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DESCRIÇÃO Apresentação do surgimento e da evolução do pensamento econômico tanto na América Latina quanto no Brasil, bem como seus autores, instituições, conceitos e obras relevantes. PROPÓSITO Conhecer os pontos centrais do pensamento econômico desenvolvido na América Latina e Brasil, bem como seus contextos específicos e debates propostos por diferentes correntes no continente, além das atualidades sobre teoria e política econômica à luz da história do desenvolvimento de diferentes fundamentos teóricos. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão papel e caneta para acompanhar o material. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever a história do pensamento econômico latino-americano a partir da CEPAL MÓDULO 2 Descrever a história do pensamento econômico brasileiro INTRODUÇÃO Neste tema, estudaremos a história do pensamento econômico (HPE) na América Latina e no Brasil. No primeiro módulo, discutiremos o desenvolvimentismo latino-americano e a tese estruturalista a partir do papel desempenhado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). No segundo módulo, entenderemos a origem e evolução do pensamento econômico brasileiro a partir de importantes trabalhos pioneiros, bem como suas contribuições mais recentes. MÓDULO 1 Descrever a história do pensamento econômico latino-americano a partir da CEPAL COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL) ORIGEM E EVOLUÇÃO DA CEPAL A crise de 1929 mudou o mundo, a economia e, inclusive, a ciência econômica. Ao longo da década de 1930, surgiram diversas iniciativas para desenvolver uma agenda de pesquisa além da teoria neoclássica até então dominante. E a América Latina não ficou de fora desse processo. Fotografia "Migrant mother", de Dorothea Lange. 1 Fonte: Shutterstock.com Após a Segunda Guerra Mundial, foi fundada a Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu cinco comissões regionais. Uma delas foi a CEPAL: fundada em 1948, essa comissão deu continuidade ao desenvolvimento de novas ideias iniciado na década anterior — em particular, aquelas voltadas para a economia. Pode-se dizer que a primeira ideia diretamente associada à CEPAL é o desenvolvimento. A formação desse conceito surgiu ainda em meados do século XIX ao lado dos primeiros questionamentos à economia política clássica sobre a associação da prosperidade e do bem- estar social ao mero crescimento econômico. Logo da CEPAL. - Fonte: Wikimedia Commons/domínio público 2 Ao longo da década de 1920, essa definição ganhou mais sentido com contribuições-chave, como, por exemplo, as de J. A. Schumpeter — grande responsável por apresentar um novo ponto de vista muito diferente das linhas mestras do pensamento econômico dos principais centros. Entre as concepções schumpeterianas, estavam ideias como: Distribuição da produção Papel multiplicador da moeda e do crédito sobre a renda Noção de ciclos. Além disso, Schumpeter discutiu o papel do Estado na promoção de melhorias para as condições materiais da sociedade como um todo, e não apenas concentradas nos detentores dos meios produtivos. Fonte: Shutterstock.com Essa nova maneira de pensar a ciência econômica, no entanto, só ganhou verdadeiro destaque após as duas guerras mundiais. Porém, no intervalo entre elas, houve a crise capitalista mais profunda da época em meio à queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929. Fonte: Shutterstock.com Nesse cenário, não só novos pensadores, como também teóricos de correntes econômicas tradicionais, passaram a incluir, no debate econômico, outros temas: emprego, distribuição de renda, capacidade ociosa, agenda do Estado etc. Fonte: Shutterstock.com Enquanto isso, a Revolução Russa de 1917 e o desenvolvimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como um modelo alternativo ao capitalismo também traziam para a pauta outros termos, como, por exemplo, “planificação” e “planejamento”. Fonte: Shutterstock.com Do lado capitalista, fazia-se necessária uma resposta não somente para os países que precisavam se reconstruir após a Segunda Guerra. Afinal, ainda havia as antigas colônias e as demais zonas de influência dos grandes impérios: os países “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”. PLANO MARSHALL Plano de ajuda financeira dos Estados Unidos para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Diante desse contexto, a CEPAL surgiu após reivindicações da América Latina, que havia sido excluída do Plano Marshall de um projeto econômico na conjuntura global. É importante lembrar que a América Latina não tinha, após a Segunda Guerra, uma direção econômica, perdida desde a Grande Depressão (1929-1932), que abalou fortemente a estrutura do comércio internacional. Como grandes exportadores de produtos primários, os países dessa região sofreram impactos de duas naturezas: javascript:void(0) Fonte: Shutterstock.com A demanda por seus produtos foi intensamente diminuída, reduzindo os preços; Fonte: Shutterstock.com Uma forte e generalizada restrição de crédito inviabilizou o financiamento externo de investimentos. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Diante dessas circunstâncias, a perda de importância das elites latino-americanas no fornecimento de produtos primários a países cujo dinamismo econômico era dado pela indústria impôs a necessidade de uma “pausa para reflexão”. Pela primeira vez, foi colocado em xeque o pensamento econômico então aceito nessas elites, isto é, a defesa da exportação de produtos primários com baixo nível de produtividade interna e subemprego dos fatores de produção disponíveis. Em grande medida, por conta do súbito empobrecimento e do temor de novas crises, as relações de produção da época — como a exportação de produtos primários, a produção extensiva em capital e a baixa produtividade do fator trabalho — se tornaram alvo de questionamentos. Precisando agir, os governos latino-americanos recorreram à formação interna de recursos humanos para lidar com essa conjuntura adversa. Para dar aos seus gestores uma visão mais ampla que a de seus antecessores, missões estrangeiras e comissões mistas foram organizadas a fim de colocá-los em contato com a fronteira do conhecimento sobre políticas econômicas. Nesse contexto, a Comissão Econômica para a América Latina – posteriormente renomeada Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – começou a se estruturar ainda durante a Assembleia Geral de Formação das Nações Unidas, em 1947. Logo da CEPAL. - Fonte: Wikimedia Commons/domínio público Graças a uma perspectiva histórica do desenvolvimento econômico, essa comissão concebeu uma teoria que colocava o subdesenvolvimento regional como uma condição estrutural das economias periféricas. COMENTÁRIO Em outras palavras, o fato de essas economias serem secundárias em relação às potências econômicas do planeta as mantinha subdesenvolvidas. Essa abordagem ficou conhecida como histórico-estruturalista. Por conta disso, essa instituição se concentrou em formular políticas econômicas capazes de lidar com as condições históricas da América Latina. Nesse sentido, sua proposta se apresentava como “modernizadora” e “industrialista” em oposição à identidade latino-americana então vigente. De modo geral, a análise cepalina buscava afirmar a necessidade de se estudar e encontrar caminhos próprios para o desenvolvimento latino. Dessa forma, ela defendia a industrialização da América Latina como o principal meio de eliminar a dependência dos países centrais e a relação desigual de troca com esses países. A instituição acreditava que essa dependência que marcava os países latinos tenderia a se agravar caso persistissem as mesmas condições verificadas no modelo primário-exportador, cujo foco era essencialmente a exportação de produtos agropecuários. Tais condições, por sua vez, tinham origem na propagação desproporcional do desenvolvimentoeconômico entre os países centrais e a periferia do sistema capitalista internacional. A CEPAL se desenvolveu, portanto, como uma escola de pensamento especializada no exame das tendências econômicas e sociais de médio e longo prazos dos países latino-americanos. Fonte: Shutterstock.com ECONOMISTAS ORTODOXOS Trataremos os economistas ortodoxos neste tema como sinônimos de neoclássicos, o que se atém ao contexto apresentado sobre a CEPAL. Mas essa sobreposição perdeu o sentido nas décadas seguintes, pois economistas ortodoxos passaram a usar ferramentas além dos métodos neoclássicos da época. 1 Sob a direção do economista Raúl Prebisch, ex-presidente do Banco Central argentino, e contando com representantes de países latinos (Brasil, México, Argentina, Chile e Uruguai) e do Caribe, a CEPAL representava a primeira tentativa promissora de reflexão coletiva e institucional dos problemas da América Latina a partir de suas próprias características. A CEPAL assumiu uma posição de principal fonte de informações e análises sobre a realidade econômica e social dessa região. Além disso, ela tornou-se um centro intelectual responsável por formular análises específicas e aplicáveis às condições históricas típicas da periferia latino-americana. 2 3 Um dos princípios mais relevantes para a teoria defendida pela CEPAL era a importância do Estado para o desenvolvimento econômico. Isso propiciou uma ênfase em políticas públicas com ampla intervenção do setor público na economia — de empresas estatais a aumentos da carga tributária. A tendência mundial que emergiu com o fim da Segunda Guerra (1939-1945) e, posteriormente, com a Guerra Fria (1953-1991), colaborou para que a CEPAL fosse influenciada pelo pensamento econômico keynesiano, cujo impacto foi muito intenso para Raúl Prebisch. 4 5 Com formação e orientação teórica predominantemente neoclássica, ainda que ele fosse consideravelmente interessado pela heterodoxia, Prebisch construiu um pensamento a partir da periferia do capitalismo, ou seja, fora do contexto de desenvolvimento europeu ou norte-americano. Profundamente comprometida com questões latino-americanas, a CEPAL representava uma alternativa às políticas de cunho neoclássico. Contudo, ela não apostava em transformações mais radicais ou de caráter mais profundo, ou seja, pela via revolucionária, como as vistas na Rússia de 1917 e na China de 1949. As preocupações cepalinas estavam, dessa forma, voltadas para os problemas do subdesenvolvimento. Em um mundo marcado por fortes assimetrias econômicas, políticas e sociais, a CEPAL buscava estratégias de desenvolvimento para aqueles países atrasados socialmente. 6 7 Os cepalinos recusavam a tese ricardiana de “vantagens comparativas”. Por conta disso, eles empenharam-se em mostrar os efeitos perversos da universalização dessa lei, tentando provar que, ao contrário do que sugeriu David Ricardo, as supostas “vantagens” acarretavam, na prática, uma perda de renda real dos trabalhadores em países subdesenvolvidos. Ao reconhecer a inadequação e a insuficiência dos diagnósticos econômicos dos países centrais como uma explicação dos fenômenos econômicos das nações subdesenvolvidas, a CEPAL acabou promovendo uma virada teórica no debate da teoria do desenvolvimento. 8 9 Graças a seus contrastes com os economistas ortodoxos , que consideravam que as etapas para o desenvolvimento econômico eram as mesmas em todos os países, a instituição ficou conhecida como heterodoxa. O contexto histórico por trás da CEPAL mudou bastante ao longo do tempo. Para alguns economistas, a instituição conseguiu permanecer como a principal fonte de reflexão na América do Sul, principalmente por ter sido capaz de conservar sua perspectiva metodológica. ATENÇÃO Seu enfoque histórico-estruturalista se manteve em grande parte de sua existência. Dessa forma, como resultado da observação do processo histórico de formação da América Latina, a CEPAL se dedicou à relação entre “centro e periferia”, à análise da inserção internacional e dos condicionantes estruturais internos e, por fim, ao exame das necessidades e das possibilidades de ação estatal. Na análise cepalina, fatores determinantes desse processo histórico foram identificados, como o passado colonial, exploratório, extensivista, destruidor de identidades e impositor de um status quo de dominação externa, de uma condição de subalternidade e da alienação de interesses próprios. Como resultado, a emancipação do subcontinente trazida pelo desenvolvimento dependia, segundo a visão proposta, do estabelecimento da modernidade via industrialização e urbanização. javascript:void(0) CRISE DA DÍVIDA Na década de 1980, os países latino-americanos tinham dívidas externas insustentáveis, o que gerou uma grande desorganização econômica, como, por exemplo, a hiperinflação. 1950 – 1990 Entre os anos 1950 e 1990, tais ideias se manifestaram de diferentes formas. Primeiramente, a industrialização era o conceito fundamental por trás do “desenvolvimento”: o Estado deveria intervir diretamente para aumentar a participação da indústria na economia. 1960 Nesta década, seriam as reformas destinadas a eliminar os obstáculos à industrialização que assumiriam esse papel — ou seja, a função do Estado era facilitar a atuação da iniciativa privada, o que, dessa forma, poderia levar à industrialização. 1970 Em 1970, foi a vez da reorientação dos estilos de desenvolvimento com menor desigualdade interna. 1980 Os anos 1980 testemunharam o ajuste com crescimento, fenômeno ocorrido diante da necessidade de se organizar a economia após a crise da dívida dos países latino-americanos. 1990 Aa CEPAL dedicou grande atenção à agenda de uma transformação produtiva com equidade. Na prática, essa etapa é considerada por alguns economistas como a fase de submissão da proposta original da CEPAL aos interesses dos EUA. A partir de então, essa instituição passou a ser vista como uma reprodutora da ideologia neoliberal concebida nos centros ortodoxos de pensamento econômico do ocidente. javascript:void(0) DOUTRINA NEOLIBERAL Pensamento econômico típico dos anos 1990, o neoliberalismo era crítico à atuação do Estado na economia. A submissão da CEPAL à ortodoxia liberal nos anos 1980 e 1990 foi apontada como uma consequência da expansão da doutrina neoliberal nos centros de pensamento e de política econômica da América Latina, o que se devia às iniciativas diretas dos EUA e da Europa Ocidental. VOCÊ SABIA O fim da URSS, em 1991, e a dissolução político-econômica do Pacto de Varsóvia permitiram que a hegemonia dos EUA e seu pensamento liberal se difundissem sem maiores questionamentos em suas zonas de influência, incluindo os países subdesenvolvidos. DUALISMO CENTRO-PERIFERIA E ESTRUTURALISMO A primeira abordagem desenvolvida pela CEPAL da tese centro-periferia consta no texto de 1948 O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas (também chamado por vezes de Manifesto da CEPAL ). javascript:void(0) Fonte: Shutterstock.com Elaborada originalmente por Prebisch, essa tese constituiu a base da análise cepalina. Levando em conta os ganhos de produtividade trazidos pelas mudanças tecnológicas, a instituição identificou que os efeitos desse fenômeno variavam entre os geradores e difusores do progresso técnico e as periferias. Fonte: Shutterstock.com Mesmo tendo Karl Marx e outros economistas clássicos se ocupado das questões técnicas, o progresso técnico, em si, somente passou a fazer parte da teoria econômica a partir do século XX. Schumpeter foi o principal responsável pela retomada dessa discussão. No mundo desenvolvido, porém, os modelos de crescimento neoclássicos e neokeynesianos ainda eram baseados em abstrações. Nesse contexto, o progresso técnico foi discutido unicamente no escopo das funções de produção neoclássicas. Apenas com a CEPAL e sob uma perspectiva histórica, o progresso técnico passaria a ocuparposição central nos diagnósticos. Os cepalinos identificaram o seguinte antagonismo: De um lado, estavam os países ricos, centro do mundo e herdeiros diretos dos frutos das revoluções industriais... Do outro, havia uma vasta periferia agrária ou semi-industrializada, passiva e subordinada aos interesses dos países centrais. Prebisch e os demais cepalinos se empenharam inicialmente em mostrar duas coisas: ETAPA 01 O subdesenvolvimento seria o resultado do modo como as economias periféricas se inseriram no contexto de formação do sistema capitalista mundial. ETAPA 02 O subdesenvolvimento não era uma etapa anterior ao desenvolvimento. Enquanto o centro capitalista se mantinha dinâmico economicamente e ativo no processo de industrialização e implementação de novas tecnologias, a periferia tinha sua participação limitada ao fornecimento de matérias-primas básicas e à geração de demanda final para os produtos industrializados. Como em um ciclo vicioso, dessa forma, essa periferia permanecia longe de alcançar os níveis de progresso material do centro. E nem parecia ser esta a ideia. javascript:void(0) javascript:void(0) A concepção da tese centro-periferia não se limita ao comércio internacional, uma vez que ela se vincula, antes disso, à estrutura produtiva. É a partir dessa estrutura, aliás, que o dualismo centro-periferia se estabelece. Fonte: Shutterstock.com Enquanto a especialização e a heterogeneidade caracterizam a estrutura periférica... Fonte: Shutterstock.com A diversificação e a homogeneidade caracterizam a estrutura do centro. Tais traços, de acordo com a visão da CEPAL, seriam intensificados com o tempo. A consequência mais imediata dessa dualidade estaria na diferenciação entre os ganhos per capita médios dos dois polos, que cresceriam menos na periferia. Ainda segundo esse viés, os conceitos de desenvolvimento e de subdesenvolvimento carregam uma conotação similar à de centro e de periferia. Isso se dá na medida em que eles refletem a oposição entre o atraso de uma estrutura produtiva e o avanço da outra. ATENÇÃO Pode-se dizer, no entanto, que os conceitos de centro e de periferia possuem ainda um “conteúdo dinâmico”, incorporado com a suposição de que a desigualdade é inerente ao desenvolvimento do sistema como um todo. Assim, na visão cepalina, a especialização existente na estrutura produtiva periférica (exportações de bens primários) fez com que a industrialização começasse por setores produtores de bens de consumo tecnologicamente simples. Apenas lentamente, a periferia teria feito avanços para a elaboração de bens de consumo e intermediários de maior complexidade do ponto de vista tecnológico. Afinal, a especialização não facilitava a diversificação das exportações dessa periferia. Fonte: Shutterstock.com O progresso técnico, se levado em conta, é muito mais intenso na indústria do que nas atividades primárias e naqueles ramos em que a industrialização periférica não conseguia alcançar. Fonte: Shutterstock.com Com isso, a especialização inicial e o padrão de industrialização gerados impõem um ritmo de progresso técnico mais lento na periferia. Somando a essas questões o alto grau de proteção existente nos grandes centros, as possibilidades de diversificação das exportações se tornavam limitadas. Isso acabaria por perpetuar seu caráter primário. A desvantagem tecnológica explicava, por sua vez, a menor produtividade do trabalho nas economias periféricas. A heterogeneidade e a especialização da estrutura produtiva da periferia resultavam, assim, em abundância da força de trabalho. Como consequência, seria possível verificar o desemprego estrutural, além do baixo nível de salários médios (ou de renda per capita). A reprodução desse sistema, de acordo com a CEPAL, conduziria ao aumento progressivo da condição de desemprego e à deterioração do poder de compra dos salários dos trabalhadores na periferia e, consequentemente, dos termos de troca com os países centrais. COMENTÁRIO Em outras palavras, podemos dizer que os preços dos produtos produzidos pela periferia seriam sempre mais baratos em relação aos dos países centrais. Tais questões implicavam, por fim, a diferenciação do ganho real médio entre centro e periferia, com uma vantagem para o primeiro. Essas diferenças geravam restrições ao aumento da complexidade econômica e da produtividade na periferia, tornando sua acumulação menos eficiente e mais dependente dos aportes tecnológicos do centro. Os elementos causais que explicariam a dinâmica centro-periferia estavam, de acordo com Prebisch, presentes no desenvolvimento histórico e, de maneira mais intrínseca, nas relações sociais produtivas da América Latina com o resto do mundo. Seu estabelecimento como periferia fornecedora de produtos primários e consumidora de bens elaborados fazia parte de uma dinâmica. Essa seria a relação social produtiva construída historicamente, seguindo os interesses das classes sociais dominantes tanto no centro quanto na periferia. Fonte: Shutterstock.com Para compreender a fundo a tese centro-periferia da CEPAL, é preciso levar em conta a concepção característica do desenvolvimento como um processo de inovação desencadeado ao longo da história. 1 O processo histórico podia ser compreendido como uma sucessão temporal de paradigmas socioculturais. Simon Kuznets atribuiu essa sucessão ao aparecimento do que ele chamou de “inovações periódicas”. Vista como uma extensão ampla e complexa de inovações técnicas, institucionais e culturais interligadas, essa novidade derivava de antecedentes do passado. A partir de uma série de aperfeiçoamentos isolados que ocorreram em diferentes momentos da história e foram se interligando gradualmente, ela teve origem em uma transformação estrutural do sistema social tradicional. 2 3 O novo sistema social para o qual o desenvolvimento contemporâneo teria caminhado era, segundo essa interpretação, um sistema com alta capacidade de gerar e adaptar transformações inovadoras continuamente. Como resultado, o desenvolvimento poderia ser caracterizado como um processo descontínuo e cumulativo que se dá quando uma série de mudanças elementares se organiza em conjuntos de renovações e, finalmente, em sistemas de inovações em larga escala. 4 Cabe notar, no entanto, que a tese centro-periferia vai além dessa concepção ao colocar em destaque os agentes e suas motivações frente aos “processos inovativos” meramente agrupados. Nesse sentido, o conceito de “obsolescência programada” assume grande importância, pois ele explica como as inovações tecnológicas obedecem à necessidade de acumulação de capital: uma nova tecnologia tinha seu ciclo de vida planejado para não comprometer a demanda por novos produtos. Fonte: Shutterstock.com O avanço espontâneo da industrialização no pós-guerra emergiu como uma forma de preencher a lacuna entre a periferia e o centro. Apesar disso, diante da pouca diversidade produtiva e da debilidade dos investimentos, esse avanço se revelou pouco eficiente. Fonte: Shutterstock.com Como a produtividade só era alta em pequenos setores da economia, a heterogeneidade estrutural gerava problemas incontornáveis que eram agravados pelo atraso das instituições, principalmente na periferia latino-americana. Fonte: Shutterstock.com Como estratégia de superação da condição periférica, diversos teóricos — como Prebisch e o brasileiro Celso Furtado — defendiam então que a América Latina tinha de promover a distribuição de renda. Isso deveria ocorrer a partir de uma nova inserção na economia mundial. No entanto, mudar a maneira de acolher o progresso técnico abria a necessidade de uma nova teoria capaz de sustentar analiticamente as políticas desenvolvimentistas propostas. ESTRUTURALISMO CEPALINO Veremos neste vídeo qual foi o resultado desse esforço intelectual. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. SOBRE A COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL), SELECIONE A ALTERNATIVAQUE MELHOR DESCREVE SUA MISSÃO NA ÉPOCA DE SUA CRIAÇÃO. A) Defender modelos de desenvolvimento que não dependiam da industrialização. B) Contribuir para a teoria econômica neoclássica, reforçando a ideia de equilíbrio natural. C) Disseminar a visão de que o subdesenvolvimento era uma etapa anterior ao desenvolvimento. D) Fomentar o debate sobre o subdesenvolvimento e promover o crescimento econômico regional e sub-regional. E) Estimular as políticas econômicas de inspiração neoclássica. 2. DE ACORDO COM A TESE CENTRO-PERIFERIA DESENVOLVIDA PELA CEPAL, É POSSÍVEL AFIRMAR QUE: A) O dualismo entre centro e periferia se limita ao comércio internacional. B) A origem do dualismo (especialização e heterogeneidade versus diversificação e homogeneidade) está na estrutura produtiva. C) O progresso técnico trazia os mesmos ganhos de produtividade para o centro e a periferia D) O progresso técnico deveria ser entendido de acordo com as funções de produção neoclássicas. E) A periferia se desenvolveria ao longo do tempo até atingir um padrão de vida igual ao dos países do centro. GABARITO 1. Sobre a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), selecione a alternativa que melhor descreve sua missão na época de sua criação. A alternativa "D " está correta. A missão da CEPAL é promover o crescimento econômico na América Latina e no Caribe de maneira bem distribuída entre as sub-regiões por meio de várias ferramentas — em particular, de estudos para um modo de desenvolvimento alternativo à prescrição neoclássica. As preocupações cepalinas estavam voltadas para os problemas do subdesenvolvimento. 2. De acordo com a tese centro-periferia desenvolvida pela CEPAL, é possível afirmar que: A alternativa "B " está correta. O dualismo centro-periferia se estabelece a partir da estrutura produtiva, permanecendo, portanto, enquanto essa estrutura não for alterada. MÓDULO 2 Descrever a história do pensamento econômico brasileiro HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTRIBUIÇÕES PIONEIRAS PARA O PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO Para o estudo da HPE no Brasil, é preciso entender seu processo de construção a partir de reflexões sobre a economia e a realidade brasileira. Esse estudo pode ser feito de muitas formas por intermédio de diferentes critérios de seleção dos pensadores e das ideias a serem consideradas. De um lado, pode-se dizer que o pensamento econômico brasileiro foi, desde o seu início, menos acadêmico e mais prático. Isso nos permite analisar a influência que alguns pensadores da economia brasileira tiveram sobre a política econômica concreta... Por outro, podemos refletir também como a teoria econômica se difundiu nacionalmente, influenciando a política econômica e o ensino da economia no país. Ou ainda como o estudo da HPE brasileira pode ser conduzido com base em ideias e teorias originais elaboradas a partir do Brasil. A década de 1950, marcada pelo segundo governo de Getúlio Vargas e pelo de Juscelino Kubitschek, é vista por muitos economistas e historiadores econômicos como o momento de consolidação da indústria nacional pela ação estatal. Nesse cenário, um trabalho pioneiro foi realizado por Humberto Bastos em 1952: O pensamento industrial no Brasil. Nele, traçou-se um perfil introdutório sobre a história do capitalismo industrial brasileiro, ressaltando sua difícil sobrevivência em meio aos embates com o capitalismo comercial nascente. 1 Articulando ideias nacionalistas e protecionistas e história do desenvolvimento industrial brasileiro, Bastos discutiu ideias fundamentais ao pensamento econômico nacional. A ênfase foi dada às ideias industriais do século XIX (durante o período imperial). O autor procurou mostrar como o livre comércio não favorecia os países dependentes, como o Brasil, enquanto era favorável às nações industriais, como a Inglaterra. 2 3 Bastos se preocupou também em evidenciar como as nações desenvolvidas praticavam o protecionismo, apontando que tais países defendiam práticas e ideias econômicas de favorecimento exclusivo deles em detrimento do progresso das nações atrasadas. O historiador argumentava ainda que diversos políticos, empresários e intelectuais defendiam ideias industrialistas e progressistas que visavam ao desenvolvimento nacional. Ele destacava que, ainda assim, era possível notar que essas ações foram, em certo grau, neutralizadas pelo interesse monárquico. 4 5 Esse interesse era ligado a uma elite agrária e rural envolvida com a produção agrícola direcionada ao comércio internacional. Para Humberto Bastos, portanto, a mentalidade industrial no Brasil estava em formação durante o final do século XIX e início do XX enquanto enfrentava interesses importantes tanto internos quanto externos. 6 7 Criticando aqueles que recorriam a ideias importadas e distantes da realidade brasileira, Bastos defendia que o capitalismo não podia ser visto como único caminho. Em outras palavras, para ele, não haveria uma fórmula universal para se atingir o desenvolvimento e o progresso. Era preciso, em sua visão, abrir espaço para ideias originais e preocupadas com o interesse local, propondo medidas de superação dos problemas econômicos nacionais. O destaque de Humberto Bastos entre os pensadores da história do pensamento econômico brasileiro se deve, portanto, à sua abordagem do industrialismo e à sua defesa da originalidade de ideias capazes de interpretar a realidade brasileira a partir de suas especificidades. 8 Fonte: Shutterstock.com Considerando o período inicial da República e todo o debate relacionado à adoção de medidas mais progressistas pelo Governo, o pensamento industrial ganhou espaço, se consolidou e forçou os governos a adotarem medidas conciliadoras de interesses divergentes diante das ideias industrialistas. Fonte: Autor/Shutterstock A partir dessa época, transformações mundiais nas primeiras décadas do século XX e o avanço da urbanização no Brasil passariam a contribuir para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, consolidando o pensamento industrial no país. Outro trabalho pioneiro é o de Paul Hugon. Publicado originalmente em 1955 sob o título A economia política no Brasil , ele é citado por grande parte dos trabalhos que abordaram o pensamento econômico no país. O grande mérito da obra está em sua análise de como a economia política fora introduzida no Brasil a partir do estudo do seu ensino nos cursos superiores no país. Dessa vez, o critério de seleção de pensadores adotado pelo autor está diretamente ligado à introdução, à difusão e ao ensino de economia no país. 1 Hugon iniciou seu trabalho analisando a contribuição pioneira de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, que foi nomeado via decreto real de D. João VI para ministrar a disciplina de Economia Política – instituída no Brasil a partir de então – em 1808. Ainda que influenciado por Adam Smith, o Visconde era não somente um defensor da indústria, mas também um pensador que refletiu sobre a economia política a partir da realidade e da estrutura nacional. Isto é: a realidade brasileira de um passado colonial (evidentemente peculiar se comparada ao contexto de Smith). 2 3 Hugon procurou ainda analisar o ensino da Economia Política nas faculdades de Direito (nas quais, segundo o autor, a disciplina foi exclusivamente ensinada durante os anos de 1827 a 1863) e na Escola Politécnica a partir de 1869. A análise de Hugon se preocupou em mostrar os autores abordados e discutidos no ensino da disciplina e argumentar que ela não recebeu influência única e exclusivamente da economia política inglesa. 4 5 Segundo ele, os responsáveis pela disciplina guardavam estreita ligação com o poder público na medida em que ela estava voltada para a compreensão da situação econômica brasileira. Também merecem destaque os trabalhos de Heitor Ferreira Lima. No livro História do pensamento econômico no Brasil , de 1976, o autor discutiu o tema ao fazer uma reflexãoinicial sobre as doutrinas econômicas e o pensamento econômico em Portugal. 1 Para ele, a demora dos estudos econômicos no país seria um reflexo do seu atraso econômico. Esse atraso, por sua vez, seria resultado da dependência da economia colonial e do comércio exterior. Tal fato levou a uma estagnação da estrutura econômica, principalmente no campo, e a um atraso em relação aos outros países europeus. Lima apontou ainda a influência dos jesuítas em Portugal como causa para a carência nas reflexões filosóficas, considerando-os os responsáveis pelo fechamento daquele país à renovação científica que já ocorria no restante da Europa. 2 3 Ele frisava que esse fechamento provocou um grande atraso na evolução econômica e no pensamento econômico de Portugal, gerando reflexos diretos no Brasil. Analisando o período colonial, Lima apresentou o que ele considerava serem os primeiros economistas brasileiros. Segundo sua visão, o predomínio quase que total da economia agrícola deu ao pensamento desenvolvido na época uma característica fisiocrática, isto é, a noção de que a terra é a fonte de toda a riqueza. 4 5 Para o autor, isso fortaleceria o sentimento nacional no Brasil e conduziria muitos deles a estudar e pensar os problemas técnicos e econômicos brasileiros. A luta pela autonomia do país foi outro foco de estudo de Lima a partir da importância das transformações mundiais entre o final do século XVIII e início do XIX, das revoluções burguesas na Europa, da Revolução Industrial, da independência norte-americana, do nascimento da Economia Política com Smith e Ricardo na Inglaterra e, por fim, da fisiocracia francesa. 6 ATENÇÃO Aos poucos, esse sentimento nacional e a luta pelos interesses internos inaugurariam uma nova fase do pensamento econômico. Com intensa repercussão política e social, isso resultou na separação definitiva das duas nações. No Brasil, esse período foi caracterizado pela crise do regime colonial e, na visão do autor, pelo esgotamento de sua capacidade criadora. Como consequência do desenvolvimento da colônia, passaram a emergir movimentos questionadores da dominação política da metrópole. A transferência da corte real para o Brasil em 1808 é tida em sua análise como mais um episódio da crise do sistema colonial, da emergência e do crescimento do Brasil. A partir daí, Heitor Ferreira Lima procurou analisar a nova classe social brasileira, formada principalmente em Coimbra e repleta de ideias liberais. Fonte: Wikimedia Commons/Domínio público Embarque da família real portuguesa COMENTÁRIO Entre esses movimentos, o autor destacou a Inconfidência Mineira e, além disso, a influência inglesa nas ideias nacionais, que estava refletida na defesa de atividades manufatureiras. Tal liberalismo, cabe ressaltar, se explicava pela conjuntura internacional com os progressos nas ciências, a globalização dos mercados e a defesa inglesa do livre mercado para seus produtos manufaturados. A apropriação do liberalismo no Brasil teve, porém, suas incoerências e peculiaridades: Enquanto na Europa a ideologia liberal justificou e embasou revoluções democrático- burguesas... Na América Latina, ela serviu para justificar a independência política. Fonte: Shutterstock.com No Brasil, o liberalismo se tornou a ideologia de comerciantes, latifundiários e escravistas contra a opressão da metrópole em nome do livre comércio.... Fonte: Shutterstock.com Na Europa, a luta era da burguesia contra a nobreza feudal em nome do industrialismo. Ao redor dessas questões se desenvolveu o debate econômico durante o Primeiro Reinado. Analisando os debates parlamentares e os discursos de importantes personalidades políticas da época, o autor observou que muitos deles haviam ocupado o Ministério da Fazenda e que suas ideias caracterizavam as visões econômicas dominantes naquele momento. A maioria deles defendia: Livre cambismo Exportação de nossos produtos agrícolas Importação de produtos manufaturados Já a indústria, fora dos interesses da classe dominante, permanecia sem merecer muitas atenções governamentais. Somada à ideologia liberal de especialização produtiva, a atração pela terra e pelo comércio sepultava qualquer interesse ligado ao desenvolvimento da indústria. Fonte: Shutterstock.com Para Lima, os Estados Unidos ampliavam suas fronteiras, conquistavam territórios, dividiam as terras e criavam pequenas propriedades agrícolas. Além disso, fomentavam o nascimento e o crescimento contínuo de um mercado interno, que se beneficiava da imigração e estimulava o surgimento de indústrias... Fonte: Shutterstock.com Enquanto isso, o Brasil seguia pelo caminho do latifúndio e dos interesses das poucas classes dominantes. COMENTÁRIO Devemos destacar a importância desse trabalho de Heitor Ferreira Lima, cuja opção metodológica não reduziu a história do pensamento econômico à simples apresentação de ideias de pensadores que ele considerava mais importantes. Destaca-se também sua escolha por retratar o pensamento econômico no Brasil desde os tempos coloniais, discutindo como as raízes portuguesas influenciaram na formação das ideias econômicas no Brasil. Cabe observar especialmente o critério de escolha dos pensadores e das figuras mais importantes retratados por ele: quase todos homens da política, eles estavam ligados ao poder e aos governos e eram os responsáveis por se apropriar das teorias econômicas sempre a partir dos interesses que os moviam. Pode-se dizer que o pensamento econômico no Brasil surgiu principalmente para dar sentido e justificar as ações políticas. ENSINO DE ECONOMIA NO BRASIL Veremos de forma breve como o ensino da economia se desenvolveu no país. COMENTÁRIO Todos os trabalhos citados até aqui apresentaram ideias econômicas do Brasil do século XIX quando elas ainda eram incipientes e muito ligadas a visões e interesses políticos. Tais trabalhos podem ser considerados antigos e datados, embora tenham o grande mérito de oferecer sínteses importantes e levantar discussões fundamentais. O PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO E O DESENVOLVIMENTISMO A evolução de algumas pesquisas na área da história do pensamento econômico trilhou a direção do estudo de pensadores próprios. Outras pesquisas, porém, se ativeram a um período específico: o de consolidação da própria ciência econômica no Brasil, da industrialização e do capitalismo brasileiro. Esses trabalhos se concentraram na análise e na discussão da produção intelectual, prática e acadêmica do período após 1930, quando as reflexões sobre o Brasil procuravam entender sua situação econômica e propunham medidas para seu desenvolvimento. Nesse sentido, destacam-se os trabalhos clássicos de Guido Mantega e de Ricardo Bielschowsky, ambos da década de 1980. Apesar de partirem de metodologias diferentes, os dois economistas concentraram suas análises e discussões em torno da temática do pensamento desenvolvimentista no Brasil. Com isso, eles se dedicaram a mostrar como autores e pensadores encaravam e interpretavam os problemas do Brasil e os possíveis meios para o país se desenvolver. Fonte: Roosewelt Pinheiro/ABr - Agência Brasil/Wikimedia Commons/licença (CC BY 3.0 br) Guido Mantega 1 Em A economia política brasileira , de 1985, Guido Mantega buscou identificar como a formação e a estruturação da economia política brasileira. Para Mantega, Celso Furtado e sua obra podem ser vistos como elementos fundadores desse ramo, uma vez que as análises anteriores podiam ser encontradas apenas de forma parcial e fragmentada. O trabalho de Furtado, segundo o autor, foi o primeiro de fôlego, estruturado a partir de um sólido arcabouço teórico e organizado para compreender a dinâmica econômica brasileira. A partir dessa obra, atesta Mantega, o pensamento econômico brasileiro se consolidou e passou a formar modelos analíticos. 2 3 Ainda de acordo com sua visão, esse pensamento se formou ao longo dos anos 1950 e 1960 a partir daconsolidação dos processos de urbanização e industrialização do Brasil — ou seja, a partir da consolidação do capitalismo. Tal processo desencadeou, por sua vez, uma série de interpretações sobre o subdesenvolvimento brasileiro e sobre os meios para superá-lo, sofrendo a influência tanto da teoria econômica clássica quanto da keynesiana e marxista. 4 5 Para Mantega, os elementos essenciais que tornaram possível se falar em economia política brasileira foram a criatividade e a originalidade das contribuições, além de suas preocupações com as peculiaridades históricas brasileiras. Afinal, essas interpretações e visões teóricas tornaram relevantes as estruturas da formação econômica e capitalista brasileira. Isto é, elas evidenciaram como as relações capitalistas ou o modo de produção capitalista haviam se desenvolvido no país. 6 7 Mantega analisou ainda o pensamento econômico brasileiro entre as décadas de 1950 e 1970, identificando, entre diversas correntes de pensamento, uma característica comum: todas partiam de teorias econômicas existentes, aplicando-as à formação social brasileira. Elas eram, portanto, modelos cuja originalidade estava em suas adaptações das formulações teóricas à realidade brasileira de um capitalismo retardatário e subdesenvolvido. Ricardo Bielschowsky 1 Já Pensamento econômico brasileiro , trabalho de Ricardo Bielschowsky publicado em 2004, adotou uma metodologia inspirada em Schumpeter. Sua obra foi organizada a partir da noção de ciclo ideológico, estando baseada nas noções schumpeterianas de história do pensamento econômico e dos sistemas de economia política. Para ele, assim como para Schumpeter, o pensamento econômico estaria ligado a um conjunto de opiniões, posições ou interpretações relativas à política econômica. Assim, dada a ausência de produção teórica e analítica, Bielschowsky (2004) acreditava não haver no país a possibilidade de se escrever uma história da análise econômica. 2 3 No Brasil, de acordo com o autor, os economistas estavam mais interessados e envolvidos com questões práticas ligadas diretamente aos dilemas nacionais e à política econômica que os resolveria ao invés daquelas propriamente teóricas. Como resultado, a reflexão sobre a economia brasileira nos levaria a um debate não teórico, e sim prático e historicamente determinado. Foi, portanto, a dimensão histórica do pensamento econômico – e não seu conteúdo analítico – o fio condutor dessa obra, cujo núcleo era a ideia de desenvolvimentismo. 4 5 Bielschowsky se dedicou então a analisar o que ele definiu como ciclo ideológico do desenvolvimentismo, passando, nesse processo, por sua formação, consolidação, auge e crise. O conceito-chave com o qual o autor organizou sua análise (desenvolvimentismo) é definido por ele como a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico. Tal projeto contava com uma proposta de industrialização que o mercado seria incapaz de promover por si só. Defendia-se, assim, um plano de industrialização a partir da participação efetiva do Estado — seja planejando ou promovendo investimentos — a fim de se superar a pobreza e o subdesenvolvimento. Bielschowsky organizou, portanto, o pensamento econômico brasileiro e o ciclo ideológico do desenvolvimentismo da seguinte forma: Seu surgimento entre 1930 e 1945; Sua maturação entre 1945 e 1955; Seu auge entre 1955 e 1960; Sua crise entre 1960-1964. Ele identificou ainda que o pensamento econômico brasileiro poderia ser dividido em correntes: ETAPA 01 ETAPA 02 ETAPA 03 A NEOLIBERAL A corrente neoliberal, em sua interpretação, teria uma vocação neoclássica, liberal e contrária à atuação do Estado na economia. Ela ainda seria favorável a um equilíbrio monetário e financeiro que combatesse a inflação. Essa corrente era defensora da vocação agrária brasileira e, portanto, contrária à ideia de indução da industrialização por meio do incentivo estatal. Seus principais representantes eram Eugenio Gudin, Otávio Gouvêa de Bulhões, Dênio Nogueira e Daniel de Carvalho. A DESENVOLVIMENTISTA Já́ a corrente desenvolvimentista poderia, de acordo com Bielschowsky, ser dividida em mais três vertentes: desenvolvimentismo no setor público não nacionalista; no setor público nacionalista; e no setor privado. A vertente não nacionalista era representada por Roberto Campos, Lucas Lopes, Ary Torres e Glycon de Paiva. Ela defendia a participação do capital estrangeiro na industrialização. A atuação do Estado na economia, para essa corrente, deveria ser apenas parcial, sendo realizada por meio do planejamento e das políticas estabilizadoras de combate à inflação; A vertente nacionalista, representada por Celso Furtado, Rômulo de Almeida, Américo Oliveira, Evaldo Lima e Roberto Simonsen, carregava uma influência cepalina, defendendo o planejamento e a atuação estatal como meios de promover a industrialização. Favoráveis à reforma agrária, seus defensores acreditavam também que a inflação era um fenômeno estrutural, e não apenas monetário, a ser combatido por intermédio de políticas de desenvolvimento; Por fim, os principais expoentes da vertente desenvolvimentista no setor privado foram Roberto Simonsen, João Paulo de Almeida Magalhães e Nuno Figueiredo. Eles defendiam uma industrialização pautada pela proteção do Estado ao capital industrial nacional. A SOCIALISTA A corrente socialista, por sua vez, teria se organizado a partir do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Ela contava com representantes como Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré́, Alberto Passos Guimarães e Aristóteles Moura. Inspirados pelo materialismo histórico, os defensores dessa corrente acreditavam que o desenvolvimento capitalista era necessário para viabilizar o socialismo. Por isso, eles defendiam a reforma agrária e uma industrialização planejada e ancorada em bases nacionais. Acreditavam ainda que essa era a forma de romper com a dominação imperialista e a concentração da renda e da terra, tidas por eles responsáveis por impedir o país de crescer e se desenvolver. Embora tenham discutido a história do pensamento econômico no Brasil de formas diferentes, tanto Bielschowsky quanto Mantega trabalharam com critérios de seleção parecidos e organizaram o pensamento econômico brasileiro em torno do debate a respeito do subdesenvolvimento e do desenvolvimento econômico. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. SOBRE AS PRIMEIRAS CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Seu processo de construção se deu de forma abstrata e desconectada da realidade brasileira. B) Teve grande impacto sobre a política econômica concreta por conta de seu caráter menos acadêmico e mais prático. C) Seu desenvolvimento foi limitado e pouco influenciou o ensino da economia no país. D) Não houve originalidade, já que apenas repetiu teorias já existentes. E) Não era relacionado com o pensamento econômico latino-americano. 2. DE ACORDO COM OS DESDOBRAMENTOS MAIS RECENTES DO PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Tanto Guido Mantega quanto Ricardo Bielschowsky reconheciam a irrelevância da temática desenvolvimentista para o pensamento econômico brasileiro. B) Para Guido Mantega, mesmo após a contribuição de Celso Furtado, as análises sobre a economia política brasileira seguiram sendo parciais e fragmentadas. C) De acordo com Bielschowsky, o pensamento econômico no Brasil guardava relação com ciclos ideológicos e, consequentemente, com a política econômica. D) Para Bielschowsky, a abundância de produção teórica e analítica viabilizou o surgimento da história da análise econômica. E) Observa-se hoje que Celso Furtado e Roberto Campos eram contrários à participação do capital estrangeiro na economia brasileira. GABARITO 1. Sobre as primeiras contribuições da história do pensamento econômico no Brasil, é correto afirmar que: A alternativa"B " está correta. O pensamento econômico brasileiro foi marcado por uma ênfase em questões práticas, o que, até certo ponto, o distanciou da esfera acadêmica. 2. De acordo com os desdobramentos mais recentes do pensamento econômico brasileiro, é correto afirmar que: A alternativa "C " está correta. O trabalho de Ricardo Bielschowsky, Pensamento econômico brasileiro, gira em torno do conceito de ciclo ideológico. Para ele, o pensamento econômico estaria ligado a um conjunto de opiniões, posições ou interpretações relativas à política econômica. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tema, apresentamos os processos de surgimento e evolução da HPE tanto na América Latina quanto no Brasil. No módulo 1, descrevemos a história do pensamento econômico latino-americano a partir da CEPAL; no módulo 2, a história do pensamento econômico brasileiro. Conhecendo os contextos e debates de cada corrente, destacamos os principais conceitos, obras, autores e instituições para a HPE dessa região. Após a discussão do desenvolvimentismo regional e da tese estruturalista, apontamos ainda a importância da CEPAL para a HPE latino-americana. Além disso, a partir da apresentação de relevantes trabalhos pioneiros e recentes do pensamento econômico brasileiro, você pôde entender a discussão da HPE no Brasil. Com esse arcabouço teórico, pudemos conhecer os pontos centrais da história do pensamento econômico no Brasil e na América Latina. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BASTOS, H. O pensamento industrial no Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1952. BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. HUGON, P. A economia política no Brasil. In: AZEVEDO, F. de (Org.). As ciências no Brasil. 2. ed. v. 2. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. LIMA, H. F. História do pensamento econômico no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. LOUREIRO, M. R. (Org.). Cinquenta anos de ciência econômica no Brasil (1946-1996): pensamento, instituições, depoimentos. Petrópolis: Vozes, 1997. MANTEGA, G. A economia política brasileira. São Paulo/Petrópolis: Vozes, 1985 PREBISCH, R. O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas. Santiago: CEPAL, 1948. VIEIRA, D. T. A história da Ciência Econômica no Brasil. In: FERRI, M. G.; MOTOYAMA, S. (Coord.). História das ciências no Brasil. São Paulo: Edusp, 1981. EXPLORE+ Para conhecer mais sobre o pensamento econômico brasileiro recente, leia este texto: MALTA, M. M. de et al . A história do pensamento econômico brasileiro entre 1864 e 1989: um método para discussão. In: XV Encontro Nacional de Economia Política. São Luís do Maranhão, 2010. Aprofunde seus conhecimentos sobre o pensamento econômico brasileiro recente consultado os artigos publicados neste livro: SZMRECSÁNYI, T.; COELHO, F. da S. Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Atlas, 2007. CONTEUDISTA Juliana Damasceno de Sousa CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0);
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