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A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae, um bacilo álcool-ácido resistente, fracamente gram-positivo, que infecta os nervos periféricos e, mais especificamente, as células de Schwann. A doença acomete principalmente os nervos superficiais da pele e troncos nervosos periféricos (localizados na face, pescoço, terço médio do braço e abaixo do cotovelo e dos joelhos), mas também pode afetar os olhos e órgãos internos (mucosas, testículos, ossos, baço, fígado, etc.). Se não tratada na forma inicial, a doença quase sempre evolui, torna-se transmissível e pode atingir pessoas de qualquer sexo ou idade, inclusive crianças e idosos. Essa evolução ocorre, em geral, de forma lenta e progressiva, podendo levar a incapacidades físicas. Esta moléstia também é denominada “lepra”. Muitos países, incluindo-se o Brasil, adotaram a terminologia “moléstia de Hansen” (MH), ou “hanseníase”, pois o termo antigo “lepra” é altamente estigmatizante tanto para o doente, quanto para sua família e sociedade. A palavra “lepra”, utilizada na Septuaginta, tradução grega da Bíblia hebraica, corresponde à “tsaraáth” e significa desonra, vergonha desgraça, que desagradava coisas, animais e pessoas, condenando- as à destruição ou expulsão para “fora do acampamento ou dos muros das cidades”. Pelas tradições transmitidas verbalmente, a moléstia já era referida 6.000 anos antes da nossa era. As descrições do Levítico na Bíblia referem-na desde 1400 a.C. Os chineses mencionam a MH a partir de 1100 a.C.; e também descreveram: Lai-Ping = hanseníase neural; e, Lai-Fon = hanseníase virchowiana. Brasil 2014 – 2018 140.578 casos novos; 77.544 do sexo masculino (55,2%). Observou-se predominância desse sexo na maioria das faixas etárias e anos, exceto 10-14. Cor: 58,3% pardos, 24,6% brancos. No sul e sudeste têm maior proporção a população branca (71,4 e 43%). Escolaridade: Fundamental incompleto 43,3%, Médio completo e superior incompleto 13,9%. 17,6% não consta a escolaridade. 2018 Novos casos: 1º Maranhão; 2º Pará; 20º Sergipe. Taxa de detecção geral (/100.000 hab): 1º Tocantins; 2º Mato Grosso. 2019 Novos casos: 23.612, sendo 78,2% multibacilares. 1º Mato Grosso com 3.731; 2º Maranhão; 3º Pará. Acreditava-se que esta moléstia fosse hereditária. Em 1874, Gerard H. Armauer Hansen (1841-1912), em Bergen, na Noruega, descobriu que era causada por uma micobactéria. E, pela primeira vez, descreve-se a moléstia humana causada por micobactéria. E assim, o M. leprae também é denominado bacilo de Hansen (BH). Admite-se ainda hoje que o reservatório natural do BH seja o homem. Embora existam descrições do bacilo em animais silvestres (tatus, macacos) naturalmente infectados em musgos nas Costas da Noruega etc. Esta bactéria é classificada em: • Classe – Schizomycetes. • Ordem – Actinomycetales. • Família – Mycobacteriaceae. • Gênero – Mycobacterium. • Espécie – leprae. A morfologia do BH é a de bastonete reto ou levemente encurvado, com 1 a 8 µm de comprimento por 0,2 a 0,4 µm de largura. Nas preparações para exame bacterioscópico ao microscópio comum, os BH podem ser vistos isolados, agrupados ou em agrupamentos compactos, chamados globias em que os bacilos estão fortemente unidos por material gelatinoso (geleia) e dispostos de modo semelhante a cigarros colocados paralelamente em um maço. É a única bactéria que apresenta esse tipo de disposição. Geralmente, o bacilo é gram-positivo e corado pelo método Zielh-Neelsen, é álcool-acidorresistente infectologia: hanseníase Igor Mecenas (BAAR); sensível à peridina e tem atividade DOPA oxidase+. Pelo método de Ziehl-Neelsen, os bacilos viáveis se coram uniformemente em vermelho. A cápsula é constituída de dois lipídeos, o dimicocerosato de ftiocerol e o glicolipídeo fenólico (PGL-1), que contém um grupamento trissacarídico específico do M. leprae. Na parede bacteriana, há ácidos micólicos, arabinogalactam e peptidoglicano, também existentes em outras microbactérias. O glicolipídeo fenólico é específico do M. leprae. No citoplasma do BH, há vários constituintes, entre eles uma enzima difeniloxidase específica e capaz de oxidar o isômero D da di-hidroxifenilalanina (DOPA). Assim, o bacilo de Hansen distingue-se entre as microbactérias patogênicas por apresentar essa atividade dopaoxidase. A hanseníase é transmitida por meio de contato próximo e prolongado de uma pessoa suscetível (com maior probabilidade de adoecer) com um doente com hanseníase que não está sendo tratado. Normalmente, a fonte da doença é um parente próximo que não sabe que está doente, como avós, pais, irmãos, cônjuges, etc. A bactéria é transmitida pelas vias respiratórias (pelo ar), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Estima-se que a maioria da população possua defesa natural (imunidade) contra o M. leprae. Portanto, a maior parte das pessoas que entrarem em contato com o bacilo não adoecerão. É sabido que a susceptibilidade ao M. leprae possui influência genética. Assim, familiares de pessoas com hanseníase possuem maior chance de adoecer. O BH é a única micobactéria com capacidade ou habilidade para invadir o SNP. Ao selecionar a célula de Schwann como nicho preferido, a M. leprae adquiriu vantagem significativa de sobrevivência: na célula de Schwann, o bacilo permanece protegido dos mecanismos de defesa do hospedeiro; como a célula de Schwann não tem capacidade fagocítica profissional, ela é incapaz de destruir patógenos; assim, permite ao bacilo multiplicar-se continuamente; e ainda, a barreira sanguínea do nervo limita o acesso de vários medicamentos na célula de Schwann, habilitando-a, irrestritamente, para a multiplicação BH. Essas “vantagens” tornam a célula de Schwann a hospedeira ideal, na qual o bacilo pode persistir no SNP e desencadear a lesão neurológica. É importante notar que o acometimento neural ocorre em todas as formas e grupos da MH (em especial, de forma tardia), independentemente do estado imunológico do doente. A invasão da célula de Schwann e o consequente dano neural determinam perda sensitiva e, mais tarde, lesões motoras, responsáveis pelas deformidades e incapacidades da moléstia. É possível que o bacilo seja levado para a célula de Schwann pelos macrófagos. Outra possibilidade é que ele possa ser transportado para a célula neural via capilares intraneurais. O conhecimento das bases moleculares da invasão do BH na célula neural é importante para o desenvolvimento de medicações que previnam as neuropatias específicas precocemente. O M. leprae, embora sem habilidade locomotora, tem competência para atravessar o endotélio e tecido conectivo e, por meio da lâmina basal, invadir a célula de Schwann, in vivo. Recentemente, foi demonstrado que o simples contato do M. leprae na unidade celular- axonal de Schwann é suficiente para que ele seja absorvido. Os lipídeos do BH são as chaves para a entrada na célula de Schwann. Recentemente, demonstrou-se que o glicolipídeo fenólico (PGL-1) do M. leprae é a chave para entrar na célula de Schwann, unindo-se ao receptor alfadestroglicana e laminina α-2 da membrana basal. Esses estudos salientam a importância dos lipídeos na biologia da infecção micobacteriana e sugere uma possível estratégia para prevenir o dano neural da hanseníase. Na parede de todas as micobactérias, existem ácidos micólicos, lipídeos, arabinomananas, LAM etc. O PGL-1 existente unicamente no BH. Por isso, ele é a única micobactéria neurotrópica. A célula de Schwann também pode ser fonte primária da infecção pelo M. leprae, permitindo contínua liberação de bacilos na circulação e a subsequente disseminação bacteriana no SNP e outras partes do corpo. Esses eventos podem permitir a persistência da infecção ou recidiva observada nos doentes multibacilares. A imunidade celular específica contra o BH (FN de Rotberg) é hereditária e transmitidapor um par de genes autossômicos, transmitidos em dominância parcial. Em 1938, Rabello estabeleceu a teoria da polaridade para as classificações da moléstia. As classificações atuais são baseadas nessas duas teorias brasileiras, confirmadas por estudos recentes. TEORIA DA POLARIDADE DE RABELLO (1938) É baseada no trabalho de Rotberg A. sobre imunidade natural e sua correlação com a patogenia, epidemiologia, denominado “Fator N”, 1937; assim, Rabello classificou os doentes em dois polos extremos; de um lado, 1) o tipo “tuberculoide polar”, de maior resistência ao BH; paucibacilar; no outro extremo, 2) o tipo “virchowiano polar”, de anergia ao bacilo; multibacilar; e, entre os dois polos, 3) o grupo dimorfo, subdividido em pauci ou multibacilar. Quando o bacilo de Hansen penetra no organismo humano, verifica-se que a infecção pode evoluir de várias maneiras: O menor número de doentes (30%) com MHI evolui com manifestações espectrais, conforme descrição a seguir: Forma ou tipo tuberculoide polar (TTp): aqui o doente depois de organizar granuloma tuberculoide no nervo e/ou na pele, estimulado pelos bacilos de Hansen, expressa seu fator genético, natural, de defesa celular e sua resposta ao antígeno de Mitsuda torna-se 3+ ulcerada. Nessa forma, haverá elaboração de boa resposta imune celular em que as células CD4 são numerosas e dispõem-se junto aos macrófagos na área central, enquanto na periferia estão localizadas as células CD8. Não ocorre multiplicação dos bacilos que, na grande maioria, serão eliminados. Surgirá granuloma tuberculoide e a pesquisa anti-PGL-1 será com títulos baixos. Grupo tuberculoide subpolar ou dimorfo tuberculoide ou, para o grupo dimorfo-dimorfo, dimorfo virchowiano ou virchowiano subpolar, conforme as características imunológicas do indivíduo e a carga bacilar recebida na infecção: a reação de Mitsuda é negativa, mas pode ser temporariamente, pois os doentes incluídos até nesse grupo nasceram com fator natural de Rotberg; quando a carga bacilar diminui, eles podem organizar granuloma tuberculoide e, então, passam a reagir positivamente ao antígeno de Mitsuda. Tipo virchowiano polar (VVp): se o doente não tiver resistência e pertencer à margem Hansen anérgica de Rotberg, a reação de Mitsuda sempre será negativa e os bacilos se multiplicarão livremente nos macrófagos de todos os tecidos exceto no sistema nervoso central (SNC), caracterizando a forma grave e contagiante da moléstia, hanseníase virchowiana polar. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, para fins operacionais de tratamento, os doentes são classificados em: • Grupo paucibacilar: doentes não contagiantes, com poucos bacilos e acometimento neural e cutâneo (PB – presença de até cinco lesões de pele com baciloscopia de raspado intradérmico negativo, quando disponível). Formas: inicial indeterminada e tardia tuberculoide. • Grupo multibacilar: doentes contagiantes – com muitos bacilos em todos os tecidos acometidos (exceto no SNC) e, portanto, também muitas lesões cutâneas (MB – presença de seis ou mais lesões de pele OU baciloscopia de raspa o intradérmico positiva). Formas: dimórfica e virchowiana. Entretanto, alguns pacientes não apresentam lesões facilmente visíveis na pele, e podem ter lesões apenas nos nervos (hanseníase primariamente neural), ou as lesões podem se tornar visíveis somente após iniciado o tratamento. Assim, para melhor compreensão e facilidade para o diagnóstico, utilizamos a classificação de Madri (1953): hanseníase indeterminada (PB), tuberculóide (PB), dimorfa (MB) e virchowiana (MB). O M. leprae tem tropismo especial para os nervos periféricos e há comprometimento neural em todas as manifestações clínicas da hanseníase. As lesões neurais podem ser somente ramusculares ou, além dos filetes nervosos, também podem ser lesados os nervos superficiais e troncos nervosos mais profundos. Quando o comprometimento é ramuscular, as alterações são essencialmente sensitivas e a primeira sensibilidade a ser alterada é a térmica, seguida pela sensibilidade dolorosa e finalmente pela tátil. Após a lesão dos ramúsculos nervosos, a doença progride em direção proximal, afetando os ramos secundários e depois os troncos neurais periféricos. Estes podem se tornar espessados e dolorosos à palpação e/ou percussão. Quando o local do nervo é percutido, o doente tem a sensação de choque que se irradia para o território correspondente àquele nervo (sinal de Tinel). A lesão dos troncos neurais determina alterações sensitivas, motoras e autonômicas. Sensitivos: Entre os distúrbios mais importantes, impedem que o paciente se defenda das agressões sofridas pelas suas mãos e pés durante a vida diária. Sempre haverá alterações sensitivas precedendo as neurológicas. Motoras: levam a paresias ou paralisias que correspondem à fraqueza muscular, amiotrofias, retrações tendíneas e fixações articulares (garras). Simpáticas: distúrbios vasculares e da sudorese. Segmento cefálico Trigêmeo, responsável pela sensibilidade da córnea e da face Facial: musculatura da mímica da face. As lesões podem ser completas, unilaterais ou bilaterais ou somente provocarem lesões do músculo orbicular das pálpebras levando ao lagoftalmo. Membros superiores Nervo ulnar: paresias ou paralisias de quase toda a musculatura intrínseca das mãos e garra ulnar, hipo ou anestesia da borda interna das mãos e do 4º e 5º dedos, anidrose ou hipo-hidrose nessa área e distúrbios circulatórios cutâneos. Nervo mediano: na maioria das vezes são secundárias às lesões do nervo ulnar, traduzem-se por paresias ou paralisias dos músculos intrínsecos não inervados pelo nervo ulnar, hipo ou anestesia da borda externa das mãos e dos seus 1º, 2º e 3º dedos, e alterações da sudorese e vascularização cutânea nessa área. As lesões concomitantes dos nervos ulnar e mediano levam a uma deformidade da mão denominada “mão simiesca” ou tipo Aran-Duchènne. Nervo radial: menos comum, é responsável pela inervação de toda a musculatura extensora da mão e, quando lesado, produz um tipo de paralisia conhecida como “mão caída”. Membros inferiores Fibular: é responsável pela inervação de toda a musculatura da loja anterolateral da perna, que produz a dorsiflexão do pé. Quando lesado, provoca o “pé caído” e, como é um nervo misto, também causa alterações da sensibilidade na face lateral da perna, no dorso do pé e distúrbios autonômicos. Tibial: desencadeia paralisia dos músculos intrínsecos do pé (“dedos em garra”), hipo ou anestesia plantar e alterações simpáticas vasculares cutâneas e das glândulas sudoríparas. As alterações sensitivas e motoras desse nervo conjugam-se na fisiopatologia da úlcera plantar (mal perfurante plantar), uma das incapacidades mais graves causadas pela hanseníase. Manifestações neurológicas Têm algumas características próprias nas diferentes formas da doença. Nos doentes tuberculoides, as lesões neurais são mais precoces, intensamente agressivas e assimétricas e, muitas vezes, mononeurais. Os granulomas tuberculoides destroem as fibras nervosas e pode ocorrer, na vigência de reação tipo I de melhora imunocelular, necrose caseosa no interior dos nervos afetados, quando aparecem verdadeiras tumorações que chegam mesmo a fistulizar por meio da pele. Essa necrose caseosa do nervo é impropriamente chamada de “abscesso de nervo”. Nos doentes virchowianos são extensas, simétricas e pouco intensas nos primeiros anos da moléstia. Cronicamente, as fibras nervosas vão sendo lentamente comprimidas pelo infiltrado linfo- histiocitário com bacilos e é por isso que as lesões clínicas se manifestarão tardiamente. Quando ocorrem inflamações agudas (reações tipo I ou II) o processo destrutivo é mais rápido. Nos doentes do grupo dimorfo (borderline), o comprometimento neurológico, em geral, é extenso e intenso, em razão da existência de algum grau de imunidade celular específica.Nessa situação, há destruição de nervos pelos granulomas de uma maneira generalizada. Hanseníase indeterminada É a primeira manifestação da doença e caracteriza-se pelo aparecimento de máculas ou áreas circunscritas com distúrbios da sensibilidade, sudorese e vasomotores. Pode ocorrer alopecia parcial ou total. As máculas podem ser hipocrômicas ou eritêmato- hipocrômicas, com eritema marginal ou difuso. A baciloscopia, nestes doentes, é negativa. O quadro histopatológico é constituído por infiltrado linfo, histiocitário perianexial inespecífico ou pequeno infiltrado de células mononucleares perivascular ou em torno de filetes nervosos, às vezes, invadindo-os e, muitas vezes, delimitando-os. Em raras ocasiões, é possível observar bacilos em pequeno número, no interior desses filetes. O teste de Mitsuda pode ser positivo ou negativo e não é diagnóstico. O aspecto geral das lesões pode sugerir a evolução do doente. Sendo assim, se o número dessas lesões for pequeno e as alterações sensitivas forem bem acentuadas, é bem possível que a resistência imunocelular aos bacilos tenha sido estimulada; e o doente poderá curar-se espontaneamente ou evoluirá para a forma tuberculoide. Se, ao contrário, o doente apresentar muitas lesões maculosas de limites pouco precisos, nas quais os distúrbios de sensibilidade são discretos, a imunidade celular, provavelmente, é baixa ou nula e a evolução natural, portanto, se não tratada, será para as formas dimorfa ou virchowiana. Os nervos periféricos, superficiais e profundos, na MHI, nunca estão espessados. Hanseníase tuberculoide Caracteriza-se por máculas ou placas bem delimitadas, cor hipocrômica e/ou eritematosa e/ou acastanhada, contornos regulares ou irregulares formando lesões circulares, anulares, circinadas ou geográficas. São, em geral, únicas ou em pequeno número, com distribuição assimétrica e podem localizar-se em qualquer lugar da pele. Os distúrbios sensitivos nas lesões são bastante acentuados, assim como as alterações da sudorese e vasomotoras. Pode haver alopecia parcial ou total. Em algumas ocasiões, pequenos nervos espessados parecem emergir das placas e constituem o que se denomina de lesão tuberculoide “em raquete”. Os troncos nervosos também podem ser acometidos, em pequeno número e de maneira assimétrica, causando incapacidades precocemente. A baciloscopia nas lesões é negativa e o quadro histopatológico se caracteriza, na maioria das vezes, pela presença de granulomas de células epitelioides com células gigantes na sua porção central e um manto de linfócitos na periferia. Esses granulomas, que, às vezes, chegam a tocar a epiderme, envolvem e invadem os filetes nervosos, destruindo-os. Em cortes seriados, é possível detectar bacilos no interior deles. Nos troncos nervosos, esses granulomas, além de exercer ação compressiva, destroem as fibras nervosas. O teste de Mitsuda é fortemente positivo e essa forma clínica tem tendência à cura espontânea. Há uma variedade de hanseníase tuberculoide, que costuma acometer crianças na faixa etária dos 2 a 4 anos e que são contatos de doentes da forma virchowiana da hanseníase. Essa variedade é denominada hanseníase tuberculoide (nodular) da infância (Figura 52.20) e caracteriza-se por pequenas pápulas ou nódulos castanhos ou de tom eritematoacastanhados, únicos ou em pequeno número; localizam-se, em geral, na face ou nos membros. Não há evidências clínicas de comprometimento neural. A baciloscopia é negativa e o quadro histopatológico se caracteriza por granulomas tuberculoides do tipo lipoide, sendo possível o encontro de um ou outro bacilo no seu interior. O teste de Mitsuda é positivo forte (3+). Deve-se salientar que pápulas, nódulos ou placas características da hanseníase tuberculoide (nodular) da infância, com ou sem ramusculites neurais (anestésicas) ocorrem na infância e devem ser tratadas. Vários doentes que tiveram esse diagnóstico, considerados MHT da infância e que outrora não recebiam tratamento, evoluíram com sequelas neuromusculares (garras e paralisias). Hanseníase virchowiana Apresenta polimorfismo muito grande de lesões. Inicialmente, são manchas muito discretas, hipocrômicas, múltiplas e de limites imprecisos, às vezes, observáveis somente em diferentes incidências de luz. Insidiosa e progressivamente, tornam-se eritematosas, eritematopigmentadas, vinhosas, eritematocúpricas, ferruginosas e espessadas. Após tempo variável, podem surgir lesões sólidas: papulosas; papulonodulares; nodulares; placas isoladas; agrupadas e/ou confluentes, simetricamente distribuídas, em geral, poupando regiões axilares, inguinais, perineais e coluna vertebral. Em decorrência da infiltração perianexial, ocorre progressiva alopecia de cílios e supercílios, (caracterizando a madarose) e de antebraços, pernas e coxas. As orelhas, frequentemente, estão espessadas, em graus variáveis, muitas vezes com nódulos isolados ou em rosário. Quando as lesões são muito numerosas na face e há conservação dos cabelos, caracteriza-se o aspecto classicamente descrito como “fácies leonina”. A alopecia da barba, bigode e couro cabeludo é rara em nosso meio; embora, ocorra infiltrado específico, com bacilos, nessas regiões. A baciloscopia nas lesões é sempre positiva com muitos bacilos isolados, em globias grandes e múltiplas. O teste de Mitsuda é negativo. O comprometimento difuso, observado na pele, também ocorre nos outros tecidos extracutâneos. • SNP: o bacilo é neurotrópico e, portanto, o SNP é acometido antes da pele. Na hanseníase multibacilar, ocorre infiltração difusa e simétrica dos troncos nervosos e ramos superficiais com os correspondentes distúrbios sensitivos do tipo periférico; tardiamente, ocorrem distúrbios motores e tróficos, em especial, nas mãos, pernas e pés. A pesquisa de sensibilidade, em especial nos doentes com MHV inicial ou com espessamentos discretos, deve ser mais cuidadosa, pois o doente costuma ter apenas algumas “ilhas” de hipoestesia térmica. Só tardiamente ele terá anestesia e, depois de alguns anos, após instalação de fibrose neural, ele terá anestesia em luva e em bota. • Nariz: ocorre rinite específica e precoce, por infiltração difusa, às vezes com hansenomas; tardiamente, podem surgir ulceração, perfuração e desabamento do septo nasal. • Mucosa oral: há infiltração difusa com ou sem lesões papulosas e/ou nodulares nos lábios, língua, palato mole, palato duro, úvula, peridentária (na polpa dentaria); com BH na fase ativa da moléstia. • Laringe: aparece infiltração da epiglote, cordas vocais falsas e dobras aritenoepiglóticas. Nas fases avançadas, pode ocorrer obstrução mecânica da fenda glótica com consequente afonia, dispneia e asfixia (este quadro tornou-se raro desde o advento das sulfonas). • Olhos: além da madarose, ocorre, primariamente, espessamento neural da córnea na íris e no corpo ciliar; o limbo esclerocorneano é o mais acometido. Nas fases avançadas, queratite pontuada, aumento da vascularização, nódulos. A complicação mais grave: iridociclite aguda ou crônica ocorre na vigência dos estados reacionais e não adequadamente tratados, poderá evoluir para uveíte e cegueira. Eventualmente, ocorre glaucoma. O lagoftalmo seguido de conjuntivite e queratite são secundários ao espessamento específico do nervo facial e trigêmeo. • Linfonodos: linfoadenomegalia cervical, axilar, supratroclear, mas principalmente inguinofemurais; porta-hepáticos, ilíacos internos e externos. • Fígado e baço: ocorre hepatomegalia e esplenomegalia; como também, acometimento específico da suprarrenal, às vezes, muito intenso; porém, sem alterações funcionais importantes, pois os granulomas viscerais são pouco destrutivos. • Genitais: as lesões específicas também aparecem nos genitais, em intensidades variadas, à semelhança do restante do tegumento. Nishimura demonstrou pela microscopia eletrônica bacilos na epiderme;também foram demonstrados, em trabalhos mais antigos, bacilos nas secreções genitais. Esta moléstia também deve ser incluída nas doenças sexualmente transmissíveis. • Testículos: inicialmente, a infiltração é marginal (impotência sexual) e, a seguir, medular (esterilidade, ginecomastia). Tardiamente, em especial associada a reações, ocorre atrofia. • Medula óssea: alterações na hematopoiese, com anemia. Baciloscopia positiva à punção medular. • Alterações ósseas: rarefações, atrofia e absorção em especial, nas mãos e pés. Ocorrem osteíte rarefaciente por trauma repetido, déficit de irrigação sanguínea, endarterite (principalmente pós-reação tipo II — eritema nodoso); bacilos nos ossos — entre as trabéculas e medula óssea; osteoporose generalizada por atrofia testicular e déficit de testosterona e por desuso. A osteomielite pode ser por complicação de úlceras crônicas. Há atrofia da espinha nasal anterior (queda da pirâmide nasal) por atrofia do processo alveolar maxilar, com afrouxamento ou perda dos dentes incisivos superiores. Em virtude da insensibilidade e maior força aplicada nas articulações do cotovelo ou tornozelo ou nos pés, pode haver neoformação óssea, característica da artropatia de Charcot. • Músculos: amiotrofias de músculos interósseos no antebraço (menos frequentes) e loja anterior da tíbia. Existem variedades de hanseníase virchowiana, como aquela em que predomina a infiltração difusa no tegumento, outra em que as lesões nodulares são as mais frequentes e outra em que quase não se vê infiltração na pele e nem hansenomas; mas, frequentemente, está sujeita a reações do tipo eritema nodoso com muitas manifestações articulares, que costumam aparecer mesmo antes de o indivíduo iniciar o tratamento. Na articulação, detecta-se granuloma específico com bacilos na sinóvia e também no líquido sinovial. Outras variedades da moléstia de Hansen virchowiana: • Variedade históide: caracteriza-se por lesões nodulares múltiplas, consistentes, pardacentas, semelhantes a queloides. A baciloscopia é rica e o quadro histopatológico apresenta infiltrado exuberante de histiócitos fusiformes e com pouca ou nenhuma vacuolização e grande quantidade de bacilos íntegros. Admitiu-se, no início, que essa variedade ocorresse somente em casos resistentes à sulfona e que estivessem se reativando, mas hoje ela tem sido observada em doentes também virgens de tratamento. • Hanseníase de Lúcio e Alvarado: o doente apresenta espessamento e infiltração difusa sem nódulos, que não deformam sua fisionomia e por isso também é chamada de hanseníase “bonita”. Há alopecia difusa e total, precocemente, na face, nos membros e púbis; e, os bacilos são muito numerosos em todos os tecidos. Nesses doentes, o comprometimento visceral é bastante acentuado. Quando ocorre carga bacilar muito alta no endotélio vascular, os doentes desenvolvem importante vasculite leucocitoclástica de vasos pequenos e médios, desencadeando extensas e importantes áreas necrótico-ulcerativas (reação chamada de fenômeno de Lúcio) que comprometem a vida dos doentes. Nessa variedade, a reação “fenômeno de Lúcio” resulta do excesso de bacilos íntegros no endotélio vascular. Descrita no México, pensou-se, no início, que sua ocorrência estivesse restrita a esse país; mas, depois, foi sendo observada, raramente, em outros países onde a hanseníase é endêmica. • Hanseníase dimorfa: a maioria dos doentes enquadra-se neste grupo clínico que apresenta um conjunto de manifestações que ou são muito semelhantes à forma DT ou bem parecidas com a DV, ou ainda são, realmente, intermediárias entre as formas polares), nas quais se observam lesões muito características e também, às vezes, bizarras. A MHDT se caracteriza por lesões com aspecto tuberculoide, com centro da lesão deprimido ou até, aparentemente normal, mais numerosas que no tipo tuberculoide polar, dispostas assimetricamente no tegumento (Figura 52.29); e, há comprometimento de vários troncos nervosos, causando, com frequência, incapacidades assimétricas. A baciloscopia é muitas vezes negativa e o quadro histopatológico exibe granulomas tuberculoides incompletos, que não chegam a tocar a epiderme. O teste de Mitsuda é, em geral, fracamente positivo. A MHDV apresenta lesões que não são tão polimorfas quanto as das formas virchowianas, predominando as placas foveolares (placas com área central de pele normal, borda interna bem delimitada e a externa espessada e mal delimitada), uniformemente espessadas e nódulos com tonalidade pardacenta ou ferruginosa; são numerosas distribuindo-se por todo o tegumento. As lesões e alopecia, muitas vezes, têm limites externos mal definidos, imprecisos e tornam-se confluentes; o comprometimento neural se assemelha ao que ocorre na forma virchowiana; mas podem ocorrer incapacidades graves em razão das reações frequentes nesse grupo; em especial após reações tipo I. Alguns doentes com hanseníase DV podem sofrer reações tipo ENH. A baciloscopia é sempre positiva e o quadro histopatológico mostra infiltrado granulomatoso denso com macrófagos e linfócitos e alguns agrupamentos de células epitelioides separados da epiderme por fina faixa de tecido conjuntivo. O infiltrado se localiza ao redor dos anexos cutâneos e filetes nervosos provocando a delaminação do seu perinervo. Muitos bacilos, isolados e em globias, são evidenciados no interior dos macrófagos e nervos. O teste de Mitsuda é sempre negativo. Na variedade DD, predominam as lesões bizarras, como aquelas “em alvo” ou reticuladas em que várias lesões anulares confluem e assumem esse aspecto. Muitas delas são muito características desse grupo clínico, com aspecto de placas foveolares, “esburacadas” ou “em queijo suíço” em que a área central da placa é hipocrômica ou aparentemente normal, deprimida e bem delimitada, de maneira nítida, por área espessada, eritematopigmentar; os limites com a pele normal são imprecisos. Há também outras lesões: nódulos e placas, sempre de tonalidade eritematopigmentadas ou ferruginosas. O comprometimento neural é importante nesses doentes que, imunologicamente, muito instáveis, sofrem reações tipo I com muita frequência. A baciloscopia é positiva e, do ponto de vista histopatológico, as lesões se caracterizam por granuloma que não toca a epiderme, constituído por células epitelioides, linfócitos e alguns macrófagos de Virchow. Os filetes nervosos estão frequentemente envolvidos pelo infiltrado macrofágico. Há sempre bacilos dentro dos macrófagos e dos ramúsculos neurais. O teste de Mitsuda é negativo. BACILOSCOPIA É essencial na suspeita de hanseníase multibacilar. A técnica de colheita do material cutâneo para o exame consiste em isquemiar a lesão ou área de sua maior atividade (nódulo ou a margem de lesão ou placa), comprimindo-se a pele entre o polegar e o indicador, deve-se fazer, com um bisturi, uma incisão linear com profundidade que atinja a derme. Raspam-se o centro da incisão e suas bordas e a linfa colhida é espalhada em uma lâmina de vidro, fixada na chama e corada pelo método de Ziehl-Neelsen. Antigamente, fazia-se também a colheita de material da mucosa nasal com um swab ou cotonete que eram esfregados na porção anterossuperior do septo. Essa prática foi abandonada porque, quando a mucosa nasal é positiva, a pele também é, e portanto não há nenhuma indicação para infligir um desconforto desnecessário ao paciente. O esfregaço corado é examinado com a lente de imersão de um microscópio ótico para se observar a presença ou não de bacilos álcool- acidorresistentes e sua quantidade. Para o acompanhamento do tratamento dos doentes multibacilares, podem ser utilizados índices bacilares. Para a obtenção do índice baciloscópico (IB) e índice de Ridley que é um índice quantitativo, deve-se coletar seis materiais das lesões mais ativas, contar os bacilos por campo microscópico e determinar a médiaaritmética dos valores obtidos: 6 cruzes: mais de 1.000 bacilos por campo; 5 cruzes: de 100 a 1.000 por campo; 4 cruzes: de 10 a 100 por campo; 3 cruzes: 1 a 10 por campo; 2 cruzes: 1 a 10 em 10 campos; 1 cruz: 1 a 10 em 100 campos; 0: nenhum bacilo em 100 campos. O índice morfológico (IM) é qualitativo e determina a média do percentual de bacilos uniformemente corados e íntegros observados nos esfregaços. EXAMES HISTOPATOLÓGICOS A colheita do material cutâneo se faz com um punch de 4 mm após assepsia e anestesia prévia do local a ser biopsiado. Para a obtenção de fragmentos de nervos periféricos para exame, após assepsia e anestesia prévia, faz-se uma incisão com bisturi no local da pele superposta ao nervo, que é identificado, isolado e tem sua superfície biopsiada. As biópsias são processadas e os cortes histológicos são corados pela hematoxilina e eosina e pelo método de Faraco- Fite para a pesquisa de bacilos. Eventualmente, pode- se usar a coloração pelo Sudão III para a pesquisa de lipídeos. Da mesma maneira que para a baciloscopia, o local escolhido para a biópsia cutânea deve ser uma lesão espessada, pápula ou nódulo, ou a borda de uma mancha ou placa por serem os locais mais ativos. No caso de biópsia de nervos periféricos, quando necessária, os nervos escolhidos devem ser somente sensitivos, ser de fácil acesso (em geral, é o ramo superficial do nervo radial e o nervo sural) e estarem comprometidos, comprometimento este evidenciável pela eletroneuromiografia. De maneira geral na hanseníase, observa-se no grupo indeterminado, infiltrado inespecífico e, no tipo tuberculoide, granulomas tuberculoides mais ou menos diferenciados. No tipo virchowiano, encontra- se granuloma macrofágico monótono, com poucos linfócitos e com numerosos bacilos no interior dos macrófagos. Na lesão virchowiana em regressão, são evidentes os macrófagos vacuolados com núcleos picnóticos e contendo no seu interior bacilos e grande quantidade de lipídios (células de Virchow). No grupo dimorfo, ambos os tipos de infiltrado, sendo a histopatologia muito importante para a caracterização das variedades da versão dimorfa. Em algumas vísceras, pode haver infiltrados específicos com bacilos e até a formação de granulomas epitelioides em doentes com MH dimorfa. Nos doentes ativos e muito antigos de hanseníase virchowiana e naqueles que sofrem muitas reações do tipo ENH, observa-se, muitas vezes, o depósito em vários órgãos como fígado, baço, estômago, suprarrenais, tireoide e, principalmente, nos rins, de substância amiloide derivada da proteína SAA que existe normalmente no soro. Esse tipo de amiloidose, dita secundária, pode causar insuficiência renal grave e levar à morte. EXAME CITOLÓGICO Pelo método de Tzanck, podem-se observar em esfregaços de lesões da hanseníase virchowiana, corados pelo corante de Leishman, células de Virchow e macrófagos cujos citoplasmas se encontram em espaços claros em forma de bastonetes, multidirecionais isolados ou em agrupamentos, correspondentes aos bacilos de Hansen. Esse exame não é utilizado de rotina. REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE (PCR) Pode-se detectar o M. leprae (amplificação do seu DNA) em casos de infecção subclínica ou nas diversas manifestações da hanseníase. É um método laboratorial cuja utilidade, na prática, ainda não está estabelecida. EXAMES SOROLÓGICOS Na hanseníase virchowiana há, em geral, hipergamaglobulinemia com predomínio de IgG. Durante os estados reacionais tipo ENH, esta situação relacionada com a formação de anticorpos se exacerba com o aparecimento também de autoanticorpos. Em vários casos dessa forma clínica, observa-se o aparecimento de anticorpos antilipídeos responsáveis pelas falsas reações positivas do VDRL. Há uma reação altamente específica na hanseníase em que sua positividade é mais frequente na forma virchowiana conhecida como reação de Rubino. Ela está relacionada com a sedimentação de hemácias formoladas de carneiro pelo soro do doente, fato que não ocorre na grande maioria das doenças. O PGL-1 (glicolipídeo fenólico 1) é um constituinte da parede do M. leprae, espécie-específico, detectado por reação de aglutinação com anticorpos da classe IgM em hansenianos. A especificidade da reação é de 98% e a sensibilidade de 80 a 90% em doentes multibacilares, e de 30 a 60% em paucibacilares. Essa reação vem sendo estudada para sua possível aplicação no diagnóstico da hanseníase, na investigação de infecção subclínica, no controle do paciente multibacilar e na detecção de recidivas. As drogas de 1ª linha no tratamento da hanseníase são a dapsona, clofazimina e a rifampicina. DAPSONA É a di-amino-difenil-sulfona (DDS), apresentada em comprimidos de 100 mg e, quando administrada por via oral, é quase completamente absorvida. A DDS é essencialmente bacteriostática e seu modo de ação é competir com o ácido paraminobenzoico por uma enzima a di-hidropteroato sintetase, impedindo a formação de ácido fólico pela bactéria. Tem sido demonstrado em muitos países, e de maneira crescente, o aparecimento de resistência do M. leprae ao medicamento, tanto inicial como secundária. O efeito colateral mais comum é a anemia hemolítica que, em geral, é discreta e o número de hemácias tende a atingir os níveis normais no decorrer do tratamento. A anemia pode ser muito grave quando o indivíduo apresentar deficiência da enzima glicose-6- fosfato-desidrogenase. A anemia ocorre precocemente e por isso é aconselhável repetir os exames hematológicos a cada 15 dias no início do tratamento e suspender a medicação se a hemoglobina atingir 9,0 g/mL e o hematócrito for inferior a 32 a 34%. A meta-hemoglobinemia, quando aparece, em geral, é discreta e caracteriza-se por acrocianose. Esse efeito pode ser eventualmente controlado com a administração de vitaminas do complexo B, juntamente com a DDS. A agranulocitose é rara. A síndrome da sulfona foi descrita por Lowe na década de 1940, mas atualmente começou a chamar mais a atenção quando a dapsona passou a ser usada em outras doenças dermatológicas que não a hanseníase. Caracteriza-se, essa síndrome, por febre, uma eritrodermia acompanhada de aumento generalizado de linfonodos, hepatoesplemegalia com icterícia e púrpura. CLOFAZIMINA É um corante rimino-fenazínico apresentado em cápsulas de 50 e 100 mg. Tem ação bacteriostática com relação ao bacilo de Hansen e também, segundo alguns, uma ação anti-inflamatória, tanto que é utilizada no tratamento das reações do tipo II. Ainda não foi demonstrada resistência do M. leprae à clofazimina. A dose preconizada de clofazimina como monoterapia, no tratamento da hanseníase, é de 100 mg por dia, mas há relato recente sugerindo que uma dose única mensal de 1.200 mg teria o mesmo efeito. É uma droga bem tolerada, mas apresenta alguns efeitos indesejáveis como a coloração que causa na pele, de um tom cinza azulado e que desaparece somente cerca de 1 ano após a suspensão do medicamento. Pode haver também um ressecamento muito grande do tegumento que adquire um aspecto ictiósico. Os efeitos colaterais mais sérios da clozamina estão relacionados com o aparelho digestivo. O paciente pode apresentar dores abdominais, náuseas e diarreia, mas quando está ingerindo doses mais altas do que 100 mg por dia, o que acontece quando se procura tratar reações do tipo II, esses sintomas podem se acentuar e aparecer vômitos, seguindo-se perda de peso, obstrução intestinal, parcial ou completa. Isso está relacionado com o depósito maciço de cristais do medicamento na parede do intestino delgado. RIFAMPICINA É um derivado piperazínico da rifamicina SV, extraído do Streptomyces mediterranei e apresentado em cápsulas de 150 e 300 mg. A rifampicina tem um efeito altamente bactericida contra o M. leprae e atua inibindo a sua RNA polimerase dependente de DNA. Era administrada contra a hanseníase, como monoterapia, na dose de600 mg/dia antes de ter sido demonstrada a resistência do bacilo de Hansen a ela. É uma droga também bem tolerada e os seus efeitos mais graves ocorrem quando administrada de maneira intermitente. Com a administração diária, podem ocorrer erupções, hepatite e trombocitopenia e, quando administrada uma ou duas vezes por semana, é possível também o aparecimento de uma síndrome semelhante a uma gripe, flu syndrome, com febre, coriza e dores no corpo, insuficiência respiratória, choque, anemia hemolítica e insuficiência renal por necrose tubular aguda. Na hanseníase em que a droga é administrada mensalmente, podem assomar eventualmente a “síndrome gripal” e a insuficiência renal. A rifampicina pode interferir com o efeito de outras drogas quando são usadas de maneira concomitante. Assim, ela diminui os níveis plasmáticos da dapsona, corticosteroides, cumarínicos e também estrógenos com redução da atividade de contraceptivos orais. Os derivados da Rifamicina SV, a rifabutina e a rifapentine não têm sido utilizados na rotina do tratamento da hanseníase. ETIONAMIDA E PROTIONAMIDA Já foram consideradas de 1ª linha no tratamento da hanseníase e participavam de esquema alternativo para a poliquimioterapia preconizado pela OMS. Contudo, em razão da sua toxicidade, principalmente quando associadas à rifampicina, o seu uso não é mais recomendado. Todas essas drogas eram antes administradas isoladamente, mas logo se notou clinicamente e depois se provou experimentalmente a resistência do bacilo de Hansen à dapsona e, em seguida, à rifampicina. Com relação à dapsona, o número de casos com bacilos resistentes aumentou a ponto de assumir proporções alarmantes, tanto na resistência secundária, isto é, os doentes começavam a piorar em virtude do aparecimento de bacilos resistentes, quanto na primária, em que os indivíduos já se contaminavam com bacilos resistentes. Essa situação fez a OMS, em 1982, recomendar esquemas terapêuticos associando as drogas de 1ª linha. Isso se tornou viável porque se verificou que a rifampicina, uma droga cara, administrada na dose de 600 mg por mês, tinha quase o mesmo efeito de que quando era utilizada nessa mesma dose diariamente. Esquemas recomendados pela OMS • Paucibacilares: dapsona 100 mg/dia (autoadministrada) + rifampicina 600 mg/mês (supervisionada). Duração do tratamento: 6 meses (em até 9 meses). Se houver recidiva, deve-se repetir o tratamento com o mesmo esquema, porém, se for constatada uma mudança para a forma multibacilar, o esquema deve ser o correspondente a ela. • Multibacilares: dapsona 100 mg/dia (autoadministrada) + clofazimina 50 mg/dia (autoadministrada) e 300 mg/mês (supervisionada ) + rifampicina 600 mg/mês (supervisionada). Duração do tratamento: 12 a 18 meses; se necessário, caso o doente ainda apresente sinais de atividade clínica ou laboratorial da moléstia, até 24 meses. Caso ocorra recidiva após esse tratamento, o mesmo esquema deve ser repetido. Dosagem para crianças: • Dapsona: 1-2 mg/kg/dia. • Dlofazimina: 1 mg/kg/dia ou 2 mg/kg/dias alternados e 150 mg/mês. • Rifampicina: 10 mg/kg/mês. A multidrogaterapia (MDT) ou poliquimioterapia (PQT) preconizadas pela OMS têm como finalidade básica impedir a instalação da resistência bacteriana. A rifampicina, medicação altamente bactericida, destrói a maior parte dos bacilos, inclusive as subpopulações de mutantes resistentes à dapsona e à clofazimina, restando a subpopulação mutante resistente ao próprio medicamento. Essas bactérias mutantes resistentes à rifampicina seriam destruídas pela sulfona e clofazimina após um período mais prolongado. Demonstrou-se (epidemiologia) que existem relatos de resistência medicamentosa à MDT. Outras finalidades da multidrogaterapia seriam: • Diminuir o tempo de tratamento. • Tentar supervisão parcial do tratamento com a administração mensal das drogas na unidade de saúde. • Aumentar a relação do doente com a equipe de saúde, viabilizando as ações de educação sanitária e de prevenção de incapacidades. • Aumentar a adesão do doente à terapêutica. Com os novos esquemas terapêuticos, o tempo de tratamento ficou restrito a seis meses para os doentes paucibacilares e dois anos para os multibacilares. Esse tempo de tratamento para os MB se deve ao fato de esses doentes, na sua grande maioria, não apresentarem mais bacilos viáveis após esse período, o que foi demonstrado em pesquisas terapêuticas realizadas em muitos países. Admite-se que os doentes que na ocasião do diagnóstico apresentavam índices baciloscópicos muito altos (índice baciloscópico de Ridley maior que 4), precisam, às vezes, continuar o tratamento por dois anos. Os resultados terapêuticos com a MDT/PQT têm sido bons e observou-se que, após nove anos do uso desses novos esquemas, o índice de recidivas para os doentes PB foi de 1,07% ao ano e para os MB foi de 0,72%. Um problema importante é que um paciente MB que recebe alta após dois anos de tratamento continua, muitas vezes, apresentando bacilos mortos no seu organismo que serão eliminados muito lentamente, com cerca de 0,6 a 1 unidade do IB por ano. Dessa maneira, a persistência de antígenos pode manter as reações tipo II (ENH) com todos os seus inconvenientes, inclusive neurites que podem levar a incapacidades. A hanseníase deixa de ser uma doença bacteriana para se tornar essencialmente imunológica. É importante assinalar que quase 60% dos doentes MB podem apresentar ENH de vários graus de intensidade durante o tratamento. Há trabalhos demonstrando que os bacilos persistentes podem ser responsáveis pelas recidivas da moléstia. A recidiva terapêutica é importante ameaça ao controle da MH; Poojaylaiah e colaboradores, em 2008, referiram taxa de recidiva de 1,85% no seguimento de 163 doentes, com o uso de MDT uniforme, por período médio de 7,13 anos; e outros relatos recentes também demonstram recidivas de 16 a 36% entre doentes multibacilares com altos índices bacterioscópicos. Em 2010, a OMS relata 887 recidivas e 10% delas com comprovada resistência medicamentosa. O Programa Nacional Norte- Americano de Hanseníase recomenda seguimento pós-alta a cada seis meses, durante cinco anos, para os doentes paucibacilares; e, para os multibacilares, durante 10 anos (Worobec, 2009). Ressalte-se que o programa americano de seguimento dos doentes pós-alta medicamentosa é idêntico aos programas antigos que eram usados no Brasil. É bem aceita a orientação de Job, de 2009: “qualquer tentativa de reduzir a duração do tratamento dos doentes virchowianos deve ser feita após ensaios cuidadosos e com estudos longitudinais”; as políticas públicas relativas ao tempo de tratamento da MH devem ser muito acauteladas. Outras situações críticas se referem à comorbidade com a aids e os estados reacionais, estes, responsáveis pelo aumento ou acentuação das sequelas; em especial, após reações; estas, devem ser adequadamente tratadas, como declinado a seguir, lembrando as do tipo I (imunocelular) e do tipo II (imunocomplexos), ambas não responsivas à pentoxifilina na experiência destes autores. Portanto, o doente deve ser reavaliado periodicamente pelo médico, o que não tem sido estabelecido pelo Ministério da Saúde do Brasil; essa situação talvez justifique as constantes taxas altas de doentes novos e a manutenção da transmissão do bacilo em nosso meio. NOVOS MEDICAMENTOS NA HANSENOLOGIA Um esquema ideal para o tratamento de hanseníase seria aquele em que os fármacos que entram na sua composição fossem bactericidas. Há algum tempo, vêm sendo ensaiadas medicações que apresentam excelente atividade bactericida contra o M. leprae. São elas: • Fluorquinolonas: como o ofloxacin, pefloxacin e sparfloxacin. O ofloxacin é a que está sendo mais utilizada contra a hanseníase em experimentações terapêuticas. É empregada na dose de 400 mg/dia, é excretada pelo rim, quase totalmente, na forma nãometabolizada. Os efeitos adversos são náuseas, diarreia, cefaleia, insônia e outros, que geralmente não impedem a administração do medicamento. • Claritromicina: macrolídeo administrado na dose de 500 mg/dia. Os efeitos adversos são náuseas, vômitos e diarreia, que em geral não impedem a respectiva administração. • Minociclina: tetraciclina administrada na dose de 100 mg/dia para o tratamento da hanseníase, tem propriedades lipofílicas responsáveis pela excelente ação terapêutica. Os efeitos adversos mais frequentes são pigmentação da pele e mucosas e distúrbios gastrointestinais. São relatadas excepcionalmente reações graves como hepatite, pancreatite, síndrome de Stevens- Johnson e necrólise epidérmica tóxica. Com relação à atividade bactericida dessas medicações, pode-se dizer, de maneira geral, que o efeito de uma única dose de rifampicina equivale ao ofloxacina administrada durante 30 dias e à claritromicina e minociclina empregadas durante três meses. Entre outros fármacos que têm sido experimentados contra a hanseníase, como a pirazinamida, a amoxicilina mais o ácido clavulônico, o brodimoprim mais a dapsona, e a tioacetazona, somente o ácido fusídico poderá, talvez, ter a chance de compor novos esquemas para o tratamento da hanseníase no futuro. A imunoterapia com o BCG e suspensões de outras micobactérias como o M. leprae, Mycobacterium vaccae, interferon-gama e interleucina 2 tem mostrado resultados inconclusivos. É realizada pelo diagnóstico precoce e tratamento de todos os doentes, principalmente os multibacilares, com a MDT-PQT/OMS. A vigilância dos contatos também tem uma importância profilática fundamental, mas nem sempre pode ser realizada a contento pelas dificuldades operacionais. Considera-se de excelência o exame dermatoneurológico de todos os contatos intradomiciliares e sua orientação sobre os vários aspectos da hanseníase. Contato intradomiciliar é toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido nos últimos cinco anos com o doente. O teste de Mitsuda não tem sido mais realizado em contatos nas unidades de saúde, em razão da impossibilidade de sua confecção em grande quantidade e pela dificuldade de interpretação por profissionais não bem treinados. “Vacinas” com diferentes antígenos de micobactérias, associadas ou não ao BCG, vêm sendo ensaiadas sem conclusões definitivas quanto aos resultados na profilaxia da doença. Apesar disso, admite-se que a BCG isolada confere proteção contra a hanseníase pelo estímulo imunocelular específico contra o M. leprae. Concluindo, deve-se ter em mente, que apesar de todos os progressos tecnológicos no controle desta moléstia, a hanseníase, considerada negligenciada, junto com a tuberculose e outras doenças, predomina em países com grandes problemas socioeconômicos e educacionais; e, a solução indispensável para a erradicação dessa endemia consiste em aumentar a qualificação das equipes de saúde para o diagnóstico e tratamento precoce, melhora da qualidade e condições de vida, controle dos contatos e becegeização. Não se deve esquecer que a Noruega que, no fim do século XIX tinha um número de doentes com MH quase tão grande quanto ao do Brasil de hoje, guardadas as proporções territoriais, acabou com a hanseníase muito antes que surgisse qualquer terapêutica eficaz (a sulfona foi utilizada para MH em 1941); à época, a tuberculose (peste branca) grassava livremente na Europa e, quem não morria por tuberculose, ficava resistente ao bacilo de Hansen (daí a recomendação do BCG); e, também, houve melhora das condições de vida de sua população.
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