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Homem de Verdade_ Em Metamorfos - Rafaela Perver

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Copyright © Rafaela Perver, 2021
Editora Chefe: Waldinéia Oliveira Gomes
 
Todos os direitos reservados ao Grupo Editorial The Books. É proibida a reprodução de
parte ou totalidade da obra sem a autorização prévia da editora. Todos os personagens desta
obra são fictícios e qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera
coincidência. Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
 
 
The Books Editora
Rua Três 572 - 38613-221 – Santa Luzia
Unaí / MG
Site: www.thebookseditora.com
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 10. PARTE II
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 16. PARTE II
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 39. PARTE II
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 40. PARTE II
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 42. PARTE II
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
BÔNUS LÍVIA E GAEL
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 50. PARTE II
CAPÍTULO 50. PARTE. III
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 51. PARTE II
EPÍLOGO
 
PRÓLOGO
 
SEXTA-FEIRA, DIA 07 DE AGOSTO – DOIS ANOS ANTES
— Para onde vai, Anton?
Encaro a Kiara, arrumando de longe o colarinho da minha camisa
branca. Seus olhos estão marejados. Sua voz nervosa e trêmula, espelha no
interior um semblante triste e cansado. Eu somente respiro fundo e caminho
em sua direção.
— Eu vou sair.
— De novo? Eu já estou cansada disso, você não se importa
comigo? Você não me ama?
— Ei... eu só vou sair para tomar uma cerveja com os meus irmãos e
voltar antes mesmo que você perceba.
Puxo o seu braço, no entanto, ela me empurra.
— Mas eu percebo, eu sinto a sua falta. Você só quer saber dos seus
irmãos. É treino depois da madeireira. É jogos as quintas, é chope aos
sábados na capital. É o que mais? Chifres na minha cabeça? Eu já estou
cansada. Eu vou ficar maluca. — Ela começa a chorar. — Eu só queria ser
feliz, me casar, ter uma família linda, um marido presente, amoroso. Ter o
que eu não estou tendo!
— Kia... — Desta vez, ela não me afasta, quando eu agarro devagar
a sua cintura, alisando os seus cabelos dourados. — Não coloque coisas na
cabeça. Somos felizes.
— Não minta. Como somos felizes? Como, se não deseja nem um
bebê? Nem sequer passar períodos livres com a mulher que “escolheu” se
casar... — Ela sussurra decepcionada no meu peito.
Eu, então, levanto o seu queixo dócil, observando os olhos mais
belos que eu já conheci, e limpo as suas bochechas molhadas.
— Eu prometo mudar por você. Só não me cobre filhos outra vez,
estamos bem assim.
— Você sabe que não estamos bem. Daqui três semanas,
comemoramos a terceira renovação dos nossos votos e vai ser a mesma coisa;
não pensam em crianças? Em filhos lindos, correndo pela casa?
Eu solto a Kiara, passando nervoso a mão pelo rosto.
— Chega, Kiara! Chega dessa merda de novo! Eu não vou te dar
filhos! Eu não quero! — Estresso-me e esbravejo alto.
— EU ESTOU CANSADA DE FICAR SOZINHA, DE SER
TRAÍDA POR VOCÊ! DE NÃO TER AMOR! AFAGO! E SE EU NÃO
POSSO SER AMADA, TER O MEU MARIDO COMPLETAMENTE AO
MEU LADO, EU QUERO UM FILHO! ME DEIXA SER MÃE?! ME
PERMITA AMAR ALGO NOSSO?
Chuto a porra da escrivaninha e seguro a Kiara com força pelos
braços, sacudindo-a.
— INFERNO! VOCÊ QUER A PORRA DESSE FILHO? VOCÊ
QUER UM FILHO PARA ME DEIXAR EM PAZ? EU VOU ENTÃO TE
DAR ESSA MERDA DE UMA VEZ!
CAPÍTULO 1
 
ANTON DEXTER
 
Eu estou de frente para o reflexo de um homem que hoje resta só a
carcaça podre de um covarde sem escrúpulos, sem compaixão, e que mereceu
todas as consequências possíveis deixadas por ela. Eu errei e estou pagando
por esses erros. A face é de orgulho, de angústia, e somente a Kiara pode me
arrancar dessa prisão. Eu preciso encontrar a minha esposa.
— Deveria já ter superado ela, Anton. — Encaro a imagem da minha
mãe pelo espelho. Ela para bem atrás do meu ombro e aperta o meu braço. —
É um Dexter! — Ela nos observa. — Seja forte e esqueça aquela víbora.
Existe milhares de moças lindas aos teus pés.
— O que faz fora da capital, Lorenza? — Eu sou direto ao inclinar o
pescoço e perguntar de forma desprezível, cortando-a.
Ela, então, tira as mãos de mim e suspira o habitual ar de
superioridade.
— É óbvio. Eu vim para morar na fazenda. Aquele apartamento se
transformou num mar negro, úmido, gelado e sem vida. Além de eu estar me
sentindo solitária.
— Desde que não se meta nos meus negócios. Nem na decoração da
mansão, fique à vontade!
— Não mexer na decoração da mansão? Como assim? Lógico que
eu vou desinfetar cada canto possível. Já faz dois anos. Você tem que
reconstruir um novo futuro próspero. Ao lado de uma dama, uma milionária
da região.
— Eu já sou milionário. Herdei tudo do meu pai. Se não está
satisfeita com as coisas conforme a Kiara deixou, volte para a capital. Aqui
não é lugar para uma madame de joias e de salto.
— Me respeite, Anton. Eu ainda sou uma Dexter. Seu pai pode não
ter deixado as terras para mim, contudo, me deixou esse sobrenome. E como
a sua mãe, eu possuo o mesmo poder na capital e entre os povinhos sem teto
daquela vila imunda.
— Eu não tenho o dia todo para ficar te suportando! Com licença!
Eu volto a vestir o chapéu e viro as costas, deixando a minha mãe
sozinha no quarto.
— Sr. Anton. — Na sala, ao pisar no último degrau, Felícia, a
governanta vem rápida na minha direção. — Os capatazes; Jesuíta e Ratito
estão no varandão, aguardando-o.
— O que querem?
— Sinto muito, senhor, não falaram. E o café já está posto.
— Obrigado, Felícia. Volto já!
Eu passo a mão na barba, nervoso, e caminho até a porta principal.
Do lado de fora, encontro o Jesuíta e o Ratito conversando em sussurros. Os
dois, ao me verem, pigarreiam e recompõem-se sérios.
— Bom dia, patrão! — Dizem.
— Bom dia. O que querem?
— Viemos trazer uma notícia do seu agrado. Vai gostar. Ouvimos
perto do rio, das fofoqueiras que lavavam roupa. É sobre uma mulher que
chegou na vila ontem de manhã.
Eles se entreolham, adiante, a minha face autoritária.
— Parece ser a patroa.
Meu peito se aperta, o coração acelera. Cerro os punhos, em furor.
— Confirmaram algo com certeza para poderem me procurar?
— Eu e o Ratito fomos conferir a informação no barraco do Aquino,
se era verdade ou não, mas o velho nos ameaçou com uma garrucha. Não
descobrimos nada. Fomos escorraçados.
— Quero que vigiem a fazenda do Padilho esta noite. Se Kiara
voltar, não irá para o barraco do avô. Ela vai para a casa daquele bêbado do
pai.
— Teremos que montar acampamento na cerca, as terras do Padilho
ficam do outro lado do rio, há duas horas.
— Eu não perguntei nada, Jesuíta! Faça o serviço de vocês e não me
voltem sem informações concretas!
— É claro, senhor Dexter! Somos seus homens de confiança!
— Podem se retirar!
Eles pedem licença e retiram-se. Eu permaneço bravo. Ela não devia
ter fugido. Kiara é a minha mulher. Seu lugar é ao meu lado. E se ela voltou e
estiver escondida no casarão do pai, a busco a força. Nem que eu tenha que
matar o Padilho! Eu comprei aquela menina! E caso contrário, ele terá que
me pagar o dobro!
— Seus irmãos vão voltar a morar na fazenda? — Na mesa do café,
a minha mãe questiona, provando do chá. — Eles não entraram mais em
contato.
— Não! Eu não quero saber daqueles drogados me pedindo
dinheiro! Cansei de bancá-los!
— Eles são os seus irmãos, por mais que seja de pais diferentes,
você tem o dever de ajudá-los, de prestar amparo. É rico, tem terras. Doe
metade para ambos.
Eu sou obrigado a rir. A minha mãe é uma madame sem menor
escrúpulo. Teve três filhos e quatro casamentos podres de rico. Eu sou o filho
do último casamento, o abandonado que herdou bens milionários do pai e um
sobrenome que ela tanto se gloria em manter para esnobar-se. Já meus irmãosnão tiveram a mesma “sorte”, eles perderam rios de dinheiro com viagens
internacionais, festas e drogas; viciaram-se em cocaína e heroína. Nossa mãe
não está nem aí para ninguém. Por pouco, não saiu ganhando nesses quatro
casamentos, exceto por Rangel Dexter, o meu falecido pai. Ele não deixou
um tostão sequer para a mercenária e me pediu no leito de morte que eu
honrasse o seu nome e sobrenome de respeito.
— A única coisa que eu vou fazer por eles, se caso me procurarem, é
interná-los! Não dou um real sequer! — Minha mãe fica em silêncio, arqueia
a sobrancelha e não contesta a minha autoridade. — E eu já vou. Tenho que
verificar o plantio dos eucaliptos urofilia. Contratei peões novos. Volto no
almoço. E não ouse maltratar as pessoas desta casa. Felícia ficará de olho na
senhora.
— Eu fui a mulher do dono. Eu ainda tenho a minha autonomia
como mãe. Não me rebaixe por empregados!
Prevejo que será um inferno ter a Lorenza de volta nessa fazenda.
Todavia, tenho problemas maiores na mente para me preocupar. Quero
terminar a verificação dos plantios antes das 13h30. Eu não vou conseguir
esperar os meus capatazes. Preciso saber logo se a Kiara retornou para
Montes Do Sol. Ela desapareceu de uma forma que nem os melhores
detetives do Brasil puderam encontrá-la. Dois anos sem informações. E tudo
graças a sua família a acobertando. Desgraçados!
— Está com a cabeça longe? — Gael, meu melhor amigo e gerente
rural, interroga, estendendo-me um copo de água fria. — Posso adivinhar? É
as fofocas da redondeza?
— O que sabe, Gael?
— Está circulando pela vila que a Kiara voltou.
— Jesuíta e Ratito já me contaram das fofocas.
— É certo, Anton. A informação saiu de dentro do casarão, pelos
próprios empregados do Padilho. Eu sei, porque foi o meu pai quem ouviu de
uma moça lá na venda.
— Como? É verdade?
— Sim!
Minha cara não esconde a vontade de pegar a caminhonete e ir agora
mesmo até aquelas terras. E é o que eu faço ao fechar a porta e ligar o miolo
da ignição.
— Anton, não seja louco! Pensa bem no que você vai fazer! —
Enquanto eu acelerava, Gael veio correndo veloz, apoiado no vidro. — Não
age de cabeça quente! Aquela gente não é confiável!
A poeira vermelha se levanta e ele fica para trás. Eu sou capaz de
matar cada um daquela família cretina! Eles não vão me enganar! Eu não
aceito pagar de trouxa!
Círculo os hectares. E, em uma hora de rua de chão barrenta, eu
chego acelerando na frente do casarão alaranjado de dois andares. Eu pego a
arma e desço como um touro com sangue nos olhos. Três rapazes me
avistam.
— É o Dexter! — Um deles exclama para o outro, correndo até mim.
— Onde está o Padilho?! Onde está o velho bêbado?! Me digam!
— Não é bem-vindo! Não tem permissão de pisar os pés nessas ter...
Eu ergo a arma e eles se calam.
— Não vou perguntar novamente! Chamem ele, ou eu faço estragos!
— Não precisa fugir do controle, eu estou aqui, Dexter.
Ao sair dos fundos, o velho desce os degraus da varanda. Sorridente.
— Quanto tempo não nos vemos, hein? Como vai?
— Eu quero a minha esposa! Eu sei que ela voltou! E não vão
escondê-la desta vez! Ou eu saio daqui com essa mulher, ou eu invado esta
propriedade com meus peões!
— Bom, teremos uma luta e tanto. Pois, na minha casa, você só entra
por cima do meu cadáver!
Furioso, eu mudo de direção e aponto a arma para ele, encarando a
expressão do Padilho.
— Saia do meu caminho, seu bêbado. Ou eu disparo!
— Então seja homem e dispare! Não é o todo poderoso, Dexter?
— O que é isso?! — A mãe de Kiara sai correndo de dentro da casa,
berrando e descendo os degraus. — Parem, pelo amor de Deus! O que faz
aqui, Anton? Abaixe essa droga! Não seja um maluco!
— Eu vim buscar a minha mulher! Eu sei que ela está escondida no
casarão! E eu a levarei!
— Ela não quer te ver!
Em instantes, algo dentro do meu peito salta, explodindo de terror.
Ela está aqui! Eu preciso vê-la! Eu preciso conversar. Eu... ela tem que voltar
a ser a minha esposa!
— Se a Kiara não vir comigo, eu vou embora para retornar com
todos os meus capatazes! Não me importo de destruir a casa de vocês atrás
dela! Nem de botar fogo!
— Por favor, Anton, não faça nada que você possa se arrepender
depois!
Cuspo no chão, com a arma firme na direção do Padilho.
— Sabem do que eu me arrependo? De ter comprado a filha de
vocês e de ela ter me abandonado sem achar que eu não cobraria o meu
dinheiro de volta! Afinal, eu tirei a família dos porcos da merda!
— Não nos culpe por ser um péssimo marido! Quando a vendemos,
ela era só uma menina inocente, virgem de malícias, boba! Não tivemos culpa
de você usá-la, magoá-la! De tratá-la como um objeto! Kiara fugiu, pois
estava cansada do comportamento humilhante da sua mãe e o seu!
— E vocês a acobertaram!
— Já te dissemos milhares de vezes que não sabíamos! — Padilho
grita.
— Jamais deixaria ela aqui, seu verme! Por mim, a imbecil é sua
mulher e o dinheiro é nosso! E ponto final! Não estou nem aí se é bom ou
ruim marido!
— Não diga isso, Padilho. Kiara é a nossa filha. Ela tem que lutar
pela sua felicidade, pela sua liberdade própria. Não quero que siga o caminho
da minha mãe, da sua mãe e nem o meu. Ela não é uma submissa.
— Cala a boca, Judite! Que se dane a felicidade! Eu não avisei que o
Dexter viria atrás dela ou do dinheiro se a imbecil continuasse na nossa
casa?! E não temos mais a quantia!
Eu chuto a terra, quase disparando.
— Que seja, me devolvem ela! Cansei dessa ladainha!
Judite fica trêmula.
— Calma, Anton. Por favor.
— Já fiquei calmo por dois anos! Eu quero a minha mulher agora!
— Eu já te disse que ela não quer te ver.
— Ótimo, então eu voltarei com os meus peões!
— NÃO PISARÁ OS PÉS NA MINHA CASA! — Padilho grita —
OU EU CHAMAREI O DELEGADO DA REGIÃO PARA PRENDÊ-LO!
— Não me desafie, seu bêbado!
— Sai daqui! Meus homens também estão armados!
Furioso, eu olho para as janelas do casarão de dois andares e sinto
que ela está me ouvindo, observando. Eu sei que ela está!
— VOCÊ VAI VOLTAR, KIARA! JAMAIS TE DEIXAREI EM
PAZ! — O tom de voz estridente é para que ela ouça em bom som. —
CHEGA DE FUGIR! CHEGA DE SE ESCONDER!
Judite dá um passo à frente e Padilho ergue a cabeça.
— Sai das minhas terras, eu já mandei!
— Eu vou, mas voltarei caso a minha mulher não apareça na fazenda
até meia noite! Fiquem avisados! E a avisem!
Com o recado dado, eu viro as costas e volto para a caminhonete. Se
ela não aparecer, eu regressarei! E não será sozinho!
 
 
KIARA DEXTER
 
Após ouvir as suas palavras ameaçadoras, eu fecho as cortinas com
força e corro para o quarto chorando. O que eu faço, meu Deus? Me ajude, eu
já estou cansada! Eu me sento em prantos na cama e assim que se passam dez
minutos em que a caminhonete dele some, eu ouço passos ligeiros na escada
de madeira que range. Levanto o rosto, vendo a minha mãe surgir no batente
da porta.
— Kia, ele já se foi. Não chore. — Ela vem até mim.
— Eu não deveria ter voltado, mamãe.
— Foi o certo, você estava passando fome, fugindo como se fosse
uma bandida. E sendo escravizada para sustentar o seu filho. Isso é
inadmissível. Tem que enfrentar aquele homem de uma vez por todas para ser
feliz.
— Eu tenho medo dele... do que o Dexter pode fazer caso descubra
do meu menino. Ele odeia crianças. Ele poderia tirá-lo de mim, para me
ameaçar — eu coloco a mão no rosto e choro. — E eu o mataria! Eu faria
uma loucura!
Mamãe me abraça, em seguida, segura a minha cabeça.
— Você tem que enfrentar aquele homem bruto, entendeu?
— Eu não quero! — Me afasto. — Eu não vou conseguir! Isso é
tudo culpa do papai! Se ele não tivesse me vendido para aquele fazendeiro
bonito, o "Dexter rico", me induzido a crer que o Anton era um príncipe
encantado, cheio de amor, eu jamais, jamais teria me casado! Eu só tinha
dezessete anos! Ele me machucou, feriu os meus sentimentos! Ele e aquela
mãe maldosa! Os dois monstros!
— Se eu também soubesse que sofreria como sofreu, eu nunca teria
permitido o casamento vendido.
— Eu fui tão boba. Ele nunca me amou. Foram três anos de inferno,
desgraças. Eu recordo de tudo. E daquelanoite... — Eu coloco a mão na
barriga e encaro a mamãe — inclusive daquela noite!
— É essas lembranças que vão te fazer ser forte, uma guerreira.
Lembre-se das humilhações da dona Lorenza. E de como o Anton te feriu.
Não é hora de se lamentar, seja do seu pai ou do Dexter. Agora você tem um
filho, um bebezinho que não tem culpa de ter vindo ao mundo. Pense nele —
minha mãe aponta para o berço inacabado e sujo, onde o Gieber dorme feito
um anjinho. — Precisa protegê-lo com todas as suas forças.
— Anton voltará... e se ele tirar o meu filho de mim por raiva?
— E o que pensa? Você vai até ele?
— Não sei. Eu tenho que pensar. Estou apavorada.
— Você escutou o que o Anton disse? Sobre estar te esperando na
fazenda até meia noite?
— O-O quê? — Arregalo os olhos.
— Ele retornará com os seus capatazes caso você não apareça na
fazenda até meia noite.
— Esse homem é um monstro! — Eu me levanto, com vontade de
chorar novamente. — O que eu faço, mãe?
— O recomendável era você ir até o posto de polícia da vila e
denunciá-lo pelo que fez. Mas o Delegado é amigo dele.
— Eu queria me vingar, fazer o Dexter sofrer tudo o que eu sofri
naquela mansão e durante esses dois anos fugindo.
— Só que se você for até lá, o Anton te deixará confinada a ele. E eu
não aceito que viva como uma submissa mandada, sem poder de decisão.
Não como eu sou para o seu pai. Eu quero que seja livre.
Mamãe se põe de pé com o seu corpo baixo e um pouco acima do
peso e beija-me de forma demorada na testa.
— Pense bem no que você vai fazer, por favor.
— Eu pensarei... obrigada por me proteger.
— Eu te amo, filha. Meu coração de mãe morreria por você e pelo
meu neto.
Retribuo o seu beijo e ela se retira do quarto.
Sozinha, eu limpo o rosto molhado de lágrimas, solto o ar dos meus
pulmões e vou até o berço do meu menino.
— Eu não vou deixar nada de mau acontecer com você — toco no
seu rostinho delicado, sem evitar o choro. — Ouviu? É a única felicidade que
eu tenho. Ninguém te fará mal.
Eu sinto tanto, mais tanto nojo do Anton, que esses dois anos não
puderam curar nem a ponta das feridas. Só me fez criar mais revolta e mais
raiva. Eu não esquecerei, jamais. Fugi dele na manhã seguinte daquela
atrocidade de noite. Me rasga o peito só em lembrar, eu quase não consegui
chegar no casarão dos meus pais. Minha intimidade ardia, minhas pernas
eram um peso morto. Eu andava descalço no meio da estrada, esperando que,
a qualquer momento, um carro viesse e passasse por cima de mim e da minha
cabeça. Pois a dor teria sido menor. Eu sofri tanto. Eu não queria vê-lo, olhar
nos seus olhos. Não acreditava no que havia feito. Eu não acreditava que ele
pudesse ser tão mal, que não pudesse sentir um pingo de amor. E, meses
depois, descobrir da gravidez foi duas vezes pior e mais doloroso. Eu preferia
a morte a voltar a morar grávida naquela mansão. Eu saí de Montes Do Sol e
sairia de novo se fosse para proteger o meu filho! Ninguém daquela família o
tocará! Nem saberá da sua existência! Eu lutarei até o último fôlego de vida!
Dexter me deu um filho da pior forma que o homem que eu amava
poderia ter me dado e eu não vou esperar a vingança de Deus. Eu só viverei
tranquila depois de ver ele e a sua mãe rastejando de tanto sofrimento! Eu
juro que farei todos eles comerem o pão que o diabo amassou! Os odeio!
Sofrerão toda essa dor que eu sinto!
 
Eu decidi ficar em casa, presa no quarto, mas meu pai subiu para me
obrigar a ir até a fazenda do Dexter e me "devolver" a ele. Porém, quando eu
disse que não ia, furioso, ele só não me bateu com o cinto porque eu estava
segurando o bebê no colo.
— Se você não vai voltar, continuará nesta casa só por mais um dia!
Eu não quero aquele Dexter vindo nas minhas terras me ameaçar! Resolva os
seus problemas sem mim! Não estou nem aí para você e para essa criança!
Você é propriedade dele! Não restituirei um centavo do dinheiro da venda!
— Por favor, eu não quero voltar. Eu não sou propriedade daquele
homem. Me deixa ficar aqui com o meu filho? É o seu neto, olha o
tamanhinho dele, é só um bebê. Não tenho para onde ir, pai.
— Se conseguiu se virar sozinha por dois anos, ainda grávida e com
um recém-nascido, pode continuar sem a minha ajuda e o meu dinheiro!
Vocês dois são só duas bocas a mais! Procure a cabana caindo aos pedaços
do seu avô! Aquele velho saberá o que fazer com vocês dois!
Eu tento não chorar e apenas assinto com a cabeça.
— Não se preocupe, eu irei hoje mesmo!
— Ótimo! Já comece a organizar suas coisas, antes que eu faça! —
Após esbravejar bruto, ele vira as costas, abandonando-me em lágrimas e
com um aperto no coração.
Coloco o meu menino no berço, pego a única mala com todas as
nossas roupas e começo a reorganizá-la em meio aos prantos desesperado. Eu
quem não quero ficar nem mais um minuto aqui. Achei que o meu pai tivesse
mudado, que ele me aceitaria de volta com o bebê. Contudo, só soube me
tratar mal desde que cheguei. Jogando na minha cara que eu e o meu filho
somos só mais duas bocas para ele alimentar.
— Filha, pelo amor de Deus, não vai embora! — Eu desço os
degraus da escada com a mala e com o Gieber chorando nos braços
— Não se mete, Judite!
— Pare, Padilho! Você está expulsando a sua única filha e o seu
único neto de um ano! Pense, é só uma criança! Kiara precisa da nossa ajuda!
— Se você continuar a me contestar, sua porca velha, eu te bato com
o cinto! E faça esse garoto calar esse berreiro!
Minha mãe chora. Eu balanço a cabeça, encarando-a e ninando o
Gieber.
— Está tudo bem, mamãe, eu me viro.
— Ah, querida, você sabe que por mim ficaria eternamente. Eu não
vou suportar te ver indo embora e levando esse bebê indefeso. Eu amo vocês.
Daria a minha vida pelos dois.
— Eu sei, eu te amo. Mas preciso ir.
— Eu também te amo. Vem, a mãe te leva até a porta.
— Não demore, Judite! Te darei cinco minutos!
Na porta principal, assim que eu saio para fora, a minha mãe me
puxa ligeira para os degraus.
— Venha...
— Mãe?
Ela, então, me para ríspida e afobada.
— Escuta, um peão, filho de uma amiga minha da vila, está te
esperando nos estábulos. Já combinei tudo com eles, com medo de uma hora
ou outra o Padilho te expulsar e não ter para onde ir. O barraco do seu avô
nem telhado tem direito. Não é seguro para ambos.
— Voc...
— Não, Kiara, não temos tempo! Anda, vai logo! Assim que eu tiver
uma oportunidade de visitar vocês, eu irei! E acalme esse menino, tente
escondê-lo!
Ela me dá um beijo materno no rosto, outro no bebê e empurra-me
com a mala para, em seguida, voltar correndo para dentro do casarão. Eu faço
o que ela me mandou, sem olhar para trás. No caminho, eu deixo o Gieber
mais calado e com sono. Acho que ele entendeu que qualquer lugar é melhor
do que a casa do avô.
Quando eu chego ofegante na porta de correr do estábulo, cheia de
mato nos sapatos, eu vejo o tal rapaz me esperando ao lado de um cavalo da
cor marrom. Ele tem uma barba grande e espessa. Sua estrutura não é tão alta,
nem tão forte. É magro.
— Boa tarde, senhorita Kiara — ele vem até mim e sem estender a
mão, o homem de feição séria me cumprimenta. — Sou Francisco.
Assinto, observando-o.
— Sua mãe já deve ter lhe explicado tudo, me dê a mala.
— Para onde vai me levar? — Entrego a mala de mão, enquanto o
rapaz sobe no cavalo.
— Para a casa da minha madrasta. Ela mora sozinha no povoado da
vila, não se preocupe. Quer ajuda com a criança para subir?
— Não! Eu não vou largar o meu filho!
— Tudo bem. Tudo bem. Só coloque este lenço para que não seja
reconhecida. Todos sabem como é a esposa do senhor Dexter.
— Não precisa me lembrar de que um dia eu fui algo daquele
homem. E também, não o chame de senhor.
— Sim, senhora, desculpe-me.
Com a consciência pesada de ter sido grossa com o rapaz, eu pego o
lenço, enrolo na cabeça, só deixando a visão e o nariz para respirar. Então
subo no cavalo com dificuldade, mas sem a ajuda dele.
— Iremos rápidos. Aconselho a moça a se segurar bem.
Atrás das suas costas, eu abraço o meu menino com segurança e vou
assim durante as galopadas velozes conduzidas por Franciscoaté a vila. Eu
fico nervosa com a proximidade a cada minuto. Ele é rápido.
E em duas horas sem pausa, quando chegamos no povoado, eu já
tive a sorte de reconhecer perto da igreja uma amada pessoa; a dona Maria, a
cozinheira da fazenda Dexter. Ela conversa com algumas senhoras, suas
amigas. Meu desejo todo era de descer, de dar um abraço apertado nela, dizer
que eu dou valor a cada comida gostosa sua, que eu sinto saudades e que ela e
Felícia foram um anjo enviado por Deus durante os meus três anos de
moradia naquela luxuosa mansão. E que Anton, o menino que ela viu crescer,
me machucou tão doloroso... que eu só não consegui me matar porque o meu
filho estava sendo gerado para me dar um segundo motivo de viver.
— Senhorita Kiara, é aqui. — Francisco se refere a uma casinha de
madeira e de tijolos, onde para com o cavalo.
Não sei nem explicar a dor nas minhas ancas.
— Mas está tão perto da vila.
Não está perto, é praticamente na vila.
— Posso dizer que não tem lugar mais seguro. Confie em nós.
A essa altura, eu confio e acredito que ele e a minha mãe não
poderiam ter escolhido lugar melhor para me esconder.
Francisco me apresentou a Rosa, a sua madrasta-mãe, que é uma ex-
cartomante. Ao me receber, ela foi um verdadeiro doce de pessoa. Sua casa é
simples, tem apenas quatro cômodos pequenos. A sala era o seu local de
trabalho, ainda tem coisas bem coloridas e piscantes ao redor – sem falar das
poltronas vermelhas. A cozinha tem uma mesa com duas cadeiras, o quarto
em que eu ficarei com o Gieber só cabe a cama de casal e uma cômoda
quebrada. O que já é muito do que eu queria, esperava e gostaria. Agradeço a
Rosa do fundo do meu coração.
 
TRÊS DIAS DEPOIS
 
— A senhora acha que o meu pai está a impedindo, dona Rosa? —
Ao me referir a minha mãe, o meu olhar fica cabisbaixo.
— Não se preocupe, assim que a Judite tiver uma oportunidade de te
visitar, ela virá. Sua mãe não lhe prometeu?
— Sim... só que tem o Anton...
Enquanto falo, Rosa me entrega um prato para eu me servir da
bandeja de arroz doce, de açúcar queimada.
— Ele disse que invadiria o casarão dos meus pais se eu não
aparecesse na fazenda dele até meia noite. E já faz três dias. Eu estou
preocupada. Acho que eu vou até lá.
— É arriscado, Kia. Não posso permitir uma loucura dessa. E se os
capatazes do Dexter te reconhecerem? Não, eu fiz uma promessa a Judite de
que não te deixaria correr nenhum risco.
Eu respiro fundo, mexendo a colher no prato de doce.
— Talvez a minha mãe tenha razão; eu preciso enfrentar aquele
homem para conquistar a minha liberdade em Montes Do Sol. Essa é a minha
cidade natal, é onde eu nasci e fui criada. Não é justo eu ficar fugindo igual
uma criminosa. Não devo nada a ninguém.
Rosa consente.
— Concordo. E o que pensa em fazer? Sabe que não pode se
esconder para sempre.
— É isso, eu não sei o que fazer. Agora tenho um filho. E seria
arriscado revelar a sua existência. Anton é rico, milionário, poderia tirá-lo de
mim. Eu conheço ele, talvez faria isso para não me deixar em paz.
— Se ele não quer te deixar em paz é porque ele te ama, certo?
— Não, errado! Ele não me ama! Ele é um homem ruim! — Eu
brado com raiva. — Ele me feriu, Rosa! Anton me traia, o amor dele foi uma
mentira!
— Ei, meu bem, eu sinto muito, Kiara. Não era a minha intenção te
entristecer ou ofendê-la.
— Está tudo bem, eu quem peço desculpas por ter levantado a voz.
— VÓ, SENHORITA KIARA! — nos assustando, o neto de doze
anos da Rosa aparece repentinamente abrindo a porta da cozinha com toda a
violência e vindo ofegante até nós.
— Que isso, Miguel???
— O-o pai Francisco mandou eu vir urgente dizer que o senhor
Dexter descobriu que a Kiara está aqui! E ele já chegou na vila!
— O... o quê???
Eu coloco a mão na boca.
— Ele disse que o senhor Dexter ofereceu dinheiro ao Padilho, para
ele contar o seu paradeiro. E Padilho vendeu a informação depois de obrigar
a esposa a falar tudo.
— Meu pai fez isso?! Meu Deus, eu tenho que sair daqui, Rosa! Me
ajuda!
— Você não vai conseguir Kia! É melhor se esconder no quarto!
— E o Gieber? — Arregalo os olhos, apavorada.
— Deixe-o dormindo no colchão. Anton não invadirá a casa. E caso
faça, eu chamarei a polícia. Vá, se esconda, menina! — Confirmo. E sem
falar mais nada, eu corro para me esconder; fecho a porta do quarto,
trancando-a e colocando-me atrás dela. Observo de longe o meu pequeno
menino que cochila sem as maldades do mundo. O que eu faço se for o
Anton? E se ele tiver me achado? Não sei se terei força para enfrentá-lo. Eu
não sei!
Em meio ao silêncio do ambiente, não demora e ouço vozes
masculinas vindas da sala. Meu senhor... eu abraço o meu corpo, rezando
para que não seja ele. E se for, que esse homem não invada os quartos. Não
queria vê-lo agora, não queria que ele me encontrasse e nem soubesse da
existência de Gieber. Não assim, sem eu me preparar antes.
Os minutos se passam tortuosos e as vozes somem. Nervosa, eu fico
apreensiva, com o coração prestes a saltar da caixa do peito. Até que um par
de sapatos soa do curto corredor. Em seguida, dois toques são batidos na
madeira da porta, chamando-me baixinho.
— Kiara... minha querida. Sou eu, pode abrir — meu coração, que
acabara de descer garganta abaixo, se alivia em imediato com a voz da dona
Rosa.
Eu abro para ela, tremendo as mãos. Rosa entra no quarto, liga a luz
e encara-me. Sua face é de desespero, de culpa.
— Desculpe-me, Kia. Mas você não pode mais fugir, nem se
esconder. É o Dexter, ele está lá na sala com o delegado. Eles querem falar
com você.
 
CAPÍTULO 2
 
Meu mundo desaba.
— Me perdoe, Kia. Por favor.
— T-tudo bem...
— Deixe o Gieber aqui. Se recomponha, não mostre vulnerabilidade
àquele homem. Se ele te machucou e te magoou tanto, não seja fraca. Você
precisa dar a volta por cima, entendeu? — Eu limpo as lágrimas, respirando
em meio ao desespero. — Está pronta?
— Nunca estarei! É difícil, eu não queria vê-lo, eu não queria
encarar seus olhos! Eu não queria nada, só paz!
— Mas é por isso que você precisa lutar pela sua liberdade. Uma
hora ou outra, você teria que enfrentá-lo. Ele trouxe o chefe de polícia. Agora
venha, eu não vou te deixar sozinha.
O mais doloroso é saber que a Rosa tem razão. Por isso, eu engulo
em seco, dou uma última olhada no meu pequeno Gieber, que dorme... e saio
do quarto, acompanhando-a até a sala com as pernas bambas. Meu Deus...
Quando atravessamos o portal de cortina de pedrinhas vermelhas, eu
levanto a cabeça, sentindo uma apunhalada que me dói no mais profundo da
alma e enfrento as suas íris acinzentadas, de olhar bruto e desesperador. Ele
continua o mesmo homem forte, alto, robusto e revestido sempre das suas
jaquetas de penugem animal e as botas pretas. Eu o odeio tanto! O odeio com
toda as minhas forças!
— Kia... — Ele tenta se aproximar, só que o delegado o impede.
— Não, não chegue perto de mim! — Me afasto para trás.
— Dexter, um minuto, não a assuste. Eu preciso conversar com a sua
esposa.
— O senhor está enganado, eu não tenho nada para conversar! Nem
com o senhor, nem com o meu ex-marido!
— Ex-marido? — Seus olhos ficam semicerrados, seu peitoral se
infla, nervoso. — Eu preciso falar com você! Foram dois anos!
— Eu já disse que não tenho coisa alguma para falar com você e
nem com ninguém!
— E vai continuar fugindo? Acabou, Kiara! Chega de se esconder!
Seu lugar é ao meu lado!
— Não! O meu lugar é onde eu quiser estar! E eu nunca mais vou
voltar para aquele inferno de casa! Nem para o seu lado! Eu te detesto!
— Senhorita Dexter, por...
— E não me chame por esse sobrenome! Eu tenho nojo, raiva, ânsia!
Saiam daqui! Vão embora!
— Kia, não faça isso, se acalme. — Rosa segura o meu braço. — A
situação não será resolvida com ignorância. Estamos de frente para uma
autoridade.
— É claro que estamos, todos lambem os pés do "senhor Dexter
rico".
— Chega! Você vai embora comigo agora ou...
— [...] ou o quê, seu cafajeste? — O interrompo. — Diga? Vai me
amarrar aos pés de uma cama? Me acorrentar? Amordaçar a minha boca?
— Eu não vou fazer nada disso! Vocêsabe que eu não sou desse
jeito!
— Senhorita Kiara, por favor, não vamos levantar o tom das vozes.
Eu quero resolver isso o mais amigável possível. Por isso, pegue as suas
coisas e acompanhe o seu esposo.
— Como podem ser baixos? Está vendo o que eu disse, Rosa? Até as
autoridades lambem o chão desse homem! E eu não vou! Eu não sou
obrigada! Eu não vou voltar para aquele inferno! Já disse!
— Não desafie o poder máximo dessa vila, mulher! — Impedindo o
Anton de falar algo, o delegado mostra as unhas ao se aproximar me
enfrentando de forma rude. — Ou sou eu quem posso prendê-la por desacato!
— Que se dane, me prenda para ver se é macho mesmo! Vai, faça
isso!
Ele abre os dentes amarelos, furioso.
— Kia... não haja desta forma! — Rosa continua a me segurar. —
Pare, você tem noção que não pode ir presa!
— E eu não posso ir para a casa dele! — Aponto para o Anton.
— Senhor delegado... Dexter... me deem um minuto para conversar
a sós com ela na cozinha. Por favor?
— Ótimo. Vá e a convença da melhor escolha. Estaremos aqui lhe
aguardando, senhorita. Kiara.
Rosa me puxa à força até a cozinha.
— Por que está defendendo eles? — Ao pararmos, eu esbravejo
brava contra ela.
— Porque eu quero o seu bem, menina.
— Eu odeio ele! Isso não é querer o meu bem!
— É sim, eu não posso te deixar ir presa. Pelo amor de Deus, se
acalme. Pense no seu filho. Na sua mãe. Não se comporte descontrolada.
Suas palavras me fazem colocar as mãos no rosto, desabando a
chorar. Ela me abraça, acariciando os meus cabelos.
— O que eu faço, dona Rosa? O que eu faço? Que angústia! Que
desespero!
— Não tem escolha. Você precisa revelar o bebê para pedir o
divórcio.
— Não, eu não posso revelá-lo.
— Então aprenda a ter aquele homem na palma das suas mãos, Kia
— ela sussurra, afastando-me para limpar as minhas bochechas.
— Você não conhece ele para estar falando isso! Anton nunca me
amou e poderia maltratar o meu filho! Ele odeia crianças! Ele me traia e vai
continuar pisando nos meus sentimentos!
— Escute, é isso ou ser presa e perder a guarda do seu filho. Aquele
delegado é amigo do Dexter. E você não deve se separar do Gieber. Você não
é mais a menina inocente que me contou ontem, Kiara. É uma mulher
batalhadora, sofredora e que vai sair por cima dessa. Pode não ser hoje,
amanhã ou depois, mas você vai sair dessa. Seja forte, enfrente os monstros
pensando nas pessoas que te amam de verdade. Me prometa pela sua mãe?
Ela gostaria que a sua decisão fosse com o seu filho acima de qualquer
escolha. — Sem respondê-la, eu apenas limpo o rosto. — Kia, diga algo?
— E-eu estou pensando, Rosa.
— De coração, espero que os seus pensamentos sejam o correto.
Sem dizer mais nada, ela pega na minha mão e com calma, pede para
retornarmos a sala, onde eles nos aguardam. Eu concordo.
— Senhorita Kiara, temos uma decisão? — O delegado logo se
direciona, perguntando-me sério antes mesmo de eu parar de andar.
Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha, encarando a face bruta
de Anton.
— Por uma condição.
— Qual? — Ele retribuiu a visão severa.
— Eu quero um quarto separado!
Ele confirma com a cabeça, sem contestar.
— Sem demoras, senhorita Kiara, poderia pegar as suas coisas?
— Não acabei... t-tem mais uma coisa... — meu coração se exprime.
— O que é, Kiara?!
— Verá... — eu dou uma última olhada assustada para a Rosa. — Eu
já volto...
— Já traga as suas malas.
Sem replicar o Anton, eu viro as costas para eles, indo apavorada até
o cômodo onde o Gieber dorme.
Me doí ter que tomar esta atitude, é uma apunhalada nas minhas
próprias convicções, pois prometi a mim mesma que a família nojenta
"Dexter" não saberia da sua existência, mas sei que só desta forma eu poderia
me vingar deles!
E farei todos comerem lama, direto do chão! Eu juro que farei!
Jogo as coisas de qualquer jeito na mala, fecho-a, cato o meu filho já
acordado no colchão e antes de ir, analiso-o no reflexo do espelho,
observando o seu rostinho inchado.
— Eu vou te proteger nem que isso seja a última coisa que eu faça
em vida, meu filho. A mamãe promete! — O beijo na bochecha, enxugo
meus olhos molhados e saio tomando coragem para atravessar as cortinas
pela terceira vez.
E trêmula, assim que eu atravesso, volto para o meu pior pesadelo
em forma de homem.
Anton vira o semblante, arregala os olhos e demonstra choque,
incredulidade. Ele engole em seco, sem saber como reagir. O delegado fica
boquiaberto.
— A próxima condição é de você não negar nada para o meu filho!
Nem um leite que seja!
— O que é isso? De quem é essa criança, Kiara?!
— É minha, só minha! — O aperto forte nos braços. — Você não
me queria de volta naquele inferno de mansão? Vai ter que suportar o meu
filho!
Bravo, ele cerra os punhos.
— Dexter... — O delegado o encara, esperando o veredito de sua
palavra.
— Vamos!
Olho para a Rosa, palpitando de todos os medos e angústias
possíveis. Ela sorri fraco e nervosa, pega na minha mão, ajuda-me com a
mala e acompanha-me atrás deles. Para a nossa bela sorte, as fofoqueiras de
plantão da vila já estavam paradas do outro lado da rua. Agora todos sabem
que a "mulher fugitiva do Dexter" voltou. E eu odeio tanto esse monstro que
nem consigo me expressar com palavras! Ele me feriu! E ter que revelar o
fruto daquela noite horrível... ah, isso me dói. Eu me sinto humilhada, julgada
como a errada por todos esses curiosos.
— Eu voltarei para te visitar, Rosa! — Esbravejo, demonstrando que
a minha liberdade começará em breve.
Ela chora, beija o topo dos meus cabelos e os do Gieber.
— Já peguei amor por ti, menina. As portas da minha casa sempre
estarão abertas para você e para este garotinho bonito.
— Obrigada, você é maravilhosa.
Triste, retribuí o carinho, respirando fundo e então, virando para ir à
força até a caminhonete estacionada perto do meio fio, com o Anton me
aguardando dentro. Ao entrar no banco de trás, o delegado fecha a porta, joga
a mala na traseira e dá duas batidas na lataria do carro. Eu abraço o Gieber,
assistindo a Rosa e o chefe de polícia ficarem para trás, enquanto o homem
ao volante me leva embora sem um pingo de culpa no coração e talvez... nem
na consciência.
— De quem é essa criança?! — Durante o percurso na estrada de
chão, eu sou surpreendida pelo tom da sua voz bruta.
— É minha, eu já disse!
— Quem é o pai? — Ele não tira o foco do espelho retrovisor.
Meu coração dispara, fico nervosa, trêmula. Sinto vontade de chorar,
de bater na cara dele como eloquente. Isso ainda dói, meu Deus. E cada vez
que eu o encaro, uma agulha perfura mais essas feridas incuráveis.
— Você não tem o direito de me fazer esse tipo de pergunta, Anton!
Você sabe que não tem! Meu caráter não é o mesmo que o seu!
Sem saber mais o que dizer, ele aperta o volante e fica quieto. Eu
fecho os olhos, escondendo as lágrimas que fogem sem eu impedir.
Quando eu chego na fazenda, todas as lembranças infelizes voltam.
Eu quero correr, fugir. Esse lugar nunca foi palco de alegrias, apenas dos
meus pesadelos e traumas. Anton não desce, continua sentado no banco.
— Kia... — ele suspira, buscando palavras.
— Não precisa dizer nada. Eu quitarei o valor do dinheiro que pagou
em troca de mim. E terei a minha liberdade longe de você e dessas terras.
— É minha esposa! — Bravo, é apenas o que ele diz, após abrir a
porta e sair do carro pegando a mala da traseira com ferocidade.
E assim que a coloca nos degraus de concreto, ele volta para abrir a
minha porta. Ao abri-la, eu aperto o meu pequeno bebê com força,
enfrentando-o. Dexter nem olha para o Gieber. É como se fingisse que ele
não existisse. E eu não sei o porquê isso me dói.
— Se para tê-la aqui, eu preciso cumprir o que me pediu na casa
daquela mulher, então que seja!
— Você não tem esse direito!
— Eu sei que eu não tenho direito nenhum! Contudo, a partir de
agora, você não vai mais embora! 
CAPÍTULO 3
 
Eu desço do carro com a frase de Anton fixada no meu
subconsciente: "mas a partir de agora, você não vai mais embora". Me doí
na alma. Pois o que esse homem fez não tem perdão. Jamais serei capaz de
perdoá-lo.É uma ferida aberta, incurável. Não existe remédios ou antídotos.
Não sou a mesma inocente de antes.
Ao pisar nos degraus da escada de concreto, eu continuo abraçada ao
meu pequeno. Anton passa por mim, indo até a porta da mansão com a mala.
Eu respiro fundo, criando forças para não sair correndo. Às vezes, acho que
eu não terei capacidade de me vingar do Dexter. O que ele mais ama nesta
vida? O que destruiria os seus pontos fortes? O que o levaria a se rastejar na
lama de tamanha culpa? O que me aliviaria esta dor?
— Eu preciso conversar com você, Kiara — após abrir a porta e eu
entrar desconfortável na sala rústica da casa, que continua idêntica ao dia em
que eu fugi, Anton para, encarando-me sem traços específicos. Nada de
tristeza ou de arrependimento. Ele me olha indiferente. Também para o
Gieber. E percebo o que "precisa" tanto conversar.
— Diga de uma vez o que você tem para conversar! Quer saber o
quê? O porquê de eu ter fugido?
Ele fica nervoso e o medo dele tocar no assunto daquela noite me
apavora, acelera o meu coração já descompensado. Eu ainda estou frágil. Eu
sinto que não suportarei.
— É sobre essa criança nos seus braços.
— Eu já falei, ele é o meu filho e ponto final!
— As coisas não funcionam simples assim! Quem é o pai? — Seus
músculos se contraem igual na residência de dona Rosa. — Por onde andou?
Eu preciso saber!
— E vai fazer alguma diferença? Você não se importa! Você nunca
se importou comigo e com o meu bem-estar! Eu sempre fui apenas a
mercadoria comprada para assumir o título de "esposa do sr. Dexter". A "srta.
Dexter", a coitadinha pé rapada e iludida, filha do bêbado do Padilho e da
criadora de porcos, submissa dele!
— Não omita, eu te tirei daquela vida escravizada pelo seu pai! Em
nenhum momento, te faltou nada nesta casa! Eu te dei tudo o que poderia dar!
Sabe disso!
— Mas me faltou, Anton! Me faltou tudo! Você mentiu para mim
durante três anos! Você me comprou como a sua esposa porque eu era uma
burra sem educação, nunca tive coisa boa, nunca andei de saltos ou de joias
igual a maldosa da sua mãe! Quando eu vim para cá, morar na sua mansão
luxuosa, nem dois pares de sapatos eu carregava direito! E sabia que eu não
me interessaria pela sua fortuna milionária, pois, diferente das filhas das
madames da redondeza, a "selvagem do mato" aqui só queria amor e ser
feliz! Só que você se fingiu de príncipe dizendo que me daria tudo isso, para,
no final, unicamente me usar, me ferir, me magoar! E eu fui uma idiota! Uma
boba miserável do interior! Eu tenho raiva de você! Eu tenho raiva das suas
traições e das suas mentiras! O odeio!
— Sr. Dexter, eu escutei a voz... — Sem esperar, interrompendo o
Anton de abrir a boca, graças a Deus, Felícia surge do ambiente onde fica a
mesa de estar. E ao me ver, ela arregala imediatamente os olhos, em choque.
— Ki-Kiara?
Eu tento não chorar, mantendo o meu filhinho em segurança no meu
colo. Ela olha para o meu pequeno, em seguida, corre até mim. Eu fico feliz.
É a primeira vez que eu sorrio desde os poucos minutos em que pisei os pés
nesta sala.
— Kia! — Ela me abraça de mal jeito por causa do bebê.
— Saudades, Felícia!
— Meu Deus, é você sim! — Quando ela se afasta, analisa assustada
o Gieber, pegando na sua mãozinha. — E que criança é essa? Olha o
tamanhinho dele. É um menino. É o seu filho e do...
— Por favor...
Tremendo, eu balanço a cabeça para ela, suplicando que não me
questione nada. Aperto o seu pulso e ela estranha, porém, ao virar o
semblante para o Anton, cala-se sobre a existência do Gieber, mesmo ele
falando palavrinhas de bebê altas demais e chamando atenção.
— Aproveitando que apareceu, leve a mala de Kiara até uns dos
maiores aposentos de hóspedes, Felícia! — Anton manda e eu também
aproveito a oportunidade para não ficar nem mais um minuto na presença
dele.
— Eu gostaria de acompanhá-la para o quarto. Não tenho mais nada
para conversar!
— Você ainda não me respondeu, Kiara!
— Eu já disse que não tenho nada para conversar!
Desvio-me de Anton, olho aflita para a Felícia e de cabeça erguida,
começo a andar até a escada de madeira.
— Você não me queria de volta neste inferno? Agora cumpra a sua
palavra de não negar nada para o meu filho! E nem para mim!
Ao concluir as minhas palavras valentes, eu viro as costas e começo
subir os degraus com um aperto de tristeza, não evitando pensar no primeiro
dia em que eu cheguei na mansão.
Eu subi as escadas com o meu vestido de pobre e as sandálias de
mendiga, como a víbora da Lorenza vociferou ao me ver no final dos
corredores. Nunca na vida eu recebi tantos insultos baixos. Eu era e sou pobre
sim. No entanto, jamais me vesti da forma que ela sempre me humilhava.
Quando eu morava com a minha mãe, era ela quem criava as minhas roupas e
até arriscava o serviço de sapateira. Após ser comprada por Anton, aos
dezessete anos de idade, foi então que eu conheci o luxo. Ele me deu de tudo
do bom e do melhor, me levou até na capital para morarmos por quatro meses
e eu virar "madame de saltos". Não nego que me encantava. Eu realmente
criei um lado mais refinado. Só que isso nenhuma vez foi motivo das minhas
origens se perderem.
Anton me comprou no mesmo dia em que o meu pai começou a me
oferecer pelos arredores feito uma vaca pronta para o abate e, ao sermos
apresentados, eu fiquei sem chão, sem cara e sem bochechas diante do porte
daquele belo homem forte, robusto e musculoso. Ele era... e é bonito (hoje sei
que só por fora). Ele se apresentou, me disse o seu nome, o sobrenome e
acrescentou o quanto eu era linda. Eu me encantei. Papai igualmente iludiu a
minha consciência sobre o Anton ser um cavaleiro, rico e solteiro — o que
tanto faz, querendo ou não, eu sabia que seria obrigada a me casar com ele.
Meu pai me bateria até eu esquecer como se andava. Pois a oferta era boa e
tiraria a nossa "família dos porcos" da miséria das dívidas. Ai de mim se não
aceitasse. Eu estava iludida, feliz, sonhadora, apaixonada pelo "sr. Dexter
perfeito". Até que, um ano depois de casados, eu caí em si sobre o verdadeiro
amor dele. Eu era a única que sustentava a nossa relação. Eu era a cega, a
burra que se rastejava para ter um pouco de carinho do próprio esposo. Anton
me via como uma menina sem experiência, pouco suficiente, descobri isso
quando eu senti o primeiro perfume feminino na sua camisa, quando eu achei
preservativos usados no carro, após ele viajar aos finais de semana para a
capital com os seus irmãos festeiros e voltar sem explicações. Mas que se
dane, eu não queria acreditar no óbvio. O amava. Eu poderia aguentar aquilo
só com o meu amor. E se eu tivesse um filho para cuidar, um pequeno fruto
nosso, já que todos os seus "amigos" estavam o cobrando com piadas, não
faria mal. Era o meu sonho ser mãe. Contudo... Anton odiava, detestava me
ver pedindo isso. Brigávamos quase sempre, em meio aos berros, para os
empregados escultarem. Até que ele explodiu e da pior forma possível, me
deu o que eu desejava... sem pensar nas consequências que me rasgariam o
peito o restante da vida.
— Kia, esse menino é filho seu? — Ao entrarmos no quarto, antes
de fechar a porta, ela pergunta apavorada. — É filho do Anton? Foi por isso
que você foi embora? Pois estava grávida do sr. Dexter?
— Não, Felícia, ele é só o meu filho! — Eu me sento na cama,
admirando angustiada o ambiente bem chique e organizado, conforme eu
deixei a dois anos. Parece que nada mudou.
— Anton odeia crianças... você sabe. Eu só estou assustada. Não
consigo entender; você desaparece um dia e depois de dois anos volta com
um bebê.
— Não há o que ser compreendido! Só saiba que o seu patrão é um
monstro e que nada ficará impune! Gieber não tem pai! Ele só tem a mãe que
o gerou!
— Kia, foi por isso que você foi embora?
— Anton sabe desde o início o porquê de eu ter ido embora. Eu não
posso te contar, Felícia. Não me pergunte nada, eu te imploro.
— Tudo bem, doce menina — ela limpa as bochechas molhadas. —
Eu não insistirei. Só fico feliz, muito feliz por ter voltado. Providenciarei
todas as suas coisas para estequarto.
— Eu só quero um berço, fraldas, leite, entre tantos outros
mantimentos que o meu filho necessita. Ele não vai me negar nada.
— Eu estou apavorada, Kia. Anton e essa criança... Os choros dele...
— Felícia observa o Gieber nos meus braços. Ele mexe com o meu cabelo,
balbuciando.
— É isso o que eu não aceito! O que aquele homem tem contra um
serzinho tão inocente como esse? O que aquele monstro tem?
— Não diga isso. Saiba que o patrão ficou maluco te procurando.
Passava noites em claro pela mansão. Ele mudou. Depois que você sumiu, o
Sr. Dexter não foi o mesmo. Até chegou a expulsar os irmãos da fazenda.
Parou de ir para a capital. E ia só para ter informações suas com os detetives.
— Eu não acredito em nada. Você sabe que ele vivia me traindo.
Saindo a noite para tomar chope e aproveitar das mulheradas fáceis. Anton
nunca me amou. Eu sou apenas a esposa necessária dele. E eu vou me vingar!
Eu Juro!
 
 
Anton Dexter
 
Isso não passa! Olhar nos seus olhos foi duas vezes pior! E agora ela
tem aquilo consigo! Não é possível que seja filho meu! Eu não aceito!
Eu me levanto da cadeira do escritório e chuto a mesa, em seguida,
saio da sala.
— Onde a Felícia está? — Pergunto para a nova empregada que
estava cantarolando e limpando o assoalho.
Ao me ver, ela se cala, erguendo-se de mal jeito e encarando-me
nervosa e chocada, com as bochechas evidenciando a vermelhidão.
— E-ela acabou de descer a escada para pegar algo na cozinha,
senhor.
Consinto calado, agradecendo a informação e sigo para a cozinha.
Ao entrar no local de pisos de ladrilhos, encontro a Felícia preparando uma
bandeja de alimento junto da Maria, a cozinheira e a mãe do Gael, meu amigo
de infância. E sem demora, eu não meço as palavras.
— O que a Kiara disse para você, Felícia?
— Senhor Dexter! — Assustadas, elas duas colocam a mão no peito,
virando em minha direção.
— Desculpa, senhor... eu... eu não entendi?
— Kiara disse por onde esteve e de quem é aquela criança?
— K-Kia não disse — Felícia gagueja, desviando dos olhos pávidos
de Maria. — Ela só falou que o senhor sabia o motivo dela ter ido embora.
E eu sei! E mesmo tendo Kiara aqui perto de mim... isso não passa!
Essa droga de prisão continua!
— Mais nada? Só isso?
— Sim, senhor... só isso.
— Então, a partir de hoje, eu quero que você me conte tudo o que
conversarem a este respeito! Também você, Maria! Quero que as duas
descubra por onde ela andou! Entenderam?
— Por onde "ela" andou, quem? Do que está falando, Anton?
Minha mãe aparece ao meu lado, sem qualquer aviso e eu continuo
vidrado nas duas senhoras, que apenas concordam quietas com a cabeça.
— E não precisam servir o meu jantar. Com licença!
— Anton, você não...
Eu viro as costas, indo até as escadas ao deixar Lorenza falando
sozinha.
E quando eu chego no corredor do andar de cima, eu paro, tiro o
chapéu, passo a mão pelo rosto e pela barba, tentando controlar os nervos. O
que Kiara relatou a poucas horas é verdade, eu precisava de uma esposa sem
menor interesse em me extorquir. Eu precisava de uma mulher boba e que
fosse literalmente do mato. Pois eu nunca quis me casar, eu só tinha vinte seis
anos, eu gostava de ser solteiro, de ser livre, de apenas me importar com os
estudos. Era o meu pai quem me infernizava o tempo todo sobre a
importância do casamento nos negócios. No "reinado Dexter" das terras e das
nossas madeireiras na capital. Ele sofria de leucemia. E foi num dia antes da
sua dolorosa morte, agonizando na cama do seu quarto, que Rangel Dexter
me fez prometer de joelhos um casamento com uma moça digna, honrada,
modesta, humilde e que fosse o completo oposto da mercenária que ele amou;
a minha mãe. Ele me fez jurar isso em meio às lágrimas, enquanto eu
acariciava a sua cabeça careca das quimioterapias. 
Sendo aquela a sua última noite em vida, eu jurei, eu assegurei que
jamais descumpriria a minha promessa de achar a tal noiva que ele desejava
de mim! E Kia é a minha esposa, é dela que meu pai se orgulharia se
estivesse vivo!
Só que... Eu soco a parede, antes de sequer abrir a porta do quarto.
Não das minhas atitudes! Se ele soubesse o desgraçado que eu me tornei!
Rangel não me veria com os mesmos olhos de orgulho! Meu pai diria que os
seus esforços foram em vão! Que as suas mãos machucadas de carpir e
plantar sementes, as queimaduras nas costas, os calos nos pés... tudo o que
sofreu para ter uma vida melhor, o seu único filho não era digno!
Eu o decepcionei. Jamais serei como ele. Jamais terei a sua
compaixão, o seu amor, a sua forma "poeta" de viver rimando as coisas boas
e bonitas.
Eu sou o oposto de um homem bom. Eu sou um animal que talvez
nem Deus tenha clemência do fim! 
CAPÍTULO 4
 
Na manhã seguinte, ansiando por uma conversa séria com a Kiara,
após tomar banho, eu me visto e vou até os seus aposentos. Bato na porta,
aguardando alguma resposta, e quem me abre é a Maria, a cozinheira da
mansão.
— Senhor Dexter? Bom dia.
— Bom dia, Maria. Kiara está ocupada?
— Não, ela só está terminando de se arrumar. Eu vou deixar vocês a
sós, com licença, senhor.
Ao passar por mim, eu pigarreio e entro devagar, avistando a mulher
mais doce que eu pude conhecer na vida. Ela está diferente. Quando a
conheci, suas maçãs do rosto coravam por tudo, por apenas um elogio ou uma
pequena atenção minha. Era inexperiente, inocente, sem malícias, curiosa e
sempre habilidosa e disposta a aprender coisas novas, mas hoje ela mudou.
Agora, olhando nos seus olhos, eu vejo dor, raiva, mágoa, revolta. Ela me
odeia e não posso recriminar esse sentimento.
— O que quer, Anton?
Eu analiso a roupa chique do seu corpo, os saltos — o qual ela
odiava usar até na capital —, o vestido verde, apertando as suas curvas
avantajadas (diferente da sua magreza de alguns anos atrás). Ela está quase
irreconhecível. Kia me olha, colocando os brincos, após soltar os cabelos
loiros, meio cacheados.
— Eu vou perguntar de novo: o que você quer aqui?! — O rompante
na sua voz me deixa nervoso.
— Nosso assunto não acabou.
— Realmente não acabou. Eu preciso de uma máquina de costura.
Essas roupas não estão cabendo mais em mim. Era da época em que eu ainda
mantinha o nosso casamento "feliz", sem comer, sem beber, sofrendo
amargurada pelos finais de semana recebendo chifres!
Seus olhos ficam vermelhos, bravos. Eu respiro fundo, não querendo
discussões.
— Não precisa de máquina de costura, peça para alguém te trazer
roupas novas. Ligue para alguma loja da capital. Eles não te negaram nada.
— E o berço? — Ao ser direta, sem rodeios e sem me encarar, Kiara
passa as mãos pelo vestido justo.
Eu, então, noto o seu olhar direcionado a criança que dorme de
bruços na cama, cercada por travesseiros. Engulo em seco, mordo o maxilar e
não respondo.
— Você prometeu que não negaria nada para o meu filho, nem um
leite sequer! — Ela levanta o rosto, perspicaz.
— Não me disse quem é o pai dessa criança, nem por onde você
andou esses dois anos!
— Pois você não tem esse direito de pergunta! — Ela cospe as
palavras. — Por mim, eu nunca mais olhava na sua cara! É um monstro! Eu
odeio você! E se me quer de volta vivendo na mansão, terá que me suportar
ou me mandar embora! Caso contrário, arrumarei um jeito de te devolver o
dinheiro da compra! E serei livre!
— Eu não quero dinheiro nenhum! Você é minha esposa! E não vai
embora desta casa! Descarte o "serei livre"! Daqui, você não sai! — Desta
vez, furioso, sem a resposta da minha pergunta, eu esbravejo alto e viro bruto
as costas, abandonando-a no quarto.
Ela não vai embora! Eu jamais deixarei!
 
 
Kiara Dexter
 
Sem evitar as lágrimas, eu me sento no colchão com vontade gritar,
berrar!
— Eu te odeio, Dexter! Eu quero que você rasteje de dor, que sofra
em dobro isso aqui apunhalado no meu peito!
Ao dizer estridente, faço o meu pequeno Gieber acordar. Tremendo,
eu me recomponho e aproveito para dar um banho morno nele. Meu menino
só tem seis peças de roupas e fraldas de pano. Anton terá que pagar a sua
promessa. Eu quero dar tudo ao meu filho! Ele não me queria de volta?E eu
voltei! E para me vingar!
— Oi, bom dia, Felícia! — Na sala de estar aberta, eu vou até a mesa
do café e vejo-a organizando vários pães deliciosos na cesta do meio. Está até
parecendo um banquete de tanta coisa gostosa.
— Oi, doce menina. Bom dia para você e para esse pequeno no seu
colo. Está tão bonita — ela me analisa. — Nem parece a mesma pessoa.
— A mesma selvagem do mato sem bom gosto e classe?
— Não, eu não quis dizer, isso. Desculpa se...
— Tudo bem, Felícia — dou de ombros, sendo sincera. — Eu mudei
mesmo. E usar essas roupas chiques, apertadas, os saltos, tudo faz parte da
minha nova pessoa. Eu não sabia antes como era ser uma mulher de verdade,
não gostava de estar dentro de tão pouco tecido, você compreende. Ainda
mais tão apertado e justo.
— Não, Kiara, de forma alguma, isso é ser "mulher de verdade". Ser
mulher vai além de vestir uma roupa chique, justa e que atiça a mente dos
homens. É o caráter, doce menina. É o coração bondoso, a humildade, o amor
pelo próximo. É a sua autonomia, a sua voz séria, o poder de vencer os
preconceitos. Vai muito além.
— Eu continuo tendo amor pelo próximo, humildade e tudo o que
disse. Nada mudou, exceto a minha inocência! Eu fui boba, burra demais.
Isso me fez descobrir da pior forma possível que as pessoas podem ser ruins,
maus, aproveitadoras e tudo de pior!
Felícia balança a cabeça, apenas suspirando calma.
— E a sua essência boa continua, isso não muda. Agora sente-se
para provar do bolo de fubá. Você gosta e Maria preparou com muito
carinho. Só não sei se a dona Lorenza vai aprovar. Ela diz ser comida de
pobre. É capaz de até tacar o prato no chão.
Eu arregalo os olhos, sentando-me dura na cadeira.
— L-Lorenza? Você disse Lorenza Dexter? O que essa bruxa faz
aqui? — Minha mente vai direto ao meu filho, a protegê-lo, a não deixar que
essa infeliz chegue perto dele!
— Perdão por não ter lhe contado ontem. Você tinha acabado de
chegar e os ares estavam estranhos. Igualmente sei como vocês se odeiam.
— Eu não a odeio! A detesto! É uma perua! Uma mege...
— Oras, que coincidência, acho que temos algo em comum, minha
querida nora fugitiva — ao cruzar o portal rústico, Lorenza dá o ar da sua
presença insuportável no momento em que eu e Felícia falávamos "bem" da
mesma. — E olha, ainda volta com um bastardo sem pai nos braços.
— Cala a matraca, sua velha! Não abra essa boca para falar mal do
meu filho!
— Velha é a porcada da sua família, sua interesseira! Voltou a
procurar o meu filho Dexter porque estava mendigando por aí com essa
criança, fruto de adultério!
Eu me levanto pronta para voar sobre ela, mas a Felícia vem rápida
até mim, me segurar.
— Kia, você está com o seu filho. Calma, não dê ouvidos a ela.
— E o que está dizendo, Felícia? Você é apenas uma empregada que
tem o único dever de servir a sua patroa! Anda, organize esta mesa direito!
— Não a trate assim! Você não manda nesta casa, nem nos
empregados!
— Ah, e quem manda, você? Anton não seria capaz de te dar poder
— ela ri, sentando-se com a sua arrogância e "superioridade" de frufruzinha.
— Não depois de aparecer com um pirralho bastardo! Ele vai sumir com
vocês dois! Vai tacá-los na sarjeta do mato, como os selvagens que são!
— Pois saiba que foi o monstro do seu filho que rastejou atrás de
mim! E é ele quem terá que te tacar na sarjeta, sua bruxa arro...
— O que está acontecendo aqui?! — Uma voz brada alta, fazendo-
me calar.
Anton aparece caminhando com a sua estrutura forte, de chapéu e
olhar intimidador.
— Senhor, é a sua mãe — Felícia diz rapidamente.
— Não sou eu! Mande essa sua empregadinha ficar quieta! É a
selvagem da sua "esposa" que está me atacando! Você não deveria ter
aceitado essa adultera de novo!
— Cala a boca, ratazana velha!
— Pare, Kiara! — Ele manda. — E é a última vez que eu quero
ouvir a sua voz durante o café, Lorenza!
— Me respeite, eu já disse que sou a sua...
— Não devo respeito a quem nunca teve respeito por ninguém!
Chega!
Ela fecha a matraca e olha-me furiosa. Eu arqueio a sobrancelha,
satisfeita por vê-la rebaixada. Velha nojenta! Maldosa!
Anton me fita e eu desvio, voltando ao meu assento bem distante
deles. Seguro o Gieber, dando o seu mama na mamadeira nova que ganhei da
Rosa durante os três dias em que fiquei morando na sua casinha acolhedora, e
tomamos o café quietos, exceto pela bruxa da Lorenza que volta a falar. Eu
não suporto esta mulher! Ela é horrível! Ela vivia colocando na minha cabeça
sobre o Dexter não me amar, de ele preferir mulheres mais vividas, mais
experientes e por isso iria me trair, me trocar por uma outra rica, de classe
alta, bonita e que soubesse usar pelo menos um salto refinado. Diferente de
mim, pé rapada, pé sujo, porca, selvagem e com doenças de pobres. É por
isso que a metade da minha vingança será contra ela! A humilharei como
fazia quando eu ainda era uma menina inocente das suas maldades proferidas
em meus ouvidos e cega de amor por Anton, sem capacidade de negar os seus
chifres. Os dois pagarão caro por seus pecados!
Esses anos me deram a visão do que são as verdadeiras pessoas e de
como algumas podem ser piores do que o próprio diabo. Eu passei fome,
roubei, fui escravizada em fazendas, realizando serviços braçais para me
manter até o final da gestação sobre um teto de palha que fosse. E... e por
pouco, eu não fui abusada... de novo — meu coração aperta. Se não fosse por
uma moça desconhecida, aqueles três peões teriam realizado as suas
atrocidades no meu corpo de grávida. Eles eram ruins, sem pena. E eu não
sei, eu não consigo imaginar o que seria de mim. Eu preferia a morte a sofrer
aquilo.
— O que pretende com essa mulher e com essa criança, Dexter? —
Ele ergue a cabeça, sem respondê-la. Não vou mentir que eu adoraria saber o
que ele pretendia. Pois, no meu bebê, ninguém toca! — É muita cara de pau
retornar com um bastar...
— Eu já mandei você ficar quieta! — Anton brada, levantando-se e
estremecendo tudo na mesa. — Se continuar tirando a minha paz, voltará
para a capital!
Lorenza não demonstra susto, pelo contrário, dá um sorriso cínico de
lábios fechados, fingindo que "não está mais aqui quem falou", e levanta-se,
encarando-o.
— Ainda bem que eu já terminei o café. Não irei mais incomodá-
lo(s). Com licença, meu querido Anton... — Ela sussurra para, em seguida,
virar as costas e sair desfilando a sua metidez para longe de nossas vistas.
— Já mandei fazer o que me pediu — de repente, Anton murmura,
ao voltar a se sentar.
— O quê? — Minha voz soa baixa.
— O berço, Kiara. Não era isso que você exigiu? Pronto, você terá!
Eu engulo em seco, não querendo acreditar nas facilidades dos meus
pedidos realizados.
— Ótimo! E chegará quando?
— Sábado, depois de amanhã! — Ele me observa bruto... talvez
surpreendido pela inexistência da sua menininha boba, iludida e medrosa!
Desafiá-lo é um campo de espinhos, o qual o dono odeia que seja
pisado e eu pisarei descalço, pois essa dor nem se compara a nada do que eu
passei.
É a minha vez de sair da sala desfilando a minha "classe", após um
com licença e uma pequena balbuciada alta do meu filho, o qual deve
detestar.
CAPÍTULO 5
 
Eu saio, vou até a cozinha ficar com as duas pessoas que eu aprendi
a gostar e a amar em menos de vinte quatro horas; Felícia e Maria. Elas são
muito especiais. Nós temos uma relação além de patroa e empregados, somos
amigas. Ao entrar sorrateira no ambiente, descubro um amigo que também
tive outro prazer de conhecer; Gael, filho de Maria.
— Não acredito... — Sussurro perto do arco da porta.
Ao ouvir a minha voz, ele não demora a inclinar o pescoço, arregalar
um pouco dos olhos e quase dar um pulo da cadeira.
— Patroa!
Eu sorrio divertida, indo até eles.
— Kia, desculpa a afobação, minha querida, mas, por favor, eu
poderia segurar o seu filhinho? — Maria pede sem aguentar-se de ansiedade
para fazer a tal pergunta. Gael continua ainda boquiaberto, desta vez,
encarando o bebê.
— Que isso, é claro, Maria.
— Eu também quero depois! — Felícia exclama enquanto eu me
aproximo e passo o pesinho de umano para outros braços.
— Você teve um filho, Kia? — Gael é sério e direto. Eu fico
incomodada, já imaginando a pergunta sobre quem seria o pai.
— Sim...
— Ele tem cabelo cor castanho-claro. Tirando isso, se parece muito
com você... digo na beleza — após confessar, ele desvia-se de mim,
colocando o seu chapéu marrom.
— Obrigada, Gael.
Eu não esperava por isso, fico corada.
— Se parece em quase tudo. Até os olhinhos claros — Maria brinca
com ele, que sorri todo arteiro.
— Como você está? — Pergunto, sentando-me ao lado do meu
amigo.
— Bem... Por onde andou? Todos nós ficamos preocupados,
desesperados. Até agora não sabíamos o que de fato havia acontecido com
você.
Eu permaneço sã, fingindo que o seu questionamento não me afetou.
Por mais que eu goste da amizade do Gael, eu não confio nele. Anton o
considera como o seu braço direito. O homem de confiança. Eles são amigos-
irmãos. E tudo o que eu disser, eu sei que ele passará para o Dexter.
— Eu não posso respondê-lo. E nem vocês — olho para as duas
senhoras que aguardavam da mesma forma a minha resposta. — Espero que
entendam.
— Tudo bem, doce menina. O que importa é que você voltou e está
conosco — Felícia contorna o clima, voltando as atenções para o Gieber.
— S-Sim...
Eu sinto estar mentindo, pois eu não queria ter voltado. Eu não
queria estar sob o mesmo teto que o Anton. Isso é tão difícil.
— Eu já vou, hoje é dia de corte das árvores. Dexter já deve estar a
caminho da averiguação. Com licença...
Gael sai sem se despedir direito de mim. Não estranho, fico só
chateada. Eu sei que magoei o meu companheiro de cavalgadas — foi como
nos tornamos amigos. Enquanto Anton saia para aproveitar das mulheradas
fáceis da capital no final de semana com os seus irmãos perdidos, Gael fazia
questão de "raptar-me da tristeza" para caminharmos a cavalo, olhar a
natureza. O que nos provocava longas, infinitas conversas sobre tudo e todos.
Mais tarde, eu fico no quarto, deixo o Gieber brincando com um
brinquedinho de madeira que a Maria lhe presenteou e começo a separar
todas as roupas da época em que eu era esquelética por causa do meu marido
que não me amava, que não me dava atenção e que me traia! Hoje percebo
por estas roupas a estrutura do meu corpo bonito e como esses tecidos
chiques me realçam, me deixam diferente, formosa. Eu pareço aquelas
corpulentas dos eventos em que Anton me levava na capital. Elas tinham tudo
o que os homens viam e gostavam. Os saltos eram o equilíbrio perfeito da
"finesse" delas. E por mais que esse estilo não se pareça comigo, é quem eu
quero ser! Eu quero me vingar! Eu quero ser decidida, autoritária e não a
menina inocente do mato! Eu só aquietarei o meu coração depois de estar
livre deste casamento mentiroso e desta dor que me traz pesadelos ao colocar
a cabeça no travesseiro!
Sem vontade de descer, no horário do almoço, eu escolho almoçar
no quarto — o que me fez decidir permanecer o restante do dia presa aqui
também — e só volto a rever os Dexter na manhã seguinte. Tendo o maior
desprazer de rever primeiro a minha "adorável sogra" do diabo.
— Bom dia, queridinha — na sala, eu passo por Lorenza sem sequer
dá atenção para a bruxa. — Uau, quanta elegância. Parece até piada ver uma
selvagem caipira de saltos e tecidos finos.
Eu não aguento e viro-me arrogante!
— Eu não te perguntei nada, cobra!
— Vamos acalmar os ares, felina, não grite, não quero ouvir esse
filho do adultério chorando nos meus ouvidos. Anton poderia ficar louco,
imagina o que ele faria? Ah, não quero nem pensar.
Eu observo o cabelo negro e curto dela, com vontade voar sobre ele.
— Eu acharia ótimo se ele fizesse algo! E não ouse nunca mais se
referir ao meu filho assim! Pois eu seria capaz de cortar o seu pescoço com
um facão!
Lorenza sorri, cruzando as torneadas pernas e divertindo-se.
— Ai, ai, é como vestir um animal selvagem de tecidos caros. Você,
no circo, seria o "show mais aguardado da noite". Não tem um pingo de
classe. Veja a sua forma de falar... é o mais singelo "caipirismo".
Eu engulo em seco, não me deixando rebaixar.
— Bom, você já é uma velha, ao contrário de mim; nova e sem
nenhuma plástica, puxando as banhas de 60 e poucos anos!
Furiosa, ela imediatamente fecha o semblante, descruza as pernas e
levanta-se vindo até mim. Eu não me movo, faço questão de olhar no fundo
dos seus olhos.
— Saiba que você jamais terá paz nesta casa! Não enquanto eu
estiver aqui! Anton te colocará no olha da rua, no meio dos porcos, onde é o
seu lugar, sua imunda!
— Você me faria um grande favor se fizesse isso agora mesmo! Vai
lá, peça para ele me mandar embora! Anda, sua megera!
— É melhor não me desafiar, Kiara, você não ia gostar de me ver
como a sua inimiga. Até o momento, eu estou sendo muito recatada.
— Mas isso não é novidade para ninguém, não se preocupe, já
somos!
Ela me analisa dos pés à cabeça e sem dizer mais um "a", a bruxa
passa por mim, retirando-se maldosa. Eu respiro fundo, abraço o meu
filhinho e igualmente, saio às pressas, indo até a cozinha tomar o café com os
empregados. Prefiro mil vez eles a ficar naquela mesa com o Anton e a sua
mãe.
— Kia, o que faz aqui, doce menina? O café já está organizado lá na
mesa.
Eu dou de ombros, aproximando-me delas e da enorme ilha no meio
do ambiente.
— Eu escolhi ficar com vocês esta manhã.
— O sr. Dexter pode não gostar disso.
— Ele não tem o direito de me questionar em nada! E eu não vou
ficar no mesmo espaço que a maléfica da sua mãe! Quero que aquela mulher
vá embora da mansão o mais rápido possível!
— Se ela continuar importunando os ouvidos do patrão, com certeza,
ele a expulsará. Não vai demorar. Estou até pagando prece.
— Não será nem necessário aguardarmos por isso. Pois eu faço
questão de pedir ao Anton!
— Bom dia! — Nos interrompendo, Gael aparece na porta dos
fundos, vindo até nós com a sua estrutura forte, mas não tão alta.
— Bom dia, filho.
— Bom dia! — Eu e Felícia o cumprimentamos.
Ele me olha menos sério do que ontem e já me alívio por ver que não
está magoado comigo.
— O que faz aqui, Kia?
— Eu vim tomar o café com vocês — digo, sentando-me. — Vem,
nos acompanhe.
— Agradeço, eu já tomei em casa.
— Como assim, meu filho? — Maria coloca mão na cintura,
reprovando-o. — Vem cá, sente-se conosco e não rejeite pelo menos o café
forte de sua mãe. Vai te dar mais força.
Ele sorri convencido e aceita nos acompanhar. Durante o café, muito
ansiosa e inquieta, eu aproveito a oportunidade para pedir ao Gael que me
levasse para caminhar a cavalo com ele, como sempre fazíamos antigamente.
E por incrível que pareça, o meu amigo aceita animado.
— Quer agora de manhã?
— Não sei, você não vai trabalhar?
— Não, eu não tenho muito serviço.
— Pronto, pode deixar essa fofura do Gieber comigo — Felícia
declara rápida, ninando-o no seu colo. — Eu e Maria damos conta do
pequenino patrão.
— Certeza? Não vai incomodar vocês? Esse curiosinho não para
quieto.
— De forma alguma. Não temos nada importante para fazer. Vai lá,
aproveite o passeio, Kia. Você merece desparecer a mente, é o seu momento
de descanso — Maria responde acolhedora.
— E aí, vamos?
— Huum... está bem. Só me deixa subir para trocar de roupa, volto
rápida.
— Ok, não tenha pressa.
Por sorte, já pensando na possibilidade desse passeio (no começo,
sem o meu amigo Gael), eu acordei separando uma calça jeans justa, botas e
procurando um chapéu qualquer. Não via a hora de andar a cavalo. Eu amo
isso de todo o meu coração.
— Posso te fazer uma pergunta? — Enquanto eu aguardava o Gael
montar as nossas celas, ao terminar, ele molha a garganta e caminha até mim
com os belos animais.
— Claro, o que foi?
Ele me encara com a sua face morena e formosa, de uma pessoa
descontraída, porém, agora séria.
— Por que deixou o Anton e voltou assim, depois de dois anos e
com um filho?
Eu arregalo um pouco dos olhos, nervosa com o repentino
questionamento desconfortável.
— E-Eu já disse que não posso responder, Gael. Desculpe-me, eu
não posso.
— Anton te procurou igual um doido... e eu também. Eu te cacei por
MontesDo Sol noite e dia por um mês. No entanto, saiba que eu não parei
porque desanimei ou perdi as esperanças. Só não podia abandonar o meu
amigo. A fazenda precisava de mim.
— Por favor, você não deveria ter feito nada disso.
— Eu fiz e faria de novo. Mesmo não sabendo o que havia
acontecido, senti algo de errado. Anton mudou da água pro vinho. Ele ficou
louco, Kiara. Na madrugada em que foi embora, o Dexter saiu correndo pela
fazenda te gritando. Pegou a caminhonete e voltou só na tarde do outro dia...
sem você. Nem seus pais tinham informações.
Meus olhos ficam vermelhos. Com medo de chorar, eu viro a cabeça
e acaricio o cavalo.
— Vamos, Gael... eu, eu quero fazer esse passeio.
Ele chega perto de mim e entrega-me as rédeas, fitando-me
compadecido.
— Eu toquei no assunto e isso te entristeceu, por quê? Eu almejo
muito saber o que houve. De verdade. Eu sei que o Anton te fez alguma co...
— Chega! Eu não quero ser grossa com você! — Assim que
esbravejo, ele se cala, mudando o semblante para envergonhado. — Vamos.
— Eu me apoio na cela, seguro a crina, as rédeas, coloco o pé no estribo
esquerdo e pegando impulso, subo sozinha no torso do cavalo, sem movê-lo.
Calado, Gal faz o mesmo com o seu. E prontos, saímos cavalgando
devagar, com o clima pesado e sem conversa.
— Onde aprendeu a subir tão rápida? — Ele, então, indaga durante a
nossa andada, quebrando o silêncio com uma pergunta para alimentar o seu
ego.
Eu balanço a cabeça, não evitando o sorriso. Ele também.
— Com você, "professor profissional de equitação".
— Eu sabia. Não era possível ser tão boa.
Rimos.
— Eu estava com saudades disso. De sentir esse vento nos cabelos, a
brisa no rosto. É como se eu estivesse livre... — comento sincera ao meu
próprio interior. — Como eu sempre estivesse... é maravilhoso.
— Mas você está, patroa. E ainda nem sentiu o vento direito. Para
isso, uma corrida até a nova plantação dos eucaliptos, que tal?
— E onde fica essa nova plan...
Sem esperar, o trapaceiro do Gael grita "já" e sai na minha frente
com as suas galopadas velozes.
— Gael!
CAPÍTULO 6
 
No final do passeio, voltamos ofegantes e com sede aos estábulos.
Não tenho palavras para descrever como é essa emoção de divertimento, não
tenho mesmo. Aproveito para ajudar o Gael a tirar as celas dos cavalos.
— Você ganhou porque é um trapaceiro!
— Não vale, eu disse "já". Você que foi devagar.
— Mentira. Eu quero uma revanche!
— Patroa, patroa, você tem que aprender a perder.
Eu o encaro, semicerrada.
— Tá bom, ok... uma revanche! — Ele ergue as mãos, dando por
"rendido". — Agora me dê isso, vá tomar um copo de água fresca. Eu
termino de cuidar desses garanhões.
— Obrigada pelo passeio, Gael — entrego o restante do serviço para
ele. — Você sabe como eu amo fazer isso. E fico muito feliz por ter a sua
companhia.
— Não agradeça. Sábado ou domingo podemos repetir a dose, indo
desta vez até o rio, como nos velhos tempos. Topa? Terei mais tempo.
— Ah, eu topo com certeza!
— Então fica combinado.
— Ok! Obrigada, de novo!
Com as forças revigoradas, eu me despeço dele e caminho meio que
"feliz" em direção a casa da fazenda, quase saltitante. Quando eu chego não
encontro a Felícia nem o Gieber. Apenas a Maria.
— Maria? Cadê o meu filho?
— Oi, Kia, você não vai acreditar... — Ela se vira da frente do
gigante fogão, enquanto mexia uma panela enorme. O cheirinho tá tão
maravilhoso.
— O quê?! — Já fico preocupada!
— Calma. É que o espertinho do Gieber sujou toda a fralda de pano
e Felícia teve que subir para lavá-la e trocá-lo.
— Sério? Ai que vergonha de dar esse trabalho a Felícia. Ela deve
estar cheia de coisas para fazer e eu aqui, a empatando como uma dondoca.
— Que isso, no momento, só têm a "inspeção" da nova empregada.
Anton que pediu essa semana que contratássemos mais uma além de Sônia.
Felícia virou um tipo de "governanta" da mansão, sabe.
— Sério?
— Sim. E ela ficou muito feliz pela promoção. Menos a dona
Lorenza — Maria faz careta. — Se deixar, aquela mulher quer mandar até
nos peões. Haja sangue de barata.
— Ela é uma bruxa! E eu vou subir, tá? Preciso de um banho para
tirar esse calor. Volto mais tarde para o almoço.
— É claro. Também, com tempo, me conte do passeio a cavalo.
Quero saber.
— Só digo que foi maravilhoso... já volto.
Ela sorri e eu viro as costas, caminhando para o interior da mansão.
Com sorte, não vejo a bruxa da Lorenza na sala.
— Ele deu trabalho? — No quarto, eu encontro a Felícia observando
o meu pequeno arteiro que dorme só de fralda e camisetinha, com as
perninhas gordinhas e gostosas para fora. Mamãe sente vontade de morder só
de olhar essa fofurinha irresistível.
— Oi, Kia... — ela vira a cabeça assim que eu adentro o local, após
fechar a porta. — Esse garotinho fofo não deu trabalho nenhum. Ele é
quietinho... — Ela sussurra para não o acordar.
— Que bom. Obrigada, eu vou tomar um banho.
— Imagina. Só que antes de ir, eu queria te perguntar algo.
— Sim?
— Serei direta — ela passa a mão na saia que vai até o joelho e se
põe de pé. — Por que esse bebê ainda não tem fraldas e nem roupas direito,
Kia? Eu sei que não vai entrar no assunto do motivo de ter ido embora... No
entanto, Anton, como pai, querendo ou não, gostando de criança ou não, ele
tem que dar auxílio a você e ao Gieber. Precisa o quanto antes de roupas,
fraldas, talco. O mínimo do essencial, doce menina.
— E-Eu sei, Felícia, não se preocupe, já estou correndo atrás disso...
— Desculpa, só que é desesperador esse menino não ter quase nada,
sendo você esposa do sr. Dexter e ele o pai do seu filho.
— E-Eu... eu vou tomar banho, já volto, tá...?! — Embananada e
literalmente fugindo da palavra "pai" e de suas responsabilidades paternas, eu
saio às pressas, por pouco, não correndo em direção ao banheiro, engolindo a
raiva e o desejo amargurado por vingança.
O Dexter me dará tudo, não há discussão sobre isso! Ele não vai
negar nada para o meu filho! Eu farei o inferno na vida dele! Anton e
Lorenza terão certeza da nova Kiara Lemos! Eu juro que me vingarei tim-tim
por tim-tim!
 
 
Anton Dexter
 
No meu escritório, para tirar a minha paz, eu encontro a minha mãe
sentada na cadeira rústica atrás da mesa de madeira maciça.
— O que faz aqui?
— Eu quero saber de uma vez o que você fará com aquele bastardo e
com a sua "esposa" adúltera. Eu sei que você não a trouxe à toa. Alguma
coisa você planeja.
— Eu já falei para você não tocar nesse assunto!
— E vai criar o filho de outro, Anton? Precisa tomar uma decisão!
Seja decidido igual ao Rangel, seu pai! Ele com certeza expulsaria essa
mulherzinha da mansão!
— Está enganada sobre mim, em relação ao caráter honrado do meu
pai! Agora me dê licença!
Lorenza se levanta, encarando-me furiosa.
— Você vai perder tudo o que seu pai construiu só por causa de uma
selvagem do mato! Ela vai usar aquele bastardo para te roubar! Não seja
enganado! Sai dessa o quanto antes! Arrume uma mulher de classe, recatada!
Eu fecho os punhos, com o sangue fervendo, pronto para realizar
uma besteira.
— É mais fácil você se fazer de mercenária do que ela! Não me
incomode ou eu posso descobrir o motivo da 'amante do governador' ter
vindo às pressas morar na fazenda do seu filho rico! Some da minha frente!
Ela engole em seco, sem abaixar a cabeça.
— Eu sou a sua mãe, Anton, te carreguei por nove meses! Não deve
me tratar assim! Me respeite!
— Mãe? — Eu sorrio. — "Mãe", eu deveria chamar era às três babás
que me criaram! Você só serviu para parir o terceiro filho e garantir o seu
futuro de madame "Dexter" com o seduzido do meu pai trabalhador! Agora
não me faça te arrastar a força daqui!
— Eu já estou de saída... só que, antes, você sabe que eu estou certa
em relação àquela criança e sobre a Kiara. Mande-a embora antes que seja
tarde demais! — Após soltar o seu veneno, minha mãe finalmente vira as
costas, fechando a porta atrás de si e deixando-me sozinho.
Como um louco, eu bato na mesa, chuto a cadeira e vou até a janela
controlar-me. Droga, eu não posso colocar isso na minha cabeça! Eu não
posso! E se for

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