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Crimes contra a paz pública, fé e administração pública

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Crimes contra a paz pública, fé e administração pública
Prof.ª Luciana Costa Fernandes
false
Descrição
Aspectos teóricos e práticos envolvendo os crimes em espécie de
“associação criminosa” e “constituição de milícia”; crimes de falso;
crimes contra a Administração Pública e a administração da justiça.
Propósito
Os crimes deste módulo integram importante parte do ordenamento
jurídico penal, sendo fundamental que se conheçam as espécies e os
elementos dos tipos penais, e que se reflita sobre o que estrutura esses
delitos.
Preparação
Antes de iniciar este tema, tenha em mãos a Constituição Federal de
1988 (CF/1988), o Código Penal (CP) e as leis penais extravagantes
indicadas.
Objetivos
Módulo 1
Associação criminosa e constituição de
milícia privada
Reconhecer os conceitos e os aspectos dos crimes contra a paz
pública.
Módulo 2
Falsidade
Distinguir os crimes de falso.
Módulo 3
Crimes praticados por funcionário público e
particular contra a Administração Pública
Avaliar as características dos crimes praticados por funcionário
público e particular contra a Administração Pública.
Módulo 4
Crimes contra a administração da justiça
Analisar os crimes contra a Administração Pública e a administração
da justiça.
Os delitos em espécie deste tema violam bens jurídicos de distinta
relevância. Enquanto os crimes de associação criminosa e
Introdução
1 - Associação criminosa e constituição de milícia privada
Ao �nal deste módulo você será capaz de reconhecer os conceitos e os aspectos dos crimes
contra a paz pública.
Os dois crimes que veremos neste módulo são os principais do Título IX,
“Dos crimes contra a paz pública”, do CP. Podemos entender esse bem
jurídico, para fins de responsabilização criminal, como sinônimo da
ordem pública (PRADO, 2019, p. 1776), e qualificar como “sujeito
passivo” dos dois ilícitos a coletividade, sendo “crimes vagos”.
Ambos são dolosos, processados mediante ação penal pública
incondicionada e foram recentemente reposicionados em nosso
constituição de milícia privada estão situados no título que, em
tese, tutela a paz pública, os crimes de falso atingem a fé pública, e
os crimes contra a Administração Pública e a administração da
justiça tutelam a estrutura jurídico-normativa do Estado em
variados níveis de secção.
Assim, é importante conhecer os aspectos gerais das infrações
penais de cada um dos módulos e se ater às relevantes discussões
que vêm sendo travadas no que se refere à incidência prática e ao
contexto de emergência político-cultural de repressão contra alguns
deles. Nesse sentido, chamamos a atenção para que cada pessoa
que os esteja estudando expanda o espaço de conhecimento sobre
múltiplos temas que convocam e implique-se nas discussões
político-conjunturais que passam a demandar.
ordenamento jurídico. Antes da Lei nº 12.850/2013, o crime de
“associação criminosa”, então conhecido como crime de “quadrilha ou
bando”, tinha outros elementos essenciais — como o número mínimo de
integrantes, que antes era de quatro pessoas, e a exasperação da
modalidade qualificada, que antes era em dobro, necessariamente —, e a
“Constituição de milícia privada” sequer existia, tendo sido incluída pela
Lei nº 12.720/2012. Passemos, então, a conhecer cada qual
separadamente.
Associação criminosa (art. 288 do CP)
Associação criminosa
Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes discorre sobre o tipo penal
da associação criminosa.
Trata-se de crime comissivo, que tem a forma livre e cuja pena prevista é
de reclusão, de um a três anos. Além disso, é comum — podendo ser
cometido por qualquer pessoa, sem que delas se exijam qualquer
condição particular — e de concurso necessário ou plurilateral.
Nos termos do art. 288 do CP, para incorrer em suas penas, é necessário
comprovar que no mínimo três pessoas estavam associadas com a
finalidade específica de cometer crimes, excluídos as contravenções e
os atos sem relevância criminal.

Comentário
Isso quer dizer que cabe à acusação a demonstração de que havia pelo
menos três pessoas unidas com estabilidade e permanência, com um
animus definitivo de integrar aquele corpo coletivo, e agrupadas para
fins de praticar indeterminadamente crimes.
É fundamental, nesse sentido, que haja o ajuste prévio
entre os membros, mesmo sem haver uma delimitada
organização entre os integrantes.
Dessas condições, extraem-se importantes distinções entre esse delito
e o instituto do “concurso de agentes”. Neste, diferentemente do crime
em espécie que estamos estudando, a pluralidade de autores está
reunida com a finalidade de praticar delito(s) específico(s), de forma
ocasional e transitória. Já no art. 288 do CP, temos um conjunto de
membros que estão agrupados de maneira estável, ainda que sem
hierarquia, para a prática de vários ilícitos penais (NUCCI, 2020, p. 1356).
A pessoa pode estar na associação, mesmo sem que conheça
pessoalmente todos os seus demais integrantes, mas deve ter
conhecimento de que a pluralidade existe de modo duradouro, assim
como deve estar informada e aderir às finalidades criminosas de seus
integrantes. Trata-se de delito permanente, sendo inadmissível a
tentativa por impossível fracionamento do iter criminis (crime
unissubsistente) e de perigo abstrato, já que dispensa que algum crime
orquestrado efetivamente se consume, sendo relevante apenas a
perpetração deles.
Saiba mais
Inclusive, quando houver o delito desejado, apenas o integrante que
concorrer para sua efetivação responde, em concurso material, pelo
crime de associação criminosa.
A depender dos crimes objetivados pela associação, são possíveis o
afastamento do tipo do CP e a incidência de lei especial, como é o caso
do art. 2º da Lei nº 2.889/1956, para a hipótese de a organização
objetivar a prática do genocídio; e do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, em
se tratando de delitos de drogas, devendo-se atentar para os elementos
necessários para esses delitos, nos termos da legislação em particular.
Além disso, a lei que atribuiu nova redação a esse crime, Lei nº
12.850/2013, trabalha, em seu art. 1º, com um conceito de “organização
criminosa” para fins da própria lei, havendo um maior rigor quanto ao
número mínimo de integrantes e devendo tratar-se de estrutura com
maior complexidade do que a incriminada pelo art. 288 do CP. O
parágrafo único desse dispositivo estabelece as causas especiais de
aumento de pena, que podem elevar a pena até a metade, sendo elas:
Se a associação for armada ou;
Se houver a participação de criança ou adolescente.
Saiba mais
Ademais, o art. 8º da Lei nº 8.072/1990 prevê modalidade qualificada,
quando a associação tiver a intenção de praticar “crimes hediondos,
prática da tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”.
Constituição de milícia privada (art.
288-A do CP)
Como trouxemos na introdução, esse delito foi inserido pela Lei nº
12.720/2012, que atentava para o crescente número de denúncias de
casos envolvendo grupos específicos, inclusive com envolvimento de
policiais, referidos como “milícias privadas”. Essas estruturas
criminosas expandiam-se, naquela década, em diversas regiões do país,
especialmente no Rio de Janeiro, agindo como “grupos de extermínio” e
como agenciadores de serviços os mais diversos onde se instalavam,
de segurança à energia elétrica e telefonia.
Desde então, essas organizações só cresceram, e há notícia de que
tenham como membros nodais, para sua expansão em diferentes
territórios, pessoas que integram as cúpulas dos poderes instituídos
(MANSO, 2020).
Em meio a esse panorama, arrefeceu-se o debate para a criação de um
crime específico que pudesse reprimir tais grupos e sobreveio a
iniciativa legislativa, que, não obstante o mandamento do princípio da
legalidade penal, trouxe uma definição típica construída em termos
bastante vagos. Um dos indicadores disso é que não se exige um
número mínimo de pessoas para sua caracterização, havendo enorme
divergência sobre a matériaentre os tribunais, e há termos muito
imprecisos em seus elementos definidores (SOUZA; SADALLA, 2018).
Trata-se, como vimos na seção anterior, também de um
crime de perigo abstrato, comum, vago, livre, de tentativa
inadmissível e doloso.
É necessário comprovar o vínculo estável e permanente entre os
sujeitos e a finalidade especial, que se deve comprovar também, e a
prática de qualquer dos crimes previstos no CP, excluindo-se os delitos
previstos em leis extravagantes. Além disso, temos aqui um tipo misto
alternativo — o que também é sintomático do alargamento da redação
do delito —, já que, se a pessoa praticar mais de um núcleo previsto no
dispositivo (constituir, organizar, integrar, manter ou custear),
responderá por um crime único. A pena é de reclusão, de quatro a oito
anos.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(FCC – 2018 – DPE/MA – Defensor Público) Sobre o crime de
associação criminosa, é correto afirmar que:
A
Demanda a associação de três ou mais pessoas,
estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, com o objetivo de praticar
crimes.
B
Exige a demonstração do elemento subjetivo
especial consistente no ajuste prévio entre os
membros, com a finalidade específica de cometer
crimes indeterminados.
Parabéns! A alternativa A está correta.
Um dos mais importantes elementos no que concerne ao crime do
art. 288 do CP é a demonstração da estabilidade e da permanência
da associação criminosa, já que qualquer indício de que o grupo de
pessoas atuava de modo esporádico torna impossível a
responsabilização em seus termos. Para caracterizar o delito, é
necessário que haja no mínimo três pessoas. Não se trata de crime
hediondo, e não há necessidade de qualquer qualificação dos
crimes cometidos, sendo esse elemento apenas para a qualificação
do crime.
Questão 2
Sobre o crime de “constituição de milícia privada”, previsto no art.
288-A do Código Penal (CP), assinale a alternativa correta:
C
Tem caráter hediondo, a despeito de ter pena menor
do que a associação para o tráfico, que não é
equiparado ao hediondo.
D
Exige, para sua configuração, o concurso de agentes
e a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a quatro anos.
E
Admite a colaboração premiada, com redução de
até um terço da pena, desde que ao menos um
agente com cargo político seja delatado.
A Trata-se de delito que admite a tentativa.
B
O crime é processado mediante ação penal pública
condicionada à representação.
C
Requer como finalidade especial cometer qualquer
dos crimes previstos na legislação penal, incluindo-
se a extravagante.
Parabéns! A alternativa D está correta.
O crime é unisubssistente, pelo que não admite a tentativa, assim
como é processado por ação penal pública incondicionada, motivo
pelo qual as alternativas A e B estão incorretas. O dispositivo exige
que a intenção seja de cometer crime previsto apenas no CP, sendo
um crime comum, pelo que as alternativas C e E estão incorretas. A
alternativa D contempla perfeitamente a definição do momento
consumativo do crime, sendo, então, o gabarito.
2 - Falsidade
Ao �nal deste módulo você será capaz de distinguir os crimes de falso.
D
Consuma-se no momento da constituição, da
organização, da integração, da manutenção ou do
custeamento, independentemente da prática
criminosa almejada.
E
É crime próprio, cometido necessariamente por
agentes da segurança pública.

Falsidades
Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes tratará dos tipos penais de
falsidade, trazendo suas principais características.
Neste módulo, estudaremos os chamados “crimes de falso”, que
constituem o Título X, “Dos crimes contra a fé pública”, de nosso CP,
abrangendo os arts. 289 a 311. Esses são delitos que envolvem a
confiança das pessoas, principalmente — embora não só — nos
documentos e nas relações que deles advêm, assim como objetos e
condutas pessoais.
Alguns requisitos são comuns a todos eles, quais sejam:
(i) Todos têm como forma de execução uma falsidade, também
chamada “contrafação da verdade”, sendo praticados mediante
condutas que promovam mudanças no conteúdo verdadeiro, por
exemplo, de um documento ou objeto;
(ii) Precisam, para fins de lesividade, ao menos emplacar um “dano
potencial”. Isso quer dizer que esses crimes, para serem
reprimidos, necessitam ser praticados por meio de falsos que
sejam aptos para enganar um número indeterminado de pessoas,
sem que constituam falsificações grosseiras; e
(iii) Precisam ser, necessariamente, dolosos.
Além disso, a maioria pode ser praticada a partir de três modalidades:
(i)
A falsidade material, que se refere aos elementos exteriores de um
documento, à sua forma (v.g., arts. 297 e 298);
(ii)
A falsidade ideológica, que atinge o conteúdo de um documento
materialmente válido (v.g., art. 299);
(iii)
E a falsidade pessoal, que ocorre quando alguém se passa por outra
pessoa (v.g., art. 307).
Outro ponto importante para delimitar diz respeito a um
dos princípios aplicáveis a esses crimes: o da consunção.
Quando há um conjunto de condutas com aparência criminosa e uma
delas integra a fase executória de outra, é possível que não haja crimes
autônomos, mas, sim, que um delito “absorva” o outro. Então, considere
que um estelionato (art. 171 do CP), infração que demanda fraude com
a finalidade de obtenção de vantagem indevida, tenha sido praticado
mediante a apresentação de um documento falso (art. 304 do CP).
Como o art. 171 do CP já contém em sua figura típica a repressão a um
ardil, que é tomado como a forma de execução do crime, seria no
mínimo incongruente responsabilizar um estelionatário pelos dois
delitos de modo autônomo.
No caso em debate, o delito menos grave, que é o uso de documento, é
absorvido pelo fato principal, nos exatos termos do princípio em
comento. E assim sempre será, na medida em que o crime menos grave
seja o meio necessário do delito principal e nele se esgote, como é o
teor da Súmula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Súmula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é
por este absorvido”.
Crimes contra a fé pública – da
moeda falsa
Esse conjunto de crimes envolve violações à fé pública de que,
culturalmente, gozam os documentos e objetos expedidos ou emitidos
por repartições públicas. Dadas a condição e a importância desse bem
jurídico, é um crime processado na justiça federal e que vem se
entendendo não admitir a aplicação do princípio da insignificância (HC
nº 97.220 do Supremo Tribunal Federal – STF).
Nesse título, o primeiro capítulo é dedicado aos delitos que envolvem a
falsificação de moedas, atingindo o valor jurídico atribuído pelo Estado a
esses objetos e tendo como sujeito passivo tanto o ente público por
elas responsável, e que nesse caso representa toda a coletividade,
quanto particulares que venham a ser prejudicados pelas infrações.
O objeto falsificado deve ser um dinheiro legítimo, excluindo-se do
conceito moeda anteriormente falsificada ou retirada de circulação, já
que assim perde o valor monetário.
Além disso, o falso numerário não é um fim em si mesmo,
predominando que “só há o delito se as modificações na moeda
resultam em aparência de maior valor, não configurando o tipo a
alteração que o mantenha inalterado ou que redunde em diminuição do
valor nominal” (PRADO, 2019, p. 1792).
A primeira espécie tratada nesta seção é o crime de moeda falsa,
previsto no art. 289 do CP, um delito comum, doloso e cuja consumação
ocorre na medida em que a moeda (metálica ou de papel) seja fabricada
(produzida) ou alterada (modificada). Por esses verbos configurarem um
modo de execução completamente fragmentável, admite-se tentativa,
desde que o iter criminis seja interrompido por fato alheio à vontade do
agente.
Atenção!
Deve-se lembrar que, como todos os crimes de falsidade, a imitação não
pode ser grosseira,precisando atingir certo grau de perfeição, a ponto
de induzir em erro um número indeterminado de pessoas, mesmo que
possa eventualmente ser detectada — por exemplo, por um perito. Deve-
se considerar, nesse sentido, se a moeda abstratamente poderia ser
colocada em circulação, já que a maioria das pessoas não detectaria a
fraude.
Trata-se também de crime de concurso eventual (unissubjetivo), que
pode ser praticado de forma omissiva e por meio das condutas
equiparadas previstas no § 1º do art. 289 do CP, que são,
necessariamente, subsequentes à falsificação da moeda. A modalidade
equiparada é um tipo misto alternativo, significando que, se o agente
praticar mais de um núcleo, responde por crime único. Em todas as
hipóteses, o crime é punido com reclusão de três a 12 anos e multa.
Os crimes assimilados ao de moeda falsa estão previstos no art. 290 do
CP. Esse dispositivo faz a previsão de um delito que envolve,
necessariamente, papel-moeda (excluindo-se os metais) e que pode ser
classificado como: de perigo abstrato; de ação múltipla; doloso; que
admite tentativa; e que pode ser praticado na forma omissiva. Nesse
caso, a falsidade toma forma:
(i))
Com a formação de cédula, nota ou bilhete a partir da adjunção
ou da justaposição de fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes
de dinheiro verdadeiro;
(ii)
Com a supressão de sinal indicativo de inutilização do papel-
moeda, com o intuito de restituí-lo à circulação; e
(iii)
Com a restituição à circulação do papel-moeda confeccionado a
partir de fragmentos de outras notas, ou daquele cujos sinais de
inutilização tenham sido suprimidos, ou ainda do que, não tendo
sido inutilizado, já tenha sido recolhido para esse fim. A pena
cominada é de reclusão, de dois a oito anos, e multa.
No parágrafo único do art. 290, encontra-se tipificada a forma
qualificada do delito, agora em sua modalidade funcional, porque só
pode ser praticada por funcionário da repartição onde está o dinheiro
recolhido, ou por pessoa que, em razão do cargo exercido, tem fácil
ingresso em tal local. Nesse caso, o máximo da reclusão é elevado a 12
anos, além de multa cumulativa.
O delito previsto no art. 291 do CP é conhecido como
“petrechos para falsi�cação de moeda”.
Punido com pena de reclusão de dois a seis anos e multa, nele incorre
quem realiza qualquer uma das ações para sua configuração (tipo misto
alternativo) e que, em si, bastam para a consumação do crime,
independentemente de qualquer dano concreto (crime de perigo
abstrato).
O objeto material das condutas é qualquer instrumento, máquina,
aparelho ou qualquer outro, genericamente, destinado especialmente
(normalmente) à elaboração de moeda falsa. Crime comum e doloso, é
subsidiário em relação ao art. 289 do CP, uma vez que, se efetivamente
a falsificação acontece, configurando meio para a execução do delito
mais grave, esta lhe absorve (princípio da consunção).
Curiosidade
Há ferrenhas críticas à manutenção de seu status constitucional, já que
representa, em descompasso com o princípio da lesividade, a
criminalização de atos preparatórios e, assim, a antecipação da tutela
penal, expressão precípua do Direito Penal do autor.
Outro crime previsto nesta seção é o de “emissão de título ao portador
sem permissão legal”. Tipificado no art. 292 do CP, ocorre quando
alguém coloca em circulação qualquer um dos títulos elencados “que
contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou a que
falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago”.
Como a emissão é um ato complexo, que requer procedimentos
bastante específicos, “a mera formação do título, diversamente do que
ocorre com a moeda falsa, não tem relevância penal, tratando-se de
simples ato preparatório” (PRADO, 2019, p. 1822).
Ademais, a promessa do título que é incriminada é a de substituir o
dinheiro, por isso não é todo “vale” que fará constituir o material que
demanda o delito, assim como apenas os títulos sem permissão legal
são objeto da infração. Ele também pode ser praticado na modalidade
omissiva, admite tentativa e é infração de menor potencial ofensivo.
Da falsidade de títulos e outros
papéis públicos
O art. 293 do CP traz as formas do delito de “falsificação de papéis
públicos”, com um amplo rol de documentos que, se “fabricados”
(criados) ou “alterados” (modificados), constituirão a referida infração
penal. Trata-se, em geral, de crime comum, mas há previsão de
modalidade própria no art. 293, § 1º, III, do CP.
Se for praticado por funcionário público, prevalecendo-se do cargo,
aplica-se a majorante do art. 295 do CP. Trata-se de crime doloso, cuja
consumação independe da produção de resultado naturalístico.
Ademais, admite-se tentativa, exceto na modalidade em que aparenta
ser unissubsistente.
Saiba mais
A modalidade privilegiada está prevista no § 4º, para aquele que recebe
o título de boa-fé e o usa ou restitui à circulação — salvo se a restituição
for à própria pessoa de quem recebera (fato atípico).
O segundo e último crime desta seção é o dos “petrechos”, que, como
no caso das moedas falsas, criminaliza aquele que “fabricar, adquirir,
fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado à
falsificação de qualquer dos papéis [referidos no art. 293]”. Portanto,
remetemos aquele que estuda este material aos comentários do crime
análogo, na seção anterior, pontuando desde já que, nesse caso, a pena
é de reclusão de um a três anos e multa.
Falsidade documental
O art. 296 do CP criminaliza a “falsificação do selo ou sinal público”,
sendo também uma infração que tutela a fé pública, em especial a
importância de sinais destinados à autenticação de documentos. Trata-
se de crime comum, que precisa ser apto ao engano de terceiros e que
também tem como regra a consumação no momento da fabricação ou
alteração dos símbolos, independentemente da obtenção da vantagem
(NUCCI, 2020, p. 1381).
Saiba mais
Delito cujas modalidades equiparadas estão previstas no § 1º,
criminalizando quem “usa”, “utiliza indevidamente” ou “falsifica ou usa
indevidamente símbolos da Administração Pública”, também tem sua
forma funcional prevista no § 2º.
A “falsi�cação de documento público”, tipi�cado no art.
297 do CP, é uma das infrações mais importantes deste
módulo.
Aqui, as lições que viemos reforçando também se aplicam, sendo
necessária a idoneidade do documento falsificado (excetuando-se as
falsificações grosseiras) e sendo crime comum, em geral (salvo na
modalidade da causa de aumento de pena, em que, nos termos do § 1º,
temos um crime funcional). É claro que o documento público, em si, é
emitido por uma pessoa investida da função pública; aqui, o que
pontuamos é que qualquer pessoa pode incorrer na infração ao falseá-
lo.
O objeto material do crime, “documento público”, tem recebido definição
bastante abrangente pela doutrina e pela jurisprudência, que o têm
considerado, basicamente, conquanto sejam:
(i) Escrito;
(ii) Com autoria identificada; e
(ii) Com relevância no conteúdo, isto é, com potencialidade para
gerar consequências. Ademais, como lembramos nos casos
antecedentes, documentos previamente falsos não podem ser
objeto do crime.
Por força do § 2º, são equiparados a “documento público”:

Os emanados de entidade paraestatal

O título ao portador ou transmissível por
endosso

Os livros mercantis

O testamento particular
Além disso, nos termos do § 3º, é criminosa a conduta tendo por objeto
documentos atinentes à Previdência Social, havendo um amplo rol de
espécies consideradas, inclusive incorrendo no falso a conduta
omissiva, conforme o § 4º, de quem neles “omite nome do segurado e
seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho
ou de prestação de serviços”.
Comentário
Trata-se, aqui, de ilícitos infelizmente bastante comuns em nossa
sociedade, cometidos sobretudo pelos empregadores contra os direitos
de seus empregados, em absoluto retrocesso a nosso Estado
democrático de direito.
São criminosas a “fabricação”(criação) ou a “alteração” (adulteração),
no todo ou em parte, das diferentes espécies de documento público, a
depender da inexistência (primeiro caso) ou existência (segundo caso)
anterior de um documento válido. Então, na segunda modalidade,
pratica esse crime, por exemplo, quem insere outra foto em documento
de identificação válido de terceiro titular. Na primeira, quem cria uma
identidade, sem tomar como base qualquer documento preexistente.
Para a consumação, não se exige um efetivo prejuízo,
como explicamos no caso dos delitos anteriores, já que a
falsi�cação, em si, já implica violação da fé pública.
Por fim, quanto às penas, as condutas, tanto no caput quanto nos §§ 3º
e 4º, são punidas com reclusão de dois a seis anos e multa; e, às
hipóteses do caput, aplica-se, no caso de ser o agente funcionário
público e cometer o delito prevalecendo-se de tal condição, a
exasperação de um sexto.
O crime trazido logo em seguida por nosso legislador é a “falsificação
de documento particular”, no art. 298 do CP, com definição bastante
simples quanto ao objeto.
Consideram-se “documento particular”, para efeitos de
responsabilização criminal, todos os documentos com relevância
jurídica que não sejam considerados documentos públicos nos termos
da explicação antecedente; e, conforme o parágrafo único, equiparam-se
a documento particular o cartão de crédito ou débito.
A infração consuma-se com a efetiva falsi�cação, desde
que capaz de gerar consequências jurídicas,
independentemente da produção de qualquer prejuízo.
Além disso, o delito é punido com pena de um a cinco anos
e multa.
Vale notar que a pessoa que falsifica e utiliza o documento falso não
responde pelo uso, já que entre esses delitos reside uma relação de
crime-meio e crime-fim. Por último, nos termos da Súmula nº 104 do
STJ, “compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes
de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento
particular de ensino”.
O art. 299 do CP traz a definição do crime de “falsificação ideológica”. A
principal nota distintiva em relação a todos os crimes anteriores é que,
ao contrário daqueles, na falsidade ideológica o documento é
materialmente verdadeiro. No entanto, a declaração que nele está
contida é que é inverídica, sendo, por isso, um falso intelectual ou ideal.
Portanto, a apuração da falsidade ideológica, ao revés dos demais
delitos vistos, independe de perícia.
O objeto material pode ser um documento particular ou público, e, no
último caso, é possível inclusive, em tese, o concurso de agentes com
distinção no que tange ao tipo incriminador. Nesse sentido, vale notar
que
[…] quando se trata de falsidade
intelectual de documento público, as
condutas de omitir e inserir
demandam, inevitavelmente, a
intervenção de agente funcionário
público na condição de sujeito ativo,
ainda que em concurso com o
particular. É que, em sendo
documento público, ato cuja
expedição ou elaboração é privativa
de funcionário público (lato sensu)
no exercício de suas funções, só o
oficial público pode inserir, ou deixar
de fazê-lo quando é devido; não é
possível ao particular elaborá-lo
com legitimidade para tanto e, pois,
não pode inserir (nem omitir) nele
declaração falsa. Pode, tão só, fazer
inserir (falsidade ideológica
mediata), fazendo declaração falsa
ao funcionário. Se este não tem
conhecimento da inverdade do que
foi declarado, só o particular incorre
no crime, por fazer inserir;
entretanto, se o funcionário,
consciente da falsidade, quer
aderindo à falsa declaração do
particular, — hipótese em que há
concurso de agentes —, quer
inserindo a inverdade no documento
que confecciona ou neste omitindo
o que deveria escrever, está
cometendo o delito de falso ideal de
documento público.
(PRADO, 2019, p. 1890-1891)
Trata-se de crime comum, com a modalidade funcional prevista no
parágrafo único, assim como omissivo próprio quanto ao núcleo
“omitir”.
Atenção!
Segundo o Informativo nº 672 do STJ, que consolidou o julgamento do
RvCr nº 5.233/DF, trata-se de crime formal e instantâneo, cujos efeitos
podem protrair-se no tempo. Isso tem importante implicação para fins
de cálculo da prescrição, porque, se a falsidade ideológica se consuma
no momento em que é praticada a conduta, então “o termo inicial da
contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva é o momento da
consumação do delito (e não o da eventual reiteração de seus efeitos)”.
A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos e multa,
se o documento é público, e de reclusão de um a três anos
e multa, se o documento é particular.
No art. 300 do CP, encontra-se o chamado “falso reconhecimento de
firma ou letra”, crime próprio, que só pode ser cometido por
funcionários públicos — como tabeliões —, conquanto tenham
conhecimento da falsidade da firma ou da letra. É crime doloso, que
pode ser praticado de forma omissiva, admite a tentativa e é punido
com pena de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é
público, e de um a três anos e multa, se o documento é particular.
O delito do art. 301 do CP, por sua vez, tem como objeto “certidão ou
atestado ideologicamente falso”, sendo modalidade bastante própria de
falsidade ideológica — que, no delito antecedente, vimos descrita pelo
legislador de forma genérica. O falso é praticado para que alguém possa
“obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público,
ou qualquer outra vantagem”.
Comentário
Na hipótese do caput, temos um crime próprio, que só pode ser
cometido por funcionários públicos, enquanto, no § 1º, temos um crime
comum. Além disso, nos termos do § 2º, se o crime é praticado com o
fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade, a de multa.
No mais, pode ser praticado na forma omissiva, tem forma vinculada e é
infração de menor potencial ofensivo, já que tem como pena a detenção
de três meses a dois anos.
No art. 302 do CP, também temos outra espécie de falsidade ideológica
específica, que só pode ser cometida pelos médicos (crime próprio). A
“falsidade de atestado médico” é punida com pena de detenção de um
mês a um ano, sendo infração de menor potencial ofensivo, que admite
a tentativa, desde que não haja a entrega do atestado ao interessado ou
a outrem.
Saiba mais
Vale notar que, se o médico é funcionário público, a incidência será, em
tese, do crime do art. 301 do CP, podendo, no caso de ter finalidade
lucrativa, responder o agente por corrupção passiva. Por fim, quem não
é médico e falsifica atestado médico comete possivelmente o tipo do
art. 301, § 1º, do CP.
O último crime que importa estudar aqui é o do art. 304 do CP, que
criminaliza quem efetivamente usa (emprega) documento material ou
ideologicamente falso (referidos nos arts. 297 a 302 do CP), como se
verdadeiro fosse. No “uso de documento falso”, é fundamental que o
documento seja utilizado em sua destinação específica e com a
finalidade de provar fato juridicamente relevante. Trata-se de crime
comum, que em tese admite tentativa e pode ser cometido na forma
omissiva.
Três questões são dignas de destaque:
Primeiro, trata-se de crime acessório, pois, ao contrário dos delitos
que vimos anteriormente, que não dependem do respectivo uso do
documento para completar-se, requer a prévia existência do falso.
Há dependência, portanto, da ocorrência de crime anterior (falso).
Segundo, a mera posse e/ou porte de documento falso sem sua
efetiva utilização são fatos atípicos.
Terceiro, o uso pelo próprio autor da falsificação constitui
exaurimento do crime de falso, conquanto exaure sua
potencialidade lesiva, devendo responder pelo art. 297 ou 298, e
não pelo art. 304, quando for o caso.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(PC/ES – Delegado de Polícia) No dia 9 de julho de 2017, Henrique
foi parado em uma fiscalização da Operação Lei Seca. Após
solicitar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de Henrique, o
policial militar que participava daoperação suspeitou do
documento apresentado. Procedeu, então, à verificação na base de
dados do Departamento de Trânsito (Detran) e confirmou a
suspeita, não encontrando o número de registro que constava na
CNH, embora as demais informações (nome e CPF) a respeito de
Henrique estivessem corretas. Questionado pelo policial, Henrique
confessou que havia adquirido o documento com Marcos, seu
vizinho, que atuava como despachante, tendo pago R$ 2.000,00 por
ele. Afirmou, ainda, que sequer havia feito prova no Detran.
Acrescente-se que, durante a instrução criminal, ficou comprovado
que, de fato, Henrique obteve o documento de Marcos, sendo este o
autor da contrafação. Além disso, foi verificado por meio de perícia
judicial que, no estado em que se encontra o documento, e em face
de sua aparência, pode iludir terceiros como se documento idôneo
fosse. Logo, pode-se afirmar que a conduta de Henrique se amolda
ao crime de:
Parabéns! A alternativa B está correta.
O agente que utilizar o documento material ou ideologicamente
falso pratica crime do art. 304 do CP. Apenas responderá pelo delito
de falso, que constitui as alternativas A, C, D e E, se também for o
autor da falsificação, caso em que se seria aplicado o princípio da
consunção.
Questão 2
(TCE/RO – 2019 – Procurador do Ministério Público de Contas –
Adaptada) Considerando a jurisprudência do Superior Tribunal de
A
Falsificação de documento público, previsto no
caput do art. 297 do Código Penal (CP).
B Uso de documento falso, previsto no art. 304 do CP.
C Falsa identidade, previsto no art. 307 do CP.
D
Falsidade ideológica, previsto no caput art. 299 do
CP.
E
Falsificação de documento particular, previsto no
caput do art. 298 do CP.
Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e a legislação a
respeito de crimes contra a fé pública, assinale a opção correta.
Parabéns! A alternativa E está correta.
A falsificação grosseira não tem potencialidade lesiva, motivo pelo
qual vem sendo entendida como conduta atípica. A falsidade
material está consumada independentemente do uso, conquanto
reprima a produção ou a modificação do documento. Não há
previsão de modalidade culposa para os crimes de falso, e os
objetos da alternativa D são equiparados a documento público,
sendo, portanto, a conduta análoga à falsificação de documento
público. Esses são os motivos pelos quais apenas a alternativa E
está correta.
A
Utilização de papel-moeda grosseiramente
falsificado configura crime de moeda falsa; admite-
se, no entanto, a aplicação do princípio da
insignificância, caso sejam grosseiramente
falsificadas cédulas de pequeno valor.
B
Crime de falsidade material de documento público
se consuma com a efetiva utilização do documento
público falsificado e a ocorrência de prejuízo.
C
Há previsão de modalidade culposa para crime de
falsidade ideológica de documento público ou
particular.
D
Configura crime de falsificação de documento
particular o ato de falsificar, no todo ou em parte,
testamento particular, duplicata e cartão bancário
de crédito ou débito.
E
O delito de uso de documento falso pode ser
absorvido pelo delito de descaminho, quando seja
etapa preparatória deste, por ser crime com pena
comparativamente maior.
3 - Crimes praticados por funcionário público e particular
contra a Administração Pública
Ao �nal deste módulo você será capaz de avaliar as características dos crimes praticados por
funcionário público e particular contra a Administração Pública.
Como nota geral, é possível dizer que os crimes que estudaremos estão
imbuídos do interesse de preservar o patrimônio público e a probidade
administrativa, tratando-se de ofensas a bens jurídicos difusos (NUCCI,
2020, p. 1432). Em teoria, a responsabilização penal pretende
reconstituir o funcionamento da administração balizada pelos princípios
constitucionais, assim como proteger os bens materiais e imateriais do
erário, o patrimônio público eventualmente lesado. Por esse motivo, o
STJ entende que o “princípio da insignificância é inaplicável aos crimes
contra a Administração Pública” (Súmula nº 599). Não obstante, o STF
tem acórdãos dissidentes, como é o caso do HC nº 112.388.
Eles estão previstos nos arts. 312 a 326 do CP, e, desse rol, estudaremos
os principais.
Crimes praticados por funcionário
público contra a administração em
geral
Crimes contra a Administração
praticados por funcionário
Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes discorre sobre as
principais características dos tipos penais que são praticados por
funcionário público contra a Administração.
Nesta seção, todos os delitos são “crimes funcionais”, também
chamados delicta in officio. Eles só podem ser praticados por:
(i) Funcionários públicos contra a Administração Pública; e
(ii) Funcionários públicos no exercício da função ou em razão dela.
Por terem essa classificação, particulares nunca poderão,
sozinhos, praticá-los. Não obstante, poderão estar em concurso de
pessoas com os funcionários públicos, nos termos do art. 30 do
CP, desde que tenham ciência da condição.
Para fins de responsabilização penal, o art. 327 do CP traz um conceito
ampliativo de funcionário público, atentando primordialmente à função
pública envolvida, independentemente de qual pessoa a exerça. O § 1º
desse dispositivo traz ainda o chamado “funcionário público por
equiparação”, conceito que só vem sendo aplicado pelos tribunais,
majoritariamente, para considerar o sujeito ativo do crime — e só
excepcionalmente para incluir sujeitos passivos.
Comentário

A todos eles, é possível a incidência da causa de aumento de pena
prevista no art. 327, § 2º, do CP, quando o funcionário público é o sujeito
ativo do crime e tem os atributos ali elencados. Como efeitos da
condenação, incluem-se os do art. 92 do CP, sendo delitos processados
mediante ação penal pública incondicionada.
Veremos algumas das possíveis espécies, valendo a indicação de que
se possam aprofundar os estudos também nos crimes dos arts. 320 a
326 do CP, que, pelos limites de espaço, não conseguiremos explorar.
Peculato (arts. 312 e 313 do CP)
O crime de peculato pode ser doloso ou culposo e subdivide-se em
cinco possíveis espécies:
(i) Peculato doloso, na modalidade “apropriação” e/ou “desvio”,
chamado peculato próprio (art. 312, caput, do CP);
(ii) Peculato-furto ou impróprio (art. 312, § 1º, do CP);
(iii) Peculato culposo (art. 312, § 2º, do CP);
(iv) Peculato-estelionato (art. 313 do CP); e
(v) Peculato eletrônico ou peculato-hacker (art. 313-A do CP).
Vamos compreender melhor cada um deles a seguir:
É muito próximo do crime de apropriação indébita, inclusive
sendo por este que deve responder o agente (autor do crime), se
não for funcionário público. Na modalidade “desvio”, é
fundamental que seja praticado em proveito, material ou moral,
próprio ou de terceiros, sendo esse um elemento subjetivo
específico.
Caso o emprego do bem seja feito em favor da própria
Administração, poderá haver apenas o art. 315 do CP. Na
modalidade “apropriação”, é crime material, requerendo a
inversão da posse para a consumação, enquanto no “desvio” é
crime formal, dispensando a efetiva vantagem, embora haja o
desvio. A pena é de reclusão de dois a 12 anos e multa.
Peculato próprio 
No peculato-furto, que tem a mesma pena, ao contrário da
modalidade anterior, o funcionário não tem a posse prévia do
objeto ou valor, devendo “subtraí-lo”. Como indica o nome, será
desclassificado para furto, em não havendo a posição funcional,
e tem uma modalidade de concurso necessário, qual seja,
“concorrer para a subtração”. Aqui, o agente precisa valer-se de
“facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário”, sem
a qual pode incorrer também não no peculato, mas no furto.
Ocorre quando o funcionário público age com negligência,
imperícia ou imprudência, e uma terceira pessoa tira proveito da
facilidade culposamente proporcionada pelo funcionário público
(concurso não intencional).É o caso de um autor que deixa a
porta de uma repartição aberta, colaborando culposamente para
um delito patrimonial praticado por terceiro. Nessa modalidade,
a tentativa é impossível. A pena é de detenção de três meses a
um ano.
O peculato-estelionato, por sua vez, pressupõe que a
apropriação se dê por erro de terceira pessoa, tendo como pena
a reclusão de um a quatro anos e multa.
Já o peculato eletrônico demanda a inserção de dados falsos
em sistemas de informação. A pena, nesse caso, é de reclusão
de dois a 12 anos e multa, e, nos termos do parágrafo único do
art. 313-B, as penas são aumentadas, se resultar dano.
Peculato-furto 
Peculato culposo 
Peculato-estelionato 
Peculato eletrônico 
Todos eles atingem o bem móvel (excluídos os imóveis) que constitui o
erário público, mas é possível a existência do crime quando atingir bens
particulares, desde que estejam eles sob custódia da Administração
Pública. É o caso, por exemplo, de bem sob apreensão do Estado.
Outro ponto bastante importante, que é comum aos delitos que
implicam vantagens econômicas no geral, é que, segundo o STF e o STJ,
o “peculato de uso” é conduta atípica. Então, se o funcionário público
apropriar-se de, desviar ou subtrair bem para uso imediato e devolvê-lo
no mesmo estado em que o encontrou, não haverá peculato.
Concussão e excesso de exação (art. 316 do CP)
Na concussão, o servidor público, em razão da função — ainda que fora
dela ou antes de assumi-la — e abusando de sua autoridade pública,
precisa:
(i)
Realizar exigência sem violência ou grave ameaça, embora deva ter
caráter coercitivo;
(ii)
De qualquer vantagem; e
(iii)
Visando a qualquer vantagem indevida.
Trata-se de crime formal, bastando a mera exigência para
a consumação, que admite a tentativa e tem como pena
reclusão de dois a 12 anos e multa.
O excesso de exação é crime autônomo e, nos termos do § 1º, restará
praticado quando o funcionário incorrer em uma das modalidades:
(i) Exigir tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber
indevidos — devendo aqui a quantia indevida ser recolhida para os
cofres públicos, não em projeto do autor; e
(ii) Emprega na cobrança (de tributo ou contribuição social
devidos) meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza. Se, no
primeiro caso, a vantagem for revertida em proveito próprio ou de
terceiros, há a modalidade qualificada do art. 316, § 2º, do CP.
Saiba mais
Por fim, vale destacar que a pena máxima foi aumentada pela Lei nº
13.964/2019, passando da reclusão anterior de dois a oito anos à
reclusão de dois a 12 anos e multa, constituindo norma penal mais
gravosa, irretroativa, portanto.
Corrupção passiva (art. 317 do CP)
Esse delito está voltado contra o funcionário público corrompido, e o
corruptor, ao contrário, responde pelo art. 333 do CP. Aqui, a
responsabilidade recai contra o servidor que “solicita”, ou “recebe”, ou
“aceita” vantagem indevida — sendo um tipo misto alternativo.
Atenção!
Na segunda modalidade, note que o agente será punido ainda que não
tenha solicitado a vantagem, desde que tenha consentido em seu
recebimento. E atente para o fato também de que, ao contrário do delito
de concussão visto anteriormente, não há uma forma “coativa” de agir.
A corrupção passiva pode ser:
Própria
Quando o funcionário
negocia a prática de ato
ilícito — por exemplo, ao
combinar de processar
um caso vedado pela
lei; e
Imprópria
Quando a negociação é
de ato lícito — por
exemplo, para dar
andamento processual
ao caso que regular e
legalmente tramita.
Ela também pode ser:
(i) Antecedente, quando a vantagem é oferecida antes da prática
do ato negociado; e
(ii) Subsequente, quando há remuneração de ato pretérito do
funcionário público.
Por isso, a consumação pode se dar independentemente do efetivo
recebimento da vantagem ou da prática do ato funcional, e, em havendo

a conduta do agente, o § 1º do art. 317 a entende como causa especial
de aumento de pena, quando, “em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de
ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.
Segundo o STJ, a consumação se dá:
[…] ainda que a solicitação ou
recebimento de vantagem indevida
ou a aceitação da promessa de tal
vantagem esteja relacionada com
atos que formalmente não se
inserem nas atribuições do
funcionário público, mas que, em
razão da função pública,
materialmente implicam alguma
forma de facilitação da prática da
conduta almejada.
(REsp. nº 1.745.410/SP)
A pena é de reclusão de dois a 12 anos. Por fim, vale observar que o §
2º do tipo incriminador trabalha com a forma privilegiada, que ocorre em
modalidade material do crime, visto que o funcionário efetivamente
deixa de praticar ou retarda ato de ofício, mas atendendo a pedido de
terceiro.
Facilitação de contrabando ou descaminho
(art. 318 do CP)
Esse é um crime remetido, já que reporta aos ilícitos do contrabando ou
descaminho (arts. 334 e 334-A do CP). Nele incorre o funcionário
público que dolosamente infringe dever funcional, facilitando a prática
dos dois referidos delitos, independentemente de seu êxito.
Trata-se, por isso, de crime formal, punido com reclusão
de três a oito anos e multa.
Prevaricação (art. 319 do CP)
Ao praticar esse ilícito, o funcionário público viola dever funcional em
prol de interesses particulares ou de sentimento individual. Há três
formas distintas de executá-lo, quais sejam:

Omissão

Procrastinação

Por comissão
Saiba mais
Trata-se de crime formal, independendo a satisfação ou não do
interesse almejado, desde que haja essa finalidade específica, e que tem
como pena detenção de três meses a um ano e multa.
O art. 319-A tipifica a chamada “prevaricação imprópria”, criminalizando
especificamente uma omissão do diretor de penitenciária, isto é, aquele
que “deixa de cumprir seu dever de vedar ao preso acesso a aparelho
celular, que permita comunicação com outros presos ou com o
ambiente externo”. Apenas o funcionário que tenha a condição de evitar
o acesso dos aparelhos aos presídios é que poderá incorrer,
dolosamente, no delito, que tem como pena detenção de três meses a
um ano.
Ademais, para efeitos de consumação, é desnecessário o efetivo
acesso ao aparelho, desde que haja a permissão por parte do autor.
Trata-se, nesse caso, de infração de menor potencial ofensivo.
Crimes praticados por particular
contra a Administração Pública
Ao contrário das infrações vistas anteriormente, os delitos desta seção
são praticados pelo particular, isto é, por quem é alheio à função pública,
ou até por funcionário público, desde que em relação a cargo ou função
estranha à que legitimamente está investido. Vamos estudar as
principais espécies, mas não se esqueça de estudar também os demais
tipos.
Usurpação de função pública (art. 328 do CP)
Esse delito é praticado por quem “usurpar” atividade pública, isto é,
exercê-la de modo permanente ou temporário, onerosa ou
gratuitamente, executando efetivamente atos relacionados com a
função, como se nela estivesse legitimamente investido. É importante
notar que o CP não exige a obtenção de qualquer vantagem para fins de
caracterização do caput. Inclusive, caso auferida, constitui a forma
qualificada prevista no parágrafo único, que passa a resultar em crime
material.
Comentário
Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, com pena de
detenção de três meses a dois anos e multa. Vale notar que o delito
análogo, passível de incidência no caso de agentes que sejam
funcionários públicos, é o do exercício funcional ilegal (art. 324 do CP).
Resistência (art. 329 do CP)
O crime de resistência:
(i) É cometido por quem se opõe à execução de ato legal;
(ii) Ocorre por meio de violência ou ameaça; e
(iii) É dirigido contra funcionário competente para executá-lo ou a
quem lhe esteja prestando auxílio.
É crime comum, doloso, que constitui infração de menor potencial
ofensivo — já que tem como pena detenção de dois meses adois anos
— e que dispensa, para fins de consumação, a não execução do ato.
Caso isso aconteça, inclusive, ocorrerá a modalidade qualificada do
delito, prevista no § 1º.
Em havendo violência, o agente também estará sujeito às
penas do crime de violência, quando constituir ilícito penal,
segundo o § 2º.
Desobediência (art. 330 do CP)
Essa infração guarda grande similaridade com o crime de resistência
(conhecido como “desobediência belicosa”), sendo também, por isso,
chamada “resistência passiva”. Aqui, a pessoa se recusa a cumprir
ordem (isto é, um comando diretivo, sendo diferente de uma solicitação
ou pedido) de funcionário público, mas não reage com violência ou
ameaça. O agente simplesmente deixa de atender à ordem, seja
fazendo, seja deixando de fazer alguma coisa que a lei imponha.
Para que haja crime, é necessário que a ordem seja formal e
materialmente legal, e, por ser crime instantâneo, consuma-se quando o
agente faz ou deixa de fazer alguma coisa contrariamente à ordem.
Comentário
Trata-se de crime comum, quanto ao sujeito ativo, e crime próprio,
quanto ao sujeito passivo, sendo também infração de menor potencial
ofensivo. A pena cominada é de detenção de 15 dias a seis meses e
multa.
Desacato (art. 331 do CP)
Delito comum, é praticado quando a pessoa dirige palavras, ditas ou
escritas, ou até gestos ofensivos, contra funcionário público, desde que
em virtude da função ou no exercício dela. O dolo do autor deve ser o de
alcançar a qualidade de funcionário público do ofendido, humilhando-o.
Deve-se, assim, comprovar a vontade deliberada do autor de
desprestigiar a função pública —, e não, pessoalmente, aquele sujeito
passivo.
Não apenas o Estado, mas também o servidor ofendido
será vítima (secundária) do crime de desacato.
Não obstante, para a maioria dos tribunais, dispensa-se a própria
presença do sujeito passivo, ou a condição de ter ele se sentido
ofendido especificamente. Infração de menor potencial ofensivo, com
pena cominada de detenção de seis meses a dois anos ou multa,
demanda verificar a relevância do menosprezo.
Por fim, vale notar que há quem sustente a inconstitucionalidade desse
crime, levando em consideração a liberdade de pensamento e de
expressão, interesses com tutela em sede constitucional e em
importantes tratados e convenções de direitos humanos.
Trá�co de in�uência (art. 332 do CP)
Esse crime, que é múltiplo, é praticado por quem solicita, exige, cobra ou
obtém, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício
da função. Trata-se de crime comum, doloso e, a depender do verbo
praticado, pode ser formal (solicitar, exigir ou cobrar) ou material (obter).
A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos e multa.
Comentário
O parágrafo único prevê, como causa de aumento de pena, se o “agente
alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário”. O
STJ vem reiteradamente decidindo que é irrelevante, para a
caracterização delituosa, se o sujeito passivo acredita ou não no poder
de influência do agente.
Corrupção ativa (art. 333 do CP)
Essa infração é cometida quando o sujeito ativo oferece (propõe) ou
promete vantagem indevida a funcionário público com a intenção
específica de “determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
Temos, mais uma vez, como sujeito ativo um particular, e note que,
diferentemente da corrupção passiva (art. 317 do CP), aqui os verbos
são assertivos.
Ademais, o delito de corrupção nem sempre é bilateral, ou seja, pode
haver corrupção ativa sem corrupção passiva, e vice-versa. Aliás,
voltando a lembrar esse delito, trata-se de exceção à teoria unitária ou
monista, já que, em caso de promessa e aceite, o particular e o
funcionário público respondem por tipos diferentes. A pena prevista é de
reclusão de dois a cinco anos e multa.
Por fim, o crime, que é formal, resta consumado, independentemente da
postura assumida pelo funcionário. E, caso venha efetivamente a
retardar ou a omitir ato de ofício, ou a praticá-lo como infração ao dever
funcional, isso configurará a forma majorada prevista no parágrafo
único.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(DPE/AM – 2018 – Analista Jurídico de Defensoria – Adaptada)
Quanto aos crimes praticados por funcionário público contra a
administração em geral, há no Código Penal (CP) brasileiro a
previsão expressa da forma culposa para o crime de:
A Concussão
B Peculato
C Corrupção passiva
Parabéns! A alternativa B está correta.
Apenas o peculato admite a modalidade culposa, nos termos do art.
312, § 2º, do CP, e o tráfico de influência não é crime praticado por
funcionário público, por isso a única alternativa correta é a letra B.
Questão 2
(TRT 6ª Região/PE – 2018 – Técnico Judiciário) Antonieta,
funcionária pública do Tribunal Regional do Trabalho, no exercício
de sua função, solicitou documento de identidade, nos termos da
Lei nº 5.553/1968, para que o assessor parlamentar Raimundo, do
município X, pudesse adentrar o prédio. O assessor, aos gritos,
ironizou o fato de Antonieta não conhecê-lo e, chamando-a de
alienada, humilhou-a em público e desprestigiou sua função. Disse
à funcionária que, por ser incompetente, jamais sairia daquela
função de recepcionista. Após essas ofensas, jogou o documento
no chão, para que Antonieta, se quisesse, verificasse sua
identificação. Raimundo, em tese, cometeu o crime de:
D Prevaricação
E Tráfico de influência
A Resistência
B Desobediência
C Desacato
D Usurpação de função pública
E Tráfico de influência
Parabéns! A alternativa C está correta.
Não se configurou o crime de resistência, previsto no art. 329 do CP,
já que esse crime exige a prática de violência ou de ameaça a
funcionário público. Também não houve o crime de desobediência,
previsto no art. 330 do CP, dado que a vítima não expressou
nenhuma ordem que tenha sido descumprida pelo agente. Não há
de se falar em usurpação de função pública, crime previsto no art.
328 do CP, uma vez que Raimundo, em momento algum, realizou
ato típico de funcionário público. Por fim, não há crime de tráfico de
influência, pois o autor não dirigiu sua conduta com o fim de influir
em ato praticado por funcionário público, conforme o art. 332 do
CP. A conduta está amoldada ao crime de desacato, previsto no art.
331 do CP.
4 - Crimes contra a administração da justiça
Ao �nal deste módulo você será capaz de analisar os crimes contra a Administração Pública e
a administração da justiça.
Crimes contra a administração da
justiça

Neste vídeo, a professora Luciana Fernandes trata das principais
características dos crimes contra a administração da justiça.
No último módulo deste material, estudaremos esse conjunto de
possíveis crimes que violam interesses de um setor específico da
Administração Pública, que é a justiça. O primeiro apontamento que
deve ser feito é que esta deve ser entendida em “sentido amplo, como
atividade da justiça teleologicamente considerada. À vista disso, os
delitos contra a Administração da Justiça não têm como endereço
somente a atividade judiciária” (PRADO, 2019, p. 2198).
Isso se comprova a partir de um breve passeio pelos arts. 338 a 359 do
CP, que integram o rol desse título e que implicam lesões que afetam,
em tese, diferentes instituições. Passemos, assim, a conhecer os
principais delitos, valendo a recomendação, mais uma vez, de que
aprofundem seus estudos conhecendo também as infrações que não
teremos espaço para explorar aqui.
Denunciação caluniosa (art. 339 do
CP)
Esse delito é, em teoria, praticado por qualquer pessoa (crime comum)
que, mediante qualquer ato de comunicação, oral ou escrito, formal ou
informal, dá causa aos procedimentos elencados no caput do art. 339.
Nesse sentido, não só a pessoa que formaliza, por exemplo, uma queixa-
crime, para fins de anúncio, de que foi vítima de um delito, mas também
a quevai à delegacia meramente relatando a um oficial a notícia de fato
que saiba alguém não tenha cometido.
Há quatro importantes requisitos para a caracterização do crime, quais
sejam:
(i)
O agente precisa saber que o fato, que precisa constituir a
narrativa de um crime ou uma contravenção — caso este em que
a pena é diminuída, nos termos do § 2º —, não ocorreu ou tenha
sido praticado por outra pessoa. Caso não o saiba, sua conduta
será atípica;
(ii)
O meio de execução precisa ser idôneo, para provocar a ação da
autoridade envolvida na instauração judiciária ou administrativa;
(iii)
A consumação se dá apenas quando da efetiva origem do
procedimento, que inclusive deve constituir a intenção da pessoa
que comete o crime, ainda que a representação seja
posteriormente arquivada; e
(iv)
A narrativa é feita de modo pessoal e determinado, isto é, o
agente atribui a prática a alguém.
Além disso, o crime de calúnia (art. 138 do CP) é absorvido pela
denunciação caluniosa, visto constituir meio do delito mais grave, nos
termos do princípio da consunção. A pena, que é de reclusão de dois a
oito anos e multa, é aumentada, caso o agente se valha de anonimato
ou de nome suposto (§ 1º).
Comunicação falsa de crime ou de
contravenção (art. 340 do CP)
Pratica esse crime comum a pessoa que dolosamente comunica
“ocorrência” que, objetiva e/ou subjetivamente, não tenha constituído
crime ou contravenção. Aqui, distintamente do caso anterior, não se
exige que a autoridade efetivamente instaure um procedimento, mas
que tome “alguma iniciativa”, a fim de apurar a ocorrência do fato, para
que o delito se consume.
Ainda no campo das distinções, não há diminuição da
pena, se a prática constituir contravenção penal, já que o
que se tutela é, fundamentalmente, o regular
funcionamento da atividade judiciária.
Além disso, a imputação é feita a pessoa indeterminada, isto é, de modo
genérico, “não se descaracterizando o delito se há a acusação de
pessoa fictícia ou imaginária” (PRADO, 2019, p. 2213). Trata-se de
infração de menor potencial ofensivo, punida com detenção de um a
seis meses ou multa.
Autoacusação falsa (art. 341 do CP)
Esse é um delito que, mais uma vez, visa a tutelar os interesses da
administração em não gastar esforços na atividade judiciária com
alguma espécie de falsidade. Nesse caso, a pessoa acusa a si mesma —
diferentemente das infrações anteriores —, “perante a autoridade, de
crime inexistente ou praticado por outrem”, isto é, confessa ter cometido
crime que não ocorreu ou que teve autoria de terceira pessoa.
Trata-se de delito de mão própria, uma vez que só pode ser cometido
pelo autor pessoalmente, não se confundindo com comunicação falsa,
visto que aqui também se particulariza a conduta subjetivamente. Não
obstante, pode ser cometido em coautoria ou participação com os arts.
339 e 341, cumpridos os requisitos de cada qual.
Crime comum, doloso, unissubjetivo, também é infração de
menor potencial ofensivo, reprimida com detenção de três
meses a dois anos ou multa.
Falso testemunho ou falsa perícia
(art. 342 do CP)
Tipo misto alternativo, é crime de mão própria, já que aqui a falsidade só
pode ser cometida (no que tange à autoria) por um dos sujeitos
elencados no caput — sem prejuízo da participação.
Deve a a�rmação recair sobre fato juridicamente
relevante, consumando-se quando a pessoa termina de
fazê-la.
Também pode ser cometido por omissão, por exemplo, quando se cala a
verdade. A pena cominada é de reclusão de dois a quatro anos e multa,
aumentadas, no caso do § 1º. Por fim, há causa de extinção de
punibilidade prevista, já que “o fato deixa de ser punível se, antes da
sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou
declara a verdade”, nos termos do § 2º.
Exercício arbitrário das próprias
razões (art. 345 do CP)
Esse é um crime comum que, a depender da atribuição do sujeito
passivo, tem correspondentes especiais — por exemplo, se funcionário
público, pode haver:
Violência arbitrária (art. 322 do CP);
Exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350 do CP);
Ou até abuso de autoridade (arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898/1965).
É preciso que o autor tenha pretensão, isto é, direito, e acredite ser ele
próprio seu titular, ou uma terceira pessoa.
Comentário
Isso significa que a pretensão pode ser própria ou de terceiro, e pode até
ser ilegítima, desde que o autor esteja convencido do contrário.
O tipo apresenta, ao final, a ressalva “salvo quando a lei o permite”, que
constitui causa de justificação, quando, por exemplo, está-se diante do
desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do Código Civil – CC). A infração é
de menor potencial ofensivo, com pena de detenção de 15 dias a um
mês ou multa, além da pena correspondente à violência (concurso
material de crimes).
Favorecimento pessoal e real (arts.
348 e 349 do CP)
Nos crimes de favorecimento, presta-se auxílio à pessoa que, sabe-se,
cometeu crime, demandando-se, portanto:
(i) O prévio cometimento de um crime (crime acessório) por um
terceiro; e
(ii) Que o agente conheça essa condição.
Comentário
Qualquer pessoa pode ser autora, desde que não seja partícipe ou
coautora do crime anterior, e a infração, que é de menor potencial
ofensivo, consuma-se com a efetiva prestação do auxílio, podendo este
ser cometido de modo omissivo.
Delito doloso, em ambos os casos, distingue-se pelo seguinte:
 (i)
No art. 348, o auxílio é para “subtrair-se à ação de
autoridade pública” e, no art. 349, para “tornar
seguro o proveito do crime”;
 (ii)
No art. 348, o crime anterior pode ser consumado
ou tentado e, se punido com detenção, assume
forma privilegiada; enquanto, no art. 349, só
consumado e pune-se indistintamente, se o crime
antecedente é punido com detenção ou reclusão;
 (iii)
ã d ã d
O art. 348 apresenta previsão de isenção de pena,
no § 2º, que não tem correspondência no art. 349,
contanto que, “se quem presta o auxílio é
ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do
criminoso, fica isento de pena”; e
 (iv)
A pena, no favorecimento pessoal, é de detenção de
um a seis meses e multa, e, se o crime prévio for
punido com detenção, de 15 dias a um mês e multa;
já no favorecimento real, detenção de um a seis
meses e multa.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
(TJ/AL – 2018 – Analista Judiciário – Adaptada) Jorge, de origem
humilde, atua como oficial de justiça em determinado tribunal de
justiça. Quando cumpria ordem de busca e apreensão na
comunidade em que nasceu, viu, de longe, que seu irmão dispensou
uma sacola plástica com grande quantidade de drogas, empurrou
um policial militar e tentava empreender fuga e evitar o flagrante de
crime de tráfico, crime esse punido com pena mínima de cinco anos
de reclusão. Diante disso, quando seu irmão corre em sua direção,
auxilia-o, escondendo-o dentro de seu veículo particular, enquanto
continua a cumprir o mandado pendente.
Descobertos os fatos, considerando apenas a situação narrada, o
ato de Jorge configura:
Parabéns! A alternativa B está correta.
A Crime de exercício arbitrário das próprias razões
B Conduta típica, mas não punível
C Crime de favorecimento pessoal
D Crime de favorecimento real
E Conduta atípica
A conduta descreve um possível crime de favorecimento pessoal, já
que Jorge auxilia alguém a subtrair-se à ação de autoridade pública,
nos termos do art. 348 do CP. Não obstante, incorre na causa de
isenção de pena do § 2º do dispositivo, estando isento de pena.
Não se trata de exercício arbitrário das próprias razões, já que não
há o direito remetido a um crime prévio, assim como não é
favorecimento real, dado que não se trata de auxílio para tornar
seguro o proveito do crime, efetivamente.
Questão 2
Sobre os crimes contra a administração da justiça, marque a
alternativa correta:
A
A pena é aumentada no crime de denunciação
caluniosa, se a imputação é de prática de
contravenção, e diminuída, se o agentese serve de
anonimato.
B
O crime de comunicação falsa de crime ou
contravenção consuma-se com a comunicação à
autoridade no sentido de apurar a ocorrência do
fato.
C
É requisito para o crime de autoacusação, previsto
no art. 341 do Código Penal (CP), que o sujeito se
autoacuse perante autoridade.
D
O crime de falso testemunho só restará configurado
se disser respeito a fato relevante, seja jurídico ou
não, aperfeiçoando-se quando encerrado o
depoimento.
E
Na denúncia do crime de denunciação caluniosa,
devem estar especificados apenas quais crimes
teriam sido falsamente imputados a uma pessoa
desconhecida.
Parabéns! A alternativa C está correta.
No crime do art. 341 do CP, não se exige qualquer providência
tomada pela autoridade, ao contrário dos crimes dos arts. 340 e
339.
Considerações �nais
Neste tema, estudamos crimes importantes, que afetam, cada qual a
seu modo, a Administração Pública e a coletividade em geral. Os tipos
penais do primeiro módulo representam a dificuldade das agências
estatais de lidar com a violência organizada e com a capilaridade da
paraestatalidade; os de falsidade importam em fragilização da
confiança nas relações e nos documentos em geral, que são orgânicos à
nossa sociedade; os crimes cometidos por funcionários públicos e
contra estes violam a probidade, a função pública e as estruturas
burocráticas estatais; por fim, os crimes contra a administração da
justiça reprimem as condutas que impactam a efetiva prestação do
direito de acesso à justiça a todas e todos.
Podcast
Neste podcast, a especialista relembrará os principais crimes contra a
Administração Pública.

Explore +
Sobre os crimes contra a Administração Pública, confira o livro de
Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr., Dos crimes contra a
Administração Pública.
Referências
MANSO, B. P. A república das milícias: dos esquadrões da morte à Era
Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.
NUCCI, G. de S. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2020.
PRADO, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.
SANTOS, J. C. dos. Direito Penal: parte geral. 5. ed. Curitiba: ICPC:
Conceito Editorial, 2014.
SOUZA, C. R.; SADALLA, N. P. Milícias: uma análise sobre o populismo
penal e o Direito Penal do inimigo. Revista Eletrônica de Direito da
Faculdade Estácio do Pará, [S.l.], v. 5, n. 8, p. 62-74, dez. 2018.
Consultado na Internet em: 12 ago. 2021.
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