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Crimes contra a paz pública, fé e administração pública Prof.ª Luciana Costa Fernandes false Descrição Aspectos teóricos e práticos envolvendo os crimes em espécie de “associação criminosa” e “constituição de milícia”; crimes de falso; crimes contra a Administração Pública e a administração da justiça. Propósito Os crimes deste módulo integram importante parte do ordenamento jurídico penal, sendo fundamental que se conheçam as espécies e os elementos dos tipos penais, e que se reflita sobre o que estrutura esses delitos. Preparação Antes de iniciar este tema, tenha em mãos a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), o Código Penal (CP) e as leis penais extravagantes indicadas. Objetivos Módulo 1 Associação criminosa e constituição de milícia privada Reconhecer os conceitos e os aspectos dos crimes contra a paz pública. Módulo 2 Falsidade Distinguir os crimes de falso. Módulo 3 Crimes praticados por funcionário público e particular contra a Administração Pública Avaliar as características dos crimes praticados por funcionário público e particular contra a Administração Pública. Módulo 4 Crimes contra a administração da justiça Analisar os crimes contra a Administração Pública e a administração da justiça. Os delitos em espécie deste tema violam bens jurídicos de distinta relevância. Enquanto os crimes de associação criminosa e Introdução 1 - Associação criminosa e constituição de milícia privada Ao �nal deste módulo você será capaz de reconhecer os conceitos e os aspectos dos crimes contra a paz pública. Os dois crimes que veremos neste módulo são os principais do Título IX, “Dos crimes contra a paz pública”, do CP. Podemos entender esse bem jurídico, para fins de responsabilização criminal, como sinônimo da ordem pública (PRADO, 2019, p. 1776), e qualificar como “sujeito passivo” dos dois ilícitos a coletividade, sendo “crimes vagos”. Ambos são dolosos, processados mediante ação penal pública incondicionada e foram recentemente reposicionados em nosso constituição de milícia privada estão situados no título que, em tese, tutela a paz pública, os crimes de falso atingem a fé pública, e os crimes contra a Administração Pública e a administração da justiça tutelam a estrutura jurídico-normativa do Estado em variados níveis de secção. Assim, é importante conhecer os aspectos gerais das infrações penais de cada um dos módulos e se ater às relevantes discussões que vêm sendo travadas no que se refere à incidência prática e ao contexto de emergência político-cultural de repressão contra alguns deles. Nesse sentido, chamamos a atenção para que cada pessoa que os esteja estudando expanda o espaço de conhecimento sobre múltiplos temas que convocam e implique-se nas discussões político-conjunturais que passam a demandar. ordenamento jurídico. Antes da Lei nº 12.850/2013, o crime de “associação criminosa”, então conhecido como crime de “quadrilha ou bando”, tinha outros elementos essenciais — como o número mínimo de integrantes, que antes era de quatro pessoas, e a exasperação da modalidade qualificada, que antes era em dobro, necessariamente —, e a “Constituição de milícia privada” sequer existia, tendo sido incluída pela Lei nº 12.720/2012. Passemos, então, a conhecer cada qual separadamente. Associação criminosa (art. 288 do CP) Associação criminosa Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes discorre sobre o tipo penal da associação criminosa. Trata-se de crime comissivo, que tem a forma livre e cuja pena prevista é de reclusão, de um a três anos. Além disso, é comum — podendo ser cometido por qualquer pessoa, sem que delas se exijam qualquer condição particular — e de concurso necessário ou plurilateral. Nos termos do art. 288 do CP, para incorrer em suas penas, é necessário comprovar que no mínimo três pessoas estavam associadas com a finalidade específica de cometer crimes, excluídos as contravenções e os atos sem relevância criminal. Comentário Isso quer dizer que cabe à acusação a demonstração de que havia pelo menos três pessoas unidas com estabilidade e permanência, com um animus definitivo de integrar aquele corpo coletivo, e agrupadas para fins de praticar indeterminadamente crimes. É fundamental, nesse sentido, que haja o ajuste prévio entre os membros, mesmo sem haver uma delimitada organização entre os integrantes. Dessas condições, extraem-se importantes distinções entre esse delito e o instituto do “concurso de agentes”. Neste, diferentemente do crime em espécie que estamos estudando, a pluralidade de autores está reunida com a finalidade de praticar delito(s) específico(s), de forma ocasional e transitória. Já no art. 288 do CP, temos um conjunto de membros que estão agrupados de maneira estável, ainda que sem hierarquia, para a prática de vários ilícitos penais (NUCCI, 2020, p. 1356). A pessoa pode estar na associação, mesmo sem que conheça pessoalmente todos os seus demais integrantes, mas deve ter conhecimento de que a pluralidade existe de modo duradouro, assim como deve estar informada e aderir às finalidades criminosas de seus integrantes. Trata-se de delito permanente, sendo inadmissível a tentativa por impossível fracionamento do iter criminis (crime unissubsistente) e de perigo abstrato, já que dispensa que algum crime orquestrado efetivamente se consume, sendo relevante apenas a perpetração deles. Saiba mais Inclusive, quando houver o delito desejado, apenas o integrante que concorrer para sua efetivação responde, em concurso material, pelo crime de associação criminosa. A depender dos crimes objetivados pela associação, são possíveis o afastamento do tipo do CP e a incidência de lei especial, como é o caso do art. 2º da Lei nº 2.889/1956, para a hipótese de a organização objetivar a prática do genocídio; e do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, em se tratando de delitos de drogas, devendo-se atentar para os elementos necessários para esses delitos, nos termos da legislação em particular. Além disso, a lei que atribuiu nova redação a esse crime, Lei nº 12.850/2013, trabalha, em seu art. 1º, com um conceito de “organização criminosa” para fins da própria lei, havendo um maior rigor quanto ao número mínimo de integrantes e devendo tratar-se de estrutura com maior complexidade do que a incriminada pelo art. 288 do CP. O parágrafo único desse dispositivo estabelece as causas especiais de aumento de pena, que podem elevar a pena até a metade, sendo elas: Se a associação for armada ou; Se houver a participação de criança ou adolescente. Saiba mais Ademais, o art. 8º da Lei nº 8.072/1990 prevê modalidade qualificada, quando a associação tiver a intenção de praticar “crimes hediondos, prática da tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”. Constituição de milícia privada (art. 288-A do CP) Como trouxemos na introdução, esse delito foi inserido pela Lei nº 12.720/2012, que atentava para o crescente número de denúncias de casos envolvendo grupos específicos, inclusive com envolvimento de policiais, referidos como “milícias privadas”. Essas estruturas criminosas expandiam-se, naquela década, em diversas regiões do país, especialmente no Rio de Janeiro, agindo como “grupos de extermínio” e como agenciadores de serviços os mais diversos onde se instalavam, de segurança à energia elétrica e telefonia. Desde então, essas organizações só cresceram, e há notícia de que tenham como membros nodais, para sua expansão em diferentes territórios, pessoas que integram as cúpulas dos poderes instituídos (MANSO, 2020). Em meio a esse panorama, arrefeceu-se o debate para a criação de um crime específico que pudesse reprimir tais grupos e sobreveio a iniciativa legislativa, que, não obstante o mandamento do princípio da legalidade penal, trouxe uma definição típica construída em termos bastante vagos. Um dos indicadores disso é que não se exige um número mínimo de pessoas para sua caracterização, havendo enorme divergência sobre a matériaentre os tribunais, e há termos muito imprecisos em seus elementos definidores (SOUZA; SADALLA, 2018). Trata-se, como vimos na seção anterior, também de um crime de perigo abstrato, comum, vago, livre, de tentativa inadmissível e doloso. É necessário comprovar o vínculo estável e permanente entre os sujeitos e a finalidade especial, que se deve comprovar também, e a prática de qualquer dos crimes previstos no CP, excluindo-se os delitos previstos em leis extravagantes. Além disso, temos aqui um tipo misto alternativo — o que também é sintomático do alargamento da redação do delito —, já que, se a pessoa praticar mais de um núcleo previsto no dispositivo (constituir, organizar, integrar, manter ou custear), responderá por um crime único. A pena é de reclusão, de quatro a oito anos. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 (FCC – 2018 – DPE/MA – Defensor Público) Sobre o crime de associação criminosa, é correto afirmar que: A Demanda a associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de praticar crimes. B Exige a demonstração do elemento subjetivo especial consistente no ajuste prévio entre os membros, com a finalidade específica de cometer crimes indeterminados. Parabéns! A alternativa A está correta. Um dos mais importantes elementos no que concerne ao crime do art. 288 do CP é a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa, já que qualquer indício de que o grupo de pessoas atuava de modo esporádico torna impossível a responsabilização em seus termos. Para caracterizar o delito, é necessário que haja no mínimo três pessoas. Não se trata de crime hediondo, e não há necessidade de qualquer qualificação dos crimes cometidos, sendo esse elemento apenas para a qualificação do crime. Questão 2 Sobre o crime de “constituição de milícia privada”, previsto no art. 288-A do Código Penal (CP), assinale a alternativa correta: C Tem caráter hediondo, a despeito de ter pena menor do que a associação para o tráfico, que não é equiparado ao hediondo. D Exige, para sua configuração, o concurso de agentes e a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos. E Admite a colaboração premiada, com redução de até um terço da pena, desde que ao menos um agente com cargo político seja delatado. A Trata-se de delito que admite a tentativa. B O crime é processado mediante ação penal pública condicionada à representação. C Requer como finalidade especial cometer qualquer dos crimes previstos na legislação penal, incluindo- se a extravagante. Parabéns! A alternativa D está correta. O crime é unisubssistente, pelo que não admite a tentativa, assim como é processado por ação penal pública incondicionada, motivo pelo qual as alternativas A e B estão incorretas. O dispositivo exige que a intenção seja de cometer crime previsto apenas no CP, sendo um crime comum, pelo que as alternativas C e E estão incorretas. A alternativa D contempla perfeitamente a definição do momento consumativo do crime, sendo, então, o gabarito. 2 - Falsidade Ao �nal deste módulo você será capaz de distinguir os crimes de falso. D Consuma-se no momento da constituição, da organização, da integração, da manutenção ou do custeamento, independentemente da prática criminosa almejada. E É crime próprio, cometido necessariamente por agentes da segurança pública. Falsidades Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes tratará dos tipos penais de falsidade, trazendo suas principais características. Neste módulo, estudaremos os chamados “crimes de falso”, que constituem o Título X, “Dos crimes contra a fé pública”, de nosso CP, abrangendo os arts. 289 a 311. Esses são delitos que envolvem a confiança das pessoas, principalmente — embora não só — nos documentos e nas relações que deles advêm, assim como objetos e condutas pessoais. Alguns requisitos são comuns a todos eles, quais sejam: (i) Todos têm como forma de execução uma falsidade, também chamada “contrafação da verdade”, sendo praticados mediante condutas que promovam mudanças no conteúdo verdadeiro, por exemplo, de um documento ou objeto; (ii) Precisam, para fins de lesividade, ao menos emplacar um “dano potencial”. Isso quer dizer que esses crimes, para serem reprimidos, necessitam ser praticados por meio de falsos que sejam aptos para enganar um número indeterminado de pessoas, sem que constituam falsificações grosseiras; e (iii) Precisam ser, necessariamente, dolosos. Além disso, a maioria pode ser praticada a partir de três modalidades: (i) A falsidade material, que se refere aos elementos exteriores de um documento, à sua forma (v.g., arts. 297 e 298); (ii) A falsidade ideológica, que atinge o conteúdo de um documento materialmente válido (v.g., art. 299); (iii) E a falsidade pessoal, que ocorre quando alguém se passa por outra pessoa (v.g., art. 307). Outro ponto importante para delimitar diz respeito a um dos princípios aplicáveis a esses crimes: o da consunção. Quando há um conjunto de condutas com aparência criminosa e uma delas integra a fase executória de outra, é possível que não haja crimes autônomos, mas, sim, que um delito “absorva” o outro. Então, considere que um estelionato (art. 171 do CP), infração que demanda fraude com a finalidade de obtenção de vantagem indevida, tenha sido praticado mediante a apresentação de um documento falso (art. 304 do CP). Como o art. 171 do CP já contém em sua figura típica a repressão a um ardil, que é tomado como a forma de execução do crime, seria no mínimo incongruente responsabilizar um estelionatário pelos dois delitos de modo autônomo. No caso em debate, o delito menos grave, que é o uso de documento, é absorvido pelo fato principal, nos exatos termos do princípio em comento. E assim sempre será, na medida em que o crime menos grave seja o meio necessário do delito principal e nele se esgote, como é o teor da Súmula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Súmula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Crimes contra a fé pública – da moeda falsa Esse conjunto de crimes envolve violações à fé pública de que, culturalmente, gozam os documentos e objetos expedidos ou emitidos por repartições públicas. Dadas a condição e a importância desse bem jurídico, é um crime processado na justiça federal e que vem se entendendo não admitir a aplicação do princípio da insignificância (HC nº 97.220 do Supremo Tribunal Federal – STF). Nesse título, o primeiro capítulo é dedicado aos delitos que envolvem a falsificação de moedas, atingindo o valor jurídico atribuído pelo Estado a esses objetos e tendo como sujeito passivo tanto o ente público por elas responsável, e que nesse caso representa toda a coletividade, quanto particulares que venham a ser prejudicados pelas infrações. O objeto falsificado deve ser um dinheiro legítimo, excluindo-se do conceito moeda anteriormente falsificada ou retirada de circulação, já que assim perde o valor monetário. Além disso, o falso numerário não é um fim em si mesmo, predominando que “só há o delito se as modificações na moeda resultam em aparência de maior valor, não configurando o tipo a alteração que o mantenha inalterado ou que redunde em diminuição do valor nominal” (PRADO, 2019, p. 1792). A primeira espécie tratada nesta seção é o crime de moeda falsa, previsto no art. 289 do CP, um delito comum, doloso e cuja consumação ocorre na medida em que a moeda (metálica ou de papel) seja fabricada (produzida) ou alterada (modificada). Por esses verbos configurarem um modo de execução completamente fragmentável, admite-se tentativa, desde que o iter criminis seja interrompido por fato alheio à vontade do agente. Atenção! Deve-se lembrar que, como todos os crimes de falsidade, a imitação não pode ser grosseira,precisando atingir certo grau de perfeição, a ponto de induzir em erro um número indeterminado de pessoas, mesmo que possa eventualmente ser detectada — por exemplo, por um perito. Deve- se considerar, nesse sentido, se a moeda abstratamente poderia ser colocada em circulação, já que a maioria das pessoas não detectaria a fraude. Trata-se também de crime de concurso eventual (unissubjetivo), que pode ser praticado de forma omissiva e por meio das condutas equiparadas previstas no § 1º do art. 289 do CP, que são, necessariamente, subsequentes à falsificação da moeda. A modalidade equiparada é um tipo misto alternativo, significando que, se o agente praticar mais de um núcleo, responde por crime único. Em todas as hipóteses, o crime é punido com reclusão de três a 12 anos e multa. Os crimes assimilados ao de moeda falsa estão previstos no art. 290 do CP. Esse dispositivo faz a previsão de um delito que envolve, necessariamente, papel-moeda (excluindo-se os metais) e que pode ser classificado como: de perigo abstrato; de ação múltipla; doloso; que admite tentativa; e que pode ser praticado na forma omissiva. Nesse caso, a falsidade toma forma: (i)) Com a formação de cédula, nota ou bilhete a partir da adjunção ou da justaposição de fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes de dinheiro verdadeiro; (ii) Com a supressão de sinal indicativo de inutilização do papel- moeda, com o intuito de restituí-lo à circulação; e (iii) Com a restituição à circulação do papel-moeda confeccionado a partir de fragmentos de outras notas, ou daquele cujos sinais de inutilização tenham sido suprimidos, ou ainda do que, não tendo sido inutilizado, já tenha sido recolhido para esse fim. A pena cominada é de reclusão, de dois a oito anos, e multa. No parágrafo único do art. 290, encontra-se tipificada a forma qualificada do delito, agora em sua modalidade funcional, porque só pode ser praticada por funcionário da repartição onde está o dinheiro recolhido, ou por pessoa que, em razão do cargo exercido, tem fácil ingresso em tal local. Nesse caso, o máximo da reclusão é elevado a 12 anos, além de multa cumulativa. O delito previsto no art. 291 do CP é conhecido como “petrechos para falsi�cação de moeda”. Punido com pena de reclusão de dois a seis anos e multa, nele incorre quem realiza qualquer uma das ações para sua configuração (tipo misto alternativo) e que, em si, bastam para a consumação do crime, independentemente de qualquer dano concreto (crime de perigo abstrato). O objeto material das condutas é qualquer instrumento, máquina, aparelho ou qualquer outro, genericamente, destinado especialmente (normalmente) à elaboração de moeda falsa. Crime comum e doloso, é subsidiário em relação ao art. 289 do CP, uma vez que, se efetivamente a falsificação acontece, configurando meio para a execução do delito mais grave, esta lhe absorve (princípio da consunção). Curiosidade Há ferrenhas críticas à manutenção de seu status constitucional, já que representa, em descompasso com o princípio da lesividade, a criminalização de atos preparatórios e, assim, a antecipação da tutela penal, expressão precípua do Direito Penal do autor. Outro crime previsto nesta seção é o de “emissão de título ao portador sem permissão legal”. Tipificado no art. 292 do CP, ocorre quando alguém coloca em circulação qualquer um dos títulos elencados “que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago”. Como a emissão é um ato complexo, que requer procedimentos bastante específicos, “a mera formação do título, diversamente do que ocorre com a moeda falsa, não tem relevância penal, tratando-se de simples ato preparatório” (PRADO, 2019, p. 1822). Ademais, a promessa do título que é incriminada é a de substituir o dinheiro, por isso não é todo “vale” que fará constituir o material que demanda o delito, assim como apenas os títulos sem permissão legal são objeto da infração. Ele também pode ser praticado na modalidade omissiva, admite tentativa e é infração de menor potencial ofensivo. Da falsidade de títulos e outros papéis públicos O art. 293 do CP traz as formas do delito de “falsificação de papéis públicos”, com um amplo rol de documentos que, se “fabricados” (criados) ou “alterados” (modificados), constituirão a referida infração penal. Trata-se, em geral, de crime comum, mas há previsão de modalidade própria no art. 293, § 1º, III, do CP. Se for praticado por funcionário público, prevalecendo-se do cargo, aplica-se a majorante do art. 295 do CP. Trata-se de crime doloso, cuja consumação independe da produção de resultado naturalístico. Ademais, admite-se tentativa, exceto na modalidade em que aparenta ser unissubsistente. Saiba mais A modalidade privilegiada está prevista no § 4º, para aquele que recebe o título de boa-fé e o usa ou restitui à circulação — salvo se a restituição for à própria pessoa de quem recebera (fato atípico). O segundo e último crime desta seção é o dos “petrechos”, que, como no caso das moedas falsas, criminaliza aquele que “fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado à falsificação de qualquer dos papéis [referidos no art. 293]”. Portanto, remetemos aquele que estuda este material aos comentários do crime análogo, na seção anterior, pontuando desde já que, nesse caso, a pena é de reclusão de um a três anos e multa. Falsidade documental O art. 296 do CP criminaliza a “falsificação do selo ou sinal público”, sendo também uma infração que tutela a fé pública, em especial a importância de sinais destinados à autenticação de documentos. Trata- se de crime comum, que precisa ser apto ao engano de terceiros e que também tem como regra a consumação no momento da fabricação ou alteração dos símbolos, independentemente da obtenção da vantagem (NUCCI, 2020, p. 1381). Saiba mais Delito cujas modalidades equiparadas estão previstas no § 1º, criminalizando quem “usa”, “utiliza indevidamente” ou “falsifica ou usa indevidamente símbolos da Administração Pública”, também tem sua forma funcional prevista no § 2º. A “falsi�cação de documento público”, tipi�cado no art. 297 do CP, é uma das infrações mais importantes deste módulo. Aqui, as lições que viemos reforçando também se aplicam, sendo necessária a idoneidade do documento falsificado (excetuando-se as falsificações grosseiras) e sendo crime comum, em geral (salvo na modalidade da causa de aumento de pena, em que, nos termos do § 1º, temos um crime funcional). É claro que o documento público, em si, é emitido por uma pessoa investida da função pública; aqui, o que pontuamos é que qualquer pessoa pode incorrer na infração ao falseá- lo. O objeto material do crime, “documento público”, tem recebido definição bastante abrangente pela doutrina e pela jurisprudência, que o têm considerado, basicamente, conquanto sejam: (i) Escrito; (ii) Com autoria identificada; e (ii) Com relevância no conteúdo, isto é, com potencialidade para gerar consequências. Ademais, como lembramos nos casos antecedentes, documentos previamente falsos não podem ser objeto do crime. Por força do § 2º, são equiparados a “documento público”: Os emanados de entidade paraestatal O título ao portador ou transmissível por endosso Os livros mercantis O testamento particular Além disso, nos termos do § 3º, é criminosa a conduta tendo por objeto documentos atinentes à Previdência Social, havendo um amplo rol de espécies consideradas, inclusive incorrendo no falso a conduta omissiva, conforme o § 4º, de quem neles “omite nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços”. Comentário Trata-se, aqui, de ilícitos infelizmente bastante comuns em nossa sociedade, cometidos sobretudo pelos empregadores contra os direitos de seus empregados, em absoluto retrocesso a nosso Estado democrático de direito. São criminosas a “fabricação”(criação) ou a “alteração” (adulteração), no todo ou em parte, das diferentes espécies de documento público, a depender da inexistência (primeiro caso) ou existência (segundo caso) anterior de um documento válido. Então, na segunda modalidade, pratica esse crime, por exemplo, quem insere outra foto em documento de identificação válido de terceiro titular. Na primeira, quem cria uma identidade, sem tomar como base qualquer documento preexistente. Para a consumação, não se exige um efetivo prejuízo, como explicamos no caso dos delitos anteriores, já que a falsi�cação, em si, já implica violação da fé pública. Por fim, quanto às penas, as condutas, tanto no caput quanto nos §§ 3º e 4º, são punidas com reclusão de dois a seis anos e multa; e, às hipóteses do caput, aplica-se, no caso de ser o agente funcionário público e cometer o delito prevalecendo-se de tal condição, a exasperação de um sexto. O crime trazido logo em seguida por nosso legislador é a “falsificação de documento particular”, no art. 298 do CP, com definição bastante simples quanto ao objeto. Consideram-se “documento particular”, para efeitos de responsabilização criminal, todos os documentos com relevância jurídica que não sejam considerados documentos públicos nos termos da explicação antecedente; e, conforme o parágrafo único, equiparam-se a documento particular o cartão de crédito ou débito. A infração consuma-se com a efetiva falsi�cação, desde que capaz de gerar consequências jurídicas, independentemente da produção de qualquer prejuízo. Além disso, o delito é punido com pena de um a cinco anos e multa. Vale notar que a pessoa que falsifica e utiliza o documento falso não responde pelo uso, já que entre esses delitos reside uma relação de crime-meio e crime-fim. Por último, nos termos da Súmula nº 104 do STJ, “compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino”. O art. 299 do CP traz a definição do crime de “falsificação ideológica”. A principal nota distintiva em relação a todos os crimes anteriores é que, ao contrário daqueles, na falsidade ideológica o documento é materialmente verdadeiro. No entanto, a declaração que nele está contida é que é inverídica, sendo, por isso, um falso intelectual ou ideal. Portanto, a apuração da falsidade ideológica, ao revés dos demais delitos vistos, independe de perícia. O objeto material pode ser um documento particular ou público, e, no último caso, é possível inclusive, em tese, o concurso de agentes com distinção no que tange ao tipo incriminador. Nesse sentido, vale notar que […] quando se trata de falsidade intelectual de documento público, as condutas de omitir e inserir demandam, inevitavelmente, a intervenção de agente funcionário público na condição de sujeito ativo, ainda que em concurso com o particular. É que, em sendo documento público, ato cuja expedição ou elaboração é privativa de funcionário público (lato sensu) no exercício de suas funções, só o oficial público pode inserir, ou deixar de fazê-lo quando é devido; não é possível ao particular elaborá-lo com legitimidade para tanto e, pois, não pode inserir (nem omitir) nele declaração falsa. Pode, tão só, fazer inserir (falsidade ideológica mediata), fazendo declaração falsa ao funcionário. Se este não tem conhecimento da inverdade do que foi declarado, só o particular incorre no crime, por fazer inserir; entretanto, se o funcionário, consciente da falsidade, quer aderindo à falsa declaração do particular, — hipótese em que há concurso de agentes —, quer inserindo a inverdade no documento que confecciona ou neste omitindo o que deveria escrever, está cometendo o delito de falso ideal de documento público. (PRADO, 2019, p. 1890-1891) Trata-se de crime comum, com a modalidade funcional prevista no parágrafo único, assim como omissivo próprio quanto ao núcleo “omitir”. Atenção! Segundo o Informativo nº 672 do STJ, que consolidou o julgamento do RvCr nº 5.233/DF, trata-se de crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem protrair-se no tempo. Isso tem importante implicação para fins de cálculo da prescrição, porque, se a falsidade ideológica se consuma no momento em que é praticada a conduta, então “o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva é o momento da consumação do delito (e não o da eventual reiteração de seus efeitos)”. A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é público, e de reclusão de um a três anos e multa, se o documento é particular. No art. 300 do CP, encontra-se o chamado “falso reconhecimento de firma ou letra”, crime próprio, que só pode ser cometido por funcionários públicos — como tabeliões —, conquanto tenham conhecimento da falsidade da firma ou da letra. É crime doloso, que pode ser praticado de forma omissiva, admite a tentativa e é punido com pena de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é público, e de um a três anos e multa, se o documento é particular. O delito do art. 301 do CP, por sua vez, tem como objeto “certidão ou atestado ideologicamente falso”, sendo modalidade bastante própria de falsidade ideológica — que, no delito antecedente, vimos descrita pelo legislador de forma genérica. O falso é praticado para que alguém possa “obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem”. Comentário Na hipótese do caput, temos um crime próprio, que só pode ser cometido por funcionários públicos, enquanto, no § 1º, temos um crime comum. Além disso, nos termos do § 2º, se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade, a de multa. No mais, pode ser praticado na forma omissiva, tem forma vinculada e é infração de menor potencial ofensivo, já que tem como pena a detenção de três meses a dois anos. No art. 302 do CP, também temos outra espécie de falsidade ideológica específica, que só pode ser cometida pelos médicos (crime próprio). A “falsidade de atestado médico” é punida com pena de detenção de um mês a um ano, sendo infração de menor potencial ofensivo, que admite a tentativa, desde que não haja a entrega do atestado ao interessado ou a outrem. Saiba mais Vale notar que, se o médico é funcionário público, a incidência será, em tese, do crime do art. 301 do CP, podendo, no caso de ter finalidade lucrativa, responder o agente por corrupção passiva. Por fim, quem não é médico e falsifica atestado médico comete possivelmente o tipo do art. 301, § 1º, do CP. O último crime que importa estudar aqui é o do art. 304 do CP, que criminaliza quem efetivamente usa (emprega) documento material ou ideologicamente falso (referidos nos arts. 297 a 302 do CP), como se verdadeiro fosse. No “uso de documento falso”, é fundamental que o documento seja utilizado em sua destinação específica e com a finalidade de provar fato juridicamente relevante. Trata-se de crime comum, que em tese admite tentativa e pode ser cometido na forma omissiva. Três questões são dignas de destaque: Primeiro, trata-se de crime acessório, pois, ao contrário dos delitos que vimos anteriormente, que não dependem do respectivo uso do documento para completar-se, requer a prévia existência do falso. Há dependência, portanto, da ocorrência de crime anterior (falso). Segundo, a mera posse e/ou porte de documento falso sem sua efetiva utilização são fatos atípicos. Terceiro, o uso pelo próprio autor da falsificação constitui exaurimento do crime de falso, conquanto exaure sua potencialidade lesiva, devendo responder pelo art. 297 ou 298, e não pelo art. 304, quando for o caso. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 (PC/ES – Delegado de Polícia) No dia 9 de julho de 2017, Henrique foi parado em uma fiscalização da Operação Lei Seca. Após solicitar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de Henrique, o policial militar que participava daoperação suspeitou do documento apresentado. Procedeu, então, à verificação na base de dados do Departamento de Trânsito (Detran) e confirmou a suspeita, não encontrando o número de registro que constava na CNH, embora as demais informações (nome e CPF) a respeito de Henrique estivessem corretas. Questionado pelo policial, Henrique confessou que havia adquirido o documento com Marcos, seu vizinho, que atuava como despachante, tendo pago R$ 2.000,00 por ele. Afirmou, ainda, que sequer havia feito prova no Detran. Acrescente-se que, durante a instrução criminal, ficou comprovado que, de fato, Henrique obteve o documento de Marcos, sendo este o autor da contrafação. Além disso, foi verificado por meio de perícia judicial que, no estado em que se encontra o documento, e em face de sua aparência, pode iludir terceiros como se documento idôneo fosse. Logo, pode-se afirmar que a conduta de Henrique se amolda ao crime de: Parabéns! A alternativa B está correta. O agente que utilizar o documento material ou ideologicamente falso pratica crime do art. 304 do CP. Apenas responderá pelo delito de falso, que constitui as alternativas A, C, D e E, se também for o autor da falsificação, caso em que se seria aplicado o princípio da consunção. Questão 2 (TCE/RO – 2019 – Procurador do Ministério Público de Contas – Adaptada) Considerando a jurisprudência do Superior Tribunal de A Falsificação de documento público, previsto no caput do art. 297 do Código Penal (CP). B Uso de documento falso, previsto no art. 304 do CP. C Falsa identidade, previsto no art. 307 do CP. D Falsidade ideológica, previsto no caput art. 299 do CP. E Falsificação de documento particular, previsto no caput do art. 298 do CP. Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e a legislação a respeito de crimes contra a fé pública, assinale a opção correta. Parabéns! A alternativa E está correta. A falsificação grosseira não tem potencialidade lesiva, motivo pelo qual vem sendo entendida como conduta atípica. A falsidade material está consumada independentemente do uso, conquanto reprima a produção ou a modificação do documento. Não há previsão de modalidade culposa para os crimes de falso, e os objetos da alternativa D são equiparados a documento público, sendo, portanto, a conduta análoga à falsificação de documento público. Esses são os motivos pelos quais apenas a alternativa E está correta. A Utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura crime de moeda falsa; admite- se, no entanto, a aplicação do princípio da insignificância, caso sejam grosseiramente falsificadas cédulas de pequeno valor. B Crime de falsidade material de documento público se consuma com a efetiva utilização do documento público falsificado e a ocorrência de prejuízo. C Há previsão de modalidade culposa para crime de falsidade ideológica de documento público ou particular. D Configura crime de falsificação de documento particular o ato de falsificar, no todo ou em parte, testamento particular, duplicata e cartão bancário de crédito ou débito. E O delito de uso de documento falso pode ser absorvido pelo delito de descaminho, quando seja etapa preparatória deste, por ser crime com pena comparativamente maior. 3 - Crimes praticados por funcionário público e particular contra a Administração Pública Ao �nal deste módulo você será capaz de avaliar as características dos crimes praticados por funcionário público e particular contra a Administração Pública. Como nota geral, é possível dizer que os crimes que estudaremos estão imbuídos do interesse de preservar o patrimônio público e a probidade administrativa, tratando-se de ofensas a bens jurídicos difusos (NUCCI, 2020, p. 1432). Em teoria, a responsabilização penal pretende reconstituir o funcionamento da administração balizada pelos princípios constitucionais, assim como proteger os bens materiais e imateriais do erário, o patrimônio público eventualmente lesado. Por esse motivo, o STJ entende que o “princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública” (Súmula nº 599). Não obstante, o STF tem acórdãos dissidentes, como é o caso do HC nº 112.388. Eles estão previstos nos arts. 312 a 326 do CP, e, desse rol, estudaremos os principais. Crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral Crimes contra a Administração praticados por funcionário Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes discorre sobre as principais características dos tipos penais que são praticados por funcionário público contra a Administração. Nesta seção, todos os delitos são “crimes funcionais”, também chamados delicta in officio. Eles só podem ser praticados por: (i) Funcionários públicos contra a Administração Pública; e (ii) Funcionários públicos no exercício da função ou em razão dela. Por terem essa classificação, particulares nunca poderão, sozinhos, praticá-los. Não obstante, poderão estar em concurso de pessoas com os funcionários públicos, nos termos do art. 30 do CP, desde que tenham ciência da condição. Para fins de responsabilização penal, o art. 327 do CP traz um conceito ampliativo de funcionário público, atentando primordialmente à função pública envolvida, independentemente de qual pessoa a exerça. O § 1º desse dispositivo traz ainda o chamado “funcionário público por equiparação”, conceito que só vem sendo aplicado pelos tribunais, majoritariamente, para considerar o sujeito ativo do crime — e só excepcionalmente para incluir sujeitos passivos. Comentário A todos eles, é possível a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do CP, quando o funcionário público é o sujeito ativo do crime e tem os atributos ali elencados. Como efeitos da condenação, incluem-se os do art. 92 do CP, sendo delitos processados mediante ação penal pública incondicionada. Veremos algumas das possíveis espécies, valendo a indicação de que se possam aprofundar os estudos também nos crimes dos arts. 320 a 326 do CP, que, pelos limites de espaço, não conseguiremos explorar. Peculato (arts. 312 e 313 do CP) O crime de peculato pode ser doloso ou culposo e subdivide-se em cinco possíveis espécies: (i) Peculato doloso, na modalidade “apropriação” e/ou “desvio”, chamado peculato próprio (art. 312, caput, do CP); (ii) Peculato-furto ou impróprio (art. 312, § 1º, do CP); (iii) Peculato culposo (art. 312, § 2º, do CP); (iv) Peculato-estelionato (art. 313 do CP); e (v) Peculato eletrônico ou peculato-hacker (art. 313-A do CP). Vamos compreender melhor cada um deles a seguir: É muito próximo do crime de apropriação indébita, inclusive sendo por este que deve responder o agente (autor do crime), se não for funcionário público. Na modalidade “desvio”, é fundamental que seja praticado em proveito, material ou moral, próprio ou de terceiros, sendo esse um elemento subjetivo específico. Caso o emprego do bem seja feito em favor da própria Administração, poderá haver apenas o art. 315 do CP. Na modalidade “apropriação”, é crime material, requerendo a inversão da posse para a consumação, enquanto no “desvio” é crime formal, dispensando a efetiva vantagem, embora haja o desvio. A pena é de reclusão de dois a 12 anos e multa. Peculato próprio No peculato-furto, que tem a mesma pena, ao contrário da modalidade anterior, o funcionário não tem a posse prévia do objeto ou valor, devendo “subtraí-lo”. Como indica o nome, será desclassificado para furto, em não havendo a posição funcional, e tem uma modalidade de concurso necessário, qual seja, “concorrer para a subtração”. Aqui, o agente precisa valer-se de “facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário”, sem a qual pode incorrer também não no peculato, mas no furto. Ocorre quando o funcionário público age com negligência, imperícia ou imprudência, e uma terceira pessoa tira proveito da facilidade culposamente proporcionada pelo funcionário público (concurso não intencional).É o caso de um autor que deixa a porta de uma repartição aberta, colaborando culposamente para um delito patrimonial praticado por terceiro. Nessa modalidade, a tentativa é impossível. A pena é de detenção de três meses a um ano. O peculato-estelionato, por sua vez, pressupõe que a apropriação se dê por erro de terceira pessoa, tendo como pena a reclusão de um a quatro anos e multa. Já o peculato eletrônico demanda a inserção de dados falsos em sistemas de informação. A pena, nesse caso, é de reclusão de dois a 12 anos e multa, e, nos termos do parágrafo único do art. 313-B, as penas são aumentadas, se resultar dano. Peculato-furto Peculato culposo Peculato-estelionato Peculato eletrônico Todos eles atingem o bem móvel (excluídos os imóveis) que constitui o erário público, mas é possível a existência do crime quando atingir bens particulares, desde que estejam eles sob custódia da Administração Pública. É o caso, por exemplo, de bem sob apreensão do Estado. Outro ponto bastante importante, que é comum aos delitos que implicam vantagens econômicas no geral, é que, segundo o STF e o STJ, o “peculato de uso” é conduta atípica. Então, se o funcionário público apropriar-se de, desviar ou subtrair bem para uso imediato e devolvê-lo no mesmo estado em que o encontrou, não haverá peculato. Concussão e excesso de exação (art. 316 do CP) Na concussão, o servidor público, em razão da função — ainda que fora dela ou antes de assumi-la — e abusando de sua autoridade pública, precisa: (i) Realizar exigência sem violência ou grave ameaça, embora deva ter caráter coercitivo; (ii) De qualquer vantagem; e (iii) Visando a qualquer vantagem indevida. Trata-se de crime formal, bastando a mera exigência para a consumação, que admite a tentativa e tem como pena reclusão de dois a 12 anos e multa. O excesso de exação é crime autônomo e, nos termos do § 1º, restará praticado quando o funcionário incorrer em uma das modalidades: (i) Exigir tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevidos — devendo aqui a quantia indevida ser recolhida para os cofres públicos, não em projeto do autor; e (ii) Emprega na cobrança (de tributo ou contribuição social devidos) meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza. Se, no primeiro caso, a vantagem for revertida em proveito próprio ou de terceiros, há a modalidade qualificada do art. 316, § 2º, do CP. Saiba mais Por fim, vale destacar que a pena máxima foi aumentada pela Lei nº 13.964/2019, passando da reclusão anterior de dois a oito anos à reclusão de dois a 12 anos e multa, constituindo norma penal mais gravosa, irretroativa, portanto. Corrupção passiva (art. 317 do CP) Esse delito está voltado contra o funcionário público corrompido, e o corruptor, ao contrário, responde pelo art. 333 do CP. Aqui, a responsabilidade recai contra o servidor que “solicita”, ou “recebe”, ou “aceita” vantagem indevida — sendo um tipo misto alternativo. Atenção! Na segunda modalidade, note que o agente será punido ainda que não tenha solicitado a vantagem, desde que tenha consentido em seu recebimento. E atente para o fato também de que, ao contrário do delito de concussão visto anteriormente, não há uma forma “coativa” de agir. A corrupção passiva pode ser: Própria Quando o funcionário negocia a prática de ato ilícito — por exemplo, ao combinar de processar um caso vedado pela lei; e Imprópria Quando a negociação é de ato lícito — por exemplo, para dar andamento processual ao caso que regular e legalmente tramita. Ela também pode ser: (i) Antecedente, quando a vantagem é oferecida antes da prática do ato negociado; e (ii) Subsequente, quando há remuneração de ato pretérito do funcionário público. Por isso, a consumação pode se dar independentemente do efetivo recebimento da vantagem ou da prática do ato funcional, e, em havendo a conduta do agente, o § 1º do art. 317 a entende como causa especial de aumento de pena, quando, “em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”. Segundo o STJ, a consumação se dá: […] ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida ou a aceitação da promessa de tal vantagem esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada. (REsp. nº 1.745.410/SP) A pena é de reclusão de dois a 12 anos. Por fim, vale observar que o § 2º do tipo incriminador trabalha com a forma privilegiada, que ocorre em modalidade material do crime, visto que o funcionário efetivamente deixa de praticar ou retarda ato de ofício, mas atendendo a pedido de terceiro. Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318 do CP) Esse é um crime remetido, já que reporta aos ilícitos do contrabando ou descaminho (arts. 334 e 334-A do CP). Nele incorre o funcionário público que dolosamente infringe dever funcional, facilitando a prática dos dois referidos delitos, independentemente de seu êxito. Trata-se, por isso, de crime formal, punido com reclusão de três a oito anos e multa. Prevaricação (art. 319 do CP) Ao praticar esse ilícito, o funcionário público viola dever funcional em prol de interesses particulares ou de sentimento individual. Há três formas distintas de executá-lo, quais sejam: Omissão Procrastinação Por comissão Saiba mais Trata-se de crime formal, independendo a satisfação ou não do interesse almejado, desde que haja essa finalidade específica, e que tem como pena detenção de três meses a um ano e multa. O art. 319-A tipifica a chamada “prevaricação imprópria”, criminalizando especificamente uma omissão do diretor de penitenciária, isto é, aquele que “deixa de cumprir seu dever de vedar ao preso acesso a aparelho celular, que permita comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. Apenas o funcionário que tenha a condição de evitar o acesso dos aparelhos aos presídios é que poderá incorrer, dolosamente, no delito, que tem como pena detenção de três meses a um ano. Ademais, para efeitos de consumação, é desnecessário o efetivo acesso ao aparelho, desde que haja a permissão por parte do autor. Trata-se, nesse caso, de infração de menor potencial ofensivo. Crimes praticados por particular contra a Administração Pública Ao contrário das infrações vistas anteriormente, os delitos desta seção são praticados pelo particular, isto é, por quem é alheio à função pública, ou até por funcionário público, desde que em relação a cargo ou função estranha à que legitimamente está investido. Vamos estudar as principais espécies, mas não se esqueça de estudar também os demais tipos. Usurpação de função pública (art. 328 do CP) Esse delito é praticado por quem “usurpar” atividade pública, isto é, exercê-la de modo permanente ou temporário, onerosa ou gratuitamente, executando efetivamente atos relacionados com a função, como se nela estivesse legitimamente investido. É importante notar que o CP não exige a obtenção de qualquer vantagem para fins de caracterização do caput. Inclusive, caso auferida, constitui a forma qualificada prevista no parágrafo único, que passa a resultar em crime material. Comentário Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, com pena de detenção de três meses a dois anos e multa. Vale notar que o delito análogo, passível de incidência no caso de agentes que sejam funcionários públicos, é o do exercício funcional ilegal (art. 324 do CP). Resistência (art. 329 do CP) O crime de resistência: (i) É cometido por quem se opõe à execução de ato legal; (ii) Ocorre por meio de violência ou ameaça; e (iii) É dirigido contra funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. É crime comum, doloso, que constitui infração de menor potencial ofensivo — já que tem como pena detenção de dois meses adois anos — e que dispensa, para fins de consumação, a não execução do ato. Caso isso aconteça, inclusive, ocorrerá a modalidade qualificada do delito, prevista no § 1º. Em havendo violência, o agente também estará sujeito às penas do crime de violência, quando constituir ilícito penal, segundo o § 2º. Desobediência (art. 330 do CP) Essa infração guarda grande similaridade com o crime de resistência (conhecido como “desobediência belicosa”), sendo também, por isso, chamada “resistência passiva”. Aqui, a pessoa se recusa a cumprir ordem (isto é, um comando diretivo, sendo diferente de uma solicitação ou pedido) de funcionário público, mas não reage com violência ou ameaça. O agente simplesmente deixa de atender à ordem, seja fazendo, seja deixando de fazer alguma coisa que a lei imponha. Para que haja crime, é necessário que a ordem seja formal e materialmente legal, e, por ser crime instantâneo, consuma-se quando o agente faz ou deixa de fazer alguma coisa contrariamente à ordem. Comentário Trata-se de crime comum, quanto ao sujeito ativo, e crime próprio, quanto ao sujeito passivo, sendo também infração de menor potencial ofensivo. A pena cominada é de detenção de 15 dias a seis meses e multa. Desacato (art. 331 do CP) Delito comum, é praticado quando a pessoa dirige palavras, ditas ou escritas, ou até gestos ofensivos, contra funcionário público, desde que em virtude da função ou no exercício dela. O dolo do autor deve ser o de alcançar a qualidade de funcionário público do ofendido, humilhando-o. Deve-se, assim, comprovar a vontade deliberada do autor de desprestigiar a função pública —, e não, pessoalmente, aquele sujeito passivo. Não apenas o Estado, mas também o servidor ofendido será vítima (secundária) do crime de desacato. Não obstante, para a maioria dos tribunais, dispensa-se a própria presença do sujeito passivo, ou a condição de ter ele se sentido ofendido especificamente. Infração de menor potencial ofensivo, com pena cominada de detenção de seis meses a dois anos ou multa, demanda verificar a relevância do menosprezo. Por fim, vale notar que há quem sustente a inconstitucionalidade desse crime, levando em consideração a liberdade de pensamento e de expressão, interesses com tutela em sede constitucional e em importantes tratados e convenções de direitos humanos. Trá�co de in�uência (art. 332 do CP) Esse crime, que é múltiplo, é praticado por quem solicita, exige, cobra ou obtém, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Trata-se de crime comum, doloso e, a depender do verbo praticado, pode ser formal (solicitar, exigir ou cobrar) ou material (obter). A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos e multa. Comentário O parágrafo único prevê, como causa de aumento de pena, se o “agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário”. O STJ vem reiteradamente decidindo que é irrelevante, para a caracterização delituosa, se o sujeito passivo acredita ou não no poder de influência do agente. Corrupção ativa (art. 333 do CP) Essa infração é cometida quando o sujeito ativo oferece (propõe) ou promete vantagem indevida a funcionário público com a intenção específica de “determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Temos, mais uma vez, como sujeito ativo um particular, e note que, diferentemente da corrupção passiva (art. 317 do CP), aqui os verbos são assertivos. Ademais, o delito de corrupção nem sempre é bilateral, ou seja, pode haver corrupção ativa sem corrupção passiva, e vice-versa. Aliás, voltando a lembrar esse delito, trata-se de exceção à teoria unitária ou monista, já que, em caso de promessa e aceite, o particular e o funcionário público respondem por tipos diferentes. A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos e multa. Por fim, o crime, que é formal, resta consumado, independentemente da postura assumida pelo funcionário. E, caso venha efetivamente a retardar ou a omitir ato de ofício, ou a praticá-lo como infração ao dever funcional, isso configurará a forma majorada prevista no parágrafo único. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 (DPE/AM – 2018 – Analista Jurídico de Defensoria – Adaptada) Quanto aos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, há no Código Penal (CP) brasileiro a previsão expressa da forma culposa para o crime de: A Concussão B Peculato C Corrupção passiva Parabéns! A alternativa B está correta. Apenas o peculato admite a modalidade culposa, nos termos do art. 312, § 2º, do CP, e o tráfico de influência não é crime praticado por funcionário público, por isso a única alternativa correta é a letra B. Questão 2 (TRT 6ª Região/PE – 2018 – Técnico Judiciário) Antonieta, funcionária pública do Tribunal Regional do Trabalho, no exercício de sua função, solicitou documento de identidade, nos termos da Lei nº 5.553/1968, para que o assessor parlamentar Raimundo, do município X, pudesse adentrar o prédio. O assessor, aos gritos, ironizou o fato de Antonieta não conhecê-lo e, chamando-a de alienada, humilhou-a em público e desprestigiou sua função. Disse à funcionária que, por ser incompetente, jamais sairia daquela função de recepcionista. Após essas ofensas, jogou o documento no chão, para que Antonieta, se quisesse, verificasse sua identificação. Raimundo, em tese, cometeu o crime de: D Prevaricação E Tráfico de influência A Resistência B Desobediência C Desacato D Usurpação de função pública E Tráfico de influência Parabéns! A alternativa C está correta. Não se configurou o crime de resistência, previsto no art. 329 do CP, já que esse crime exige a prática de violência ou de ameaça a funcionário público. Também não houve o crime de desobediência, previsto no art. 330 do CP, dado que a vítima não expressou nenhuma ordem que tenha sido descumprida pelo agente. Não há de se falar em usurpação de função pública, crime previsto no art. 328 do CP, uma vez que Raimundo, em momento algum, realizou ato típico de funcionário público. Por fim, não há crime de tráfico de influência, pois o autor não dirigiu sua conduta com o fim de influir em ato praticado por funcionário público, conforme o art. 332 do CP. A conduta está amoldada ao crime de desacato, previsto no art. 331 do CP. 4 - Crimes contra a administração da justiça Ao �nal deste módulo você será capaz de analisar os crimes contra a Administração Pública e a administração da justiça. Crimes contra a administração da justiça Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes trata das principais características dos crimes contra a administração da justiça. No último módulo deste material, estudaremos esse conjunto de possíveis crimes que violam interesses de um setor específico da Administração Pública, que é a justiça. O primeiro apontamento que deve ser feito é que esta deve ser entendida em “sentido amplo, como atividade da justiça teleologicamente considerada. À vista disso, os delitos contra a Administração da Justiça não têm como endereço somente a atividade judiciária” (PRADO, 2019, p. 2198). Isso se comprova a partir de um breve passeio pelos arts. 338 a 359 do CP, que integram o rol desse título e que implicam lesões que afetam, em tese, diferentes instituições. Passemos, assim, a conhecer os principais delitos, valendo a recomendação, mais uma vez, de que aprofundem seus estudos conhecendo também as infrações que não teremos espaço para explorar aqui. Denunciação caluniosa (art. 339 do CP) Esse delito é, em teoria, praticado por qualquer pessoa (crime comum) que, mediante qualquer ato de comunicação, oral ou escrito, formal ou informal, dá causa aos procedimentos elencados no caput do art. 339. Nesse sentido, não só a pessoa que formaliza, por exemplo, uma queixa- crime, para fins de anúncio, de que foi vítima de um delito, mas também a quevai à delegacia meramente relatando a um oficial a notícia de fato que saiba alguém não tenha cometido. Há quatro importantes requisitos para a caracterização do crime, quais sejam: (i) O agente precisa saber que o fato, que precisa constituir a narrativa de um crime ou uma contravenção — caso este em que a pena é diminuída, nos termos do § 2º —, não ocorreu ou tenha sido praticado por outra pessoa. Caso não o saiba, sua conduta será atípica; (ii) O meio de execução precisa ser idôneo, para provocar a ação da autoridade envolvida na instauração judiciária ou administrativa; (iii) A consumação se dá apenas quando da efetiva origem do procedimento, que inclusive deve constituir a intenção da pessoa que comete o crime, ainda que a representação seja posteriormente arquivada; e (iv) A narrativa é feita de modo pessoal e determinado, isto é, o agente atribui a prática a alguém. Além disso, o crime de calúnia (art. 138 do CP) é absorvido pela denunciação caluniosa, visto constituir meio do delito mais grave, nos termos do princípio da consunção. A pena, que é de reclusão de dois a oito anos e multa, é aumentada, caso o agente se valha de anonimato ou de nome suposto (§ 1º). Comunicação falsa de crime ou de contravenção (art. 340 do CP) Pratica esse crime comum a pessoa que dolosamente comunica “ocorrência” que, objetiva e/ou subjetivamente, não tenha constituído crime ou contravenção. Aqui, distintamente do caso anterior, não se exige que a autoridade efetivamente instaure um procedimento, mas que tome “alguma iniciativa”, a fim de apurar a ocorrência do fato, para que o delito se consume. Ainda no campo das distinções, não há diminuição da pena, se a prática constituir contravenção penal, já que o que se tutela é, fundamentalmente, o regular funcionamento da atividade judiciária. Além disso, a imputação é feita a pessoa indeterminada, isto é, de modo genérico, “não se descaracterizando o delito se há a acusação de pessoa fictícia ou imaginária” (PRADO, 2019, p. 2213). Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, punida com detenção de um a seis meses ou multa. Autoacusação falsa (art. 341 do CP) Esse é um delito que, mais uma vez, visa a tutelar os interesses da administração em não gastar esforços na atividade judiciária com alguma espécie de falsidade. Nesse caso, a pessoa acusa a si mesma — diferentemente das infrações anteriores —, “perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem”, isto é, confessa ter cometido crime que não ocorreu ou que teve autoria de terceira pessoa. Trata-se de delito de mão própria, uma vez que só pode ser cometido pelo autor pessoalmente, não se confundindo com comunicação falsa, visto que aqui também se particulariza a conduta subjetivamente. Não obstante, pode ser cometido em coautoria ou participação com os arts. 339 e 341, cumpridos os requisitos de cada qual. Crime comum, doloso, unissubjetivo, também é infração de menor potencial ofensivo, reprimida com detenção de três meses a dois anos ou multa. Falso testemunho ou falsa perícia (art. 342 do CP) Tipo misto alternativo, é crime de mão própria, já que aqui a falsidade só pode ser cometida (no que tange à autoria) por um dos sujeitos elencados no caput — sem prejuízo da participação. Deve a a�rmação recair sobre fato juridicamente relevante, consumando-se quando a pessoa termina de fazê-la. Também pode ser cometido por omissão, por exemplo, quando se cala a verdade. A pena cominada é de reclusão de dois a quatro anos e multa, aumentadas, no caso do § 1º. Por fim, há causa de extinção de punibilidade prevista, já que “o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade”, nos termos do § 2º. Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP) Esse é um crime comum que, a depender da atribuição do sujeito passivo, tem correspondentes especiais — por exemplo, se funcionário público, pode haver: Violência arbitrária (art. 322 do CP); Exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350 do CP); Ou até abuso de autoridade (arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898/1965). É preciso que o autor tenha pretensão, isto é, direito, e acredite ser ele próprio seu titular, ou uma terceira pessoa. Comentário Isso significa que a pretensão pode ser própria ou de terceiro, e pode até ser ilegítima, desde que o autor esteja convencido do contrário. O tipo apresenta, ao final, a ressalva “salvo quando a lei o permite”, que constitui causa de justificação, quando, por exemplo, está-se diante do desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do Código Civil – CC). A infração é de menor potencial ofensivo, com pena de detenção de 15 dias a um mês ou multa, além da pena correspondente à violência (concurso material de crimes). Favorecimento pessoal e real (arts. 348 e 349 do CP) Nos crimes de favorecimento, presta-se auxílio à pessoa que, sabe-se, cometeu crime, demandando-se, portanto: (i) O prévio cometimento de um crime (crime acessório) por um terceiro; e (ii) Que o agente conheça essa condição. Comentário Qualquer pessoa pode ser autora, desde que não seja partícipe ou coautora do crime anterior, e a infração, que é de menor potencial ofensivo, consuma-se com a efetiva prestação do auxílio, podendo este ser cometido de modo omissivo. Delito doloso, em ambos os casos, distingue-se pelo seguinte: (i) No art. 348, o auxílio é para “subtrair-se à ação de autoridade pública” e, no art. 349, para “tornar seguro o proveito do crime”; (ii) No art. 348, o crime anterior pode ser consumado ou tentado e, se punido com detenção, assume forma privilegiada; enquanto, no art. 349, só consumado e pune-se indistintamente, se o crime antecedente é punido com detenção ou reclusão; (iii) ã d ã d O art. 348 apresenta previsão de isenção de pena, no § 2º, que não tem correspondência no art. 349, contanto que, “se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena”; e (iv) A pena, no favorecimento pessoal, é de detenção de um a seis meses e multa, e, se o crime prévio for punido com detenção, de 15 dias a um mês e multa; já no favorecimento real, detenção de um a seis meses e multa. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 (TJ/AL – 2018 – Analista Judiciário – Adaptada) Jorge, de origem humilde, atua como oficial de justiça em determinado tribunal de justiça. Quando cumpria ordem de busca e apreensão na comunidade em que nasceu, viu, de longe, que seu irmão dispensou uma sacola plástica com grande quantidade de drogas, empurrou um policial militar e tentava empreender fuga e evitar o flagrante de crime de tráfico, crime esse punido com pena mínima de cinco anos de reclusão. Diante disso, quando seu irmão corre em sua direção, auxilia-o, escondendo-o dentro de seu veículo particular, enquanto continua a cumprir o mandado pendente. Descobertos os fatos, considerando apenas a situação narrada, o ato de Jorge configura: Parabéns! A alternativa B está correta. A Crime de exercício arbitrário das próprias razões B Conduta típica, mas não punível C Crime de favorecimento pessoal D Crime de favorecimento real E Conduta atípica A conduta descreve um possível crime de favorecimento pessoal, já que Jorge auxilia alguém a subtrair-se à ação de autoridade pública, nos termos do art. 348 do CP. Não obstante, incorre na causa de isenção de pena do § 2º do dispositivo, estando isento de pena. Não se trata de exercício arbitrário das próprias razões, já que não há o direito remetido a um crime prévio, assim como não é favorecimento real, dado que não se trata de auxílio para tornar seguro o proveito do crime, efetivamente. Questão 2 Sobre os crimes contra a administração da justiça, marque a alternativa correta: A A pena é aumentada no crime de denunciação caluniosa, se a imputação é de prática de contravenção, e diminuída, se o agentese serve de anonimato. B O crime de comunicação falsa de crime ou contravenção consuma-se com a comunicação à autoridade no sentido de apurar a ocorrência do fato. C É requisito para o crime de autoacusação, previsto no art. 341 do Código Penal (CP), que o sujeito se autoacuse perante autoridade. D O crime de falso testemunho só restará configurado se disser respeito a fato relevante, seja jurídico ou não, aperfeiçoando-se quando encerrado o depoimento. E Na denúncia do crime de denunciação caluniosa, devem estar especificados apenas quais crimes teriam sido falsamente imputados a uma pessoa desconhecida. Parabéns! A alternativa C está correta. No crime do art. 341 do CP, não se exige qualquer providência tomada pela autoridade, ao contrário dos crimes dos arts. 340 e 339. Considerações �nais Neste tema, estudamos crimes importantes, que afetam, cada qual a seu modo, a Administração Pública e a coletividade em geral. Os tipos penais do primeiro módulo representam a dificuldade das agências estatais de lidar com a violência organizada e com a capilaridade da paraestatalidade; os de falsidade importam em fragilização da confiança nas relações e nos documentos em geral, que são orgânicos à nossa sociedade; os crimes cometidos por funcionários públicos e contra estes violam a probidade, a função pública e as estruturas burocráticas estatais; por fim, os crimes contra a administração da justiça reprimem as condutas que impactam a efetiva prestação do direito de acesso à justiça a todas e todos. Podcast Neste podcast, a especialista relembrará os principais crimes contra a Administração Pública. Explore + Sobre os crimes contra a Administração Pública, confira o livro de Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr., Dos crimes contra a Administração Pública. Referências MANSO, B. P. A república das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020. NUCCI, G. de S. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. PRADO, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. SANTOS, J. C. dos. Direito Penal: parte geral. 5. ed. Curitiba: ICPC: Conceito Editorial, 2014. SOUZA, C. R.; SADALLA, N. P. Milícias: uma análise sobre o populismo penal e o Direito Penal do inimigo. Revista Eletrônica de Direito da Faculdade Estácio do Pará, [S.l.], v. 5, n. 8, p. 62-74, dez. 2018. Consultado na Internet em: 12 ago. 2021. Material para download Clique no botão abaixo para fazer o download do conteúdo completo em formato PDF. Download material javascript:CriaPDF() O que você achou do conteúdo? Relatar problema
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