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1 História da Língua Portuguesa História interna da língua portuguesa Profª. Dra. Juliana Fogaça Sanches Simm • Unidade de Ensino: 03 • Competência da Unidade: Conhecer as mudanças pelas quais passou o latim até o surgimento da língua portuguesa. • Resumo: Estudo dos aspectos fonético-fonológicos, sintáticos e semânticos que caracterizam a língua portuguesa, considerando a sua evolução a partir do latim. • Palavras-chave: Fonologia; morfologia; sintaxe; evolução da língua portuguesa. • Título da teleaula: História interna da língua portuguesa • Teleaula n.º: 03 Contextualização • Como ocorreram as mudanças na língua latina? • Que exemplos temos, no português atual, dessas mudanças que ocorreram ao longo do tempo? • Quais foram os primeiros documentos escritos em língua portuguesa? • Por quais períodos passou a ortografia portuguesa? Aspectos fonéticos e fonológicos: o vocalismo O vocalismo Sistema vocálico latino → cinco vogais cardeais o u e i a Fonte: Elaborado pelo autor. Cada uma dessas vogais se desdobrava em duas: • Longas (sinal macron): ā ē ī ō ū • Breves (sinal braquia): ă ĕ ĭ ŏ ŭ Estudo da evolução dos fonemas vocálicos. Vogais latinas e mudanças no português As vogais passaram a ser vistas como: • lado (tônica) • amor (pretônica) • cocada (postônica) PortuguêsLatim vulgar Latim clássico a é (aberto) ê (fechado) i ó (aberto) ô (fechado) u a é (aberto) ê (fechado) i ó (aberto) ô (fechado) u ā, ă ĕ ē, ĭ ī ŏ ō, ŭ ū 1 2 3 4 5 6 2 Ditongos O latim clássico apresentava quatro ditongos: O latim vulgar reduzia esses ditongos a vogais simples. aequale > igual /i/ ou /e/ae pretônico caelu > céu /é/ae tônico tauru > touro /ou/ e /au/au foedu > feo > feio /e/oe Fonte: ShutterStock Fatores para a formação dos ditongos Bagno (2012) Síncope da consoante intervocálica malu > mau palu > pau Vocalização Metátese Epêntese Ditongo final ão nocte > noite regnu > reino rabia > raiva capio > caibo arena > area > areia credo > creo > creio veranu > verão pane > pão Hiatos A tendência sempre foi eliminá-los, e isso desde a fase arcaica de nossa língua. vedere > veer > ver magistre > maestre > meestre > mestreFusão ou crase ego > eo > eu velu > veo > véu Oclusão Fonte: ShutterStock Aspectos fonéticos e fonológicos: o consonantismo O consonantismo Estudo da evolução dos fonemas consonantais. Consonantização ↓ Transformação de uma vogal em consoante uita > vidauacca > vacaIesus > Jesusiam > já Consoantes latinas posterioresanterioreslabiais k g t d p b Oclusivas surdas Oclusivas sonoras sfFricativas surdas nmNasais ſvibrante lLateral Faltavam ao latim as consoantes cujos sons são representados pelas letras [nh], [lh], [ch], [j], [v] e [z]. 7 8 9 10 11 12 3 • A letra c latina tinha sempre o som /k/ e não de /s/. • Como regra geral, pois há algumas exceções, as consoantes iniciais do latim se mantiveram inalteradas no português: bene - bem, patria - pátria, corona - coroa, latrone - ladrão, rota - roda, salute - saúde Meu nome é [kīkero]! Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cicero.PNG. Diferenças consonantais do latim para o português Médias surdas p > b: ripa > riba s > z: acetu > azedo t > d: vita > vida Médias sonoras Finais d: sedere > seer > ser g: regale > real m: amicu > amigo m: cum > com r: inter > entre s: amicos > amigos Aspectos morfológicos: categorias nominais Categorias nominais e sua expressão A partir do latim, formaram-se os substantivos e os adjetivos – chamados de categorias nominais – do português. No latim clássico, uma mesma palavra podia apresentar até seis formas diferentes, chamadas de casos, definidos de acordo com sua função sintática na frase. Casos no latim clássico (Bagno, 2012, p. 153) Função sujeito complemento restritivo objeto indireto objeto direto vocativo adjunto adverbial Português Latim Caso Petrus Petri Petro Petrum Petre cum Petro Pedro de Pedro a Pedro Pedro ó Pedro com Pedro nominativo genitivo dativo acusativo vocativo ablativo Declinações no latim clássico Definidas por uma terminação específica ao fim das palavras, que carrega informações sobre elas, como função, gênero (masculino, feminino e neutro) e número (plural e singular). (Bagno, 2012, p. 154) 1ª declinação 2ª declinação 3ª declinação 4ª declinação 5ª declinação hora, -ae lupus, -i mare, -is cantus, -us dies, -ei 13 14 15 16 17 18 4 Língua sintética ou analítica? Latim vulgar (analítico) Latim clássico (sintético) Comparativo: magis/plus dulce (mais doce) Comparativo: dulcior Superlativo: multu dulce (muito doce) Superlativo: dulcissimus No português, o superlativo sintético é pouco utilizado na fala. Fonte: ShutterStock Aspectos morfológicos da evolução da língua portuguesa Latim clássico • Três gêneros: masculino, feminino e neutro. • Ausência de artigos e preposições. • Numa frase, as palavras não tinham posição fixa, pois o sentido se dava em função das terminações. • As palavras podiam tomar formas diferentes, devido às cinco declinações. • Seis casos: nominativo; acusativo; genitivo; dativo; ablativo; e vocativo. Formas neutras latinas Português Latim feminino singular neutro plural neutro singular ova ovaovum folha foliafolium lenha lignalignum entranha interaneainteraneum vestimentavestimentavestimentum (Bagno, 2012, p. 158) Vestígios do gênero neutro no português Pronomes demonstrativos isto, isso, aquilo Pronomes indefinidos Adjetivos substantivados Infinitivo substantivado tudo, nada, algo o útil, o agradável, o belo “dirigiu o olhar para mim” “fumar é prejudicial à saúde” Formas divergentes Português Étimo latino artigo / artelho articulu defesa / devesadefensa lídimo / lindolegitimu mágoa / malha / mancha / mangramacula 19 20 21 22 23 24 5 Exercício Exercício Material complementar (AVA) (Fonte: ENADE - Letras, 2008) Atividade de interação 1 Atividade de interação 1 Observe a imagem a seguir, que mostra um caso inusitado: Fonte: ENADE - Letras, 2011. Você acredita que o rotacismo (mudança marcada pela troca de l por r nos vocábulos) tem algum vestígio na história da língua portuguesa a partir do latim? Aspectos sintáticos: a frase portuguesa A frase portuguesa: mecanismos sintáticos Na frase latina, não importava a ordem em que as palavras apareciam. Deus hominem diligit. Hominem diligit Deus. Diligit Deus hominem. Hominem Deus diligit. “Deus ama o homem” 25 26 27 28 29 30 6 Casos no latim clássico (Bagno, 2012, p. 153) Função sujeito complemento restritivo objeto indireto objeto direto vocativo adjunto adverbial Português Latim Caso Petrus Petri Petro Petrum Petre cum Petro Pedro de Pedro a Pedro Pedro ó Pedro com Pedro nominativo genitivo dativo acusativo vocativo ablativo Casos no latim vulgar No latim vulgar, restaram apenas dois casos: Nominativo > caso reto (função de sujeito) Acusativo > caso oblíquo (função de complemento) No latim vulgar, as funções que eram inerentes aos outros casos foram exercidas pelo acusativo com o uso de preposições (de, ad, per e cum), inexistentes no latim clássico. Casos no latim vulgar • Na Península Ibérica, aconteceu de o acusativo e o nominativo se fundirem, predominando o primeiro. • Com a eliminação dos casos, preposições passaram a ser empregadas para marcar as relações sintáticas entre os termos da oração. Latim clássico capitulum libri Latim vulgar capitulum de libru Característica herdada pela língua portuguesa. Aspectos sintáticos: termos da oração Termos da oração O latim vulgar preferiu uma forma de dispor os termos da oração seguindo uma ordem lógica: No português atual, a oração básica consiste em: A estrutura tradicional é SVO sujeito - verbo - objetos - adjuntos adverbiais sujeito - predicado sujeito + verbo + objeto Termos da oração É uma importante característica da língua portuguesa o chamado sujeitonulo, isso já acontecia no latim vulgar: A opção de usar o pronome (primeira, segunda ou terceira pessoa) como expressão do sujeito deu-se na língua portuguesa. sum bonus (sou bom) loquitur ([ele] fala) 31 32 33 34 35 36 7 Mudança do latim clássico para o vulgar Os termos essenciais e integrantes da oração – sujeito e objeto – continuaram a ser expressos pelo nominativo e acusativo, respectivamente, mas, com o tempo, suas posições na oração se fixaram para antes e depois do verbo. O objeto indireto passou a ser marcado pela preposição ad. Mudança do latim vulgar para as línguas românicas A língua latina não tinha pronomes de 3ª pessoa – quando o latim foi se transformando nas várias línguas românicas, surgiu a necessidade de referir-se à 3ª pessoa, utilizando-se os demonstrativos latinos. É por isso que coincidem, em nossa língua, os artigos o(s), a(s), os pronomes pessoais o(s), a(s), e os demonstrativos o(s), a(s). Fixação da escrita em língua portuguesa Breve histórico • Demorou muito até que o português, língua românica derivada do latim vulgar, fosse reconhecido como uma nova língua. • No período arcaico, havia o galego- português. • No século XV e no início do século XVI, a língua, progressivamente, foi se organizando e se regulamentando, de acordo com normas determinadas pelo uso. Fonte: ShutterStock Breve histórico - primeiros escritos Os gramáticos portugueses da época “procederam à sistematização de algumas normas que, manejadas e enriquecidas pelo trabalho artístico dos escritores renascentistas, eliminaram grande parte das variantes” (PAIVA, 2008, p. 185). Cancioneiro Geral (1516) - obra escrita, na maior parte, em português. Fonte: https://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Cancioneiro_Geral_001.jpg. Escritores e gramáticos dos séculos XVI e XVII defendiam as virtudes da língua pátria como sendo capaz de veicular quaisquer tipos de sentimentos, histórias, opondo-se àqueles que julgavam as línguas românicas como instrumentos de comunicação pobres. 37 38 39 40 41 42 8 Primeiros escritos em língua portuguesa Grammatica da Lingoagem Portuguesa Fernão de Oliveira (1536) Propagação e valorização da clareza de sua pronúncia. Grammatica da Lingua Portuguesa Os Lusíadas João de Barros (1540) Sistematização do estudo da língua em partes principais: fonologia, morfologia e sintaxe. Luís de Camões (1572) Contribuições para a fixação da língua portuguesa. Ortografia da língua portuguesa Ortografia portuguesa A ortografia portuguesa passou por três períodos ou ciclos distintos: 1. ortografia fonética (século XIII ao XVI); 2. pseudoetimológico (século XVI até 1904); 3. fase simplificada ou ciclo histórico-científico (a partir de 1904). Ortografia fonética (século XIII ao XVI) • A escrita procurava espelhar-se na pronúncia. • Só eram grafadas as letras que eram pronunciadas. • No fim desse ciclo, a influência latina tomou força, e a escrita começou a se diferenciar da fala. • Como a ortografia ainda não estava definida, uma mesma palavra era escrita de diversas formas: A letra h inicial não aparecia em seus escritos. igreja - yhreja, eygreya, eygleyga, eigreia, eygreia Pseudoetimológico (século XVI até 1904) • A escrita foi fortemente marcada pela cultura greco-latina. • As consoantes mudas continuaram a ser usadas, como em septembro; assim como as consoantes duplas, como em approximar. Consoantes apareciam seguidas de h. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pha rm%C3%A1cia_popular_3.PNG. Fase simplificada (de 1904 até os dias atuais) • Período marcado pelo expressivo trabalho do foneticista português Gonçalves Viana, autor de Ortografia Nacional (1904), em que afirma haver dois sistemas simplificados: o português e o luso-brasileiro. a) Eliminação dos símbolos de etimologia grega (th, ph, ch [com som de k], rh, y). b) Eliminação de consoantes “mudas” como em sancto (santo) e septe (sete). c) Regularização da acentuação gráfica. 43 44 45 46 47 48 9 Situação-problema Situação-problema Para solucionar esse problema, como será sua abordagem? Você é professor de Língua Portuguesa no Ensino Médio, e uma aluna, durante uma aula de morfologia sobre desinências nominais, fez a seguinte pergunta: “Professor, e o gênero na linguagem neutra? É uma desinência também?” Considerando a relevância atual da discussão, você decide preparar uma aula fundamentada tanto em aspectos sociais quanto em aspectos da evolução histórica da língua. Problematizando a Situação-Problema • O caso evoca as discussões em torno da “linguagem neutra”, defendida por uma parcela da população como um recurso de inclusão por meio da língua. • Mudanças na língua demandam tempo, e muitos processos na evolução histórica de um idioma são fontes de tensão. • Discussões em torno do uso da língua não podem prescindir de reflexões sociais e, também, linguísticas. Resolvendo a Situação-Problema Estratégias gerais para a resolução: • apresentação do objeto de análise, com exemplos de uso da “linguagem neutra”; • levantamento de justificativas de base social; • levantamento de justificativas de base linguística; • promoção de debate... É fundamental destacar que essa situação não será “solucionada” rapidamente, pois mudanças na língua demandam tempo. Atividade de interação 2 Atividade de interação 2 Qual a importância de uma reforma ortográfica no processo de evolução da língua? 49 50 51 52 53 54 10 Revisão final Revisão final • A história interna da língua portuguesa envolve mudanças em diferentes níveis da linguagem. • A língua portuguesa era considerada inferior, por isso foi preciso consolidá-la, principalmente, por meio da escrita. • A fixação da língua portuguesa ocorreu por meio de gramáticas e textos literários. • A ortografia passou por transformações que auxiliaram na consolidação escrita do português. Referências BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. PAIVA, D. F. Século XV e meados do século XVI. In: SPINA, S. (Org.). História da língua portuguesa. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. SALCES, C. D. História da língua portuguesa. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2016. 55 56 57
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