a(-x1) + b(-y1) + c(-z1) = –(ax1 + by1 + cz1) = 0, daí o vetor –u ∈ V. O axioma 7 pode ser verificado, pois t[(ax1 + by1 + cz1) + (ax2 + by2 + cz2)] = t(ax1 + by1 + cz1) + t(ax2 + by2 + cz2) = t.0 + t.0 = 0; logo, t(u + v) ∈ V. E (r + s)u pertence a V, pois (r + s).(ax1 + by1 + cz1) = (r + s) ax1 + (r + s)by1 + (r + s)cz1 = a[(r + s) x1] + b[(r + s)y1] + c[(r + s)z1] = 0, vez que o vetor (r + s) u = tu ∈ V (axioma 8). O axioma 9 pode ser verificado da mesma maneira. Assim sendo, todos os axiomas foram verificados, ou seja, são válidos. Portanto, um plano V do R3 que passa pela origem é sempre um espaço vetorial. Mostre, por analogia, que uma reta do R2 que passa pela origem é um espaçovetorial. 13 Exemplo 5 Um conjunto que não é espaço vetorial. Seja E = R2 com as seguintes operações assim definidas: Se u = (x1, y1) e v = (x2, y2) são dois vetores do R2, u + v = (x1 + x2, y1 + y2) e para todo escalar (real) t, tu = (tx1, x2). Como a adição é a mesma usualmente conhecida, valem os axiomas de 1 a 5. Mas a operação multiplicação por escalar é diferente da usual. Então, vamos verificar. Claro é que tu = (tx1, x2) ∈ R2,(axioma 6), mas vejamos o axioma 7: t(u + v) = t[(x1, y1) + (x2, y2)] = t(x1 + x2, y1 + y2) = (t(x1 + x2), y1 + y2) = (tx1 + tx2, y1 + y2) = t(x1 + x2) + (y1 + y2) = tu + v Vimos, portanto, que o axioma 7 não é satisfeito. Logo, com essas operações assim definidas, o conjunto E=R2 não é espaço vetorial. O que isto nos mostra? Evidencia que as operações comumente definidas em conjuntos não o foram de forma arbitrária, mas intencional, para atender algumas propriedades, o que os tornam, em geral, espaços vetoriais. Também serve para vermos que basta um dos axiomas não ser verdadeiro para não configurar um espaço vetorial. Vale lembrar que este é um dos raciocínios lógicos da Matemática: se todas as condições da hipótese são verificadas, então a conclusão (tese) é verdadeira. Entretanto, basta um contra exemplo para que a tese não possa ser verificada. Para pensar Como definir uma soma de vetores do R2 de forma que este conjunto não seja um espaço vetorial? 14 Unidade: Espaços vetoriais Subespaços Vetoriais Na seção anterior, vimos que os planos do R3 que passam pela origem formam um espaço vetorial, enquanto que o próprio espaço euclidiano R3 é um espaço vetorial. Mas, observe que o plano passando pela origem é um espaço vetorial com as operações herdadas do R3. Isto pode ocorrer para alguns subconjuntos de um espaço vetorial, quando o subconjunto, por si só, é um espaço vetorial com as operações do espaço vetorial. Nesse caso, recebem um nome especial. É o que veremos agora. Definição 2 Um subconjunto W de um espaço vetorial E é chamado de subespaço vetorial de E, se W é um espaço vetorial em relação às operações de adição e multiplicação por escalar definidas em E. Para mostrar que os planos do R3 que passam pela origem formam um espaço vetorial, tivemos de verificar todos os axiomas, o que deu certo trabalho, mas vimos que as demonstrações dependeram basicamente das propriedades das operações usuais do R3 como espaço vetorial. Então, veremos que é isso mesmo. Para verificar se um subconjunto não vazio de E é um subespaço vetorial, precisaremos verificar apenas duas propriedades. Vejam! Teorema 1 Se W é um subconjunto não vazio de um espaço vetorial E, então W é um subespaço vetorial de E se, e somente se, forem válidas as seguintes condições: a. Se u e v são vetores de W, então u + v pertence a W; b. Se k é um escalar qualquer e u um vetor de W, então ku pertence a W. Demonstração Se W é um subespaço vetorial de E, então valem todos os axiomas de espaço vetorial, em particular, as condições (a) e (b), que são os axiomas 1 e 6, respectivamente. Reciprocamente, se as condições (a) e (b) são válidas, então são válidos os axiomas 1 e 6 do espaço vetorial. 15 Em relação aos demais, observemos que são válidos os axiomas 2, 3 e 7, bem como os axiomas 8, 9 e 10, vez que os vetores de W são vetores de E, já que W é um subconjunto de E. Basta, então, verificar os axiomas 4 e 5. Vimos (axioma 6) que para qualquer escalar k e qualquer vetor u de W, o vetor ku pertence a W. Considere, então, o escalar k = 0; daí temos que 0.u = 0 pertence a W, com o que W tem um vetor nulo 0 (axioma 4). Agora para qualquer vetor u de W, tome o escalar k = -1 e (-1) u = -u pertence a W (axioma 5). Portanto, como todos os axiomas de espaço vetorial são válidos para os elementos de W com as operações herdadas de E, w é um subespaço vetorial de E. Você agora deve ter se animado, pois ficou mais simples verificar se um subconjunto de um espaço vetorial E é um subespaço vetorial de E. Vejamos, então, alguns exemplos. Exemplo 6 Seja E o espaço vetorial das matrizes 2x3, a valores reais, com as operações usuais de adição de matrizes e multiplicação de matriz por um escalar real. Considere o subconjunto W de E, tal que uma matriz A de W é da seguinte forma: 11 12 21 22 0 0 a a A a a é ù ê ú= ê úë û Vamos mostrar que W é subespaço vetorial de E. Para tal, basta que os vetores de W satisfaçam as duas condições (a) e (b) do teorema 1. Sejam u e v dois vetores de W. Logo, 11 12 21 22 0 0 a a A a a é ù ê ú= = ê úë û u e 11 21 22 0 0 b b B b b é ù ê ú= = ê úë û v . Então 11 11 12 12 21 21 22 22 0 0 a b a b A B a b b a é ù+ +ê ú+ = + = ê ú+ +ë û u v que pertence a W. Também para qualquer escala k real, a matriz 11 12 11 12 21 22 21 22 0 0 0 0 a a ka ka k kA k a a ka ka é ù é ù ê ú ê ú= = =ê ú ê úë û ë û u pertence a W. Logo, W é subespaço vetorial de E. 16 Unidade: Espaços vetoriais Exemplo 7 Considere o espaço vetorial E das funções reais a valores reais, definidas por f: R→R, tal que para todo x ∈ R, y = f(x) ∈ R, com as operações usuais de soma de funções e multiplicação de função por um escalar real (como definidas no exemplo 3). Seja W o subconjunto de E constituído das funções f de E, assim definido: W = {f ∈ E, tal que f(x) = ax + b, a, b ∈ R}. Então, dados dois vetores u e v de W, u = f(x) = ax + b, v = g(x) = cx + d, daí u + v = f(x) + g(x) = (a + c)x + (b + d). Logo, u + v ∈ W. Seja agora k um escalar (real) qualquer, então ku = k . f(x) = k(ax + b) = (ka)x + kb. Com isso, ku ∈ W. Dessa forma, W satisfaz as condições (a) e (b) do teorema 1 e, portanto, W é subespaço vetorial de E. Exemplo 8 Considere agora o conjunto P dos polinômios de grau menor ou igual a n, n ≥ 0. Então, se u ∈ P, u = p(x) = anxn + an - 1xn-1 + an - 2xn-2 +.....a1x + a0., nem todos os coeficientes são nulos. Observe que P é um subconjunto do espaço vetorial E das funções reais a valores reais, com as operações usuais, dado no exemplo anterior. Assim é fácil verificar que dados dois vetores u e v de W, u = p(x), v = q(x), nas condições definidas em W, então u + v = p(x) + q(x) ∈ P, vez que a soma de dois polinômios é um polinômio de grau igual ao maior grau entre p(x) e q(x). Também, para qualquer escalar k real, ku = k . p(x) ∈ P, vez que é um polinômio de mesmo grau de p(x). Então, como as condições (a) e (b) do teorema 1, P é um subespaço vetorial de E. Exemplo 9 Na figura ao lado, o prisma triangular tem um dos vértices na origem e o plano α é um plano do R3 que contém a face verde do prisma triangular. Observe que o plano α não passa pela origem. Portanto, o plano α não é um subespaço vetorial do R3. 17 Exemplo 10 Seja E um espaço vetorial e S o subconjunto de E, que só contém o vetor nulo de E, ou seja, S = {0}, então S é subespaço vetorial de E, chamado subespaço trivial. O próprio E é considerado subespaço de E, nesse caso também chamado de subespaço trivial. Na verdade, se E é um espaço vetorial, então {0} e E são subespaços impróprios ou triviais. Qualquer outro subespaço de E é chamado de subespaço próprio. Importante! Todo subespaço vetorial V de E contém o vetor nulo de E. Um subespaço V de E é também um espaço vetorial com todos os axiomas herdados de E. Todo espaço vetorial E admite pelo menos dois subespaços, V1 = {0} e V2 = E, chamados subespaços triviais de E. Qualquer outro subespaço W de E, diferente desses, é chamado subespaço não trivial, ou próprio, de E. Exemplo 11 O espaço vetorial R2 não é subespaço vetorial de R3, aliás, o R2 não é nem mesmo um subconjunto do R3, vez que os vetores do R2 têm apenas duas coordenadas, enquanto os vetores doR3 têm três. Já o subconjunto V do R3 tal que V = {(x,y,0), x, y ∈ R} é subespaço vetorial do R3. Ocorre que V desse exemplo não é o espaço vetorial R2, apenas se ‘parece’ e ‘age’ como ele. Exemplo 12 Seja E o espaço vetorial das matrizes 3 x 3 e considere V o subconjunto das matrizes simétricas de E. 11 12 13 21 22 23 31 32 33 , tal que , , 1,2,3ij ji a a a Então V a a a a a i j a a a ì üé ùï ïï ïê úï ïï ïê ú= = =í ýê úï ïï ïê úï ïë ûï ïî þ Como a soma de matrizes simétricas é uma matriz simétrica, bem como o múltiplo de uma matriz simétrica também é uma matriz simétrica, então V é um subespaço vetorial de E. Observe que o mesmo é verdade para E, o espaço das matrizes nxn e V, o subconjunto das matrizes simétricas de E. Exemplo 13 Sejam U e V dois subespaços de um espaço vetorial E. Então W = U∩V é também subespaço vetorial de E. Vejamos: certamente W ≠ ∅, que 0 ∈ W, pois 0 ∈ U e 0 ∈ V. Ainda se w1,w2 ∈ W, então w1,w2 ∈ U ∩ V, daí w1 + w2 ∈ U ∩ V, e também kw1 ∈ U ∩ V, satisfazendo as condições (a) e (b) do teorema 1. Logo, W = U ∩ V é subespaço vetorial de E. Para pensar Vimos que a intersecção de dois subespaços de um espaço vetorial E é também um subespaço vetorial de E. Mas será que o mesmo ocorre com a união de dois subespaços vetoriais? 18 Unidade: Espaços vetoriais Espaço Soma Definição 3 Sejam U e V dois subespaços do espaço vetorial E. O espaço soma de U e V, denotado por U + V, é o conjunto de todos os vetores w que podem ser escritos como soma de um vetor de U e um vetor de V, isto é, U+V = {w = u + v, u∈ U, v∈ V}. Assim definido, U + V é um espaço vetorial de E. Caso U ∩ V = {0}, diz-se que o espaço soma U + V é soma direta de U e V e denota-se por U⊕V(Confira o exemplo 15 mais adiante). Subespaço Gerado Vamos ver agora que podemos ter subespaços vetoriais que são gerados por um conjunto de vetores de um espaço vetorial. Para isto, temos de definir o termo combinação linear. Definição 4 Dado um conjunto de vetores S = {u1,u2, ...,uk} de um espaço vetorial E, uma combinação linear dos vetores de S é uma soma de múltiplos desses vetores, ou seja, a1u1 + a2u2 +....+akuk, com a1, a2, ...,ak escalares. Teorema 2 Considere um conjunto de vetores S = {u1,u2, ...,uk} de um espaço vetorial E. Seja [S] o conjunto de todas as combinações lineares dos vetores de S. Então [S] é um subespaço vetorial de E, denominado subespaço gerado por S. Demonstração Vemos que a própria definição de combinação linear garante a validade das condições (a) e (b) do teorema 1 para [S]. Então, [S] é um subespaço vetorial de E. Exemplo 14 Sejam os vetores u = (1, 2, 0) e v = (0, 1, 1) do R3. Então [S] = [u, v] é o subespaço do R3 gerado por S = {u, v}. Entretanto, vamos ver qual é este subespaço gerado. Um vetor genérico de [S] é uma combinação linear de u e v. Então, temos que se w ∈ [S], w = au + bv = a(1, 2, 0) + b(0, 1, 1) = (a, 2a, 0) + (0, b, b) = (a, 2a + b, b), com a, b números reais. Logo, [S] = {(a, 2a + b, b), a, b ∈ R}. 19 Exemplo 15 Sejam S e T dois subespaços gerados por vetores do R3 assim definidos S = [(1, 0, 0),(0, 1, 0)] e T=[(0, 0, 1)]. S representa um plano e T uma reta do R3 , ambos passando pela origem (0,0,0) e T ortogonal a S. Daí temos que S ∩ T = ∅ e, nesse caso, S ⊕ T = R3 . Espaço-Solução de um Sistema Homogêneo Seja Ax = b é um sistema linear de m equações e n incógnitas, no qual A é a matriz mxn dos coeficientes, x é a matriz coluna nx1 ou vetor das incógnitas e b o termo independente. Então, cada vetor x que satisfaz esta equação é chamado de vetor-solução. Teorema 3 Se Ax = 0 é um sistema linear homogêneo de m equações e n incógnitas, então o conjunto dos vetores-solução é subespaço de Rn. Demonstração Seja V o conjunto dos vetores-solução de Ax = 0. Certamente V ≠ ∅, pois existe pelo menos a solução x = 0. Sejam x e x’ dois vetores-solução em V. Lembremos que os vetores de V são matrizes-coluna com n elementos. Temos A(x + x’) = Ax + Ax’ = 0 +0 = 0, logo x + x’ ∈ V. Temos também A(tx)= t.Ax=t.0=0, logo tx∈ V. Portanto, como foram satisfeitas as condições (a) e (b) do teorema 1, o espaço-solução V é um subespaço vetorial do Rn. Exemplo 16 Seja o sistema homogêneo de equações lineares Ax = 0, cuja representação matricial é dada por: 1 2 3 0 2 4 6 0 3 6 9 0 x y z é ù é ù é ù-ê ú ê ú ê ú ê ú ê ú ê ú- =ê ú ê ú ê ú ê ú ê ú ê ú-ë û ë û ë û Já sabemos que tem solução e que o conjunto V dos vetores-solução é um subespaço do R3. Queremos saber quem é o conjunto V. Agora, vamos recordar o que já dever ter sido visto em álgebra linear sobre resolução de sistemas: se observarmos bem a matriz A dos coeficientes, vemos que a segunda e terceira linhas são múltiplas da primeira linha de A. 20 Unidade: Espaços vetoriais Isto significa que a matriz escalonada por linhas A’ associada à matriz A tem posto 1, ou seja, terá apenas uma linha não nula.Então, o grau de liberdade será 2, já que o vetor- solução tem 3 componentes. Também é fácil de ver que a matriz A’ = 1 2 3 0 0 0 0 0 0 é ù-ê ú ê ú ê ú ê úë û e, portanto, o sistema equivalente A’x = 0 nos dá como solução a equação x-2y+3z = 0, que é um plano do R3 passando pela origem. Considerações Finais Vimos, nesta Unidade, o que é um espaço vetorial e quais axiomas devem ser satisfeitos para garantir que um conjunto não nulo seja espaço vetorial. Em seguida, tratamos de subespaços vetoriais e vimos que bastam duas condições para garantir que um subconjunto não vazio de um espaço vetorial seja subespaço vetorial dele. Apresentamos variados exemplos de espaços e subespaços vetoriais, como espaços euclidianos, espaços de funções, espaço de matrizes, espaço-solução de sistemas lineares homogêneos, entre outros, com o objetivo de dar uma visão ampla desses importantes conceitos e esclarecer procedimentos de verificação ou demonstração de suas características, contribuindo, assim, para a construção das estruturas algébricas. Afinal, sempre podemos nos lembrar da frase do matemático alemão Hermann Henkel (1839-1873): “Na maior parte das ciências uma geração põe abaixo o que outra construiu e o que uma estabeleceu, a outra desfaz. Somente na matemática é que cada geração constrói um novo andar sobre a antiga estrutura.” Espero que você tenha aproveitado! E se teve dúvidas, recomendo que retorne aos exemplos e procure refazê-los você mesmo. Além disso, você pode também consultar outras referências, como as indicadas. 21 Material Complementar Se você deseja aprofundar seus estudos sobre Álgebra Linear, consulte os links a seguir. São livros sobre o tema e estão disponíveis na internet. Afinal é sempre bom poder ver outras abordagens, exemplos e aplicações. Leitura: http://www.mat.ufmg.br/~regi/gaalt/gaalt2.pdf; http://www.labma.ufrj.br/~mcabral/textos/alglin/CursoAlgLin-livro.pdf; http://www.icmc.usp.br/pessoas/szani/alglin.pdf. 22 Unidade: Espaços vetoriais Referências ANTON, H. Álgebra Linear com aplicações. 8.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. BOLDRINI, J. L. Álgebra linear. 3.ed. São Paulo: Harbra, 1986. EDWARDS JR, C. H., PENNEY, D. E. Introdução à álgebra linear. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1998. LAY, D. C. Álgebra linear e suas aplicações. 2.ed. Rio de janeiro: LTC Editora, 1999. LAWSON, T. Álgebra Linear. São Paulo: Edgard Blücher, 1997. STEINBRUCH, A. Álgebra linear. 2.ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 2004. 23 Anotações
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