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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Anais do I Congresso Nacional de Educação Religião e Artes-CNERA ISBN:978-85-237-1472-7 2019 ALGUNS PARALELOS ENTRE THOR E PERUN, DIVINDADES ESCANDINAVA E ESLAVA DO TROVÃO Victor Hugo Sampaio Alves UFPB-PPGCR/NEVE/CAPES Resumo Thor e Perun eram, respectivamente, as divindades escandinava e eslava do trovão, presentes nos pantões das religiões pré-cristãs desses povos. Nosso objetivo é analisar três fontes literárias medievais e nelas identificar se há alguma semelhança no modo como os dois deuses foram descritos ou, então, se possuíam atributos e áreas de regência similares. Nos propusemos a investigar a Crônica Primária Russa, o Landnámabók e a Eyrbyggja Saga. Enquadramos nosso trabalho metodologicamente nos conformes estipulados por Schjødt, caracterizando-o enquanto proposta de um comparativismo genético, ou seja, na realização de uma comparação entre os sistemas mitológicos e religiosos de dois povos que estiveram em contato durante sua história. Terminamos evidenciando aspectos entre os dois deuses que de fato se mostraram semelhantes, como suas ligações com os trovões, fenômenos atmosféricos e a fertilidade, suas características bélicas e suas funções de protetores dos homens e da comunidade. Palavras-chave: Thor; Perun; Mitologia Comparada; Religião pré-cristã. INTRODUÇÃO: os deuses Thor e Perun Thor, o deus escandinavo dos trovões, se apresenta enquanto figura extremamente popular nos dias de hoje. Sua presença é notada em diversas camadas da sociedade, manifestando-se tanto em âmbitos acadêmicos quanto na cultura pop de alta circulação como, por exemplo, o herói cada vez mais famoso dos já conhecidos quadrinhos e dos recentes filmes da Marvel. As concepções envolvendo Thor nem sempre são precisas e fiéis ao que os estudos da religião nórdica pré-cristã têm demonstrado mas, por vezes, giram em torno de um imaginário que não é tão desgarrado da representatividade do deus na mitologia dos povos nórdicos: um deus destemido, extremamente forte e de apetite insaciável que controla os trovões e elimina, com seu martelo mjöllnir, os gigantes – inimigos ferrenhos dos deuses -. Na Escandinávia da Era Viking, Thor era um deus altamente estimado pelos povos que habitavam as atuais Noruega, Suécia e Dinamarca. Certamente que, apesar de todos esses povos compartilharem traços genéticos, linguísticos e religiosos em comum, não podemos afirmar que houvesse uma única forma de paganismo homogênea e uniforme praticada amplamente por esses povos, consideradas as diferenças rituais e cultuais de acordo com região geográfica, recorte cronológico, outros povos com quem mantiveram contato e também a classe social (NORDBERG, 2012). Ainda assim, os indícios de que dispomos, principalmente os de natureza toponímica e arqueológica, aparentemente apontam para o fato de que o culto a Thor era compartilhado por todo o território escandinavo durante a Era Viking (BRINK, 2014). Conforme argumentado por Langer (2015), Thor trata-se de uma das mais importantes, relevantes e presentes divindades do mundo escandinavo pré-cristão. Portanto, ainda que em linhas gerais, podemos afirmar que Thor foi um deus extremamente presente no paganismo escandinavo. Basta notarmos que, além das já citadas evidências arqueológicas e toponímicas, praticamente todos os tipos de registros literários medievais que tratem da mitologia ou religião nórdica enquanto matéria o citam: Eddas, sagas e poemas escáldicos. Todas as origens e etimologias do nome Thor são palavras que designam e significam trovão (LANGER, 2015). Jan de Vries (1977) esclarece duas possibilidades para o nome do deus em nórdico antigo, que seriam Þórr e Þunnar. Notamos a ocorrência de seu nome em uma série de outros idiomas em que também era utilizado para designar o trovão: em inglês antigo, Þur, Þunnor ou Þor; em finlandês, Turisas (formado por Tūr + isä, que significa pai); em antigo alto-alemão, Donar; em gaulês, Tanaros; em faroês, Tora e no latim, Tonare. A origem de seu nome seria do proto-germânico *ÞunraR. O principal vínculo de Thor, então, era com os raios e trovões, uma perspectiva que foi recentemente criticada por autores como Taggart (2015), mas que ainda conta com prestígio na tradição acadêmica e continua a imperar nos estudos sobre o deus (DAVIDSON, 1990; LANGER, 2015; SIMEK, 2007; TURVILLE-PETRE, 1975; DE VRIES, 1977; DÚMEZIL, 1973). A classe camponesa, que trabalhava e dependia diretamente dos campos e das colheitas, foi a grande cultuadora de Thor. A leitura das fontes mitológicas que temos é muito elucidativa nesse ponto, pois grande parte delas revela que o deus não regia somente os raios e trovões, mas também chuvas, tempestades e ventos; as narrativas mitológicas de Thor enfatizam com frequência seu domínio sobre o mundo natural e atmosférico (DAVIDSON, 1994). Portanto, era de se esperar, conforme ressalta Langer (2015), que Thor fosse um deus apto a atender desde as necessidades dos fazendeiros e colonizadores, que necessitavam das chuvas para aumentar a fertilidade de seus campos, até os marinheiros e viajantes em busca de jornadas seguras e climas favoráveis enquanto se lançavam ao mar. Autores como Perkins (2001) defendem a forte existência da imagem de Thor como um senhor dos ventos, responsável por criá-los e assoprá- los na direção que desejasse e a quem, obviamente, os marinheiros pediam proteção. A proximidade de Thor com o mundo dos homens é também de extrema relevância. A proteção oferecida por ele aos outros deuses estendia-se também aos humanos e seus mitos enfatizam claramente sua posição de protetor da raça dos homens, além de ser o mantenedor da ordem e inimigo voraz de qualquer elemento que a ameaçasse – geralmente, os jotun, a raça dos gigantes – (SIMEK, 2007). Percebemos outra manifestação dessa proximidade entre o deus e os humanos ao repararmos que Thor é o único deus a quem, nas narrativas mitológicas, é inúmeras vezes relatada a companhia de um humano e mero mortal, Thjálfi, seu parceiro em diversas aventuras e, por vezes, também escudeiro (LINDOW, 2001). Se existem ocasiões na mitologia nórdica em que notam-se referências de um relacionamento próximo entre deuses e homens, estas referências remetem indubitavelmente a Thor. Por sua vez, conforme atestam várias fontes documentais e literárias da Idade Média, Perun era o deus do trovão cultuado entre os eslavos ocidentais. No caso dos eslavos orientais – tribos que dariam origem aos atuais tchecos, poloneses, bielorrussos, ucranianos e eslovenos, entre outros - não existem, nas fontes medievais, menções seguras e claras envolvendo o culto a Perun entre esses povos (ZNAYENKO, 2016). Segundo Ivanov e Toporov (1973), a raíz integrante do nome do deus, *per (atingir), reflete sua função nos mitos e na religião eslava pré- cristã. Seu nome, Perun, significaria algo como “aquele que atinge o inimigo”, o que faz menção tanto ao seu papel de protetor dos homens contra criaturas malignas, quanto sua relação com os trovões, que seriam arremessados por ele e atingiriam a terra. Inclusive há, na região Báltica, a ocorrência de deuses do trovão portando a mesma raiz em seu nome: Perkūnas, adorado entre os lituanos, e Pērkons, divindade cultuada pelos letões. Outras hipóteses defendem que o nome de Perun poderia estar relacionado ao latim quercus, nome dado o carvalho que, como já se sabe, era frequentemente atingido por raios; ou então ao polonês piorun, que significa “trovão”. Decifrar a etimologia de seu nome é uma tarefa complexa e ainda longe de estar esgotada, mas ela sempre desemboca, aparentemente, em complexas idéias e noções relacionadas às concepções dos raios e dos céus segundo esses povos. Possivelmente Perun foi, antes da Idade Média, a divindade suprema dos eslavos orientais. Seu nome figura em diversos tratados e crônicas, relacionando-ofrequentemente aos céus, às estações, às chuvas e à fertilidade (BOYER, 1991). Objetivos e Metodologia Propusemos realizar um trabalho de cunho qualitativo, que investigaria exclusivamente fontes literárias para elucidar possíveis comparações e analogias. Assim sendo, nosso objetivo era investigar de que maneira Thor e Perun foram retratados em algumas fontes medievais específicas que tenham proposto, em alguma medida, oferecer descrições desses deuses e seus atributos. Nosso estudo se encontra inserido na proposta comparativa de Schjødt (2017), categorizado no que ele classificou como comparativismo genético. Este consiste em eleger alguma unidade de comparação dentro de um sistema mítico-religioso (um deus, um ritual, uma entidade, etc.) e, então, compará-la a outra unidade possivelmente análoga dentro de outro sistema mítico-religioso. Contudo, para que a comparação se caracterize como genética, os dois povos e religiões a ser comparados devem necessariamente ter estabelecido contatos e intercâmbios um com o outro dentro de seu devir histórico (SCHJØDT, 2017). Conforme sabemos, os vikings Rus, originários da região da atual Suécia, adentraram o leste Europeu e fundaram o principado de Kiev, mantendo o controle dessa região e de seus povos nativos – eslavos –. Posteriormente, esses escandinavos assimilaram outras tribos eslavas e assumiram o controle e a regência também de Novgorod (DUCZKO, 2004; LOGAN, 1991). Elegemos, para nossa análise da figura de Thor, trechos de dois materiais literários. A primeira delas é a Eyrbyggja Saga, obra de autoria anônima e pertencente ao subgrupo de sagas chamado Íslendingasögur – ou, “Sagas de Distrito”-. Ela versa sobre as peripécias de diversos personagens quando do período de colonização da Islândia. Para nós, o mais interessante está nas descrições que a narrativa oferece dos primeiros colonos islandeses e de suas respectivas crenças pagãs. Dentre eles, o mais interessante é Þórólfr, o “Barbudo de Mostur”, que é descrito seguindo pela costa do mar enquanto procurava um local ideal para seu assentamento. Em seu barco ele carregava um mastro com a efígie de Thor, retirada de um templo dedicado ao deus e localizado originalmente na Noruega (ANTÓN, 2018). O outro material a ser analisado, o Landnámabók, é uma obra em que encontramos narrativas detalhadas acerca da colonização da Islândia por parte dos noruegueses quando nos séculos IX e X (OLIVEIRA, 2018). Já as informações sobre Perun foram retiradas da Crônica Primária Russa, conhecida também como Crônica dos Anos Passados ou Crônica de Nestor. Ela foi escrita em Kiev, no início do século XII e, do ponto de vista histórico e religioso, consiste na obra de maior extensão e importância sobre os Rus – escandinavos suecos – que chegaram a Kiev. A Crônica proporciona informações indispensáveis a respeito de fatos históricos, dos cultos religiosos e panteão de deuses de várias tribos eslavas (LA PUENTE, 2017). Gostaríamos de ressaltar que certamente existem inúmeras outras fontes descrevendo as atribuições mitológicas a as áreas de regência desses deuses. Contudo, selecionamos essas obras devido ao seu caráter cronístico ou, no caso das obras islandesas, que (supostamente) pretendem narrar acontecimentos históricos quando do período de colonização, ao contrário de materiais como as Eddas, por exemplo, cujo viés é essencialmente mitológico. RESULTADOS E DISCUSSÃO: nos deparamos com duas divindades similares? Tanto o Landnámabók quanto a Eyrbyggja saga trazem menções à crença em Thor durante o período de colonização da Islândia. A primeira delas, inclusive, faz referência a pilares que ficavam dentro das casas, ao lado do assento central, provavelmente desempenhando a função de sustentar o teto. Nesses pilares estaria cravada a imagem de Thor, provavelmente demonstrando seu papel como guardião do lar e protetor dos colonos. A importância desses pilares claramente excedia a mera arquitetura e aponta para uma provável importância simbólica e religiosa pois, como aponta Davidson (1990), eles são repetidamente mencionados não somente no Landnámabók, mas nas sagas como um todo. Os colonizadores vindos da Noruega provavelmente fizeram uso da imagem de Thor também em templos que traziam consigo em seus barcos. Na Eyrbyggja saga, Thorolf pergunta ao deus se deveria fazer as pazes com o seu rei ou deixar seu país – a Noruega - e encontrar um novo lar – no caso, a Islândia -. Ouvindo a resposta de Thor, Thorolf reúne todos os seus pertences e os coloca num barco, bem como seu templo: ele o desmontou quase inteiro e levou consigo grande parte dos pilares de madeira que o compunham, juntamente com um pouco de terra que estava debaixo de onde a estátua de Thor era mantida. Graças a isso, Thorolf obteve uma viagem segura e ventos favoráveis (graças a Thor, talvez, que controlava os ventos) e, ao avistar a baía islandesa, arremessou ao mar alguns pilares em que estavam cravadas imagens de Thor, dizendo que faria sua casa onde os pilares encalhassem. O apelo de Thorolf a Thor havia sido feito da seguinte maneira: “Thorolf, o Barbudo de Mostur, fez um grande sacrifício e perguntou a Thor, seu querido amigo, se deveria fazer as pazes com o rei, ou sair daquela terra em busca de outras fortunas. Mas as palavras mostraram a Thorolf a Islândia; e ele em seguida conseguiu para si um grande barco à altura da empreita, e o preparou para a viagem até a Islândia, levando consigo sua família e seus pertences; e muitos de seus amigos se ofereceram para viajar com ele. Ele desmontou o templo e tinha consigo a maioria das toras que haviam estado lá, assim como terra de debaixo de onde Thor se sentava” (Eyrbyggja saga; 4, 1989). Ao que parece, Thorolf era um completo devoto de Thor, considerando-o seu ástvinr (querido amigo). Após ter encontrado o local para construção de sua casa, a saga descreve que ele marca os limites de sua propriedade com fogo, um tipo de ritual que deveria estar atrelado ao deus: lembremos que Thor não somente era o deus que guardava e consagrava os limites de propriedade, mas que regia os raios e estes, ao atingirem certas árvores, faziam com que surgisse fogo (DAVIDSON, 1990). Thor surgia nas rezas e súplicas até mesmo de personagens aberta e declaradamente cristãos, como Helgi, o Magro, cuja narrativa se dá no Landnámabók. A caminho de uma de suas viagens marítimas ele roga a Thor, deus do clima e dos céus, por ventos favoráveis e seguranças: “[ele] invocava Thor quando precisava partir em viagens no mar ou então para tomar decisões difíceis e pensar em assuntos que considerava de grande importância” (Landnámabók H, p. 184, 2007). Encontramos, nesses casos, Thor relacionado a assuntos e decisões impactantes e definitivas na vida desses personagens, sejam eles devotos do deus (como Thorolf) ou cristãos (como Helgi). Além disso, Thor também figura como um deus em controle do clima e das manifestações atmosféricas como ventos, chuvas, raios e tempestades, a quem, portanto, os marinheiros pediam por proteção ao viajar. No caso de Thorolf, nota-se a existência de relatos de sacrifícios realizados ao deus. Seja como for, em ambos os casos o deus aparece não somente como regente do trovão, dos raios, dos céus, do clima e dos ventos, mas como algum tipo de protetor e amigo dos homens, mantendo a ordem e o bem-estar na comunidade humana mais do que qualquer outro deus. Talvez por isso os colonizadores tenham levado pilares cravados com a imagem de Thor ao navegarem em direção à Islândia, fundando essa nova terra com seu deus patrono e protetor. Conforme afirma DuBois (1999), Thor pode não ser um deus supremo mas é, acima de tudo, um deus do povo, que representava grande parte da população. Em oposição a Odin, Thor não era tão atrativo aos gostos aristocráticos, mas sim à devoção dos fazendeiros, camponesese marinheiros. No caso de Perun, a Crônica Primária Russa narra a “reforma pagã” feita em Kiev pelo príncipe Vladimir I, que ergueu estátuas de madeira representando seis deuses, sendo a mais importante delas a de Perun, cujo material era diferente: a cabeça era feita de prata e o bigode, de ouro. Além disso, são mencionados também sacrifícios feitos a essas divindades – com forte enviesamento cristão, como se verá a seguir - : “Então Vladimir começou a reinar sozinho em Kiev e mandou erguer, em colinas fora do castelo, estátuas de ídolos: uma de Perun, feita de madeira com a cabeça em prata e um bigode de ouro, e outras de Khors, Dazh’bog, Stribog, Simar’gl e Mokosh. As pessoas faziam sacrifícios a eles, chamando-os de deuses, e traziam seus filhos e filhas para sacrificá-los a esses demônios. Eles profanavam a terra com essas oferendas, e toda a terra dos Rus e essas colinas eram manchadas com sangue” (Russian Primary Chronicle, 1953; p. 93). Mesmo não tendo sido nosso objeto de análise, a obra Heimskringla de Snorri Sturluson, escrita por volta de 1230, curiosamente descreve uma estátua de Thor adornada com os mesmos metais preciosos (Heimskringla; 2011, cap. 69). O adorno em metais preciosos pode ser um forte indicativo de que, tanto para os eslavos quanto para os escandinavos, suas respectivas divindades do trovão eram altamente estimadas. De volta à Crônica Primária, a obra também narra que, quando acordos comerciais ou militares eram feitos, os eslavos desembainhavam suas espadas e faziam o juramento de manter sua palavra em nome de Perun. Quando o príncipe Oleg e seus homens firmaram um tratado de paz com os bizantinos, “[os homens de Oleg] juraram por suas espadas e por seu deus Perun, e por Volos, o deus do gado, confirmando, assim, o acordo” (Russian Primary Chronicle, 1953; p. 38). A Crônica também nos descreve as consequências que cairiam sobre aquele que quebrasse seu juramento, pois “se qualquer príncipe ou russo, cristão ou não, violar os termos deste contrato, ele encontrará sua morte, trazida por suas próprias armas, e será amaldiçoado, tanto por Deus quanto por Perun, por ter violado seu juramento” (Russian Primary Chronicle, 1953, p. 77). Portanto, conforme a Crônica, era em nome de Perun que os príncipes e guerreiros de elite faziam seus juramentos, sendo também pelas mãos dele que sofreriam as consequências – a morte - caso faltassem com sua palavra. O ato de jurar em nome de um deus revela ser ele de extrema importância e, no caso de Perun, talvez o delegue o status de uma divindade suprema. É de relevância ressaltar que o culto a Perun transitava entre duas camadas distintas da sociedade, atendendo às necessidades dos guerreiros de elite, príncipes e aristorcratas, fosse para atuar em seu favor durante as guerras, fosse para sacralizar seus juramentos; e igualmente entre os camponeses, que podiam visitar sua estátua fora dos muros dos grandes castelos, nas colinas, para realizarem sacrifícios e pedir pelo que necessitavam. Essa maleabilidade de Perun é semelhante à de Thor, que era parte integrante dos gloriosos feitos heróicos contados em sagas e poemas escáldicos para entreter a aristocracia nórdica dos grandes salões, mas a quem os camponeses rezavam para pedir ajuda em questões pragmáticas e aumento da fertilidade dos campos (SALO, 2014). Outro paralelo existente, que não foi aqui explorado por questão de recorte, é fruto de uma evidência linguística. É possível que haja alguma conexão entre a arma de Thor, o martelo mjöllnir, e a palavra russa para designar justamente os raios, que é molnija – молния - (KRAPPE, 2012). CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de termos em mente que o presente estudo apresentou um recorte muito específico – até mesmo por conta da extensão máxima permitida -, e que uma série de outras fontes necessitam ser contextualizadas, consideradas e analisadas para abarcar o assunto em questão, foi possível apontar alguns aspectos similares entre essas duas divindades do trovão. Algumas diferenças se fizeram evidentes: Thor foi descrito com muito mais ênfase como estando relacionado a manifestações climáticas e atmosféricas. Perun, em contrapartida, apareceu mais relacionado a aspectos bélicos, militares e aristocráticos do que no caso de Thor. A nível de semelhanças, ambos eram indubitavelmente muito estimados pelos seus povos, a ponto de serem retratados, conforme visto anteriormente, em estátuas feitas de metais preciosos, constituindo quase que imagens de deuses supremos; os dois aparentemente mantinham um relacionamento próximo com os humanos e desempenhavam papéis de protetores destes, mantendo a ordem social e o bem-estar comunitário. Uma conexão entre os dois deuses parece evidente, mas é complexo determinar de que maneira e a que nível tais influências mútuas se deram. Além disso, como as fontes de que dispomos sobre Perun são já tardias em relação à religião pré-cristã desses povos e foram escritas, dessa maneira, quando o cristianismo já havia chegado e se instaurado em território eslavo, é difícil apontar quais aspectos e atributos de Perun eram de fato parte da religião indígena dos eslavos, e quais poderiam ter sido importados, por eles, da religião escandinava pré-cristã. Não podemos também negar a possibilidade de que, com a influência dos Rus, Perun tenha passado a ser descrito e visto de maneira semelhante a Thor por já ser, em sua origem, um deus dos trovões e da comunidade extremamente semelhante a Thor. Esse fato teria facilitado o intercâmbio e a circulação, entre os dois povos, de modos muito similares de cultuar e significar essa(s) divindade(s), o que faz ainda mais sentido se considerarmos que escandinavos e eslavos eram ambos povos indo-europeus. O assunto aqui abordado certamente merece maior atenção do que têm sido dada – no Brasil, estudos sobre Perun são inexistentes -. Materiais arqueológicos, históricos, folclóricos e literários ainda aguardam análises para aos poucos desvendarmos tanto a face de Perun quanto sua relação com Thor numa perspectiva comparativa. REFERÊNCIAS ANÔNIMO. Eyrbyggja Saga. London: Penguin Classics, 1989. ANÔNIMO. Landnámabók. United States: University of Manitoba Press, 2007. Antón, Teodoro Manrique. 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