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25 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 Escola, currículo E cultura Para melhor compreensão das teorias curriculares, é importante que você tenha em mente os principais conceitos abordados por cada uma delas, pois, como dissemos anteriormente, eles organizam e estruturam nosso olhar para a análise da realidade, ou seja, o currículo e a escola. Quadro 1 – Principais conceitos das Teorias de Currículo apresentados por Silva (2003) Teorias Tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós‑Críticas ensino ideologia identidade, alteridade, diferença aprendizagem reprodução cultural e social subjetividade avaliação poder significação e discurso metodologia classe social saber‑poder didática capitalismo representação organização relações sociais de produção cultura planejamento conscientização gênero, raça, etnia, sexualidade eficiência emancipação e libertação multiculturalismo objetivos currículo oculto resistência Fonte: Silva (2003). Abordaremos, a partir de agora, cada uma das principais tendências de análise do currículo. 2.1 teorias tradicionais As Teorias Tradicionais foram as primeiras organizadas sobre o currículo. Elas surgiram nos Estados Unidos, na primeira década do século XX, a partir das seguintes condições: [...] associadas com a institucionalização da educação de massa; a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos a segmentos cada vez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SANTOS, 2003, p. 22). Essas teorias pretendem ser neutras e, por isso, acabam por reforçar as situações sociais e econômicas do jeito que são – os ricos continuarão a ser ricos e ter os melhores empregos, e os pobres, a ser pobres, realizando trabalhos braçais e com menores remunerações. É exatamente por querer manter as coisas como estão que essas teorias têm como principal foco de análise a identificação dos objetivos da educação escolarizada, com vistas a formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica, à população. Silva (2003) explica que essas teorias tiveram como principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento em que diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam envolver a 26 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 educação de massas para assegurar que sua ideologia fosse mantida. Sua proposta era de que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial. Segundo Silva (2003, p. 23), [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez, deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. Conforme se observa, o modelo curricular de Bobbit estava focado na Teoria da Administração Científica, proposta por Frederick W. Taylor, e tinha como palavra‑chave a eficiência. Nesses termos, o currículo era uma questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. Dessa forma, a tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Essas ideias influenciaram muito a educação nos Estados Unidos até os anos 1980. Mas não foi somente lá, pois foram marcantes em muitos países, inclusive no Brasil. Figura 6 – John Franklin Bobbitt Para Bobbitt, a finalidade da educação era preparar as crianças e os jovens para a sociedade tal qual ela se apresentava. Assim, o currículo deveria proporcionar habilidades para o exercício de uma ocupação profissional na vida adulta. Era visto como uma questão de organização, de técnica; portanto, tecnocrata. Não obstante, segundo Silva (2000, p. 23), bem antes de Bobbitt, Dewey escreveu, em 1902, um livro que tinha a palavra “currículo” no título, The Child and the Curriculum. http://5003summer2011.wikispaces.com/John+Franklin+Bobbitt 27 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 Escola, currículo E cultura Figura 7 – John Dewey Saiba mais Caso queira consultar a obra, o livro está disponível para acesso público no seguinte site: <http://archive.org/stream/ childandcurricul00deweuoft#page/n3/mode/2up>. Vale dizer que Dewey era representante da Teoria Progressista, cuja concepção de currículo, nesse caso, parte da totalidade de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da escola, levando em conta e valorizando os interesses do aluno. Esse autor estava mais preocupado com a construção da democracia que com o funcionamento da economia (SILVA, 2003). Ao contrário das teorias tradicionais, as progressistas começaram a se delinear a partir do século XVIII, e se constituíram como tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. A escola, nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos problemas da sociedade mais ampla. O foco do currículo foi deslocado do conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na organização das atividades, com base nas experiências, nas diferenças individuais e nos interesses da criança. Entretanto, segundo Silva (2003), a influência de Dewey não se refletiu da mesma forma que a de Bobbitt na formação do currículo como campo de estudos, que, por sua vez, teve seu modelo de currículo consolidado com a publicação do livro de Ralph Tyler, em 1949. Segundo Silva (2003), as ideias de Tyler dominaram o campo do currículo nos Estados Unidos, com influência em diversos países, inclusive no Brasil, nas quatro décadas seguintes. Mas, então, qual era o paradigma curricular proposto por Tyler? Seu paradigma centra‑se em questões de organização e 28 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 desenvolvimento, pois sendo um discípulo de Bobbitt não poderia ser diferente. Para Tyler, citado por Silva (2003), o currículo é essencialmente uma questão técnica. Dessa forma, deveria buscar respostas para quatro questões básicas: • Que objetivos educacionais a escola deve procurar atingir? A resposta a essa questão define o currículo. • Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? A resposta a essa questão define o ensino. • Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? A resposta a essa questão define a metodologia. • Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? A resposta a essa questão define a avaliação. Saiba mais KLIEBARD, H. M. Os princípios de Tyler. Currículo sem fronteiras, v. 11, n. 2, p. 23‑35, jul./dez. 2011. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras. org/vol11iss2articles/kliebard‑tyler.pdf>. Conforme se observa, no início do século XX tivemos dois modelos de currículo surgindo em um mesmo local e período. Assim, podemos questionar: será que havia algo em comum entre os modelos? A resposta é sim, pois tanto o modelo de Bobbitt e Tyler quanto o de Dewey constituíram, de certa forma, uma reação ao currículo clássico, humanista, que havia dominado a educação secundária desde sua institucionalização. observação E o que era o modelo clássico? Tratava‑se de um currículo herdeiro das chamadas artes liberais, originário da AntiguidadeClássica, focado nas seguintes áreas do conhecimento: trivium, ou seja, gramática, retórica, dialética, e quadrivium: astronomia, geometria, música e aritmética. Cada um dos modelos curriculares contemporâneos (o tecnocrático e o progressista) ataca o modelo humanista de um jeito ou de outro (SILVA, 2003). O tecnocrático destacava a abstração e a suposta inutilidade – para a vida moderna e para as atividades laborais – das habilidades e dos conhecimentos cultivados pelo currículo clássico. Já o modelo progressista entendia que o currículo clássico distanciava‑se dos interesses e das experiências das crianças e dos jovens. 29 Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 Escola, currículo E cultura Por fim, ressaltamos que o currículo está intimamente relacionado ao contexto. Dessa forma, os modelos tradicionais foram contestados a partir dos anos 1970. Lembrete As teorias tradicionais de currículo são compostas por teorias tecnocráticas (que fundamentaram o tecnicismo no Brasil), representadas principalmente por Bobbitt e Tyler e pela teoria progressista de Dewey, a qual fundamentou os princípios da Escola Nova. 2.2 teorias Críticas Para situar melhor esta discussão, salientamos que a Teoria Crítica, em seu sentido mais formal e usual, remonta a um período anterior ao surgimento das Teorias Curriculares Críticas. Ela surgiu na Alemanha, a partir dos estudos de autores que faziam parte da Escola de Frankfurt, criada em 1923, como: Adorno, Horkeimer, Marcuse e Benjamim. A princípio, a Teoria Crítica faz uma análise minuciosa das relações de cultura e política cultural de massas no capitalismo e, posteriormente, suas análises vão para além do capitalismo e suas formas, pois se aproximam dos aspectos cognitivos e do conhecimento técnico como formas de dominação. Saiba mais GIROUX, H. A. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Tradução Angela Maria B. Biaggio. Petrópolis: Vozes, 1986. No que se refere às suas finalidades, em termos mais específicos, podemos dizer que as Teorias Críticas do Currículo surgiram em oposição às teorias tradicionais e se preocuparam em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, o que o currículo faz. Portanto, “efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (SILVA, 2003, p. 29). Uma característica importante dessas teorias críticas que, a nosso ver deve ser destacada, é que, no desenvolvimento de seus conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Nesses termos, verificamos que vários pensadores elaboraram teorias que foram identificadas como críticas e, embora tivessem uma linha semelhante de pensamento, apresentavam suas individualidades. Mas, afinal, quais são as contribuições dessas teorias e quando elas surgiram? No que diz respeito às suas contribuições, a literatura mostra que o mérito dessas teorias está principalmente em realizar uma inversão nos fundamentos das teorias tradicionais, sendo que isso ocorre porque elas invertem as perspectivas colocadas pelos enfoques tradicionais ao efetuarem os necessários questionamentos com relação à formação social dominante. 30 Unidade I Re vi sã o: A nd ré ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 2/ 08 /1 3 Quadro 2 – Principais diferenças dos fundamentos das teorias tradicionais e das teorias críticas (Silva, 2003) Teorias tradicionais • tomam o status quo como referêncial desejável, concentram‑se nas formas de organização e elaboração do currículo. • restringem‑se à atividade técnica de como fazer o currículo. • teorias de aceitação, ajuste e adaptação. Teorias críticas • desconfiam do status quo, responsabilizando‑o pelas desigualdades e injustiças sociais. • teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. • o importante é desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. Fonte: Silva (2003, p. 25). Quanto à sua origem, entendemos que não podemos dizer que houve uma data específica para o fato, mas, sim, um período de transição que, por sua vez, veio acompanhado de uma série de movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos 1960 em todo o mundo, surgindo, portanto, as primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. Grosso modo, podemos dizer que as críticas advindas dos movimentos sociais expressavam a insatisfação com a escola seletiva e excludente, despreocupada com o processo de aprendizagem dos alunos e esvaziada de conteúdos com significados vitais. Diante disso, podemos questionar: o que esses movimentos sociais tinham a ver com a questão curricular? Valendo‑se de sua não neutralidade, podemos afirmar que os movimentos que eclodiram nos anos 1960 articularam algumas experiências alternativas de currículo que, historicamente, representaram outra possibilidade de pensar e fazer uma escola, mas não como estava e, sim, uma escola inclusiva e que atendesse aos interesses das classes menos favorecidas. Na década seguinte (1970), surgiram várias publicações sobre o assunto, sendo que, para exemplificar o exposto, recorremos a uma cronologia feita por Silva (2003, p. 30), quando apresenta alguns marcos fundamentais tanto da teoria educacional crítica mais geral quanto da teoria crítica sobre o currículo, conforme segue: • 1970 – Paulo Freire: Pedagogia do oprimido. • 1970 – Louis Althusser: A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado. • 1970 – Pierre Bourdieu e Jean‑Claude Passeron: A reprodução. • 1971 – Baudelot e Establet: L’école capitaliste en France. • 1971 – Basil Bernstein: Class, codes and Control, vol. 1. • 1971– Michael Young: Knowledge and control: new directions for the sociology of education.
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