Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANÁLISE DO DISCURSO Me. Adilson do Nascimento Gomes GUIA DA DISCIPLINA 2022 1 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO – AD Objetivo: Apresentar a Análise do Discurso, delimitando seu objeto de estudo dentro dos estudos do discurso. Diferenciar texto e discurso. Introdução: É fundamental compreender que o Discurso é o objeto de observação da Análise do Discurso (doravante, vez ou outra, AD). O discurso se manifesta no texto, ou seja, na materialidade do texto é que encontramos a presença do discurso. Discorrer sobre texto é falar: desde uma simples placa que pede silêncio em um hospital, de um semáforo, de uma obra de arte, até, por exemplo, do conteúdo de uma lei. Figura 1 – EnfermeiraFigura 2 – Manchete de JornalFigura 3 – Cartaz de cinema Fonte:Psiulândia, 2012.1 Fonte: Brasil 247, 20182 Fonte:Casis, s/d.3 Podemos observar a constituição dos textos que ocorrem nos exemplos apresentados anteriormente: 1 Disponível em: <http://psiulandia.blogspot.com/2012/11/silencio-hospital.html>. Acesso em: 03 abr. 2020. 2 Disponível em: <https://www.brasil247.com/midia/folha-demite-mais-de-10-jornalistas-e-extingue-caderno-de-esportes>. Acesso em 03 abr. 2020. 3 Disponível em><http://www.cacisestrela.com.br/wp-content/uploads/Cartaz_A3_C.jpg>. Acesso em 03 abr. 2020. 2 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O exemplo de linguagem não-verbal (Figura 1), representado pela figura de uma mulher, que, pela forma como posiciona o dedo diante dos lábios e pela roupa que usa, nos ativa a memória de que se trata de uma enfermeira pedindo silêncio, em um lugar que pode ser compreendido como um hospital; A figura 2 apresenta a capa de um jornal, um exemplo de linguagem verbal. A manchete e a notícia que aparecem na imagem são construídas apenas por signos linguísticos escritos;Já na Figura 3, o cartaz de cinema está constituído pela junção da linguagem verbal e da não-verbal, o que chamamos de linguagem mista ou sincrética. Todas essas linguagens circulam na sociedade e, para compreendê-las, ativamos e articulamos conhecimentos adquiridos ao longo do tempo. A enfermeira, a capa de jornal e o cartaz de cinema foram redigidosde formas diferentes, usando a linguagem não-verbal (Figura 1), a linguagem verbal (Figura 2) e a linguagem sincrética (Figura 3). Todos os exemplos apresentados são textos e se constituem de uma unidade de sentido. Assim sendo, o texto, independente da forma em que se apresente, é um produto da linguagem, uma atividade humana, ou seja, uma materialidade linguística produzida por sujeitos, social e historicamente, situados com o objetivo de estabelecer comunicação. Por essa característica o texto é uma atividade interacional. Observe a tirinha de Calvin: Figura 4 – Calvin Fonte: Nova Escola, 2009.4 4 Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/3621/calvin-e-seus-amigos>. Acesso em 03 abr. 2020. 3 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A conversa que se estabelece entre as personagens Calvin e Haroldo é uma atividade linguística que proporciona a interação entre os sujeitos que participam da ação comunicativa. Não se pode ignorar que a produção textual, a enunciação, se dá em meio a contextos específicos. Retornando à tirinha de Calvin, percebemos que a interação se processa em um contexto ou sobre contextos escolares,onde, historicamente, algumas práticas são aceitas e outras recusadas. Ou seja, o processo criativo de que Calvin fala se afasta dos processos criativos que a escola estabelece como aceitáveis, tanto que quando Calvin é criativo sempre vai parar na diretoria. O cerceamento, o controle, os prazos, bloqueiam a criatividade, fazendo-o detestar escrever. Portanto, trata-se de um discurso de crítica ao modelo educacional que está estruturado na cobrança criatividade, mas não abre espaço para os sujeitos serem criativos, pois está focado na reprodução de um modelo punitivo quanto aos resultados. Procurar então compreender a intenção do texto deixa em evidência o discurso. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. (ORLANDI, 2007, p. 15). Para Pêcheux (1969), considerado o fundador da Análise do Discurso, o discurso é efeitos de sentido entre os interlocutores, ou seja, entre enunciador e enunciatários. A AD se preocupa então com as dinâmicas do texto e do discurso na produção histórica dos sentidos. Retomando a tirinha do Calvin, quando consideramos que historicamente a escola deveria ser um lugar de ensino e promoçãodo desenvolvimento da criatividade, compreendemos que, no dizer de Calvin, a escola faz o inverso, pois por meio de tantos 4 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância prazos, regras e notas, desmotiva a leitura e cerceia a criatividade. Assim, essas normas impedem os sujeitos de serem criativos, devido a tanta cobrança e punição. Neste sentido é importante destacar um elemento primordial para a Análise do Discurso, o de que o sujeito não é fonte dos sentidos, já que eles são produzidos em outro lugar, anterior e exterior a ele. Existem duas obras fundamentais para iniciar os estudos do discurso: Análise do Discursos: princípios e Procedimentos Eni P. Orlandi O livro de Eni P. Orlandi, precursora da Análise do Discurso no Brasil, apresenta uma proposta de reflexão sobre a linguagem, o sujeito, a história e a ideologia. A autora apresenta os princípios e procedimentos analíticos da AD sem a pretensão de transformar todos os leitores em analistas do discurso. É uma obra fundamental para todos os cursos e estudos de Análise do Discurso empreendidos em nosso país.no Brasil. Introdução à Análise do Discurso Helena H. NagamineBrandão Em Introdução à Análise do Discurso, de Helena Brandão, são abordados temas como o esboço histórico, a perspectiva teórica francesa, o conceito de ideologia e o conceito de discurso cunhado por Michel Foucault. São apresentados conceitos fundamentais da Análise do Discurso como os conceitos de condições de produção do discurso, Formação ideológica e formação discursiva, entre outros. 5 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O texto, independente da forma como o qual se apresenta é, como toda peça de linguagem, objeto de interpretação. O objetivo maior da Análise do Discurso é compreender como o texto produz sentidos, já que todo texto se constitui como uma unidade de sentido. Para compreendermos como o texto produz sentidos, buscamos na materialidade linguística do texto a presença do discurso, já que é no texto que o discurso se materializa. Os sentidos são produzidos anterior e exterior aos sujeitos, o que nos leva a compreender que o texto não é o ponto inicial, nem o ponto final para o analista do discurso, ele é apenas um lugar de onde emergem alguns sentidos. ORLANDI, EniPuccineli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2007. PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, pp.61-161, 1969. 6 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. O NASCIMENTO DA ANÁLISE DO DISCURSO – AD Objetivo: Apresentar um panorama de condições que propiciaram a constituição da Análise do Discurso como disciplina, assim como, destacar os principais atores da AD. Introdução: Neste capítulo inicial, trataremos,brevemente, das principais características da Análise do Discurso de linha francesa, empreendida por Michel Pêcheux, na França, na década de 1960, e das contribuições de Michel Foucault para a Análise do Discurso, haja vista serem imprescindíveis para compreender a AD que se faz, atualmente. 2.1. Michel Pêcheux na Análise do Discurso: Breve Percurso Histórico e Constitutivo Em 1969, na França, com a publicação de Análise Automática do Discurso, Michel Pêcheux inaugura a Análise do Discurso que nasce em um período de crises sociais e insatisfação política e intelectual. Os problemas sociais e a insatisfação política ajudaram a compor o cenário que serve de papel de fundo para a constituição da Análise do Discurso como disciplina. Michel Pêcheux, seu principal articulador, em seu projeto, dispunha-se a propor uma disciplina que projetava uma estratégia de leitura política dos discursos que emergiam na época, objetivando observar as mudanças sociais, políticas, ideológicas e as mudanças no campo intelectual, repensando o estruturalismo, que estava no seu auge. Pêcheux, então, formula a Análise Automática do Discurso que nasce com o objetivo de tratar questões fundamentais sobre o texto, a leitura e o sentido, propondo um estudo que articulasse o linguístico com a história, provocando “[...] no final dos anos 1960, uma mudança nos estudos linguísticos” (BARONAS, 2011, p.13). 17 Eis aqui o ponto principal da Análise do Discurso de linha francesa: tratar questões fundamentais que atrelem o texto, a leitura e o sentido, articulando o linguístico ao histórico. Tenham isso sempre em mente! 7 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Michel Pêcheux, fundador da Análise do Discurso, nasceu em Tours, na França, no ano de 1938. Pêcheux estudou na Escola Normal Superior de Paris e em 1963 obteve seu certificado para ensinar Filosofia. Com base em seus estudos sobre Saussure, na leitura de Marx realizada por Althusser e na Leitura que Lacan fez de Freud, ou seja, da articulação entre a Linguística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise, na década de 1960, Pêcheux funda a Escola Francesa de Análise do Discurso. Na década de 1983, Pêcheux morre em Paris. Michel Pêcheux Fonte: Schöttler-Boll, 1977. Assim, três campos teóricos foram fundamentais para a constituição da Análise do Discurso como disciplina: a Linguística, o Materialismo histórico e a Psicanálise. Esse triplo assentamento traz consequências teóricas: a forma material do discurso é, ao mesmo tempo, linguístico-histórica, enraizada na História para produzir sentido; a forma sujeito do discurso é ideológica, assujeitada, não psicológica, não empírica; na ordem do discurso há o sujeito na língua e na História; o sujeito é descentrado, tem a ilusão de ser fonte, mas o sentido é um já- lá, um dito antes em outro lugar. Do mesmo modo, o enraizamento nesses três campos do conhecimento traz consequências metodológicas: a busca de um dispositivo de análise do processo discursivo; a busca dos vestígios – da história e da memória – no discurso, e a consequente inter-relação entre a ordem da língua, a ordem da história e a ordem do discurso (GREGOLIN; BARONAS, 2001, p. 03-04). A Análise do Discurso então, desde seu nascimento, estabelece uma ruptura com os paradigmas da época. Resgatar o sujeito do esquecimento que o estruturalismo proporcionava, trazendo-o para o centro do novo cenário que se desenhava, foi um dos movimentos mais importantes do projeto de Michel Pêcheux, pois, de acordo com Ferreira (2010, p.19) “[...] importava normatizar o sujeito, já que era visto como o elemento suscetível de perturbar a análise do objeto científico, que deveria corresponder a uma língua objetivada, padronizada”. É então, na Análise Automática do Discurso, que Michel Pêcheux delimita o discurso como o objeto de estudo da Análise do Discurso. Essa delimitação, para a 8 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância linguística, busca rever conceitos até então abandonados pelo estruturalismo, que reinava soberano, como os conceitos de língua, história e sujeito. Na articulação da Linguística, do Materialismo histórico e da Psicanálise, Pêcheux encontra elementos que empreendem à Análise do Discurso um caráter revolucionário. De acordo com Rodríguez- Alcalá (2005, p. 16), “Pêcheux mobiliza conceitos originários da teoria marxista e da psicanálise freudiana” articulando, assim, três regiões do saber, conforme Pêcheux &Fucks (2010, p. 160) elencam: 1. O materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias; 2. A linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo; 3. A teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos. De acordo com Baronas (2011), o objetivo de Pêcheux era criar uma disciplina que fosse capaz de propiciar a articulação da Linguística, do Materialismo e da Psicanálise e, para isso, elencou o discurso como seu objeto de estudo. Assim, segundo Gregolin (2001, p. 13, grifo meu): [...] empreender a análise do discurso significa tentar entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto se articula com a história e a sociedade que o produziu. O discurso é um objeto, ao mesmo tempo linguístico e histórico; entendê-lo requer a análise desses dois elementos simultaneamente. De acordo com Orlandi (2000) a articulação das três áreas do conhecimento, desde sua constituição, não fez com que a Análise do Discurso permanecesse inerte à Teoria Marxista tampouco à Psicanálise, comportando-se de modo servil. Ela interroga a Linguística pela historicidade e trabalha a ideologia como materialidade relacionada ao inconsciente. 9 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 1 – Marx, Saussure e Freud Fonte: Pensar contemporâneo, 2018.5 Ao considerar a relação existente entre história e sociedade com a linguagem, a Análise do Discurso busca compreender os processos de produção de sentidos que emergem dos discursos. Esses sentidos, que são históricos, estão umbilicalmente ligados ao interdiscurso e às condições de produção que possibilitam os efeitos de sentido. O nascimento da Análise do Discurso pelas mãos e olhar de Michel Pêcheux, se deu na França como forma de compreender os discursos políticos que se produziam à época. O cenário que enquadra a formação e constituição da AD, na França, é um período de insatisfação política e intelectual que proporcionou a constituição da Escola de Análise do Discurso, como disciplina. 5 Disponível em <https://www.pensarcontemporaneo.com/marx-saussure-freud-ou-como-nasce-analise- discurso/>. Acesso em 03 abr. 2020. 10 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BARONAS, RobertoLeiser. Ensaios em análise do discurso – questõesteóricas. São Carlos: EdUFSCar, 2011. FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Análise do discurso e suas interfaces: o lugar do sujeito na trama do discurso. Organon, Porto Alegre, v. 24, n. 48, p. 17-34, jan./jun. 2010. Disponível em:<http://seer.ufrgs.br/organon/article/view/28636>. Acesso em 18 out. 2016. GREGOLIN, Maria do Rosário; BARONAS, Roberto Leiser(Orgs.) Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo: Claraluz, 2001. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso. Princípios & procedimentos. 2. ed. Campinas: Pontes, 2000. PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise do discurso: atualização e perspectivas (1975). In: GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: UNICAMP, 2010.p. 159-249. ______. Análise Automática do Discurso. In: Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, pp.61-161, 1969. RODRÍGUEZ-ALCALÁ, Carolina. Em torno de 'Observações para uma Teoria Geral das Ideologias', de Thomas Herbert. Revista Estudos da Língua Gem, Vitória da Conquista, v. 1, p. 15-21, 2005. Disponível em:<http://www.ufrgs.br/analisedodiscurso/anaisdosead/1SEAD/Paineis/CarolinaR odriguezAlcala.pdf>. Acesso em 14 jan. 2016. SCHOTTLER-BOLL, Doris. Introdução ao artigo de Michel Pêcheux “Ousar pensar e ousar se revoltar! Ideologia, marxismo, luta de classes”Disponível em: Disponível em: <https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&h ttpsredir=1&article=1090&context=decalages>. Acesso em 12 fev. 2020. https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&httpsredir=1&article=1090&context=decalages https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com/&httpsredir=1&article=1090&context=decalages 11 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. CONCEITOS BÁSICOS NA/DA ANÁLISE DO DISCURSO Objetivo: Apresentar alguns dos conceitos básicos articulados na Análise do Discurso. Introdução: Nesta aula, vamos trabalhar com três conceitos muito importantes para a Análise do Discurso. O conceito de Interdiscurso, o de Condições de Produção e o de Efeitos de sentido. 3.1. Interdiscurso O interdiscurso se apresenta sob diversos nomes como “[...] polifonia, dialogismo,heterogeneidade, intertextualidade” (POSSENTI, 2003, p. 253). É parte constituinte dodiscurso, pois trabalham na constituição de novos discursos, já que os mesmos se formam em uma relação dialógica, pelo contato com outros discursos, em outras palavras, os discursos se formam em contato/confronto a outros discursos já existentes. Na perspectiva da Análise do Discurso, o sujeito não é o lugar de origem de uma fala, pois conforme explica Orlandi (1996, p. 218) “[...] os processos discursivos não têm sua origem no sujeito, embora eles se realizem necessariamente nesse sujeito”. O sujeito é então, um canal por onde passam os discursos que se reproduzem através dele. É por meio desse canal que os discursos se encontram, se repetem e se (re)atualizam, proporcionando a formação de novos dizeres. Pêcheux formulou o conceito de interdiscurso, observando que um discurso éatravessado por outros, pela articulação do linguístico com o sócio-histórico. Para Orlandi (1992, p. 89-90): O interdiscurso é o conjunto do dizível, histórica e linguisticamente definido. Pelo conceito de interdiscurso, Pêcheux nos indica que sempre já há discurso, ou seja, que o enunciável (o dizível) já está aí e é exterior ao sujeito enunciador. Ele se apresenta como séries de formulações que derivam de enunciações distintas e dispersas que formam em seu conjunto o domínio da memória. Este domínio constitui a exterioridade discursiva para o sujeito do discurso. 12 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O conceito de interdiscursividade alinha-se à concepção de que os discursos se relacionam a outros discursos. Um discurso traz, em sua constituição, outros discursos, é tecido por eles, seja pelos já ditos, em um dado lugar e momento histórico, seja por aqueles a serem ainda produzidos. (Glossário Ceale) O interdiscurso compreende a constituição de um discurso em relação a outro, por meio de uma memória, de um já dito que, ao ser resgatado, promove uma repetição, uma (re)atualização, fazendo emergir outros discursos, ou seja, ele é a relação que existe entre um discurso com uma gama de outros discursos. 3.2. Condições de Produção O conceito de condições de produção na Análise do Discurso diz respeito à situação e contexto social em que os discursos são produzidos. De acordo com Orlandi (2000, p. 30): “as condições de produção, num sentido estrito, dizem respeito às circunstâncias da enunciação, ao contexto imediato, e, num sentido mais amplo, ao contexto social, histórico e ideológico”. Para Pêcheux (2010, p. 76), “[...] um discurso é sempre pronunciado a partir decondições de produção dadas”, o que nos leva a inferir que essas condições influenciam os sentidos, fazendo-os se modificar e reafirmando o caráter variável dos sentidos na Análise do Discurso. Como aponta Possenti(2004, p. 369, grifo do autor): [...] para a AD, o conceito de condições de produção exclui definitivamente um caráter “psicossociológico”, mesmo na “situação concreta” [...] os contextos imediatos somente interessam na medida em que, mesmo neles, funcionam condições históricas de produção. Ou seja, os contextos fazem parte de uma história. Esse contexto sócio-histórico-ideológico é um lugar mais representativo na produção ecirculação do discurso, ou seja, é responsável pela produção dos sentidos, pois o sujeito exposto a determinadas condições históricas e ideológicas constrói saberes que produzem sentidos. 13 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Assim, e, a partir de nossa inserção às reflexões de Michel Foucault, podemos compreender a história a partir de seu pensamento, quando ele afirma que a história é “[...] a análise das transformações das quais as sociedades são efetivamente capazes. As duas noções fundamentais da história [...] não são mais o tempo e o passado, mas a mudança e o acontecimento” (FOUCAULT, 1972, p. 287). As condições de produção são, então, caracterizadas por uma materialidade histórica que compreende as relações sociais de uma determinada formação social. Os significados se estabelecem em sua relação com as condições de produção, a partir de uma determinada posição ideológica, ou seja, “[...] o sentido de uma sequência só é materialmente concebível na medida em que se concebe esta sequência como pertencente necessariamente a esta ou àquela formação discursiva” (PÊCHEUX; FUCHS, 2010, p. 169). Portanto, as condições de produção do discurso não podem se afastar “[...] dos bastidores da encenação dos sujeitos e dos sentidos” (ORLANDI, 2001, p. 95). O lugar de onde se fala, que caracteriza as condições de produção, é responsável por regular os sentidos. As condições de produção se inscrevem na história e determinam que nem os sujeitos, nem os sentidos estão prontos e acabados, portanto, propiciam um movimento que determina os sentidos fazendo com que eles sejam constantemente (re)construídos. 3.3. Efeitos de Sentido Para compreender os efeitos de sentido, é importante lembrar que, na Análise do Discurso, os sentidos não são fixos. As condições de produção propiciam que os sentidos sejam sempre (re)construídos; por tal motivo, não existe um sentido único e sim efeitos de sentido. Para Orlandi (1996, p. 56, grifo do autor), “[...] a análise do discurso considera que o sentido não está já fixo a priori, como uma essência das palavras, nem tampouco pode ser qualquer um: há determinação histórica do sentido”. A determinação da história e da ideologia é muito importante para a constituição do sentido, pois o discurso é dialógico e se constitui de diferentes discursos (interdiscurso)pronunciados mediante distintas situações e lugares (condições de produção). Pêcheux (2010) define o discurso como efeito de sentidos entre interlocutores. Os sujeitos, por sua vez, constroem os sentidos de dentro das diferentes posições e conjunturas sociais e históricas permitindo que os sentidos se unam, formando redes 14 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância histórico-semânticas, promovendo a repetição e a (re)atualização, o que lhe confere um status de movente e instável ao sentido, o que indica que o sentido é histórico.Vamos revisar os conceitos desta aula analisando a materialidade linguística da tirinha do Calvin? Observe calmamente e com muito cuidado essa materialidade: Figura 1 – Calvin e Haroldo Fonte: Petiscos, 2014.6 Na materialidade linguística do Calvin, constituída de Linguagem Sincrética, ou seja, texto verbal e texto imagético. A observação do texto verbal “as vezes eu acho que o sinal mais evidente de que existe vida inteligente em algum lugar do universo, é o de que ninguém até agora tentou entrar em contato conosco” unido ao texto não-verbal, ou seja, o texto imagético que apresentam Haroldo e Calvin olhando decepcionados para um tronco de árvore cortado, nos leva a compreender que essa materialidade linguística está constituída por discursos diversos. Nessa materialidade perpassam pelo menos dois discursos da biologia. Um deles, o discurso da vida e o outro o discurso da preservação do meio ambiente, o que confere que a formação do sentido para essa tirinha está formada pelo atravessamento de outros discursos, ou seja, o interdiscurso. O contexto social de produção desse discurso é, possivelmente, o de constante aumento do desmatamento e eliminação gradativa de nossas florestas, de nossas árvores e de exploração do meio ambiente, ou seja, a materialidade é produto de situações que ocorrem na sociedade. Assim, as condições de produção desse discurso dizem respeito à questões sociais (exploração do meio ambiente para se fazer mais dinheiro), histórica (sempre existiu exploração do meio ambiente, mas agora ele é denunciado, pois prejudica a saúde do planeta) e ideológico, quando se acredita que o meio ambiente existe para ser explorado pelo homem. 6 Disponível em <https://petiscos.jp/quatroolho/o2-de-sobra>. Acesso em 03 abr. 2020. 15 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Por não serem fixos, os efeitos de sentido podem alterar-se, atualizar-se. Um dos sentidos possíveis é, em linhas bem gerais, que não é inteligente destruir a natureza, pois sem ela não há vida na terra. Os ditos que circulam na sociedade não são originários do sujeito falante. Eles já foram ditos, pronunciados e enunciados em outro lugar e anterior ao sujeito. Os discursos são atravessados por outros discursos e são enunciados de acordo com algumas condições de produção, que são sempre sociais, históricas e ideológicas. Quando entramos em contato com esses discursos emergem efeitos de sentido, que não são fixos, pois podem se alterar e não são únicos, por isso dizemos que não existe um efeito de sentido, mas efeitos de sentidos. FOUCAULT, Michel. Retornar à História. In: MOTTA, M. B. da (Org.). Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento, Ditos e escritos II. Rio de Janeiro: Forense Universitária, [1972] 2005. p. 282-295. GLOSSÁRIO CEALE – Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/>. Acesso em 03 abr. 2020. ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio. Campinas: UNICAMP, 1992. ______. Discurso e leitura. Campinas: Cortez, UNICAMP, 1996. ______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. ______. Análise de discurso. Princípios & procedimentos. 2. ed. Campinas: Pontes, 2000. PÊCHEUX, Michel; FUCHS, Catherine. A propósito da análise do discurso: atualização e perspectivas(1975). In: GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução àobra de Michel Pêcheux. Campinas: UNICAMP, 2010. p. 159-249. POSSENTI, Sírio. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIN, Fernanda;BENTES, Anna Christina. (Orgs.) Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos, v. 3. São Paulo: Cortez, 2004. p. 353-392. ______. Observações sobre interdiscurso. Revista Letras, Curitiba, n. 61, p. 253-269, 2003. Disponível em: <file:///C:/Users/100745/Downloads/2890-5826-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2016. http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/ 16 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. MICHEL FOUCAULT NA ANÁLISE DO DISCURSO Objetivo: O objetivo desta aula é apresentar um dos filósofos que ajudaram a constituir o campo de estudo discursivo da Análise do Discurso, na França. Introdução: Michel Foucault nasceu em no ano de 1926, em uma tradicional família de médicos. Seu pai era cirurgião e lecionava anatomia em Poitiers. Foucault rompeu com a tradição da medicina em sua família e se interessou pela história e pela filosofia. Mesmo sem ser seu objetivo, tornou-se um dos filósofos muito importantes na constituição da Análise do Discurso. 4.1. Michel Foucault O filósofo francês Michel Foucault não tinha a intenção de constituir um campo de estudos ou uma teoria da linguagem, porém ao se debruçar sobre questões amplas que traziam à tona as relações entre o saber e o poder na sociedade ocidental acabou por criar conceitos que foram inseridos na Análise do Discurso. Foucault considerava que essas relações entre o saber e o poder eram construídas a partir de práticas discursivas e não discursivas: O autor compreende que são as práticas discursivas que constituem e determinam os objetos. Desse modo, ainda que não fosse seu objetivo fundar uma teoria, seus escritos instauram um modo de olhar/analisar os discursos. Por meio das publicações As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber e A Ordem do Discurso, Foucault “[...] pensou sobre as articulações entre o discurso e a história [...] elaborou conceitos e indicou direções para uma teoria do discurso” (GREGOLIN, 2004, p.19, grifos do autor). 17 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 1 – Michel Foucault Quem foi Foucault? Michel Foucault nasceu em Poitiers, na França em 15 de outubro de 1926. foi um filósofo, historiador das ideias, teórico social, filólogo, crítico literário e professor da cátedra História dos Sistemas do Pensamento, no célebre Collége de France, de 1970 até 1984. Fonte: Chefare, 2016.7 De acordo com Fernandes (2012, p. 13), “[...] no início da década de 60, quando aspesquisas de Michel Foucault começaram a repercutir no cenário acadêmico e no meiointelectual em geral, vislumbrou-se, logo em seus primeiros trabalhos, o interesse pelo discurso enquanto objeto de análise”. É, porém, na Arqueologia do Saber, publicada em 1969, que encontramos grande parte dos conceitos dos quais nos fala Gregolin (2004), e que podemos compreender a metodologia do pensamento de Foucault. Ao construir um método de compreensão dos discursos, Foucault se preocupa também com as questões relativas às estruturas que compõem o discurso ou a ele estão ligados. Assim sendo, o método arqueológico se constrói na definição dos principais objetos: o discurso, o enunciado e o saber. Para Fischer (2013, p. 125, grifo do autor), Foucault considera: Na análise dos discursos, pelo menos [...] quatro grandes forças: a inscrição radicalmente histórica das “coisas ditas”; a condição inapelável do discurso como prática; a materialidade dos enunciados; e lastbutnotleast, a luta travada na e pela constituição de sujeitos – sujeitos de determinadas verdades ou discursos. Para Foucault é preciso restabelecer ao discurso sua dimensão de acontecimentalização. Compreendido como acontecimento, um enunciado nunca seráidêntico a outro, ainda que possa ter uma materialidade repetível: sua inscrição histórica lhe confere singularidade. Gregolin (2006, p. 86), observando o enunciado como 7 Disponível em <https://www.che-fare.com/dal-web/foucault-lezioni-berkeley/>. Acesso em 04 abr. 2020. 18 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância acontecimento, afirma que, “[...] cada palavra, cada texto, por mais que se aproxime de outras palavras e textos, nunca serão idênticos”.Analisemos a seguinte materialidade da capa da Revista Forbes: Figura 2 – Capa da Revista Forbes Fonte: Forbes Brasil.8 O acontecimento discursivo se dá aqui pela presença da primeira mulher brasileira que aparece na capa de uma revista de negócios. Sabemos que o entorno profissional de negócios é quase que, exclusividade masculina. Mas, atualmente, as mulheres têm mudado essa realidade e se inserido nesse nicho de mercado. Considerar esse feito como acontecimento, considera que essa materialidade discursiva da aparição de uma mulher, visivelmente grávida, na capa de uma revista de negócios, pode ocorrer novamente, mas terão outros sentidos relacionados a ela. Da mesma forma que o aparecimento de uma mulher gestante em outras capas de revista, por exemplo, sobre moda, maternidade etc., cria outros sentidos. O aparecimento de outras mulheres grávidas em capas de revistas de negócios ou em outras revistas ou materialidades se caracterizam pela (re)atualização do dito que, no 8 Disponível em <https://www.facebook.com/ForbesBrasil/photos/a.408793352516499/2866082000120943/?type=3>. Acesso em 04 abr. 2020. 19 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância pensar de Foucault, nesse processo de (re)atualização do dito, do acontecimento que nunca serepete, mesmo o enunciado emergindo de um mesmo lugar. Foucault tem por objetivo perceber as relações que se estabelecem entre as práticas discursivas, buscando compreender, com base nas condições sócio-históricas, como determinados enunciados aparecem “[...] e não outro em seu lugar” (FOUCAULT, 2008, p. 30). Ou seja, uma mulher grávida na capa de uma revista de negócios mobiliza formações discursivas como: i) A mulher ganha menos, pois engravida; ii) Já que engravidam e ficam algum tempo fora da empresa, a gestão dos negócios não deve ser delegadas a elas e sim a um homem que não se ausentará do trabalho; iii) Mulheres com filhos sempre se ausentam do trabalho por conta das crianças; iv) Mulheres têm uma dupla jornada de trabalho, por este motivo não conseguem dedicar-se tanto como os homens. Diante de algumas das práticas discursivas que permeiam a capa da revista em questão, Foucault em sua obra a Arqueologia do Saber, elabora conceitos nucleares para compreender como esses estereótipos constituem os sujeitos. Neste capítulo, nosso objetivo foi apresentar um brevíssimo panorama de Foucault e como suas reflexões sobre as questões de saber e poder constituem os sujeitos na sociedade contemporânea. 20 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FERNANDES, Cleomar Alves. Discurso e sujeito em Michel Foucault. 1. ed. São Paulo: Intermeios,2012. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault. In: OLIVEIRA, Luciano Amaral deEstudos do discurso: perspectivas teóricas. São Paulo: Parábola, 2013. p. 123-151. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. GREGOLIN. Maria do Rosário. Michel Foucault: o discurso nas tramas da história. In: FERNANDES, C. A.; SANTOS, J. B. C. Análise do discurso: unidade e dispersão. Uberlândia: Entremeios, 2004. p. 19-42. ______. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos e duelos. 3. ed. São Carlos, 2006. 21 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. ACONTECIMENTO DISCURSIVO E ENUNCIADO Objetivo: O objetivo desta aula é apresentar dois conceitos caros à análise do Discurso. O conceito de Acontecimento Discursivo e Enunciado, que são elementos importantes para compreender os sentidos que emergem das materialidades linguísticas que circulam na sociedade. Introdução: Nesta aula, estudaremos dois conceitos chaves para a Análise do Discurso: Acontecimento Discursivo e Enunciado. Esses conceitos se ligam diretamente ao conceito de discurso e são fundamentais para compreender como os sentidos se alteram após o acontecimento. 5.1. Acontecimento Discursivo Uma das propostas presentes na obra A Arqueologia do Saber (2008) é descrever as relações existentes entre os enunciados que surgem de um mesmo terreno movediço, mas surgem reatualizados, reorganizados. Gregolin (2006, p. 88, grifo nosso) explica que: “Foucault enxerga, portanto, no enunciado, uma articulação dialética entre singularidade e repetição”. O que pressupõe um enunciado que emerge de um lugar fixo, porém não estanque e passível de repetição, um enunciado que, em contato com outros enunciados, emerge reatualizado e singular, pois a história, para Foucault, é descontínua. Assim sendo, o acontecimento discursivo é: [...] único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação; finalmente, porque está ligado não apenas a situações que o provocam, e a consequências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados que o precedem e o seguem. (FOUCAULT, 2008, p. 32). 22 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Vamos pensar em ensino a distância para compreender melhor o que é o Acontecimento Discursivo: Desde 1904 o ensino a distância existe no Brasil. Os estudantes desses cursos recebiam o material impresso em casa, estudavam, destacavam algumas lições e as enviavam pelo correio. Possivelmente, o curso mais conhecido é o Instituto Universal Brasileiro, que foi fundado em 1941, e é um dos pioneiros do ensino a distância no Brasil. Figura 1 – Publicidade do Instituto Universal Brasileiro Fonte: ABC Imaginário, 2012.9 Com os avanços dos meios de comunicação e a ampliação do acesso à internet entre os anos de 1988 e 1991, na década de 90, criaram o CEAD - Departamento Nacional de Educação a Distancia. No momento em que esse tipo de ensino é nomeado EAD, ocorre o acontecimento discursivo. Desta forma, É preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso remeter o discurso à longínqua presença da origem; é preciso tratá-lo no jogo de sua instância. Essas formas prévias de continuidade, todas essas sínteses que não problematizamos e que deixamos valer de pleno direito, é preciso, pois, mantê-las em suspenso (FOUCAULT, 2008, p. 28). 9 Disponível em <http://abcimaginario.blogspot.com/2012/05/coisas-antigas-instituto-universal.html>. Acesso em 04 abr. 2020. http://abcimaginario.blogspot.com/2012/05/coisas-antigas-instituto-universal.html 23 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O acontecimento discursivo coloca em questão a historicidade, as condições de existência e aparecimento em um determinado momento, e os sentidos dele decorrentes, observando em quais realidades ele aparece: econômica, social, cultural, política, etc. A proposta foucaultiana busca “[...] determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites de forma mais justa, de estabelecer suas correlações com outros enunciados a que pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação ele exclui” (FOUCAULT, 2008, p. 31). O acontecimento se caracteriza como um “conjunto sempre finito e efetivamentelimitado das únicas sequências linguísticas que tenham sido formuladas: elas bem podem ser inumeráveis e podem, por sua massa, ultrapassar toda capacidade de registro, de memória” (FOUCAULT, 2008, p. 30). Ou seja, a emergência do enunciado, o aparecimento deste ou de outro enunciado é o que constitui o acontecimento.Isso responde as questões que Foucault (2008, p. 30) coloca: “[...] como apareceu um determinado enunciado, e não outro em seu lugar?”, “[...] que singular existência é esta que vem à tona no que se diz e em nenhuma outra parte?” (FOUCAULT, 2008, p. 31). Essas considerações para o acontecimento nos são importantes para a análise do nosso objeto de estudo porque consideramos que a construção do sujeito se dá pela inscrição histórica dos enunciados materializados na linguagem. Ao compreender o discurso como um acontecimento e ao compreender o acontecimento ligado ao enunciado, sua existência será sempre singular, pois o acontecimento se dá de forma dialógica, porém, nunca repetível. O acontecimento discursivo [...] é único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação; finalmente, porque está ligado não apenas a situações que o provocam, e a consequências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados que o precedem e o seguem (FOUCAULT, 2008, p. 32). 24 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O acontecimento discursivo é o elemento que, na Análise do Discurso, abre as portas para a compreensão, junto com outros elementos propostos por Foucault (2008) dos discursos e das relações que existem entre um enunciado e outro ao qual ele está ligado. O surgimento dos enunciados como acontecimentos está ligado historicamente a uma realidade que o articula e à dispersão. 5.2. Enunciado Foucault (2008, p. 90), em algumas de suas definições, conceitua o discurso como um “[...] domínio geral de todos os enunciados”, “[...] grupo individualizável de enunciados”, uma “[...] prática regulamentada dando conta de um certo número de enunciados” ou discurso como “[...] número limitado de enunciados para os quais podemos definir, um conjunto de condições de existência” (FOUCAULT, 2008, p. 132- 133). Desse modo, compreendemos que o que podemos denominar por discurso se inscreve como uma prática discursiva, um conjunto mais ou menos limitado de dizeres, que obedece a determinado conjunto de condições de existência. Como parte primordial do discurso, o enunciado é sua unidade: “[...] como um grão que aparece na superfície de um tecido de que é elemento constituinte; como um átomo do discurso” (FOUCAULT, 2008, p. 90). É pelo enunciado que o analista observa a materialidade de um discurso. Ao conceituar o enunciado, Foucault (2008) o faz partindo da diferenciação doselementos com os quais se pode, unicamente, confundi-lo, como a frase, a proposição e o ato de fala. Porém, reforça que, apesar da proximidade, o enunciado não se apresenta como nenhum deles, pois: O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase, proposição ou ato de linguagem; não se apoia nos mesmos critérios [...] ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço (FOUCAULT, 2008, p. 97-98). Definir o enunciado pelo que ele não é unicamente, é um modo de conferir-lhe umestatuto analítico consistente: o enunciado é uma função que vai além das estruturas linguísticas. Desse modo, compreendemos que uma imagem também pode ser um 25 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância enunciado ou um elemento de um enunciado que se constrói de modo sincrético (verbo e imagem), já que, pensar com Foucault que o enunciado não é somente uma frase, uma proposição ou ato de fala, é pensar que ele se conceitua para além da frase (enquanto unidade estrutural da linguagem), ainda que, em sua materialidade, possamos encontrá- la. Do mesmo modo, a imagem só pode ser entendida como enunciado a partir do momento em que ela se inscreve na história e da maneira como é apresentada: Pensar que a imagem caracteriza-se por uma significação simbólica possibilita um novo olhar para a análise da imagem em uma abordagem discursiva: a composição da imagem [...] se faz por meio de elementos principais e secundários que formam um “todo” [...]. É pela desconstrução desse todo que será possível observar elementos composicionais que acionam efeitos de sentido que podem ser sustentados pelo verbo dentro do enunciado sincrético (MANZANO, 2014, p. 15, grifo da autora). A partir desta compreensão sobre o que é enunciado, conseguimos analisar o nosso objeto de estudo. Nas materialidades sincréticas, por exemplo, aquelas que são constituídas por imagem e pelo verbal, o verbo e imagem atuam na produção dos efeitos de sentido.Foucault (2008, p. 98, grifo do autor) explica, ainda, que o enunciado: Mais que um elemento entre outros, mais que um recorte demarcável em um certo nível de análise, trata-se, antes, de uma função que se exerce verticalmente, em relação às diversas unidades, e que permite dizer, a propósito de uma série de signos, se elas estão aí presentes ou não [...] é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). O enunciado, então, transcende a frase, a proposição e o ato de fala. Ele “[...] é sempre um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente” (FOUCAULT, 2008, p. 31). Ele é constituído por palavras, signos, imagens, ou seja, pode ser apresentado de forma verbal, imagética ou sincrética, porém, o que interessa não é sua condição linguística e sim sua condição de enunciado, pois “[...] entre o enunciado e o que ele enuncia não há apenas relação gramatical, lógica ou semântica; há uma relação que envolve os sujeitos, que passa pela História, que envolve a própria materialidade do enunciado” (GREGOLIN, 2006, p. 89- 90). Os enunciados têm suas condições de emergência na sociedade, na história e nasinstituições. As regras de aparecimento e transformação dos saberes produzidos por um sujeito em um lugar institucional que o legitima, determinam as condições de existência de um determinado enunciado. Ou seja, os enunciados emergem em um 26 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância determinado espaço social, de acordo com o contexto histórico e as regras socialmente instituídas. “O enunciado [...] é sempre produto de relações sociais, de consensos e dos conflitos que ocorrem na história e que se materializam de modo privilegiado na linguagem” (PIOVEZANI; CURCINO; SARGENTINI, 2014, p. 08-09). Estando a irrupção dos enunciados ligada ao contexto sócio-histórico e institucional é possível observar em que condições de emergência o enunciado se realiza e coloca em jogo os saberes e os poderes. Os enunciados estão sujeitos ainda às condições de existência e às regras de aparição e transformação dos saberes na sociedade. Esses saberes são produzidos por um sujeito que, de dentro de um lugar institucional e cerceado por regras sócio-históricas, legitima-se para usar e colocar em circulação determinados dizeres. Figura 2 – Cursos EAD Unisanta Fonte: Universidade Santa Cecília, 2019.10 Os enunciados acima são um exemplo disso, na Figura 2: “Conheça os cursos EAD UNISANTA, com duração de 2 anos” e de fundo a linguagem visual mostrando um computador, um caderno e canetas em um ambiente organizado, transmitindo tranquilidade. Vejam os conhecimentos que são postos em circulação: a) A linguagem imagética cria efeitos de sentido de tranquilidade, paz, silêncio e organização tão necessários para os estudos, muitas vezes diferentes do ambiente escolar que por sua natureza é ruidoso; b) A EAD já pressupõe que se estude em um lugarescolhido pelo estudante, no conforto de sua casa ou em outro lugar de sua escolha; c) Os dizeres “Conheça os cursos EAD UNISANTA, com duração de 2 anos” nos remetem além da praticidade que a EAD nos proporciona, ainda 10Disponível em <https://noticias.unisanta.br/blog-unisanta/conheca-os-cursos-ead-unisanta-com-duracao-de-2-anos>. Acesso em 04 abr. 2020. https://noticias.unisanta.br/blog-unisanta/conheca-os-cursos-ead-unisanta-com-duracao-de-2-anos 27 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância um uso apropriado do tempo, o que demanda menos tempo para concluir o curso; d) E a ausência de uma pessoa na imagem, pressupondo que o espaço do estudante está reservado a quem está lendo a mensagem junto ao verbal que diz “Conheça os cursos EAD...” dá essa ideia de que o leitor precisa se inserir nesse contexto que é social, cultural, econômico, histórico etc. Analisando mais especificamente percebemos que muitos outros saberes são postos em circulação através dos enunciados que são produtos de uma produção institucionalizada (UNISANTA) que, cerceada por regras sócio- históricas (o boom da EAD no Brasil, a democratização do ensino superior, a vida agitada das pessoas que não conseguem acompanhar um curso presencial etc.) além de algumas outras questões, legitimam essa instituição a colocar esses saberes em circulação. Percebemos que em um simples cartaz de divulgação de cursos EAD, diversos enunciados colocam alguns saberes em circulação na sociedade. Se, de acordo com Foucault (2008, p. 112) “[...] não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências”. A História é o lugar de produção de sentidos e o papel da memória é imprescindível neste processo, já que “[...] não há enunciado que, de uma forma ou de outra, não reatualize outros enunciados” (FOUCAULT, 2008, p. 111), que estão dispersos no tempo e no espaço. Os conceitos presentes nessa aula são muito importantes para a Análise do Discurso. Compreendemos que o acontecimento discursivo ocorre quando nomeamos algo, quando caracterizamos alguma coisa. No exemplo da educação a distância, ela já existia, mas só se tornou acontecimento discursivo quando atribuímos um nome ao fato, ou seja, Educação a Distância. O enunciado, por sua vez, é um conjunto de dizeres que juntos, compreendem as práticas discursivas. O enunciado é uma pequena unidade de onde analisamos o discurso. Pensemos nos enunciados que circulam na sociedade sobre a EAD: facilidade de concluir um curso superior, as pessoas podem estudar quando e onde desejarem, é mais econômico, pois não existe deslocamento, o aluno estuda na tranquilidade e conforto do seu lar etc. 28 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos e duelos. 3. ed. São Carlos: Claraluz, 2006. MANZANO, Luciana Carmona Garcia. A ordem do olhar: sentidos da imagem no discurso político televisivo brasileiro. 2014. 216f. Tese (Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos (SP). Disponível em:<https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/5635/5882.pdf?sequen ce=1&isAllowed=y>. Acesso em: 10 out. 2015. PIOVEZANI, Carlos; CURCINO, Luzmara; SARGENTINI, Vanice. Presenças de Foucault na análise do discurso. São Carlos: EdUFSCar, 2014. 29 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. FORMAÇÃO DISCURSIVA, PRÁTICA DISCURSIVA E ARQUIVO Objetivo: O objetivo desta aula é estudar mais três importantes conceitos da Análise do Discurso: a Formação Discursiva, a Prática Discursiva e o Arquivo. Introdução: Nesta aula, estudaremos outros três conceitos chave para a Análise do Discurso: os conceitos de Formação Discursiva, de Prática Discursiva e de Arquivo. Esses conceitos se ligam diretamente ao conceito de discurso e são fundamentais para compreender como os sentidos se alteram após o acontecimento. 6.1. Formação Discursiva Para Foucault (2008, p. 43, grifo do autor): No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva. A regularidade dos enunciados determina a existência de uma formação discursiva (FD) e, na medida em que esses enunciados se apoiam em uma formação discursiva (FD) podemos dizer que se trata de um discurso. Uma FD é um conjunto de enunciados que, em sua emergência, são passíveis de ordenação e correlação de modo regular. Segundo Foucault (2008, p. 135), “[...] um enunciado pertence a uma formação discursiva, como uma frase pertence a um texto, e uma proposição a um conjunto dedutivo”. Reconhecer uma FD em um discurso é reconhecer grupos de enunciados que mantêm uma relação entre si. A ordem do discurso opera uma seleção do dizer: uma interdição. Essa interdição se apoia na história e nas instituições que determinam o que deve ou não ser dito, pois “[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos” (FOUCAULT, 2013, p. 08). 30 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Essa regularidade dos enunciados, que acabam por compor uma formação discursiva, está ligada a uma base histórica e institucional de onde advêm as leis do que pode ou não ser dito em um determinado momento e lugar. Assim, o analista pode encontrar regularidades de existência para os enunciados. 6.2. Prática Discursiva Dentro de suas reflexões sobre o discurso presentes n’A Arqueologia do saber, naspalavras de Foucault (2008, p. 133), o discurso é um: [...] fragmento de história, unidade edescontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplicidades do tempo. A partir da observação do discurso como estrato histórico, é possível investigar as condições de emergência ou condições que tornam possível o dizer, de acordo com os procedimentos que organizam e determinam o que pode e o que deve ser dito: pode-se investigar, por exemplo, o lugar institucional de onde emergem esses discursos e analisá- los, a partir dos procedimentos de organização e determinação. Compreender esta questão nos auxilia a apreender nosso objeto de estudo como uma produção organizada dentro de condições que obedecem ao lugar do qual ele irrompe como discurso. Assim, amparados pelas reflexões de Foucault (2013) compreendemos que os discursos que circulam na sociedade não são livres, e que a produção do discurso é regulamentada, selecionada e sistematizada de modo a circular de acordo com certos procedimentos. As condições sócio-históricas e as instituições regulam os discursos de forma a possibilitar ou interditar seu aparecimento na sociedade, definindo o que pode ou não ser dito em determinado momento e lugar. O exercício desses discursos, ou seja, a prática discursiva, de igual maneira, é coibida a partir das interdições sócio-históricas e institucionais que determinam o dizer na sociedade e se caracteriza como “[...] o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico [...] toda prática discursiva pode definir-sepelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2008, p. 204). O contato de diferentes objetos presentes em diferentes discursos constitui as práticas discursivas que acabam por formar, na sociedade, um determinado saber. Os 31 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância discursos “são práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam”, porém, não é uma simples formulação de frases, pensamentos ou ideias que se colam a outros discursos formando um saber sobre o objeto, mas a forma como esses dizeres são enunciados e quais posições assumem em relação ao objeto. É integrando-se ao que já foi dito, que formam um saber. Segundo Foucault (2008, p. 133), a prática discursiva se caracteriza como: [...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. De acordo com Foucault (2008), um saber é o que se pode dizer em uma práticadiscursiva, este por sua vez, é o espaço em que o sujeito pode posicionar-se para dizer os objetos do seu discurso, é um campo de organização dos enunciados, é o lugar onde eles (os enunciados) aparecem, se definem e se transformam ou se atualizam. Além disso, o saber também se constitui ao definir possibilidades de utilização e de apropriação do discurso. 6.3. Arquivo Enquanto o enunciado é compreendido por Foucault como o segmento mais elementar do discurso, o arquivo, por incluir o enunciado, a formação discursiva, a prática discursiva e, consequentemente, o discurso, é a porção mais ampla. O arquivo é, portanto, “[...] a lei do que pode ser dito” (FOUCAULT, 2008, p. 147), e é composto por dois sistemas: o de enunciabilidade e o de funcionabilidade. Para Foucault, o conceito de arquivo é o que dá suporte a toda sua descrição arqueológica, mas é preciso compreender, quando ele afirma que se trata de uma lei do que pode ser dito, que essa definição não encerra em si uma concepção de acúmulo ou unificação, como, por exemplo, a ideia de que uma cultura pudesse ter guardado em seu poder todos os textos que lhe coubessem a autoria ou, ainda, a noção de que as instituições tivessem um registro dos discursos a serem disponibilizados para um futuro. Não há como descrever o arquivo em sua totalidade. Para o autor, o arquivo é o “[...] sistema geral da formação e da transformação dos enunciados” (FOUCAULT, 2008, p. 148). 32 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O arquivo só pode ser analisado a partir dos discursos e, assim como eles, também é constituído na e pela história. Desse modo, é a partir da leitura/análise dos discursos em sua irrupção histórica, dentro do que Foucault considera conceitualmente o arquivo, que se podem observar a inscrição dos discursos em determinados lugares e seus deslizamentos, surgimentos, dispersões e até interdições. O sistema de enunciabilidade determina o que pode efetivamente ser enunciado, é o sistema que “[...] rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”(FOUCAULT, 2008, p. 147) e que o teórico define como lei do dizível, a lei que define o que pode ou não ser dito, a lei que regula o aparecimento e o apagamento do dito na sociedade. Dentro desse processo de regulação do dizer, o arquivo organiza as coisas ditas em uma regularidade. Segundo Foucault (2008, p. 147), o arquivo é: [...] o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras, segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas. O arquivo, então, não é um lugar onde se conservam documentos para a posteridade, para eventualmente constatar uma teoria, uma tese. O arquivo é o lugar que ampara os enunciados que passaram pelo “[...] sistema de formação e transformação dos enunciados” (FOUCAULT, 2008, p. 148), isto é, os enunciados que passaram pela regulação do dito e os que se transformaram, criando novos enunciados, e que compreendem o próximo sistema: o sistema de funcionabilidade. O sistema de funcionabilidade compreende o arquivo como um conjunto de discursos que se unem permitindo o “[...] milagre da eventual ressurreição; [o arquivo] define o modo de atualidade do enunciado” (FOUCAULT, 2008, p. 147). Ele permite que os enunciados se reatualizem segundo suas configurações. Os discursos que foram efetivamente pronunciados em uma dada época e que permanecem existindo através da história constituem um arquivo. 33 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Observados os dois sistemas, o de enunciabilidade e o de funcionabilidade, de que é formado o arquivo, compreendemos que o arquivo viabiliza a formação de um espaço em que entram em contato as regras de enunciabilidade e a transformação desses enunciados, o que permite sua permanência e existência ao longo do tempo. O movimento dos discursos que circulam na sociedade foi apresentado nessa aula por três conceitos importantes. O conceito de Formação Discursiva diz respeito a um número de enunciados que, inscritos na mesma regularidade, ou seja, aquilo que se repete, compreende uma formação discursiva. A enunciação, ou seja, a prática dos discursos que circulam na sociedade é controlada, já que não se pode dizer qualquer coisa em qualquer lugar e qualquer tempo, pois o discurso é controlado. Dentro desse dizer na sociedade, o arquivo é o sistema de formação e transformação dos enunciados. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. ______. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2013. 34 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. O DISCURSO Objetivo: O objetivo desta aula é aprofundar o conceito de Discurso, que é o objeto da Análise do Discurso. Introdução: No senso comum discurso é uma mensagem proferida em público como um discurso político, um discurso de formatura, um discurso de posse, de despedida etc. Para o profissional de letras o discurso é uma construção linguística que se materializa no texto. Atrelado a essa construção linguística está o contexto social em que os textos são produzidos. Neste contexto, nesta aula vamos estudar um pouco do conceito de discurso de acordo com Foucault e com Pêcheux. 7.1. Discurso Antes de falarmos de Discurso, vamos iniciar esta aula observando atentamente a materialidade abaixo? Figura 1 – SOS Mata Atlântica Fonte: Agência Envolverde, 2017.11 11 Disponível em <https://envolverde.cartacapital.com.br/sos-mata-atlantica-reune-secretarios-estaduais-de-meio-ambiente/>. Acesso em 05 abr. 2020. https://envolverde.cartacapital.com.br/sos-mata-atlantica-reune-secretarios-estaduais-de-meio-ambiente/ 35 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Esta materialidade linguística trata-se de uma peça publicitária do SOS Mata Atlântica que tem por objetivo principal defender e conservar o patrimônio natural e histórico da Mata Atlântica. A materialidade da peça publicitária está constituída de linguagem sincrética. O imagético apresenta duas árvores, com copas grandes e muito verdes desenhadas em formato de dois pulmões e o verbal apresenta os seguintes dizeres: “Quer continuar a respirar? Comece a preservar”. O discurso que emerge dessa materialidade é um discurso em defesa do meio ambiente, em defesa da preservação da natureza como condição para a continuidade da vida humanana terra. Assim como todo texto, a publicidade da SOS Mata Atlântica é uma unidade de sentido. Ele é um objeto linguístico e histórico, que tem relação com outros textos já existentes, possíveis ou imaginários e com as condições de produção do discurso. Foucault, ao tratar do Discurso, n’A Arqueologia do saber, nos leva a compreender que o enunciado e o discurso têm uma estreita relação: sempre que se toca em um, esbarra-se no outro. O discurso está sempre relacionado à concepção de enunciado, isso se dá porque o enunciado faz parte ou compreende a massa de que está formado o discurso. Assim sendo, para Foucault (2008), o discurso se refere a um conjunto de enunciados inscritos em um mesmo campo do saber, como explica: “[...] chamaremos de discurso um conjunto de enunciados que se apoiem na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2008, p. 132). Para que o discurso exista ele precisa do enunciado que, por sua vez, está obrigatoriamente relacionado a uma formação discursiva correspondente, isto é, existe uma relação de dependência constitutiva entre os três conceitos (discurso – enunciado – formação discursiva). Quando retomamos à peça publicitária da SOS Mata Atlântica, percebemos que não somente o verbal se caracteriza como enunciado, mas também o imagético, que dá conta de criar os sentidos que a fundação deseja, ou seja, que a natureza é fundamental para nossa existência na Terra. 36 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Para Gregolin (2006, p. 95, grifo do autor), “[...] o conceito foucaultiano de discurso pressupõe,necessariamente, a ideia de “prática””, de modo que, analisar o discurso sob as reflexões de Foucault é analisar prática(s) discursiva(s). A metodologia de observação das práticasdiscursivas, proposta pelo autor, pretende verificar como se formam os objetos em seu interior, quando a língua e outras práticas do campo social entram em contato. Por prática discursiva se compreende, na arqueologia “[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço” [que, em contato com práticas] “[...] da área social, econômica, geográfica ou linguística” (FOUCAULT, 2008, p. 133) fazem emergir novos objetos. Quando observamos, no corpus selecionado, enunciados como “Quer continuar a respirar? Comece a preservar” é possível compreender que essa é a prática discursiva da SOS Mata Atlântica, ou seja, o lugar de produção desse discurso é um lugar institucional. Esta compreensão se dá porque, historicamente, reconhecemos que há um modo de enunciar próprio desse lugar institucional, que faz circular saberes, faz emergir objetos específicos de dizer e os coloca em circulação. Verifiquemos ao seguinte texto: Chega de destruir a Amazônia Ajude a frear o desmatamento da nossa floresta Mais de 1 bilhão de árvores tombaram na Amazônia nos últimos meses (considerando 1.500 árvores por hectare). Entre agosto de 2017 e julho de 2018, a floresta perdeu 7.900 km2 por causa do desmatamento ilegal. Para se ter uma ideia, isso representa o mesmo que 987 mil campos de futebol, ou então 5,2 vezes a cidade de São Paulo, a maior do Brasil. Esses números refletem uma triste realidade. De um ano para o outro, o aumento do desmatamento foi de 13,7%. Não podemos mais permitir que a derrubada de nossa floresta aumente. É tempo de cobrar do nosso governo ações que protejam a floresta e sua rica biodiversidade. A destruição da Amazônia tem que acabar. O problema – O desmatamento da Amazônia voltou a subir. Entre agosto de 2017 e julho de 2018, perdemos 7.900 km2, ou cerca de 1,18 bilhão de árvores. A floresta amazônica é a maior floresta tropical do mundo e perder sua vegetação significa perder sua rica biodiversidade. Também significa aumentar a emissão de gases de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. O governo está falhando em proteger nossa floresta. 37 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A solução – O fim do desmatamento no Brasil é factível e necessário para o futuro do país. Desde 2015, está em discussão no Congresso Nacional uma proposta de lei de iniciativa popular para dar fim a este problema no país. Está nas mãos dos congressistas assumir o compromisso pela preservação de nossos recursos naturais. Vamos mostrar que queremos um Brasil sem desmatamento para essa e para as futuras gerações (GREENPEACE, online). Do Greenpeace emerge um discurso institucional em defesa do meio ambiente. A instituição que trabalha em defesa da fauna e da flora mundial está legitimada a colocar em circulação e a falar sobre determinados assuntos referentes ao desmatamento. Com base em pesquisas, números, ou seja, ancorado em pesquisas e levantamento de dados, evidencia a ilegalidade do desmatamento, assim como a ausência de gestão dos desmatamentos por parte dos governos. Diante dos saberes postos em circulação, o discurso se volta a criar efeitos de sentido de pertencimento em relação à preservação de nossas florestas e responsabilização,ao convocar todos a defender a natureza quando discursiviza que “é tempo de cobrar do nosso governo ações que protejam a floresta e sua rica biodiversidade”. Reconhecendo o lugar institucional de que provêm os dizeres, debruçamo-nos analiticamente sobre os sentidos que circulam a partir dessa legitimação. Assim, o discurso: [...] é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência [...] é de parte a parte histórico- fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade. (FOUCAULT, 2008, p. 132-133). O discurso é história e, segundo Fernandes (2012), é nela que os objetos do discurso encontram o lugar e as leis de sua emergência. Por estarem ancorados na descontinuidade, na dispersão histórica, estão, ao mesmo tempo, em constante formação. Discurso é o enunciado ou texto produzido em uma situação de enunciação e determinado pelas condições históricas e sociais. Dicionário CEALE 38 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FERNANDES, Cleomar Alves. Discurso e sujeito em Michel Foucault. 1. ed. São Paulo: Intermeios, 2012. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. GLOSSÁRIO CEALE – Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/discurso>. Acesso em 20 mar. 2020. GREENPEACE. Chega de destruir a Amazônia – Ajude a frear o desmatamento da nossa floresta Disponível em <https://www.greenpeace.org/brasil/participe/vamos-zerar-o-desmatamento- no-brasil/>. Acesso 29 mar. 2020. GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos e duelos. 3. ed. São Carlos: Claraluz, 2006. http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/discurso https://www.greenpeace.org/brasil/participe/vamos-zerar-o-desmatamento-no-brasil/ https://www.greenpeace.org/brasil/participe/vamos-zerar-o-desmatamento-no-brasil/ 39 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO Objetivo: O objetivo desta aula é mostrar como os discursos que circulam,guiam a adoção de práticas sociais e linguísticas na sociedade. Introdução: Esta aula parte do pressuposto de que é na linguagem que os sujeitos se constituem. 8.1. O Sujeito Foucault (1995, p. 231) inicia o seu texto O sujeito e o poder explicando que o foco de seus trabalhos sempre esteve no sujeito e que seu objetivo “[...] foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanostornam-se sujeitos”. Fernandes (2012, p. 52), afirma que o autor se mostra “[...] interessado em proceder a uma análise visando a explicitar a constituição do sujeito pelos discursos, na trama da história”. O sujeito, desse modo, é histórico, produzido em diferentes períodos históricos, constituído de formas diferentes ao longo do tempo, ou, dizendo de outro modo, o sujeito é produto de uma determinada época. Pensemos na forma de se vestir dos homens ao longo da história. Em cada época, discursos determinaram como o homem deveria se vestir: 40 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 1 – E evolução da roupa masculina Fonte: Samantha Mahawasala, 2015.12 Observe que a forma de se vestir na corte francesa do século XVIII, quando os homens usavam salto alto, maquiagem e perucas, foi se alterando ao longo do tempo, ou seja, os discursos que circulam na sociedade vão constituindo os sujeitos na sociedade. Sendo produto do processo histórico e constituído pelos discursos de determinada época, compreendemos que o sujeito se constrói no e pelo discurso, já que o discurso também é histórico e: [...] é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência [...] é de parte a parte histórico– fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade (FOUCAULT, 2008, p. 132-133). Da mesma forma que o discurso, que constitui os sujeitos na história, o sujeito está inserido em uma movência, está sujeito a alterações e modificações. O sujeito constituído por estes discursos na sociedade está igualmente em constante movimento em seu processo de constituição, assim, para cada situação e momento histórico, os discursos produzem sujeitos distintos. 12 Disponível em <https://fashionbubbles.com/homem/cem-anos-de-moda-masculina-em-tres-minutos/>. Acesso em 05 abr. 2020. https://fashionbubbles.com/homem/cem-anos-de-moda-masculina-em-tres-minutos/ 41 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O sujeito é produzido, então, nas relações discursivas em que ele é inserido. Isto é, de acordo com o conjunto de enunciados que emergem dentro de determinada situação enunciativa. Para Gregolin (2006, p. 92), “[...] o que torna uma frase em um enunciado é o fato de podermos assinalar-lhe uma posição de sujeito”, o que confere a importância da relação entre sujeito e discurso. Portanto, compreender a noção de posição de sujeito, nos ajuda a desfazer-nos da ideia de um sujeito empírico que fala (ainda que não se desconsidere a existência deste sujeito concreto) e apreender que o sujeito do discurso se inscreve na instância do próprio discurso. Ou seja, o sujeito: É um lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes; mas esse lugar, em vez de ser definido de uma vez por todas e de se manter uniforme ao longo de um texto, de um livro ou de uma obra, varia – ou melhor, é variável o bastante para poder continuar, idêntico a si mesmo, através de várias frases, bem como para se modificar a cada uma (FOUCAULT, 2008, p. 107). Para Foucault (2008), o discurso é um conjunto limitado de enunciados e o estatuto de enunciado se dá com a atribuição de um sujeito que ocupe o lugar de sujeito do enunciado – não há enunciado sem sujeito. Esse sujeito se apresenta de acordo com o domínio de objetos específicos e do conjunto de proposições que compõem o campo específico do enunciado, pois não se “[...] entra na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for qualificado para fazê-lo” (FOUCAULT, 2013, p. 35). Assim sendo o sujeito não é um dado que existe antes e fora do discurso, pois é o discurso que o constrói. O sujeito não é dado a priori, ele é o produto dos discursos e, como os discursos estão em constante movência, o sujeito está em constante alteração. 8.2. Processos de Constituição dos Sujeitos Retomando o texto O sujeito e o poder, Foucault (1995) afirma que o objetivo central de suas pesquisas foi criar uma história de como os indivíduos se tornam sujeitos. Procurou então demonstrar como um indivíduo se constitui em sujeito a partir de dois processos: o de objetivação, que diz respeito ao(s) modo(s) como o sujeito se torna, historicamente, objeto de conhecimento; e o de subjetivação, que trata do modo como o próprio indivíduo se reconhece sujeito de um dado conhecimento. Esses dois processos funcionam conjuntamente, de modo integrado e dependente. Eles constituem “[...] procedimentos que concorrem conjuntamente na constituição do indivíduo” (FONSECA, 2011, p. 28). O processo constitutivo dos sujeitos, de acordo com 42 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Fernandes (2012, p. 74), se dá “[...] pela produção de subjetividade que possibilita, em acepção foucaultiana, a objetivação dos sujeitos”. Dos três modos de objetivação de que trata o autor (o estatuto científico, as relações de produção e a objetivação como ser biológico), interessa-nos observar mais atentamente a objetivação do sujeito produtivo, “[...] do sujeito que trabalha na análise das riquezas e na economia” (FOUCAULT, 1995, p. 231). Ou seja, o indivíduo, quando passa a fazer parte das relações de produção e de significação, constitui-se sujeito. Neste contexto, observando a constituição do sujeito que trabalha na produção de riquezas explica que o olhar histórico e a análise da teoria econômica lhe forneceram dados para observar a constituição do sujeito pelas relações de produção. Os processos constitutivos que nos interessam como analistas do discurso são o(s) modo(s) pelo(s)qual(is) o indivíduo torna-se sujeito nos diferentes campos do saber, ou seja, sob que efeitos da ação social e política sobre o indivíduo, ele se constitui sujeito. Coracini (2009, p. 30), explica que: “[...] a subjetividade é o produto de dispositivos colocados em prática, de agenciamentos [...] que dão lugar a um eu inserido num dado momento histórico-social”. As subjetividades apoiadas nas coerções sociais de um determinado tempo criam noindivíduo uma necessidade inconsciente de aderência a um determinado discurso, levando-o a assumir-se como sujeito legítimo de determinadas práticas discursivas e sociais. O indivíduo, ao assumir uma identidade como sendo sua, se objetiva, ou seja, se torna objeto de um saber, um sujeito de saber. Os enunciados que compõem os discursos, circulam na sociedade de forma a contribuir com os processos de subjetivação do sujeito. Para Foucault (2008, p. 118-119), “[...] o enunciado, ao mesmo tempo em que surge em sua materialidade, aparece como um status, entra em redes, se coloca em campos de utilização, se oferece às transferências e às modificações possíveis, se integra em operações, em estratégias onde sua identidade se mantém ou se apaga”. Quando da constituição do sujeito, nos processos disciplinares que buscam tornar o homem dócil e útil economicamente, é por meio dos enunciados que se podem reconhecer as práticas discursivas que constroem esse sujeito na sociedade. 43 Análise do Discurso Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito;(BENVENISTE, 1991, p.288), ou seja, ele se constitui de acordo com os discursos que circulam na sociedade e que de uma forma ou de outra ditam procedimentos e práticas sociais e linguísticas a serem seguidas. BENVENISTE, E. Da subjetividade na linguagem. Problemas de Linguística Geral. 3. ed. São Paulo: Pontes, 1991. CORACINI, Maria José. Discurso, sujeito e subjetividade.
Compartilhar