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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 1 Hanseníase LACII 2023.1 – AULA 02 INTRODUÇÃO A Moléstia de Hansen (MH), hansenose ou hanseníase é infectocontagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae; este acomete, inicialmente, o sistema nervoso periférico (SNP); para depois, atingir a pele (grupo não contagiante, paucibacilar) e, na maioria dos doentes brasileiros, também acomete os outros órgãos e sistemas, exceto o sistema nervoso central (grupo contagiante, multibacilares). Admite-se ser o homem o reservatório natural do bacilo. Hoje, a MH está incluída nos programas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde do Brasil entre as doenças negligenciadas e passíveis de extinção. Histórico estigmatizante – citação bíblica e período medievaal. Registros mais antigos e precisos da MH provem da Índia, 600 anos a.C. Acredita-se que Índia e China sejam o berço da MH. 1873 – Gerhard Armauer Herlich Hansen: descobre, na Noruega, que a MH é causada pela Mycobacterium leprae. Acreditava-se até então que a moléstica era hereditária. 1919 – Mitsuda: introduz o antígeno para demonstrar a capacidade de reagir ao bacilo de Hansen. 1937 – Rotberg: desenvolve a teoria do fator natural de resistência imunológica ao bacilo de Hansen; serviu de base para as classificações de 1948 (com a teoria da polaridade, de Rabello E. (1938), até a espectral de Ridley e Jopling (1962) e as atuais. → Admite-se ainda hoje que o reservatório natural do BH seja o homem. TAXONOMIA DO BACILO DE HANSEN Geralmente, o bacilo é gram-positivo e corado pelo método Zielh-Neelsen, é álcool-acidorresistente (BAAR); sensível à peridina e tem atividade DOPA oxidase+. À microscopia eletrônica, verifica-se que sua parede tem duas camadas, uma interna eletrodensa e outra externa eletrotransparente, abaixo dela está a membrana plasmática. A cápsula dessa micobactéria que corresponde, em parte, à camada eletrotransparente, é constituída de dois lipídeos, o dimicocerosato de ftiocerol e o glicolipídeo fenólico (PGL-1), que contém um grupamento trissacarídico específico do M. leprae. Na parede bacteriana, há ácidos micólicos, arabinogalactam e peptidoglican, também existentes em outras microbactérias. O glicolipídeo fenólico (PGL- 1) é específico do M. leprae. No citoplasma do BH, há vários constituintes, entre eles uma enzima difeniloxidase específica e capaz de oxidar o isômero D da di-hidroxifenilalanina (DOPA). Assim, o bacilo de Hansen distingue-se entre as microbactérias patogênicas por apresentar essa atividade dopaoxidase. Os genes funcionais viáveis da M. leprae ainda têm capacidade de adaptar essa bactéria ao parasitismo intracelular e sobreviver por um longo tempo, o suficiente para infectar e multiplicar-se na célula de Schwann do nervo periférico. Esse bacilo simplificado, com intensa redução de seu genoma, tornou-se muito exigente e dependente dos produtos metabólicos das células do hospedeiro. Essa estrutura pode explicar características bacteriológicas únicas do BH: como o excepcional crescimento lento e sua incapacidade para multiplicar-se nos meios de cultura ou meios sintéticos, pois ocorre uma rápida perda de ATP não suplementável; justificando a inexistência de vacina. O tempo em que permanecem viáveis fora do organismo humano, que é de 36 horas em temperatura ambiente e de aproximadamente 7 a 9 dias em temperatura de 36,7°C com 77,6% de umidade média. O BCG é classicamente conhecido como capaz de estimular a imunidade mediada por células (IMC), geneticamente determinada, em razão dos antígenos comuns da parede das micobactérias. É usado em alguns países, inclusive no Brasil. Acredita-se que a resposta imune ao M. leprae seja fortalecida com a vacinação pelo BCG. Vários fatores impediram o progresso do conhecimento em base biológica, sobre o bacilo de Hansen, em especial a falta de cultivo in vitro. BACILO DE HANSEN E SEU NEUROTROPISMO Dentre todas micobactérias conhecidas, o BH é a única micobactéria com capacidade ou habilidade para invadir o SNP. Quanto mais precoce a identificação do dano neural, melhor será a prevenção das incapacidades. Ao selecionar a célula de Schwann como nicho preferido, a M. leprae adquiriu vantagem significativa de sobrevivência: na célula de Schwann, o bacilo permanece protegido dos mecanismos de defesa do hospedeiro; como a célula de Schwann não tem capacidade fagocítica profissional, ela é incapaz de destruir patógenos; assim, permite ao bacilo multiplicar-se continuamente; e ainda, a barreira sanguínea do nervo limita o acesso de vários Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 2 medicamentos na célula de Schwann, habilitando-a, irrestritamente, para a multiplicação BH. Essas “vantagens” tornam a célula de Schwann a hospedeira ideal, na qual o bacilo pode persistir no SNP e desencadear a lesão neurológica. É importante notar que o acometimento neural ocorre em todas as formas e grupos da MH (em especial, de forma tardia), independentemente do estado imunológico do doente. A invasão da célula de Schwann e o consequente dano neural determinam perda sensitiva e, mais tarde, lesões motoras, responsáveis pelas deformidades e incapacidades da moléstia. O M. leprae tem competência por meio da lâmina basal de invadir a célular de schwann. O simples contato do M. leprae na unidade celular-axonal de Schwann é suficiente para que ele seja absorvido. Papel do PGL-1 da parede celular do BH objetivando o nervo periférico Os lipídeos do BH são as chaves para a entrada na célula de Schwann. A específica afinidade do BH pelo nervo periférico é determinada pelo PGL-1. Recentemente, demonstrou-se que o glicolipídeo fenólico (PGL-1) do M. leprae é a chave para entrar na célula de Schwann, unindo-se ao receptor alfadestroglicana e laminina α-2 da membrana basal. No bacilo de Hansen, além dos elementos comuns a todas as micobactérias, existe o glicolídeo fenólico-1 (PGL-1), que é trissacarídeo distintamente antigênico, existente unicamente no BH. Por isso, ele é a única micobactéria neurotrópica. O PGL-1 é estrutura lipídica específica do M. leprae, responsável pela resistência à ação destruidora do macrófago e ação moduladora, e utilizado para análise sorológica e fixação do complemento. A única micobactéria com PGL-1 e capacidade neurotrópica é o bacilo de Hansen. O PGL-1 une-se à cadeia α-2 da lâmina basal da unidade axonal da célula de Schwann pela sua porção trissacarídea. Existem cinco módulos de domínio G na lâmina basal da célula de Schwann e o PGL-1 tem três áreas de aderência, em ordem crescente de atividade: α-2 LG1, α-2 LG4 e α-2LG5; porém o PGL-1 pode aderir- se em todo domínio G. Todos os casos de hanseníase que suscitem dúvida sobre a classificação operacional devem ser tratados como MB. TRANSMISSÃO As vias de eliminação dos bacilos são, especialmente, as vias aéreas superiores e áreas da pele e/ou mucosas erosadas, de qualquer área do tegumento, inclusive, genitais, dos doentes bacilíferos (multibacilares virgens de terapêutica ou os com tratamento irregular). Os bacilos também podem ser eliminados pelo leite materno (4,5 bilhões de BH por mamada), suor, secreções vaginais e esperma, urina e fezes. O bacilo de Hansen é de alta infectividade e baixa patogenicidade e virulência. Portanto, admite-se que muitas pessoas se infectam em áreas endêmicas, mas somente a minoria evolui para a doença. A principal forma de contágio da doença é inter-humana e o maior risco está relacionado com a convivência domiciliar com doente bacilífero sem tratamento. Quanto mais íntimo e prolongado for o contato, maior será a possibilidade de se adquirir a infecção. As portas de entrada dos bacilos são, especialmente, as vias aéreassuperiores e áreas da pele e/ou mucosas erosadas. Admite-se que o período de incubação do BH seja de 2 a 5 anos. TESTE DE MITSUDA E FATOR N DE ROTBERG A evolução da infecção e as manifestações clínicas e histológicas da hanseníase, conceito espectral, dependem da resistência natural, “Fator N” (FN) de Rotberg, 1937 (FMUSP), que expressa por resposta positiva (M+) ao teste de Mitsuda indica boa imunidade celular, 80% das pessoas que nascem com FN, em algum dia, terão M+; pessoas com M+ abortam a infecção ou os com negatividade temporária desenvolvem formas não contagiantes da moléstia, ou também, quando infectadas com carga bacilar alta, evoluem para o grupo contagiante, até o grupo subpolar dos virchowianos. A margem Hansen anérgica (MHA – Rotberg, 1986), cerca de 20% é constituída por pessoas Mitsuda- negativas; mas, só uma parte (suscetível) fica doente e evolui para as formas contagiantes. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 3 De acordo com a teoria, quase 80% da população mundial tem a capacidade de reagir positivamente, em graus variáveis, ao teste de Mitsuda, após estimulação pelos bacilos de Hansen, Koch, BCG, provavelmente outros BAR. A minoria é especificamente incapaz ("Margem Hansen-anérgica"). Essa capacidade de reagir depende de um fator natural ("Fator N"), genético, ausente na "Margem". Os diversos tipos de reação condicionam, prioritariamente, a resistência, a predisposição para a infecção hansênica e a evolução para os diversos aspectos clínico-patológicos da doença. A imunidade celular específica contra o BH (FN de Rotberg) é hereditária e transmitida por um par de genes autossômicos, transmitidos em dominância parcial. A maioria da população é resistente à infecção pelo BH. Essa resistência pode ser avaliada pela reação de Mitsuda, que consiste na injeção intradérmica de suspensão de bacilos mortos pelo calor. A leitura do teste é tardia e, após quatro semanas, quando positiva, surge nódulo eritematoso que indica resistência ao BH. A positividade à reação de Mitsuda aumenta com a idade e ocorre em 80% da população adulta. O estado imunitário individual das pessoas (imunidade celular específica contra o BH) pode ser avaliado por meio do teste intradérmico de Mitsuda- Hayashi (1919). A reação de Mitsuda positiva representa o desenvolvimento de imunidade constitucional, celular, após estímulo pelo próprio M. leprae ou outras micobactérias. O teste de Mitsuda-Hayashi não é diagnóstico, serve apenas para ajudar na classificação e para estabelecer prognóstico. É realizada um injeção intradérmica de 0,1 mL do antígeno de mitsuda integral. Depois de 28 a 30 dias, pode haver uma segunda reação, dita tardia ou de Mitsuda, que se caracteriza, quando positiva, pelo aparecimento no local da injeção de um nódulo que pode ulcerar ou não. A intensidade da reação, que está relacionada ao tamanho do nódulo, é medida em cruzes. A reação de Mitsuda positiva representa o desenvolvimento de imunidade constitucional, celular, após estímulo pelo próprio M. leprae ou outras micobactérias. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, reações de 3 a 5 mm correspondem a (+), de 5 a 10 mm, (++) e, quando ulcerado, com mais de 10 mm (+++). As reações positivas assomam nas formas clínicas da hanseníase que apresentam algum grau de imunidade celular específica ao bacilo de Hansen e é negativa quando essa imunidade está ausente. Em contatos de doentes com hanseníase, uma reação positiva indica que o indivíduo não ficará doente ou, se ficar, adquirirá uma forma tuberculoide. Se, por outro lado, ele for negativo e adoecer, será portador de hanseníase virchowiana. O Teste de Mitsuda pode ter valor diagnóstico? Na suspeita de hanseníase em um indivíduo que apresenta eritema nodoso sem, aparentemente, outro tipo de lesão cutânea ou neural. Nesse caso, a reação de Mitsuda, quando positiva, exclui a possibilidade da doença porque o eritema nodoso só ocorre nas formas clínicas em que esse teste é negativo. TEORIA DA POLARIDADE DA MOLÉSTIA DE HANSEN No Congresso de Havana, em 1948, e de Madri, em 1953, a doença passou a ser dividida em dois tipos polares: tuberculoide e lepromatosa, mutuamente incompatíveis e dois grupos instáveis: indeterminado e dimorfo/borderline. Essa classificação continua sendo a classificação oficial porque nenhum outro congresso internacional se dispôs a modificá-la. Mitsuda positivo (+++): doente paucibacilar, não contagiante, tuberculoide polar, com ausência ou raros bacilos. Mitsuda-Hayashi (-): doente multibacilar, contagiante, virchowiano polar, com numerosos bacilos. → Entre esses extremos, há o grupo intermediário, denominado dimorfo ou borderline. O diagnóstico da hanseníase é eminentemente clínico e a maioria dos casos pode ser confirmada no nível da Atenção Primária à Saúde. No Brasil, predominam doentes multibacilares (contagiantes). Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 4 O Ministério da Saúde do Brasil define um caso de hanseníase pela presença de pelo menos um ou mais dos seguintes critérios, conhecidos como sinais cardinais da hanseníase: 1) Lesão(ões) e/ou áreas(s) da pele com alteração de sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil; 2) Espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas; 3) Presença do M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço intradérmico ou na biópsia de pele. Baciloscopia direta para bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR): É um exame laboratorial complementar ao diagnóstico clínico, que busca detectar a presença do M. leprae em esfregaços de raspado intradérmico e estimar a carga bacilar apresentada pelo paciente. A pesquisa do bacilo também pode ser feita por meio de colorações especiais em fragmentos de biópsia de pele, nervos, linfonodos e outros órgãos; nesses casos, a baciloscopia avalia a carga bacilar apenas no fragmento analisado. A OMS utiliza uma classificação para fins operacionais objetivando a utilização dos esquemas multiterápicos no tratamento da MH. Nessa classificação, os doentes são divididos em paucibacilares (PB) nos quais estão incluídos aqueles com baciloscopia negativa abrangendo, assim, todos os tuberculoides e indeterminados; e os multibacilares (MB) com baciloscopia positiva, dos quais fazem parte todos os virchowianos e dimorfos. Após a conclusão diagnóstica a partir do exame clínico e/ou baciloscópico, os casos de hanseníase devem ser classificados para fins de tratamento, de acordo com os critérios definidos pela OMS – Hanseníase paucibacilar (PB) e Hanseníase multibacilar (MB). Hanseníase paucibacilar (PB): Caracteriza-se pela presença de uma a cinco lesões cutâneas e baciloscopia obrigatoriamente negativa. Na literatura brasileira, é clássica a descrição do comprometimento isolado de um nervo periférico na forma tuberculoide, consensualmente reconhecida como paucibacilar. São doentes não contagiantes, com poucos bacilos e acometimento neural e cutâneo (paucibacilares). Formas: inicial indeterminada e tardia tuberculoide. Hanseníase multibacilar (MB): Caracteriza-se pela presença de mais de cinco lesões de pele e/ou baciloscopia positiva. Há consenso sobre a classificação como MB dos casos de hanseníase que apresentam mais de um nervo periférico comprometido, desde que devidamente documentada a perda ou diminuição de sensibilidade nos seus respectivos territórios. São doentes contagiantes – com muitos bacilos em todos os tecidos acometidos (exceto no SNC) e, portanto, também muitas lesões cutâneas. Formas: dimórfica e virchowiana. OBS.: Todos os casos de hanseníase que suscitem dúvida sobre a classificação operacional devem ser tratados como MB. Em 1962 e depois em 1966,Hidley e Jopling propuseram uma classificação para ser utilizada nas pesquisas. Nessa classificação, a doença é considerada espectral e tem dois tipos polares imunologicamente estáveis: o tuberculoide polar (TTp) e o virchowiano Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 5 polar (VVp). E outros dois grupos imunologicamente instáveis: indeterminado (inicial) e os interpolares - tuberculoide secundário (TTs), os borderlines ou dimorfos tuberculoides (DT), dimorfo-dimorfo (DD), dimorfo virchowiano (DV) e o virchowiano subpolar (VVs). EVOLUÇÃO NATURAL DA HANSENÍASE Quando o bacilo de Hansen penetra no organismo humano, verifica-se que a infecção pode evoluir de várias maneiras: • O indivíduo tem resistência natural e abortará a infecção. • A infecção evolui para doença subclínica que regride espontaneamente. • Evolui para hanseníase indeterminada (MHI). • A maioria dos doentes (70%) com MHI pode também curar-se espontaneamente. • Menor número de doentes (30%) com MHI evolui com manifestações espectrais. Forma ou tipo tuberculoide polar (TTp): aqui o doente depois de organizar granuloma tuberculoide no nervo e/ou na pele, estimulado pelos bacilos de Hansen, expressa seu fator genético, natural, de defesa celular e sua resposta ao antígeno de Mitsuda torna-se 3+ ulcerada. Nessa forma, haverá elaboração de boa resposta imune celular em que as células CD4 são numerosas e dispõem-se junto aos macrófagos na área central, enquanto na periferia estão localizadas as células CD8. Não ocorre multiplicação dos bacilos que, na grande maioria, serão eliminados. Surgirá granuloma tuberculoide e a pesquisa anti-PGL-1 será com títulos baixos. Grupo tuberculoide subpolar ou dimorfo tuberculoide ou, para o grupo dimorfo-dimorfo, dimorfo virchowiano ou virchowiano subpolar, conforme as características imunológicas do indivíduo e a carga bacilar recebida na infecção: a reação de Mitsuda é negativa, mas pode ser temporariamente, pois os doentes incluídos até nesse grupo nasceram com fator natural de Rotberg; quando a carga bacilar diminui, eles podem organizar granuloma tuberculoide e, então, passam a reagir positivamente ao antígeno de Mitsuda. Se o indivíduo receber carga bacilar alta na infecção e a imunidade celular específica estiver temporariamente negativa, haverá evolução para o grupo intermediário entre as formas polares e dimorfa (D) que, às vezes, se caracteriza por manifestações muito semelhantes ao tipo tuberculoide (TT ou DT) ou à forma virchowiana (DV) ou equidistantes entre os dois polos (DD); este último é o grupo imunologicamente mais instável, passível de reações. Nesses casos, a reação de Mitsuda pode ser fracamente positiva ou negativa e o indivíduo apresentará imunidade celular que será tanto maior quanto mais próximo estiver do polo tuberculoide. Forma ou tipo virchowiano polar (VVp): se o doente não tiver resistência e pertencer à margem Hansen anérgica de Rotberg, a reação de Mitsuda sempre será negativa e os bacilos se multiplicarão livremente nos macrófagos de todos os tecidos exceto no sistema nervoso central (SNC), caracterizando a forma grave e contagiante da moléstia, hanseníase virchowiana polar. FISIOPATOLOGIA DOS POLOS DA MOLÉSTIA DE HANSEN Na hanseníase, ocorrem os dois tipos de resposta imunológica: Th1 e Th2. Os bacilos introduzidos no organismo são fagocitados pelos macrófagos diretamente ou apresentados por células: Langherans, Schwann, queratinócitos e endoteliais. No tipo tuberculoide, os bacilos fagocitados induzem nos macrófagos as citoquinas IL1, IL12 e fator de necrose tumoral (TNF), que atuam sobre a subpopulação linfocitária Th1, que induzem as citoquinas IL2, IFN-γ e TNF-α, responsáveis pela resposta imunocelular. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 6 No tipo virchowiano, as citoquinas produzidas pelos macrófagos atuam sobre a subpopulação Th2 com a produção de citoquinas, IL4, IL5, IL6, Ild8, IL10 que são supressoras da atividade macrofágica e que estimulam linfócitos B e mastócitos (resposta humoral). Associa-se nos virchowianos imunodeficiência celular específica dos macrófagos na destruição dos BH. A forma virchowiana apresenta níveis elevados de anticorpos específicos para o glicolipídeo fenólico 1 (anti-PGL-1), antígeno específico da parede celular do bacilo de Hansen (granulomas macrofágicos, em que um pequeno número de células CD4 se dispõe junto com as células CD8 de maneira difusa) e disseminam- se pela grande maioria dos tecidos caracterizando a forma grave e contagiante da moléstia (hanseníase virchowiana polar). FORMAS CLÍNICAS DA HANSENÍASE As primeiras manifestações e lesões clínicas da MH ocorrem, exclusivamente, no SNP e, em geral, passam despercebidas e antecedem os sinais cutâneos. No início, são sensitivas: ocorre perturbação da sensibilidade térmica, em seguida, dolorosa e, finalmente, a tátil. Os ramúsculos neurais (componentes mais distais do SNP) são os primeiros a serem afetados, instalando-se a ramusculite periférica. A seguir, a infecção progride, na direção proximal, aos ramos secundários e, finalmente, aos troncos neurais periféricos, que se tornam edemaciados, dolorosos à palpação ou percussão (sinal de Tinel+). Essa inflamação ocorre, principalmente, próxima às articulações e provoca graves perturbações na circulação neural, agravando a isquemia com consequente disestesia grave ou perda da função. O M. leprae tem tropismo especial para os nervos periféricos e há comprometimento neural em todas as manifestações clínicas da hanseníase. No segmento cefálico, os nervos comprometidos são o trigêmeo e o facial. Nos membros superiores são os nervos ulnar, meidano e radial. No membros inferiores os nervos comprometidos são o fibular e o tibial posterior. → Hanseníase tuberculoide Ocorre em indivíduos com forte resposta da imunidade celular específica, evoluindo, por isso, com multiplicação bacilar limitada e não detectável pela baciloscopia do esfregaço intradérmico. O paciente apresenta comprometimento restrito da pele e nervos, que se manifesta geralmente como lesão cutânea única e bem delimitada. A resposta inflamatória é intensa, com a presença de granulomas tuberculoides na derme e acentuado comprometimento dos filetes nervosos, o que se traduz clinicamente por acentuada hipoestesia ou anestesia nas lesões dermatológicas, facilmente demonstrada pelos testes de sensibilidade térmica, tátil e dolorosa. Pelo mesmo motivo, é comum haver comprometimento da função das glândulas sudoríparas, com hipo ou anidrose, assim como dos folículos pilosos, com diminuição dos pelos nas áreas afetadas. As lesões da pele são placas com bordas nítidas, elevadas, geralmente eritematosas e micropapulosas, que surgem como lesões únicas ou em pequeno número. O centro das lesões pode ser hipocrômico ou não, por vezes apresentando certo grau de atrofia que reflete a agressão da camada basal da epiderme pelo infiltrado inflamatório granulomatoso. Pode-se observar espessamento dos filetes nervosos superficiais da pele adjacente às placas, formando semiologicamente o que se denomina como “sinal da raquete”. Nos doentes tuberculoides, as lesões neurais são mais precoces, intensamente agressivas e assimétricas e, muitas vezes, mononeurais. Os nervos periféricos são poupados ou se apresentam espessados de forma localizada e assimétrica, podendo haver comprometimento intenso das funções sensitivas e motoras no território do nervo afetado. Por outro lado, pode haver áreas da pele com comprometimento sensitivo, sem lesões cutâneas visíveis. O diagnóstico clínico geralmente pode ser estabelecido com base no primeiro sinal cardinal da doença – lesões da pele com diminuição ou perda de sensibilidadetérmica e/ou dolorosa e/ou tátil. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 7 → Hanseníase virchowiana Nessa forma clínica, as manifestações cutâneas e neurológicas e a baciloscopia apresentam características totalmente contrárias às da forma tuberculoide, ocupando o polo oposto no espectro clínico da hanseníase. Ocorre em indivíduos que não ativam adequadamente a imunidade celular específica contra o M. leprae, evoluindo com intensa multiplicação dos bacilos, que são facilmente detectáveis tanto na baciloscopia como na biópsia cutânea. Embora ocorra ativação da imunidade humoral, com produção de anticorpos específicos contra o bacilo, estes não são capazes de impedir o aumento progressivo da carga bacilar e a infiltração difusa, especialmente, da pele e dos nervos periféricos, além de linfonodos, fígado, baço, testículos e medula óssea. O comprometimento cutâneo pode ser silencioso, com a progressiva infiltração sobretudo da face, com acentuação dos sulcos cutâneos, perda dos pelos dos cílios e supercílios (madarose), congestão nasal e aumento dos pavilhões auriculares. Ocorre infiltração difusa das mãos e pés, com perda da conformação usual dos dedos, que assumem aspecto “salsichoide”. Com a evolução da doença não tratada, surgem múltiplas pápulas e nódulos cutâneos, assintomáticos e de consistência firme (hansenomas), geralmente com coloração acastanhada ou ferruginosa. A ausência da inflamação mediada pela imunidade celular traduz-se por comprometimento também silencioso dos nervos periféricos e dos seus ramos superficiais. Portanto, ao contrário da forma tuberculoide, na forma virchowiana as lesões de pele podem apresentar sensibilidade normal. Por outro lado, os nervos periféricos geralmente se encontram espessados difusamente e de forma simétrica, frequentemente com hipoestesia ou anestesia dos pés e mãos, além de disfunções autonômicas, com hipotermia e cianose das extremidades. Geralmente há queixas neurológicas, com relato de dormências, câimbras e formigamentos nas mãos e pés, além de comprometimento difuso da sudorese, às vezes com hiperidrose compensatória em áreas não afetadas, como axilas e couro cabeludo. As lesões neurais dos doentes virchowianos são extensas, simétricas e pouco intensas nos primeiros anos da moléstia. Cronicamente, as fibras nervosas vão sendo lentamente comprimidas pelo infiltrado linfo- histiocitário com bacilos e é por isso que as lesões clínicas se manifestarão tardiamente. Desse modo, embora o primeiro sinal cardinal da doença possa estar ausente, frequentemente o diagnóstico clínico pode ser estabelecido com base no comprometimento cutâneo exuberante associado ao segundo sinal cardinal – o espessamento de nervos periféricos –, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas. Quando necessário, o diagnóstico pode ser confirmado pela baciloscopia positiva do esfregaço intradérmico (terceiro sinal cardinal) que, via de regra, revela alta carga bacilar. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 8 → Hanseníase dimorfa Essa forma clínica situa-se entre os polos tuberculoide e virchowiano no espectro clínico e baciloscópico da doença, apresentando características imunológicas mistas e sinais intermediários em relação às descrições anteriores. As lesões cutâneas aparecem em número variável, acometendo geralmente diversas áreas, e apresentam grande variabilidade clínica, como manchas e placas hipocrômicas, acastanhadas ou violáceas, com predomínio do aspecto infiltrativo. Quando a principal resposta imune é celular, as lesões podem assemelhar- se às da forma tuberculoide, com surgimento de diversas placas com limites nítidos e comprometimento evidente da sensibilidade cutânea. Quando a resposta humoral é predominante, as lesões surgem em grande número, podendo haver hansenomas e infiltração assimétrica dos pavilhões auriculares, destacando-se as lesões infiltradas de limites imprecisos. As lesões mais típicas da hanseníase dimorfa são denominadas “lesões foveolares”, que apresentam bordos internos bem definidos, delimitando uma área central de pele aparentemente poupada, enquanto os bordos externos são espraiados, infiltrados e imprecisos. Nessas lesões, a sensibilidade e as funções autonômicas da pele podem estar comprometidas de forma mais discreta. Nos doentes do grupo dimorfo (borderline), o comprometimento neurológico, em geral, é extenso e intenso, em razão da existência de algum grau de imunidade celular específica contra o M. leprae. Nessa situação, há destruição de nervos pelos granulomas de uma maneira generalizada. O comprometimento dos nervos periféricos geralmente é múltiplo e assimétrico, muitas vezes com espessamento, dor e choque à palpação, associado à diminuição de força muscular e hipoestesia no território correspondente. A instabilidade da resposta imune frequentemente dá origem às reações inflamatórias nas lesões de pele e à neurite aguda dos nervos periféricos, gerando incapacidades físicas e às vezes causando deformidades visíveis na face, mãos e pés, com atrofia muscular, garras nos dedos, úlceras plantares, lesões traumáticas em áreas de anestesia, alterações oculares e outras. Essa é a forma clínica mais incapacitante da hanseníase, especialmente quando o diagnóstico é tardio. O M. leprae geralmente é encontrado em número moderado, tanto na baciloscopia do esfregaço intradérmico como em fragmentos de biópsia das lesões. → Hanseníase indeterminada É a forma inicial da doença, surgindo com manifestações discretas e menos perceptíveis. Diferentemente das formas anteriores, suas manifestações clínicas não se relacionam à resposta imune específica, caracterizando-se por manchas na pele, em pequeno número, mais claras que a pele ao redor (hipocrômicas), sem qualquer alteração do relevo nem da textura da pele. O comprometimento sensitivo é discreto, geralmente com hipoestesia térmica apenas; mais raramente, há Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 9 diminuição da sensibilidade dolorosa, enquanto a sensibilidade tátil é preservada. Pode ou não haver diminuição da sudorese (hipoidrose) e rarefação de pelos nas lesões, indicando comprometimento da inervação autonômica. Ressalta-se que essa forma clínica pode inicialmente manifestar-se por distúrbios da sensibilidade, sem alteração da cor da pele. Por ser uma forma inicial, não há comprometimento de nervos periféricos e, portanto, não se observam repercussões neurológicas nas mãos, pés e olhos. A quantidade de bacilos é muito pequena, indetectável pelos métodos usuais, e via de regra a baciloscopia é negativa. Tendo em vista o caráter discreto e assintomático dessas lesões, é mais raro que os pacientes busquem o serviço de saúde espontaneamente nessa fase da doença, por isso as ações de busca ativa de casos na população, como campanhas de diagnóstico e especialmente o exame de contatos, são essenciais para a detecção precoce de casos. No entanto, quando a doença não é tratada nessa fase, evoluirá de acordo com a resposta imune do indivíduo infectado, podendo haver cura espontânea ou desenvolvimento de uma das três formas clínicas descritas anteriormente, surgindo o risco de dano neurológico irreversível. → Hanseníase neural pura (ou neurítica primária) Constitui-se numa apresentação clínica exclusivamente neural, sem lesões cutâneas e com baciloscopia negativa, o que representa um desafio diagnóstico. Alguns exames complementares como o eletroneuromiograma, a biópsia de nervo, a sorologia e biologia molecular podem auxiliar na definição etiológica, embora não estejam facilmente disponíveis na Rede de Atenção à Saúde (RAS). A prevalência dessa forma clínica entre os casos dehanseníase é controversa, e embora a maioria dos estudos estime que corresponda, em média, a 10% dos casos, esse percentual pode estar subestimado em decorrência da sintomatologia inicial mais discreta e inespecífica, além das dificuldades diagnósticas. Do ponto de vista clínico, o diagnóstico é confirmado pelo achado do segundo sinal cardinal da hanseníase (espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas no território do nervo), o que demanda habilidade dos profissionais de saúde para palpar os nervos periféricos corretamente, para identificar as alterações autonômicas e para realizar os testes de sensibilidade e força muscular. De modo geral, há certa concordância entre os estudos de que os nervos ulnares sejam os mais frequentemente acometidos na hanseníase, embora qualquer nervo periférico possa ser afetado, especialmente os medianos, radiais, fibulares e os seus ramos superficiais como o nervo ulnar superficial, radial cutâneo, fibular superficial, além do nervo sural. O diagnóstico laboratorial é feito pela demonstração de características histopatológicas compatíveis com hanseníase e pelo achado de bacilos álcool-ácido resistentes dentro do nervo, em fragmentos de biópsia. Os nervos mais adequados para biópsia são o ulnar superficial, o antebraquial medial/lateral ou os nervos radiais ou surais superficiais. Esse procedimento não é simples, pois a amostra tecidual é limitada e porque a maioria dos pacientes com a forma neural pura correspondem ao polo tuberculoide do espectro com carga bacilar diminuída. A ultrassonografia é de grande valia como exame complementar dos nervos periféricos, assim como o eletroneuromiograma, que podem auxiliar na elucidação diagnóstica. Mais recentemente tem-se destacado o papel da sorologia anti-PGL-1 e dos estudos de reação em cadeia da polimerase (PCR), também como exames auxiliares para a avaliação etiológica dessa neuropatia periférica. Os pacientes com suspeita dessa forma clínica da hanseníase devem ser encaminhados para investigação em unidades de atenção especializada, principalmente para o diagnóstico diferencial em relação a outras neuropatias periféricas, tendo em vista que diversas doenças podem afetar os nervos periféricos. Entre essas doenças, estão neuropatia sensitiva congênita; lesões nervosas de origem traumática; neuropatia diabética; neuropatia alcoólica; neuropatias autoimunes; neuropatias nutricionais; siringomielia; tabes dorsalis; neuropatias axonais associadas ao mieloma múltiplo, às gamopatias monoclonais, ao hipotireoidismo e à sarcoidose; neuropatias associadas à doença de Lyme e ao HIV; síndromes paraneoplásicas; neuropatia alcoólica de MarieCharcot-Tooth, dentre outras. Portanto, esses casos devem ser preferencialmente avaliados por neurologistas com experiência em hanseníase. REAÇÕES HANSÊNICAS As reações hansênicas são fenômenos inflamatórios agudos que cursam com exacerbação dos sinais e sintomas da doença e acometem um percentual elevado de casos, chegando a 50% dos pacientes em alguns estudos. Resultam da ativação de resposta imune contra o M. leprae e podem ocorrer antes, durante ou após o tratamento da infecção. Afetam especialmente a pele e os nervos periféricos, podendo acarretar dano neural e incapacidades físicas permanentes quando não tratadas adequadamente. As reações são classificadas em dois tipos, denominados reação tipo 1 (ou reação reversa) e Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 10 reação tipo 2 (ou eritema nodoso hansênico). Enquanto as primeiras são reações de hipersensibilidade celular e geram sinais e sintomas mais restritos, associados à localização dos antígenos bacilares, a segunda é uma síndrome mediada por imunocomplexos, resultando em um quadro sistêmico e acometendo potencialmente diversos órgãos e tecidos. Quadros atípicos de resposta imune também podem ocorrer na hanseníase, dificultando a classificação de alguns casos reacionais e simulando doenças como artrite reumatoide, outras doenças reumatológicas, uveítes, nefrites, hepatites e vasculites, dentre outras. → Reação hansênica tipo 1 (reação reversa) A reação hansênica tipo 1 acomete especialmente pacientes com formas dimorfas da hanseníase e, portanto, pode surgir tanto em casos classificados como paucibacilares como nos multibacilares. Ocorre abruptamente, com piora das lesões de pele preexistentes e aparecimento de novas lesões, muitas vezes acompanhada por intensa inflamação de nervos periféricos. É uma reação de hipersensibilidade do tipo III e IV na Classificação de Gell e Coombs, desencadeada por resposta imunológica contra antígenos do M. leprae e, por isso, pode ser direcionada contra bacilos mortos ou fragmentos bacilares que permanecem no organismo por períodos longos após a antibioticoterapia. Clinicamente, a reação reversa caracteriza-se por um processo inflamatório agudo. As lesões cutâneas tornam-se mais visíveis, com coloração eritemato- vinhosa, edemaciadas, algumas vezes dolorosas. Frequentemente, essas alterações aparecem também em áreas da pele onde a infecção era imperceptível, dando origem a lesões aparentemente novas. Qualquer nervo periférico e ramos nervosos cutâneos podem ser afetados, gerando dor aguda, que pode ser de forte intensidade, espontânea ou à palpação dessas estruturas, observando-se o reflexo característico de retirada do membro à palpação feita pelo avaliador. Muitas vezes, a neurite vem acompanhada por comprometimento das funções sensitivas, motoras e/ou autonômicas. Desse modo, deve-se atentar às queixas do paciente em relação à piora das dores nos membros, queda mais frequente dos objetos das mãos e surgimento ou aumento da dormência nas mãos e pés. Em pacientes com intensa resposta inflamatória, pode ocorrer ulceração das lesões cutâneas e formação de abscessos em nervos periféricos. Em vista do risco de dano neural, o tratamento da reação tipo 1 deve ser instituído imediatamente, por meio de corticosteroides sistêmicos em doses altas, de acordo com as recomendações constantes neste PCDTii, assim como pelo monitoramento clínico e da função neural. Ressalta-se que a piora da função dos nervos periféricos pode ocorrer de forma isolada e independente de manifestações cutâneas de reações hansênicas. Por esse motivo, a realização periódica das avaliações neurológicas é essencial para o controle clínico da hanseníase, possibilitando detectar quadros de deterioração neurológica mais insidiosa. → Reação hansênica tipo 2 (eritema nodoso hansênico) Acomete exclusivamente pacientes multibacilares, especialmente aqueles com forma virchowiana e dimorfos com altas cargas bacilares. Nesses casos, o mecanismo etiopatogênico subjacente é a ativação da resposta imune humoral contra o bacilo, que cursa com produção de anticorpos específicos e interação antígenoanticorpo em diversos tecidos do hospedeiro. Por esse motivo, o quadro pode vir acompanhado por sintomas gerais como febre, artralgias, mialgias, dor óssea, edema periférico e linfadenomegalia, além do comprometimento inflamatório dos nervos periféricos (neurite), olhos (irite, episclerite), testículos (orquite) e rins (nefrite). Laboratorialmente, pode-se observar leucocitose elevada com neutrofilia, às vezes com desvio à esquerda, plaquetose, elevação da velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, proteinúria e hematúria. Na pele, a manifestação clássica da reação hansênica do tipo 2 é o eritema nodoso hansênico (ENH), que são nódulos subcutâneos, dolorosos, geralmente múltiplos e caracterizados histopatologicamente por paniculite. Os nódulos podem aparecer em qualquer área da pele e não se relacionam à localização de lesões prévias de hanseníase. Em casos severos,pode ocorrer necrose e ulceração das lesões (eritema nodoso necrotizante). Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 11 De acordo com a OMS, o ENH pode ser classificado, de acordo com a sua evolução, em: Agudo: episódio que persiste por menos de seis meses, em que o tratamento é eficaz e a retirada progressiva dos medicamentos antirreacionais não está associada à recorrência das lesões; Recorrente: quando o paciente apresenta pelo menos um segundo episódio de ENH no período igual ou superior a 28 dias após a interrupção do tratamento antirreacional; também denominado “subentrante”; Crônico: episódios que perduram por mais de seis meses, durante os quais o paciente necessita de tratamento constante ou tem períodos de remissão inferiores a 28 dias. Assim como na reação tipo 1, o processo inflamatório desencadeado pela reação tipo 2 pode causar comprometimento importante dos nervos periféricos, associado a dano neural e incapacidades. Nesses casos, e naqueles com comprometimento dos olhos e/ou testículos, o tratamento é feito com corticosteroides, de modo similar ao preconizado para reação tipo 1. Nos demais casos, a reação tipo 2 é tratada com talidomida ou pentoxifilina. O ENH provoca grande morbidade nos pacientes, com comprometimento da sua qualidade de vida e grande impacto psicossocial e econômico. Deve-se considerar que esses episódios reacionais podem perdurar por um ano ou mais, sendo muitas vezes necessário oferecer suporte psicológico e avaliar a necessidade de medidas de proteção social. É preciso monitorar cuidadosamente esses pacientes, especialmente com relação à sua evolução clínica e ao uso correto dos medicamentos, especialmente nas fases de descontinuação dos fármacos. A corticoterapia pode causar sérios eventos adversos; por isso, os pacientes necessitam de explicações detalhadas sobre as doses adequadas e os riscos desses medicamentos, a fim de evitar que se automediquem para controle dos sintomas, o que pode trazer consequências severas. FATORES ASSOCIADOS OU PRECIPITANTES DAS REAÇÕES HANSÊNICAS Alguns fatores clínicos são reconhecidamente associados ao desencadeamento e manutenção das reações hansênicas, dentre os quais a gravidez (especialmente o período pós-parto), as alterações hormonais da adolescência, coinfecções, parasitoses intestinais, focos de infecção dentária e uso de vacinas, além de estresse físico e psicológico. Alguns estudos demonstram que há risco aumentado de desenvolvimento de reações hansênicas em pacientes com saúde oral comprometida, especialmente na presença de cáries, periodontite, sangramento gengival, cálculo dentário e bolsa periodontal. Considerando o elevado risco de dano neural durante as reações hansênicas e o contexto da integralidade do cuidado, recomenda-se que os pacientes com hanseníase sejam submetidos à avaliação odontológica, recebendo tratamento adequado. Além disso, é necessário avaliá-los clinicamente de forma ampla, detectando e tratando previamente as comorbidades apresentadas. Destaca-se a importância da associação entre tuberculose e hanseníase, pela necessidade de ajuste dos esquemas terapêuticos utilizados para ambas as doenças.
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