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Copyright © Rafaela Perver, 2021 Editora Chefe: Waldinéia Oliveira Gomes Todos os direitos reservados ao Grupo Editorial The Books. É proibida a reprodução de parte ou totalidade da obra sem a autorização prévia da editora. Todos os personagens desta obra são fictícios e qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. The Books Editora Rua Três 572 - 38613-221 – Santa Luzia Unaí / MG Site: www.thebookseditora.com PRÓLOGO CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 10. PARTE II CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 16. PARTE II CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 CAPÍTULO 23 CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28 CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 CAPÍTULO 33 CAPÍTULO 34 CAPÍTULO 35 CAPÍTULO 36 CAPÍTULO 37 CAPÍTULO 38 CAPÍTULO 39 CAPÍTULO 39. PARTE II CAPÍTULO 40 CAPÍTULO 40. PARTE II CAPÍTULO 41 CAPÍTULO 42 CAPÍTULO 42. PARTE II CAPÍTULO 43 CAPÍTULO 44 CAPÍTULO 45 CAPÍTULO 46 CAPÍTULO 47 CAPÍTULO 48 CAPÍTULO 49 BÔNUS LÍVIA E GAEL CAPÍTULO 50 CAPÍTULO 50. PARTE II CAPÍTULO 50. PARTE. III CAPÍTULO 51 CAPÍTULO 51. PARTE II EPÍLOGO PRÓLOGO SEXTA-FEIRA, DIA 07 DE AGOSTO – DOIS ANOS ANTES — Para onde vai, Anton? Encaro a Kiara, arrumando de longe o colarinho da minha camisa branca. Seus olhos estão marejados. Sua voz nervosa e trêmula, espelha no interior um semblante triste e cansado. Eu somente respiro fundo e caminho em sua direção. — Eu vou sair. — De novo? Eu já estou cansada disso, você não se importa comigo? Você não me ama? — Ei... eu só vou sair para tomar uma cerveja com os meus irmãos e voltar antes mesmo que você perceba. Puxo o seu braço, no entanto, ela me empurra. — Mas eu percebo, eu sinto a sua falta. Você só quer saber dos seus irmãos. É treino depois da madeireira. É jogos as quintas, é chope aos sábados na capital. É o que mais? Chifres na minha cabeça? Eu já estou cansada. Eu vou ficar maluca. — Ela começa a chorar. — Eu só queria ser feliz, me casar, ter uma família linda, um marido presente, amoroso. Ter o que eu não estou tendo! — Kia... — Desta vez, ela não me afasta, quando eu agarro devagar a sua cintura, alisando os seus cabelos dourados. — Não coloque coisas na cabeça. Somos felizes. — Não minta. Como somos felizes? Como, se não deseja nem um bebê? Nem sequer passar períodos livres com a mulher que “escolheu” se casar... — Ela sussurra decepcionada no meu peito. Eu, então, levanto o seu queixo dócil, observando os olhos mais belos que eu já conheci, e limpo as suas bochechas molhadas. — Eu prometo mudar por você. Só não me cobre filhos outra vez, estamos bem assim. — Você sabe que não estamos bem. Daqui três semanas, comemoramos a terceira renovação dos nossos votos e vai ser a mesma coisa; não pensam em crianças? Em filhos lindos, correndo pela casa? Eu solto a Kiara, passando nervoso a mão pelo rosto. — Chega, Kiara! Chega dessa merda de novo! Eu não vou te dar filhos! Eu não quero! — Estresso-me e esbravejo alto. — EU ESTOU CANSADA DE FICAR SOZINHA, DE SER TRAÍDA POR VOCÊ! DE NÃO TER AMOR! AFAGO! E SE EU NÃO POSSO SER AMADA, TER O MEU MARIDO COMPLETAMENTE AO MEU LADO, EU QUERO UM FILHO! ME DEIXA SER MÃE?! ME PERMITA AMAR ALGO NOSSO? Chuto a porra da escrivaninha e seguro a Kiara com força pelos braços, sacudindo-a. — INFERNO! VOCÊ QUER A PORRA DESSE FILHO? VOCÊ QUER UM FILHO PARA ME DEIXAR EM PAZ? EU VOU ENTÃO TE DAR ESSA MERDA DE UMA VEZ! CAPÍTULO 1 ANTON DEXTER Eu estou de frente para o reflexo de um homem que hoje resta só a carcaça podre de um covarde sem escrúpulos, sem compaixão, e que mereceu todas as consequências possíveis deixadas por ela. Eu errei e estou pagando por esses erros. A face é de orgulho, de angústia, e somente a Kiara pode me arrancar dessa prisão. Eu preciso encontrar a minha esposa. — Deveria já ter superado ela, Anton. — Encaro a imagem da minha mãe pelo espelho. Ela para bem atrás do meu ombro e aperta o meu braço. — É um Dexter! — Ela nos observa. — Seja forte e esqueça aquela víbora. Existe milhares de moças lindas aos teus pés. — O que faz fora da capital, Lorenza? — Eu sou direto ao inclinar o pescoço e perguntar de forma desprezível, cortando-a. Ela, então, tira as mãos de mim e suspira o habitual ar de superioridade. — É óbvio. Eu vim para morar na fazenda. Aquele apartamento se transformou num mar negro, úmido, gelado e sem vida. Além de eu estar me sentindo solitária. — Desde que não se meta nos meus negócios. Nem na decoração da mansão, fique à vontade! — Não mexer na decoração da mansão? Como assim? Lógico que eu vou desinfetar cada canto possível. Já faz dois anos. Você tem que reconstruir um novo futuro próspero. Ao lado de uma dama, uma milionária da região. — Eu já sou milionário. Herdei tudo do meu pai. Se não está satisfeita com as coisas conforme a Kiara deixou, volte para a capital. Aqui não é lugar para uma madame de joias e de salto. — Me respeite, Anton. Eu ainda sou uma Dexter. Seu pai pode não ter deixado as terras para mim, contudo, me deixou esse sobrenome. E como a sua mãe, eu possuo o mesmo poder na capital e entre os povinhos sem teto daquela vila imunda. — Eu não tenho o dia todo para ficar te suportando! Com licença! Eu volto a vestir o chapéu e viro as costas, deixando a minha mãe sozinha no quarto. — Sr. Anton. — Na sala, ao pisar no último degrau, Felícia, a governanta vem rápida na minha direção. — Os capatazes; Jesuíta e Ratito estão no varandão, aguardando-o. — O que querem? — Sinto muito, senhor, não falaram. E o café já está posto. — Obrigado, Felícia. Volto já! Eu passo a mão na barba, nervoso, e caminho até a porta principal. Do lado de fora, encontro o Jesuíta e o Ratito conversando em sussurros. Os dois, ao me verem, pigarreiam e recompõem-se sérios. — Bom dia, patrão! — Dizem. — Bom dia. O que querem? — Viemos trazer uma notícia do seu agrado. Vai gostar. Ouvimos perto do rio, das fofoqueiras que lavavam roupa. É sobre uma mulher que chegou na vila ontem de manhã. Eles se entreolham, adiante, a minha face autoritária. — Parece ser a patroa. Meu peito se aperta, o coração acelera. Cerro os punhos, em furor. — Confirmaram algo com certeza para poderem me procurar? — Eu e o Ratito fomos conferir a informação no barraco do Aquino, se era verdade ou não, mas o velho nos ameaçou com uma garrucha. Não descobrimos nada. Fomos escorraçados. — Quero que vigiem a fazenda do Padilho esta noite. Se Kiara voltar, não irá para o barraco do avô. Ela vai para a casa daquele bêbado do pai. — Teremos que montar acampamento na cerca, as terras do Padilho ficam do outro lado do rio, há duas horas. — Eu não perguntei nada, Jesuíta! Faça o serviço de vocês e não me voltem sem informações concretas! — É claro, senhor Dexter! Somos seus homens de confiança! — Podem se retirar! Eles pedem licença e retiram-se. Eu permaneço bravo. Ela não devia ter fugido. Kiara é a minha mulher. Seu lugar é ao meu lado. E se ela voltou e estiver escondida no casarão do pai, a busco a força. Nem que eu tenha que matar o Padilho! Eu comprei aquela menina! E caso contrário, ele terá que me pagar o dobro! — Seus irmãos vão voltar a morar na fazenda? — Na mesa do café, a minha mãe questiona, provando do chá. — Eles não entraram mais em contato. — Não! Eu não quero saber daqueles drogados me pedindo dinheiro! Cansei de bancá-los! — Eles são os seus irmãos, por mais que seja de pais diferentes, você tem o dever de ajudá-los, de prestar amparo. É rico, tem terras. Doe metade para ambos. Eu sou obrigado a rir. A minha mãe é uma madame sem menor escrúpulo. Teve três filhos e quatro casamentos podres de rico. Eu sou o filho do último casamento, o abandonado que herdou bens milionários do pai e um sobrenome que ela tanto se gloria em manter para esnobar-se. Já meus irmãosnão tiveram a mesma “sorte”, eles perderam rios de dinheiro com viagens internacionais, festas e drogas; viciaram-se em cocaína e heroína. Nossa mãe não está nem aí para ninguém. Por pouco, não saiu ganhando nesses quatro casamentos, exceto por Rangel Dexter, o meu falecido pai. Ele não deixou um tostão sequer para a mercenária e me pediu no leito de morte que eu honrasse o seu nome e sobrenome de respeito. — A única coisa que eu vou fazer por eles, se caso me procurarem, é interná-los! Não dou um real sequer! — Minha mãe fica em silêncio, arqueia a sobrancelha e não contesta a minha autoridade. — E eu já vou. Tenho que verificar o plantio dos eucaliptos urofilia. Contratei peões novos. Volto no almoço. E não ouse maltratar as pessoas desta casa. Felícia ficará de olho na senhora. — Eu fui a mulher do dono. Eu ainda tenho a minha autonomia como mãe. Não me rebaixe por empregados! Prevejo que será um inferno ter a Lorenza de volta nessa fazenda. Todavia, tenho problemas maiores na mente para me preocupar. Quero terminar a verificação dos plantios antes das 13h30. Eu não vou conseguir esperar os meus capatazes. Preciso saber logo se a Kiara retornou para Montes Do Sol. Ela desapareceu de uma forma que nem os melhores detetives do Brasil puderam encontrá-la. Dois anos sem informações. E tudo graças a sua família a acobertando. Desgraçados! — Está com a cabeça longe? — Gael, meu melhor amigo e gerente rural, interroga, estendendo-me um copo de água fria. — Posso adivinhar? É as fofocas da redondeza? — O que sabe, Gael? — Está circulando pela vila que a Kiara voltou. — Jesuíta e Ratito já me contaram das fofocas. — É certo, Anton. A informação saiu de dentro do casarão, pelos próprios empregados do Padilho. Eu sei, porque foi o meu pai quem ouviu de uma moça lá na venda. — Como? É verdade? — Sim! Minha cara não esconde a vontade de pegar a caminhonete e ir agora mesmo até aquelas terras. E é o que eu faço ao fechar a porta e ligar o miolo da ignição. — Anton, não seja louco! Pensa bem no que você vai fazer! — Enquanto eu acelerava, Gael veio correndo veloz, apoiado no vidro. — Não age de cabeça quente! Aquela gente não é confiável! A poeira vermelha se levanta e ele fica para trás. Eu sou capaz de matar cada um daquela família cretina! Eles não vão me enganar! Eu não aceito pagar de trouxa! Círculo os hectares. E, em uma hora de rua de chão barrenta, eu chego acelerando na frente do casarão alaranjado de dois andares. Eu pego a arma e desço como um touro com sangue nos olhos. Três rapazes me avistam. — É o Dexter! — Um deles exclama para o outro, correndo até mim. — Onde está o Padilho?! Onde está o velho bêbado?! Me digam! — Não é bem-vindo! Não tem permissão de pisar os pés nessas ter... Eu ergo a arma e eles se calam. — Não vou perguntar novamente! Chamem ele, ou eu faço estragos! — Não precisa fugir do controle, eu estou aqui, Dexter. Ao sair dos fundos, o velho desce os degraus da varanda. Sorridente. — Quanto tempo não nos vemos, hein? Como vai? — Eu quero a minha esposa! Eu sei que ela voltou! E não vão escondê-la desta vez! Ou eu saio daqui com essa mulher, ou eu invado esta propriedade com meus peões! — Bom, teremos uma luta e tanto. Pois, na minha casa, você só entra por cima do meu cadáver! Furioso, eu mudo de direção e aponto a arma para ele, encarando a expressão do Padilho. — Saia do meu caminho, seu bêbado. Ou eu disparo! — Então seja homem e dispare! Não é o todo poderoso, Dexter? — O que é isso?! — A mãe de Kiara sai correndo de dentro da casa, berrando e descendo os degraus. — Parem, pelo amor de Deus! O que faz aqui, Anton? Abaixe essa droga! Não seja um maluco! — Eu vim buscar a minha mulher! Eu sei que ela está escondida no casarão! E eu a levarei! — Ela não quer te ver! Em instantes, algo dentro do meu peito salta, explodindo de terror. Ela está aqui! Eu preciso vê-la! Eu preciso conversar. Eu... ela tem que voltar a ser a minha esposa! — Se a Kiara não vir comigo, eu vou embora para retornar com todos os meus capatazes! Não me importo de destruir a casa de vocês atrás dela! Nem de botar fogo! — Por favor, Anton, não faça nada que você possa se arrepender depois! Cuspo no chão, com a arma firme na direção do Padilho. — Sabem do que eu me arrependo? De ter comprado a filha de vocês e de ela ter me abandonado sem achar que eu não cobraria o meu dinheiro de volta! Afinal, eu tirei a família dos porcos da merda! — Não nos culpe por ser um péssimo marido! Quando a vendemos, ela era só uma menina inocente, virgem de malícias, boba! Não tivemos culpa de você usá-la, magoá-la! De tratá-la como um objeto! Kiara fugiu, pois estava cansada do comportamento humilhante da sua mãe e o seu! — E vocês a acobertaram! — Já te dissemos milhares de vezes que não sabíamos! — Padilho grita. — Jamais deixaria ela aqui, seu verme! Por mim, a imbecil é sua mulher e o dinheiro é nosso! E ponto final! Não estou nem aí se é bom ou ruim marido! — Não diga isso, Padilho. Kiara é a nossa filha. Ela tem que lutar pela sua felicidade, pela sua liberdade própria. Não quero que siga o caminho da minha mãe, da sua mãe e nem o meu. Ela não é uma submissa. — Cala a boca, Judite! Que se dane a felicidade! Eu não avisei que o Dexter viria atrás dela ou do dinheiro se a imbecil continuasse na nossa casa?! E não temos mais a quantia! Eu chuto a terra, quase disparando. — Que seja, me devolvem ela! Cansei dessa ladainha! Judite fica trêmula. — Calma, Anton. Por favor. — Já fiquei calmo por dois anos! Eu quero a minha mulher agora! — Eu já te disse que ela não quer te ver. — Ótimo, então eu voltarei com os meus peões! — NÃO PISARÁ OS PÉS NA MINHA CASA! — Padilho grita — OU EU CHAMAREI O DELEGADO DA REGIÃO PARA PRENDÊ-LO! — Não me desafie, seu bêbado! — Sai daqui! Meus homens também estão armados! Furioso, eu olho para as janelas do casarão de dois andares e sinto que ela está me ouvindo, observando. Eu sei que ela está! — VOCÊ VAI VOLTAR, KIARA! JAMAIS TE DEIXAREI EM PAZ! — O tom de voz estridente é para que ela ouça em bom som. — CHEGA DE FUGIR! CHEGA DE SE ESCONDER! Judite dá um passo à frente e Padilho ergue a cabeça. — Sai das minhas terras, eu já mandei! — Eu vou, mas voltarei caso a minha mulher não apareça na fazenda até meia noite! Fiquem avisados! E a avisem! Com o recado dado, eu viro as costas e volto para a caminhonete. Se ela não aparecer, eu regressarei! E não será sozinho! KIARA DEXTER Após ouvir as suas palavras ameaçadoras, eu fecho as cortinas com força e corro para o quarto chorando. O que eu faço, meu Deus? Me ajude, eu já estou cansada! Eu me sento em prantos na cama e assim que se passam dez minutos em que a caminhonete dele some, eu ouço passos ligeiros na escada de madeira que range. Levanto o rosto, vendo a minha mãe surgir no batente da porta. — Kia, ele já se foi. Não chore. — Ela vem até mim. — Eu não deveria ter voltado, mamãe. — Foi o certo, você estava passando fome, fugindo como se fosse uma bandida. E sendo escravizada para sustentar o seu filho. Isso é inadmissível. Tem que enfrentar aquele homem de uma vez por todas para ser feliz. — Eu tenho medo dele... do que o Dexter pode fazer caso descubra do meu menino. Ele odeia crianças. Ele poderia tirá-lo de mim, para me ameaçar — eu coloco a mão no rosto e choro. — E eu o mataria! Eu faria uma loucura! Mamãe me abraça, em seguida, segura a minha cabeça. — Você tem que enfrentar aquele homem bruto, entendeu? — Eu não quero! — Me afasto. — Eu não vou conseguir! Isso é tudo culpa do papai! Se ele não tivesse me vendido para aquele fazendeiro bonito, o "Dexter rico", me induzido a crer que o Anton era um príncipe encantado, cheio de amor, eu jamais, jamais teria me casado! Eu só tinha dezessete anos! Ele me machucou, feriu os meus sentimentos! Ele e aquela mãe maldosa! Os dois monstros! — Se eu também soubesse que sofreria como sofreu, eu nunca teria permitido o casamento vendido. — Eu fui tão boba. Ele nunca me amou. Foram três anos de inferno, desgraças. Eu recordo de tudo. E daquelanoite... — Eu coloco a mão na barriga e encaro a mamãe — inclusive daquela noite! — É essas lembranças que vão te fazer ser forte, uma guerreira. Lembre-se das humilhações da dona Lorenza. E de como o Anton te feriu. Não é hora de se lamentar, seja do seu pai ou do Dexter. Agora você tem um filho, um bebezinho que não tem culpa de ter vindo ao mundo. Pense nele — minha mãe aponta para o berço inacabado e sujo, onde o Gieber dorme feito um anjinho. — Precisa protegê-lo com todas as suas forças. — Anton voltará... e se ele tirar o meu filho de mim por raiva? — E o que pensa? Você vai até ele? — Não sei. Eu tenho que pensar. Estou apavorada. — Você escutou o que o Anton disse? Sobre estar te esperando na fazenda até meia noite? — O-O quê? — Arregalo os olhos. — Ele retornará com os seus capatazes caso você não apareça na fazenda até meia noite. — Esse homem é um monstro! — Eu me levanto, com vontade de chorar novamente. — O que eu faço, mãe? — O recomendável era você ir até o posto de polícia da vila e denunciá-lo pelo que fez. Mas o Delegado é amigo dele. — Eu queria me vingar, fazer o Dexter sofrer tudo o que eu sofri naquela mansão e durante esses dois anos fugindo. — Só que se você for até lá, o Anton te deixará confinada a ele. E eu não aceito que viva como uma submissa mandada, sem poder de decisão. Não como eu sou para o seu pai. Eu quero que seja livre. Mamãe se põe de pé com o seu corpo baixo e um pouco acima do peso e beija-me de forma demorada na testa. — Pense bem no que você vai fazer, por favor. — Eu pensarei... obrigada por me proteger. — Eu te amo, filha. Meu coração de mãe morreria por você e pelo meu neto. Retribuo o seu beijo e ela se retira do quarto. Sozinha, eu limpo o rosto molhado de lágrimas, solto o ar dos meus pulmões e vou até o berço do meu menino. — Eu não vou deixar nada de mau acontecer com você — toco no seu rostinho delicado, sem evitar o choro. — Ouviu? É a única felicidade que eu tenho. Ninguém te fará mal. Eu sinto tanto, mais tanto nojo do Anton, que esses dois anos não puderam curar nem a ponta das feridas. Só me fez criar mais revolta e mais raiva. Eu não esquecerei, jamais. Fugi dele na manhã seguinte daquela atrocidade de noite. Me rasga o peito só em lembrar, eu quase não consegui chegar no casarão dos meus pais. Minha intimidade ardia, minhas pernas eram um peso morto. Eu andava descalço no meio da estrada, esperando que, a qualquer momento, um carro viesse e passasse por cima de mim e da minha cabeça. Pois a dor teria sido menor. Eu sofri tanto. Eu não queria vê-lo, olhar nos seus olhos. Não acreditava no que havia feito. Eu não acreditava que ele pudesse ser tão mal, que não pudesse sentir um pingo de amor. E, meses depois, descobrir da gravidez foi duas vezes pior e mais doloroso. Eu preferia a morte a voltar a morar grávida naquela mansão. Eu saí de Montes Do Sol e sairia de novo se fosse para proteger o meu filho! Ninguém daquela família o tocará! Nem saberá da sua existência! Eu lutarei até o último fôlego de vida! Dexter me deu um filho da pior forma que o homem que eu amava poderia ter me dado e eu não vou esperar a vingança de Deus. Eu só viverei tranquila depois de ver ele e a sua mãe rastejando de tanto sofrimento! Eu juro que farei todos eles comerem o pão que o diabo amassou! Os odeio! Sofrerão toda essa dor que eu sinto! Eu decidi ficar em casa, presa no quarto, mas meu pai subiu para me obrigar a ir até a fazenda do Dexter e me "devolver" a ele. Porém, quando eu disse que não ia, furioso, ele só não me bateu com o cinto porque eu estava segurando o bebê no colo. — Se você não vai voltar, continuará nesta casa só por mais um dia! Eu não quero aquele Dexter vindo nas minhas terras me ameaçar! Resolva os seus problemas sem mim! Não estou nem aí para você e para essa criança! Você é propriedade dele! Não restituirei um centavo do dinheiro da venda! — Por favor, eu não quero voltar. Eu não sou propriedade daquele homem. Me deixa ficar aqui com o meu filho? É o seu neto, olha o tamanhinho dele, é só um bebê. Não tenho para onde ir, pai. — Se conseguiu se virar sozinha por dois anos, ainda grávida e com um recém-nascido, pode continuar sem a minha ajuda e o meu dinheiro! Vocês dois são só duas bocas a mais! Procure a cabana caindo aos pedaços do seu avô! Aquele velho saberá o que fazer com vocês dois! Eu tento não chorar e apenas assinto com a cabeça. — Não se preocupe, eu irei hoje mesmo! — Ótimo! Já comece a organizar suas coisas, antes que eu faça! — Após esbravejar bruto, ele vira as costas, abandonando-me em lágrimas e com um aperto no coração. Coloco o meu menino no berço, pego a única mala com todas as nossas roupas e começo a reorganizá-la em meio aos prantos desesperado. Eu quem não quero ficar nem mais um minuto aqui. Achei que o meu pai tivesse mudado, que ele me aceitaria de volta com o bebê. Contudo, só soube me tratar mal desde que cheguei. Jogando na minha cara que eu e o meu filho somos só mais duas bocas para ele alimentar. — Filha, pelo amor de Deus, não vai embora! — Eu desço os degraus da escada com a mala e com o Gieber chorando nos braços — Não se mete, Judite! — Pare, Padilho! Você está expulsando a sua única filha e o seu único neto de um ano! Pense, é só uma criança! Kiara precisa da nossa ajuda! — Se você continuar a me contestar, sua porca velha, eu te bato com o cinto! E faça esse garoto calar esse berreiro! Minha mãe chora. Eu balanço a cabeça, encarando-a e ninando o Gieber. — Está tudo bem, mamãe, eu me viro. — Ah, querida, você sabe que por mim ficaria eternamente. Eu não vou suportar te ver indo embora e levando esse bebê indefeso. Eu amo vocês. Daria a minha vida pelos dois. — Eu sei, eu te amo. Mas preciso ir. — Eu também te amo. Vem, a mãe te leva até a porta. — Não demore, Judite! Te darei cinco minutos! Na porta principal, assim que eu saio para fora, a minha mãe me puxa ligeira para os degraus. — Venha... — Mãe? Ela, então, me para ríspida e afobada. — Escuta, um peão, filho de uma amiga minha da vila, está te esperando nos estábulos. Já combinei tudo com eles, com medo de uma hora ou outra o Padilho te expulsar e não ter para onde ir. O barraco do seu avô nem telhado tem direito. Não é seguro para ambos. — Voc... — Não, Kiara, não temos tempo! Anda, vai logo! Assim que eu tiver uma oportunidade de visitar vocês, eu irei! E acalme esse menino, tente escondê-lo! Ela me dá um beijo materno no rosto, outro no bebê e empurra-me com a mala para, em seguida, voltar correndo para dentro do casarão. Eu faço o que ela me mandou, sem olhar para trás. No caminho, eu deixo o Gieber mais calado e com sono. Acho que ele entendeu que qualquer lugar é melhor do que a casa do avô. Quando eu chego ofegante na porta de correr do estábulo, cheia de mato nos sapatos, eu vejo o tal rapaz me esperando ao lado de um cavalo da cor marrom. Ele tem uma barba grande e espessa. Sua estrutura não é tão alta, nem tão forte. É magro. — Boa tarde, senhorita Kiara — ele vem até mim e sem estender a mão, o homem de feição séria me cumprimenta. — Sou Francisco. Assinto, observando-o. — Sua mãe já deve ter lhe explicado tudo, me dê a mala. — Para onde vai me levar? — Entrego a mala de mão, enquanto o rapaz sobe no cavalo. — Para a casa da minha madrasta. Ela mora sozinha no povoado da vila, não se preocupe. Quer ajuda com a criança para subir? — Não! Eu não vou largar o meu filho! — Tudo bem. Tudo bem. Só coloque este lenço para que não seja reconhecida. Todos sabem como é a esposa do senhor Dexter. — Não precisa me lembrar de que um dia eu fui algo daquele homem. E também, não o chame de senhor. — Sim, senhora, desculpe-me. Com a consciência pesada de ter sido grossa com o rapaz, eu pego o lenço, enrolo na cabeça, só deixando a visão e o nariz para respirar. Então subo no cavalo com dificuldade, mas sem a ajuda dele. — Iremos rápidos. Aconselho a moça a se segurar bem. Atrás das suas costas, eu abraço o meu menino com segurança e vou assim durante as galopadas velozes conduzidas por Franciscoaté a vila. Eu fico nervosa com a proximidade a cada minuto. Ele é rápido. E em duas horas sem pausa, quando chegamos no povoado, eu já tive a sorte de reconhecer perto da igreja uma amada pessoa; a dona Maria, a cozinheira da fazenda Dexter. Ela conversa com algumas senhoras, suas amigas. Meu desejo todo era de descer, de dar um abraço apertado nela, dizer que eu dou valor a cada comida gostosa sua, que eu sinto saudades e que ela e Felícia foram um anjo enviado por Deus durante os meus três anos de moradia naquela luxuosa mansão. E que Anton, o menino que ela viu crescer, me machucou tão doloroso... que eu só não consegui me matar porque o meu filho estava sendo gerado para me dar um segundo motivo de viver. — Senhorita Kiara, é aqui. — Francisco se refere a uma casinha de madeira e de tijolos, onde para com o cavalo. Não sei nem explicar a dor nas minhas ancas. — Mas está tão perto da vila. Não está perto, é praticamente na vila. — Posso dizer que não tem lugar mais seguro. Confie em nós. A essa altura, eu confio e acredito que ele e a minha mãe não poderiam ter escolhido lugar melhor para me esconder. Francisco me apresentou a Rosa, a sua madrasta-mãe, que é uma ex- cartomante. Ao me receber, ela foi um verdadeiro doce de pessoa. Sua casa é simples, tem apenas quatro cômodos pequenos. A sala era o seu local de trabalho, ainda tem coisas bem coloridas e piscantes ao redor – sem falar das poltronas vermelhas. A cozinha tem uma mesa com duas cadeiras, o quarto em que eu ficarei com o Gieber só cabe a cama de casal e uma cômoda quebrada. O que já é muito do que eu queria, esperava e gostaria. Agradeço a Rosa do fundo do meu coração. TRÊS DIAS DEPOIS — A senhora acha que o meu pai está a impedindo, dona Rosa? — Ao me referir a minha mãe, o meu olhar fica cabisbaixo. — Não se preocupe, assim que a Judite tiver uma oportunidade de te visitar, ela virá. Sua mãe não lhe prometeu? — Sim... só que tem o Anton... Enquanto falo, Rosa me entrega um prato para eu me servir da bandeja de arroz doce, de açúcar queimada. — Ele disse que invadiria o casarão dos meus pais se eu não aparecesse na fazenda dele até meia noite. E já faz três dias. Eu estou preocupada. Acho que eu vou até lá. — É arriscado, Kia. Não posso permitir uma loucura dessa. E se os capatazes do Dexter te reconhecerem? Não, eu fiz uma promessa a Judite de que não te deixaria correr nenhum risco. Eu respiro fundo, mexendo a colher no prato de doce. — Talvez a minha mãe tenha razão; eu preciso enfrentar aquele homem para conquistar a minha liberdade em Montes Do Sol. Essa é a minha cidade natal, é onde eu nasci e fui criada. Não é justo eu ficar fugindo igual uma criminosa. Não devo nada a ninguém. Rosa consente. — Concordo. E o que pensa em fazer? Sabe que não pode se esconder para sempre. — É isso, eu não sei o que fazer. Agora tenho um filho. E seria arriscado revelar a sua existência. Anton é rico, milionário, poderia tirá-lo de mim. Eu conheço ele, talvez faria isso para não me deixar em paz. — Se ele não quer te deixar em paz é porque ele te ama, certo? — Não, errado! Ele não me ama! Ele é um homem ruim! — Eu brado com raiva. — Ele me feriu, Rosa! Anton me traia, o amor dele foi uma mentira! — Ei, meu bem, eu sinto muito, Kiara. Não era a minha intenção te entristecer ou ofendê-la. — Está tudo bem, eu quem peço desculpas por ter levantado a voz. — VÓ, SENHORITA KIARA! — nos assustando, o neto de doze anos da Rosa aparece repentinamente abrindo a porta da cozinha com toda a violência e vindo ofegante até nós. — Que isso, Miguel??? — O-o pai Francisco mandou eu vir urgente dizer que o senhor Dexter descobriu que a Kiara está aqui! E ele já chegou na vila! — O... o quê??? Eu coloco a mão na boca. — Ele disse que o senhor Dexter ofereceu dinheiro ao Padilho, para ele contar o seu paradeiro. E Padilho vendeu a informação depois de obrigar a esposa a falar tudo. — Meu pai fez isso?! Meu Deus, eu tenho que sair daqui, Rosa! Me ajuda! — Você não vai conseguir Kia! É melhor se esconder no quarto! — E o Gieber? — Arregalo os olhos, apavorada. — Deixe-o dormindo no colchão. Anton não invadirá a casa. E caso faça, eu chamarei a polícia. Vá, se esconda, menina! — Confirmo. E sem falar mais nada, eu corro para me esconder; fecho a porta do quarto, trancando-a e colocando-me atrás dela. Observo de longe o meu pequeno menino que cochila sem as maldades do mundo. O que eu faço se for o Anton? E se ele tiver me achado? Não sei se terei força para enfrentá-lo. Eu não sei! Em meio ao silêncio do ambiente, não demora e ouço vozes masculinas vindas da sala. Meu senhor... eu abraço o meu corpo, rezando para que não seja ele. E se for, que esse homem não invada os quartos. Não queria vê-lo agora, não queria que ele me encontrasse e nem soubesse da existência de Gieber. Não assim, sem eu me preparar antes. Os minutos se passam tortuosos e as vozes somem. Nervosa, eu fico apreensiva, com o coração prestes a saltar da caixa do peito. Até que um par de sapatos soa do curto corredor. Em seguida, dois toques são batidos na madeira da porta, chamando-me baixinho. — Kiara... minha querida. Sou eu, pode abrir — meu coração, que acabara de descer garganta abaixo, se alivia em imediato com a voz da dona Rosa. Eu abro para ela, tremendo as mãos. Rosa entra no quarto, liga a luz e encara-me. Sua face é de desespero, de culpa. — Desculpe-me, Kia. Mas você não pode mais fugir, nem se esconder. É o Dexter, ele está lá na sala com o delegado. Eles querem falar com você. CAPÍTULO 2 Meu mundo desaba. — Me perdoe, Kia. Por favor. — T-tudo bem... — Deixe o Gieber aqui. Se recomponha, não mostre vulnerabilidade àquele homem. Se ele te machucou e te magoou tanto, não seja fraca. Você precisa dar a volta por cima, entendeu? — Eu limpo as lágrimas, respirando em meio ao desespero. — Está pronta? — Nunca estarei! É difícil, eu não queria vê-lo, eu não queria encarar seus olhos! Eu não queria nada, só paz! — Mas é por isso que você precisa lutar pela sua liberdade. Uma hora ou outra, você teria que enfrentá-lo. Ele trouxe o chefe de polícia. Agora venha, eu não vou te deixar sozinha. O mais doloroso é saber que a Rosa tem razão. Por isso, eu engulo em seco, dou uma última olhada no meu pequeno Gieber, que dorme... e saio do quarto, acompanhando-a até a sala com as pernas bambas. Meu Deus... Quando atravessamos o portal de cortina de pedrinhas vermelhas, eu levanto a cabeça, sentindo uma apunhalada que me dói no mais profundo da alma e enfrento as suas íris acinzentadas, de olhar bruto e desesperador. Ele continua o mesmo homem forte, alto, robusto e revestido sempre das suas jaquetas de penugem animal e as botas pretas. Eu o odeio tanto! O odeio com toda as minhas forças! — Kia... — Ele tenta se aproximar, só que o delegado o impede. — Não, não chegue perto de mim! — Me afasto para trás. — Dexter, um minuto, não a assuste. Eu preciso conversar com a sua esposa. — O senhor está enganado, eu não tenho nada para conversar! Nem com o senhor, nem com o meu ex-marido! — Ex-marido? — Seus olhos ficam semicerrados, seu peitoral se infla, nervoso. — Eu preciso falar com você! Foram dois anos! — Eu já disse que não tenho coisa alguma para falar com você e nem com ninguém! — E vai continuar fugindo? Acabou, Kiara! Chega de se esconder! Seu lugar é ao meu lado! — Não! O meu lugar é onde eu quiser estar! E eu nunca mais vou voltar para aquele inferno de casa! Nem para o seu lado! Eu te detesto! — Senhorita Dexter, por... — E não me chame por esse sobrenome! Eu tenho nojo, raiva, ânsia! Saiam daqui! Vão embora! — Kia, não faça isso, se acalme. — Rosa segura o meu braço. — A situação não será resolvida com ignorância. Estamos de frente para uma autoridade. — É claro que estamos, todos lambem os pés do "senhor Dexter rico". — Chega! Você vai embora comigo agora ou... — [...] ou o quê, seu cafajeste? — O interrompo. — Diga? Vai me amarrar aos pés de uma cama? Me acorrentar? Amordaçar a minha boca? — Eu não vou fazer nada disso! Vocêsabe que eu não sou desse jeito! — Senhorita Kiara, por favor, não vamos levantar o tom das vozes. Eu quero resolver isso o mais amigável possível. Por isso, pegue as suas coisas e acompanhe o seu esposo. — Como podem ser baixos? Está vendo o que eu disse, Rosa? Até as autoridades lambem o chão desse homem! E eu não vou! Eu não sou obrigada! Eu não vou voltar para aquele inferno! Já disse! — Não desafie o poder máximo dessa vila, mulher! — Impedindo o Anton de falar algo, o delegado mostra as unhas ao se aproximar me enfrentando de forma rude. — Ou sou eu quem posso prendê-la por desacato! — Que se dane, me prenda para ver se é macho mesmo! Vai, faça isso! Ele abre os dentes amarelos, furioso. — Kia... não haja desta forma! — Rosa continua a me segurar. — Pare, você tem noção que não pode ir presa! — E eu não posso ir para a casa dele! — Aponto para o Anton. — Senhor delegado... Dexter... me deem um minuto para conversar a sós com ela na cozinha. Por favor? — Ótimo. Vá e a convença da melhor escolha. Estaremos aqui lhe aguardando, senhorita. Kiara. Rosa me puxa à força até a cozinha. — Por que está defendendo eles? — Ao pararmos, eu esbravejo brava contra ela. — Porque eu quero o seu bem, menina. — Eu odeio ele! Isso não é querer o meu bem! — É sim, eu não posso te deixar ir presa. Pelo amor de Deus, se acalme. Pense no seu filho. Na sua mãe. Não se comporte descontrolada. Suas palavras me fazem colocar as mãos no rosto, desabando a chorar. Ela me abraça, acariciando os meus cabelos. — O que eu faço, dona Rosa? O que eu faço? Que angústia! Que desespero! — Não tem escolha. Você precisa revelar o bebê para pedir o divórcio. — Não, eu não posso revelá-lo. — Então aprenda a ter aquele homem na palma das suas mãos, Kia — ela sussurra, afastando-me para limpar as minhas bochechas. — Você não conhece ele para estar falando isso! Anton nunca me amou e poderia maltratar o meu filho! Ele odeia crianças! Ele me traia e vai continuar pisando nos meus sentimentos! — Escute, é isso ou ser presa e perder a guarda do seu filho. Aquele delegado é amigo do Dexter. E você não deve se separar do Gieber. Você não é mais a menina inocente que me contou ontem, Kiara. É uma mulher batalhadora, sofredora e que vai sair por cima dessa. Pode não ser hoje, amanhã ou depois, mas você vai sair dessa. Seja forte, enfrente os monstros pensando nas pessoas que te amam de verdade. Me prometa pela sua mãe? Ela gostaria que a sua decisão fosse com o seu filho acima de qualquer escolha. — Sem respondê-la, eu apenas limpo o rosto. — Kia, diga algo? — E-eu estou pensando, Rosa. — De coração, espero que os seus pensamentos sejam o correto. Sem dizer mais nada, ela pega na minha mão e com calma, pede para retornarmos a sala, onde eles nos aguardam. Eu concordo. — Senhorita Kiara, temos uma decisão? — O delegado logo se direciona, perguntando-me sério antes mesmo de eu parar de andar. Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha, encarando a face bruta de Anton. — Por uma condição. — Qual? — Ele retribuiu a visão severa. — Eu quero um quarto separado! Ele confirma com a cabeça, sem contestar. — Sem demoras, senhorita Kiara, poderia pegar as suas coisas? — Não acabei... t-tem mais uma coisa... — meu coração se exprime. — O que é, Kiara?! — Verá... — eu dou uma última olhada assustada para a Rosa. — Eu já volto... — Já traga as suas malas. Sem replicar o Anton, eu viro as costas para eles, indo apavorada até o cômodo onde o Gieber dorme. Me doí ter que tomar esta atitude, é uma apunhalada nas minhas próprias convicções, pois prometi a mim mesma que a família nojenta "Dexter" não saberia da sua existência, mas sei que só desta forma eu poderia me vingar deles! E farei todos comerem lama, direto do chão! Eu juro que farei! Jogo as coisas de qualquer jeito na mala, fecho-a, cato o meu filho já acordado no colchão e antes de ir, analiso-o no reflexo do espelho, observando o seu rostinho inchado. — Eu vou te proteger nem que isso seja a última coisa que eu faça em vida, meu filho. A mamãe promete! — O beijo na bochecha, enxugo meus olhos molhados e saio tomando coragem para atravessar as cortinas pela terceira vez. E trêmula, assim que eu atravesso, volto para o meu pior pesadelo em forma de homem. Anton vira o semblante, arregala os olhos e demonstra choque, incredulidade. Ele engole em seco, sem saber como reagir. O delegado fica boquiaberto. — A próxima condição é de você não negar nada para o meu filho! Nem um leite que seja! — O que é isso? De quem é essa criança, Kiara?! — É minha, só minha! — O aperto forte nos braços. — Você não me queria de volta naquele inferno de mansão? Vai ter que suportar o meu filho! Bravo, ele cerra os punhos. — Dexter... — O delegado o encara, esperando o veredito de sua palavra. — Vamos! Olho para a Rosa, palpitando de todos os medos e angústias possíveis. Ela sorri fraco e nervosa, pega na minha mão, ajuda-me com a mala e acompanha-me atrás deles. Para a nossa bela sorte, as fofoqueiras de plantão da vila já estavam paradas do outro lado da rua. Agora todos sabem que a "mulher fugitiva do Dexter" voltou. E eu odeio tanto esse monstro que nem consigo me expressar com palavras! Ele me feriu! E ter que revelar o fruto daquela noite horrível... ah, isso me dói. Eu me sinto humilhada, julgada como a errada por todos esses curiosos. — Eu voltarei para te visitar, Rosa! — Esbravejo, demonstrando que a minha liberdade começará em breve. Ela chora, beija o topo dos meus cabelos e os do Gieber. — Já peguei amor por ti, menina. As portas da minha casa sempre estarão abertas para você e para este garotinho bonito. — Obrigada, você é maravilhosa. Triste, retribuí o carinho, respirando fundo e então, virando para ir à força até a caminhonete estacionada perto do meio fio, com o Anton me aguardando dentro. Ao entrar no banco de trás, o delegado fecha a porta, joga a mala na traseira e dá duas batidas na lataria do carro. Eu abraço o Gieber, assistindo a Rosa e o chefe de polícia ficarem para trás, enquanto o homem ao volante me leva embora sem um pingo de culpa no coração e talvez... nem na consciência. — De quem é essa criança?! — Durante o percurso na estrada de chão, eu sou surpreendida pelo tom da sua voz bruta. — É minha, eu já disse! — Quem é o pai? — Ele não tira o foco do espelho retrovisor. Meu coração dispara, fico nervosa, trêmula. Sinto vontade de chorar, de bater na cara dele como eloquente. Isso ainda dói, meu Deus. E cada vez que eu o encaro, uma agulha perfura mais essas feridas incuráveis. — Você não tem o direito de me fazer esse tipo de pergunta, Anton! Você sabe que não tem! Meu caráter não é o mesmo que o seu! Sem saber mais o que dizer, ele aperta o volante e fica quieto. Eu fecho os olhos, escondendo as lágrimas que fogem sem eu impedir. Quando eu chego na fazenda, todas as lembranças infelizes voltam. Eu quero correr, fugir. Esse lugar nunca foi palco de alegrias, apenas dos meus pesadelos e traumas. Anton não desce, continua sentado no banco. — Kia... — ele suspira, buscando palavras. — Não precisa dizer nada. Eu quitarei o valor do dinheiro que pagou em troca de mim. E terei a minha liberdade longe de você e dessas terras. — É minha esposa! — Bravo, é apenas o que ele diz, após abrir a porta e sair do carro pegando a mala da traseira com ferocidade. E assim que a coloca nos degraus de concreto, ele volta para abrir a minha porta. Ao abri-la, eu aperto o meu pequeno bebê com força, enfrentando-o. Dexter nem olha para o Gieber. É como se fingisse que ele não existisse. E eu não sei o porquê isso me dói. — Se para tê-la aqui, eu preciso cumprir o que me pediu na casa daquela mulher, então que seja! — Você não tem esse direito! — Eu sei que eu não tenho direito nenhum! Contudo, a partir de agora, você não vai mais embora! CAPÍTULO 3 Eu desço do carro com a frase de Anton fixada no meu subconsciente: "mas a partir de agora, você não vai mais embora". Me doí na alma. Pois o que esse homem fez não tem perdão. Jamais serei capaz de perdoá-lo.É uma ferida aberta, incurável. Não existe remédios ou antídotos. Não sou a mesma inocente de antes. Ao pisar nos degraus da escada de concreto, eu continuo abraçada ao meu pequeno. Anton passa por mim, indo até a porta da mansão com a mala. Eu respiro fundo, criando forças para não sair correndo. Às vezes, acho que eu não terei capacidade de me vingar do Dexter. O que ele mais ama nesta vida? O que destruiria os seus pontos fortes? O que o levaria a se rastejar na lama de tamanha culpa? O que me aliviaria esta dor? — Eu preciso conversar com você, Kiara — após abrir a porta e eu entrar desconfortável na sala rústica da casa, que continua idêntica ao dia em que eu fugi, Anton para, encarando-me sem traços específicos. Nada de tristeza ou de arrependimento. Ele me olha indiferente. Também para o Gieber. E percebo o que "precisa" tanto conversar. — Diga de uma vez o que você tem para conversar! Quer saber o quê? O porquê de eu ter fugido? Ele fica nervoso e o medo dele tocar no assunto daquela noite me apavora, acelera o meu coração já descompensado. Eu ainda estou frágil. Eu sinto que não suportarei. — É sobre essa criança nos seus braços. — Eu já falei, ele é o meu filho e ponto final! — As coisas não funcionam simples assim! Quem é o pai? — Seus músculos se contraem igual na residência de dona Rosa. — Por onde andou? Eu preciso saber! — E vai fazer alguma diferença? Você não se importa! Você nunca se importou comigo e com o meu bem-estar! Eu sempre fui apenas a mercadoria comprada para assumir o título de "esposa do sr. Dexter". A "srta. Dexter", a coitadinha pé rapada e iludida, filha do bêbado do Padilho e da criadora de porcos, submissa dele! — Não omita, eu te tirei daquela vida escravizada pelo seu pai! Em nenhum momento, te faltou nada nesta casa! Eu te dei tudo o que poderia dar! Sabe disso! — Mas me faltou, Anton! Me faltou tudo! Você mentiu para mim durante três anos! Você me comprou como a sua esposa porque eu era uma burra sem educação, nunca tive coisa boa, nunca andei de saltos ou de joias igual a maldosa da sua mãe! Quando eu vim para cá, morar na sua mansão luxuosa, nem dois pares de sapatos eu carregava direito! E sabia que eu não me interessaria pela sua fortuna milionária, pois, diferente das filhas das madames da redondeza, a "selvagem do mato" aqui só queria amor e ser feliz! Só que você se fingiu de príncipe dizendo que me daria tudo isso, para, no final, unicamente me usar, me ferir, me magoar! E eu fui uma idiota! Uma boba miserável do interior! Eu tenho raiva de você! Eu tenho raiva das suas traições e das suas mentiras! O odeio! — Sr. Dexter, eu escutei a voz... — Sem esperar, interrompendo o Anton de abrir a boca, graças a Deus, Felícia surge do ambiente onde fica a mesa de estar. E ao me ver, ela arregala imediatamente os olhos, em choque. — Ki-Kiara? Eu tento não chorar, mantendo o meu filhinho em segurança no meu colo. Ela olha para o meu pequeno, em seguida, corre até mim. Eu fico feliz. É a primeira vez que eu sorrio desde os poucos minutos em que pisei os pés nesta sala. — Kia! — Ela me abraça de mal jeito por causa do bebê. — Saudades, Felícia! — Meu Deus, é você sim! — Quando ela se afasta, analisa assustada o Gieber, pegando na sua mãozinha. — E que criança é essa? Olha o tamanhinho dele. É um menino. É o seu filho e do... — Por favor... Tremendo, eu balanço a cabeça para ela, suplicando que não me questione nada. Aperto o seu pulso e ela estranha, porém, ao virar o semblante para o Anton, cala-se sobre a existência do Gieber, mesmo ele falando palavrinhas de bebê altas demais e chamando atenção. — Aproveitando que apareceu, leve a mala de Kiara até uns dos maiores aposentos de hóspedes, Felícia! — Anton manda e eu também aproveito a oportunidade para não ficar nem mais um minuto na presença dele. — Eu gostaria de acompanhá-la para o quarto. Não tenho mais nada para conversar! — Você ainda não me respondeu, Kiara! — Eu já disse que não tenho nada para conversar! Desvio-me de Anton, olho aflita para a Felícia e de cabeça erguida, começo a andar até a escada de madeira. — Você não me queria de volta neste inferno? Agora cumpra a sua palavra de não negar nada para o meu filho! E nem para mim! Ao concluir as minhas palavras valentes, eu viro as costas e começo subir os degraus com um aperto de tristeza, não evitando pensar no primeiro dia em que eu cheguei na mansão. Eu subi as escadas com o meu vestido de pobre e as sandálias de mendiga, como a víbora da Lorenza vociferou ao me ver no final dos corredores. Nunca na vida eu recebi tantos insultos baixos. Eu era e sou pobre sim. No entanto, jamais me vesti da forma que ela sempre me humilhava. Quando eu morava com a minha mãe, era ela quem criava as minhas roupas e até arriscava o serviço de sapateira. Após ser comprada por Anton, aos dezessete anos de idade, foi então que eu conheci o luxo. Ele me deu de tudo do bom e do melhor, me levou até na capital para morarmos por quatro meses e eu virar "madame de saltos". Não nego que me encantava. Eu realmente criei um lado mais refinado. Só que isso nenhuma vez foi motivo das minhas origens se perderem. Anton me comprou no mesmo dia em que o meu pai começou a me oferecer pelos arredores feito uma vaca pronta para o abate e, ao sermos apresentados, eu fiquei sem chão, sem cara e sem bochechas diante do porte daquele belo homem forte, robusto e musculoso. Ele era... e é bonito (hoje sei que só por fora). Ele se apresentou, me disse o seu nome, o sobrenome e acrescentou o quanto eu era linda. Eu me encantei. Papai igualmente iludiu a minha consciência sobre o Anton ser um cavaleiro, rico e solteiro — o que tanto faz, querendo ou não, eu sabia que seria obrigada a me casar com ele. Meu pai me bateria até eu esquecer como se andava. Pois a oferta era boa e tiraria a nossa "família dos porcos" da miséria das dívidas. Ai de mim se não aceitasse. Eu estava iludida, feliz, sonhadora, apaixonada pelo "sr. Dexter perfeito". Até que, um ano depois de casados, eu caí em si sobre o verdadeiro amor dele. Eu era a única que sustentava a nossa relação. Eu era a cega, a burra que se rastejava para ter um pouco de carinho do próprio esposo. Anton me via como uma menina sem experiência, pouco suficiente, descobri isso quando eu senti o primeiro perfume feminino na sua camisa, quando eu achei preservativos usados no carro, após ele viajar aos finais de semana para a capital com os seus irmãos festeiros e voltar sem explicações. Mas que se dane, eu não queria acreditar no óbvio. O amava. Eu poderia aguentar aquilo só com o meu amor. E se eu tivesse um filho para cuidar, um pequeno fruto nosso, já que todos os seus "amigos" estavam o cobrando com piadas, não faria mal. Era o meu sonho ser mãe. Contudo... Anton odiava, detestava me ver pedindo isso. Brigávamos quase sempre, em meio aos berros, para os empregados escultarem. Até que ele explodiu e da pior forma possível, me deu o que eu desejava... sem pensar nas consequências que me rasgariam o peito o restante da vida. — Kia, esse menino é filho seu? — Ao entrarmos no quarto, antes de fechar a porta, ela pergunta apavorada. — É filho do Anton? Foi por isso que você foi embora? Pois estava grávida do sr. Dexter? — Não, Felícia, ele é só o meu filho! — Eu me sento na cama, admirando angustiada o ambiente bem chique e organizado, conforme eu deixei a dois anos. Parece que nada mudou. — Anton odeia crianças... você sabe. Eu só estou assustada. Não consigo entender; você desaparece um dia e depois de dois anos volta com um bebê. — Não há o que ser compreendido! Só saiba que o seu patrão é um monstro e que nada ficará impune! Gieber não tem pai! Ele só tem a mãe que o gerou! — Kia, foi por isso que você foi embora? — Anton sabe desde o início o porquê de eu ter ido embora. Eu não posso te contar, Felícia. Não me pergunte nada, eu te imploro. — Tudo bem, doce menina — ela limpa as bochechas molhadas. — Eu não insistirei. Só fico feliz, muito feliz por ter voltado. Providenciarei todas as suas coisas para estequarto. — Eu só quero um berço, fraldas, leite, entre tantos outros mantimentos que o meu filho necessita. Ele não vai me negar nada. — Eu estou apavorada, Kia. Anton e essa criança... Os choros dele... — Felícia observa o Gieber nos meus braços. Ele mexe com o meu cabelo, balbuciando. — É isso o que eu não aceito! O que aquele homem tem contra um serzinho tão inocente como esse? O que aquele monstro tem? — Não diga isso. Saiba que o patrão ficou maluco te procurando. Passava noites em claro pela mansão. Ele mudou. Depois que você sumiu, o Sr. Dexter não foi o mesmo. Até chegou a expulsar os irmãos da fazenda. Parou de ir para a capital. E ia só para ter informações suas com os detetives. — Eu não acredito em nada. Você sabe que ele vivia me traindo. Saindo a noite para tomar chope e aproveitar das mulheradas fáceis. Anton nunca me amou. Eu sou apenas a esposa necessária dele. E eu vou me vingar! Eu Juro! Anton Dexter Isso não passa! Olhar nos seus olhos foi duas vezes pior! E agora ela tem aquilo consigo! Não é possível que seja filho meu! Eu não aceito! Eu me levanto da cadeira do escritório e chuto a mesa, em seguida, saio da sala. — Onde a Felícia está? — Pergunto para a nova empregada que estava cantarolando e limpando o assoalho. Ao me ver, ela se cala, erguendo-se de mal jeito e encarando-me nervosa e chocada, com as bochechas evidenciando a vermelhidão. — E-ela acabou de descer a escada para pegar algo na cozinha, senhor. Consinto calado, agradecendo a informação e sigo para a cozinha. Ao entrar no local de pisos de ladrilhos, encontro a Felícia preparando uma bandeja de alimento junto da Maria, a cozinheira e a mãe do Gael, meu amigo de infância. E sem demora, eu não meço as palavras. — O que a Kiara disse para você, Felícia? — Senhor Dexter! — Assustadas, elas duas colocam a mão no peito, virando em minha direção. — Desculpa, senhor... eu... eu não entendi? — Kiara disse por onde esteve e de quem é aquela criança? — K-Kia não disse — Felícia gagueja, desviando dos olhos pávidos de Maria. — Ela só falou que o senhor sabia o motivo dela ter ido embora. E eu sei! E mesmo tendo Kiara aqui perto de mim... isso não passa! Essa droga de prisão continua! — Mais nada? Só isso? — Sim, senhor... só isso. — Então, a partir de hoje, eu quero que você me conte tudo o que conversarem a este respeito! Também você, Maria! Quero que as duas descubra por onde ela andou! Entenderam? — Por onde "ela" andou, quem? Do que está falando, Anton? Minha mãe aparece ao meu lado, sem qualquer aviso e eu continuo vidrado nas duas senhoras, que apenas concordam quietas com a cabeça. — E não precisam servir o meu jantar. Com licença! — Anton, você não... Eu viro as costas, indo até as escadas ao deixar Lorenza falando sozinha. E quando eu chego no corredor do andar de cima, eu paro, tiro o chapéu, passo a mão pelo rosto e pela barba, tentando controlar os nervos. O que Kiara relatou a poucas horas é verdade, eu precisava de uma esposa sem menor interesse em me extorquir. Eu precisava de uma mulher boba e que fosse literalmente do mato. Pois eu nunca quis me casar, eu só tinha vinte seis anos, eu gostava de ser solteiro, de ser livre, de apenas me importar com os estudos. Era o meu pai quem me infernizava o tempo todo sobre a importância do casamento nos negócios. No "reinado Dexter" das terras e das nossas madeireiras na capital. Ele sofria de leucemia. E foi num dia antes da sua dolorosa morte, agonizando na cama do seu quarto, que Rangel Dexter me fez prometer de joelhos um casamento com uma moça digna, honrada, modesta, humilde e que fosse o completo oposto da mercenária que ele amou; a minha mãe. Ele me fez jurar isso em meio às lágrimas, enquanto eu acariciava a sua cabeça careca das quimioterapias. Sendo aquela a sua última noite em vida, eu jurei, eu assegurei que jamais descumpriria a minha promessa de achar a tal noiva que ele desejava de mim! E Kia é a minha esposa, é dela que meu pai se orgulharia se estivesse vivo! Só que... Eu soco a parede, antes de sequer abrir a porta do quarto. Não das minhas atitudes! Se ele soubesse o desgraçado que eu me tornei! Rangel não me veria com os mesmos olhos de orgulho! Meu pai diria que os seus esforços foram em vão! Que as suas mãos machucadas de carpir e plantar sementes, as queimaduras nas costas, os calos nos pés... tudo o que sofreu para ter uma vida melhor, o seu único filho não era digno! Eu o decepcionei. Jamais serei como ele. Jamais terei a sua compaixão, o seu amor, a sua forma "poeta" de viver rimando as coisas boas e bonitas. Eu sou o oposto de um homem bom. Eu sou um animal que talvez nem Deus tenha clemência do fim! CAPÍTULO 4 Na manhã seguinte, ansiando por uma conversa séria com a Kiara, após tomar banho, eu me visto e vou até os seus aposentos. Bato na porta, aguardando alguma resposta, e quem me abre é a Maria, a cozinheira da mansão. — Senhor Dexter? Bom dia. — Bom dia, Maria. Kiara está ocupada? — Não, ela só está terminando de se arrumar. Eu vou deixar vocês a sós, com licença, senhor. Ao passar por mim, eu pigarreio e entro devagar, avistando a mulher mais doce que eu pude conhecer na vida. Ela está diferente. Quando a conheci, suas maçãs do rosto coravam por tudo, por apenas um elogio ou uma pequena atenção minha. Era inexperiente, inocente, sem malícias, curiosa e sempre habilidosa e disposta a aprender coisas novas, mas hoje ela mudou. Agora, olhando nos seus olhos, eu vejo dor, raiva, mágoa, revolta. Ela me odeia e não posso recriminar esse sentimento. — O que quer, Anton? Eu analiso a roupa chique do seu corpo, os saltos — o qual ela odiava usar até na capital —, o vestido verde, apertando as suas curvas avantajadas (diferente da sua magreza de alguns anos atrás). Ela está quase irreconhecível. Kia me olha, colocando os brincos, após soltar os cabelos loiros, meio cacheados. — Eu vou perguntar de novo: o que você quer aqui?! — O rompante na sua voz me deixa nervoso. — Nosso assunto não acabou. — Realmente não acabou. Eu preciso de uma máquina de costura. Essas roupas não estão cabendo mais em mim. Era da época em que eu ainda mantinha o nosso casamento "feliz", sem comer, sem beber, sofrendo amargurada pelos finais de semana recebendo chifres! Seus olhos ficam vermelhos, bravos. Eu respiro fundo, não querendo discussões. — Não precisa de máquina de costura, peça para alguém te trazer roupas novas. Ligue para alguma loja da capital. Eles não te negaram nada. — E o berço? — Ao ser direta, sem rodeios e sem me encarar, Kiara passa as mãos pelo vestido justo. Eu, então, noto o seu olhar direcionado a criança que dorme de bruços na cama, cercada por travesseiros. Engulo em seco, mordo o maxilar e não respondo. — Você prometeu que não negaria nada para o meu filho, nem um leite sequer! — Ela levanta o rosto, perspicaz. — Não me disse quem é o pai dessa criança, nem por onde você andou esses dois anos! — Pois você não tem esse direito de pergunta! — Ela cospe as palavras. — Por mim, eu nunca mais olhava na sua cara! É um monstro! Eu odeio você! E se me quer de volta vivendo na mansão, terá que me suportar ou me mandar embora! Caso contrário, arrumarei um jeito de te devolver o dinheiro da compra! E serei livre! — Eu não quero dinheiro nenhum! Você é minha esposa! E não vai embora desta casa! Descarte o "serei livre"! Daqui, você não sai! — Desta vez, furioso, sem a resposta da minha pergunta, eu esbravejo alto e viro bruto as costas, abandonando-a no quarto. Ela não vai embora! Eu jamais deixarei! Kiara Dexter Sem evitar as lágrimas, eu me sento no colchão com vontade gritar, berrar! — Eu te odeio, Dexter! Eu quero que você rasteje de dor, que sofra em dobro isso aqui apunhalado no meu peito! Ao dizer estridente, faço o meu pequeno Gieber acordar. Tremendo, eu me recomponho e aproveito para dar um banho morno nele. Meu menino só tem seis peças de roupas e fraldas de pano. Anton terá que pagar a sua promessa. Eu quero dar tudo ao meu filho! Ele não me queria de volta?E eu voltei! E para me vingar! — Oi, bom dia, Felícia! — Na sala de estar aberta, eu vou até a mesa do café e vejo-a organizando vários pães deliciosos na cesta do meio. Está até parecendo um banquete de tanta coisa gostosa. — Oi, doce menina. Bom dia para você e para esse pequeno no seu colo. Está tão bonita — ela me analisa. — Nem parece a mesma pessoa. — A mesma selvagem do mato sem bom gosto e classe? — Não, eu não quis dizer, isso. Desculpa se... — Tudo bem, Felícia — dou de ombros, sendo sincera. — Eu mudei mesmo. E usar essas roupas chiques, apertadas, os saltos, tudo faz parte da minha nova pessoa. Eu não sabia antes como era ser uma mulher de verdade, não gostava de estar dentro de tão pouco tecido, você compreende. Ainda mais tão apertado e justo. — Não, Kiara, de forma alguma, isso é ser "mulher de verdade". Ser mulher vai além de vestir uma roupa chique, justa e que atiça a mente dos homens. É o caráter, doce menina. É o coração bondoso, a humildade, o amor pelo próximo. É a sua autonomia, a sua voz séria, o poder de vencer os preconceitos. Vai muito além. — Eu continuo tendo amor pelo próximo, humildade e tudo o que disse. Nada mudou, exceto a minha inocência! Eu fui boba, burra demais. Isso me fez descobrir da pior forma possível que as pessoas podem ser ruins, maus, aproveitadoras e tudo de pior! Felícia balança a cabeça, apenas suspirando calma. — E a sua essência boa continua, isso não muda. Agora sente-se para provar do bolo de fubá. Você gosta e Maria preparou com muito carinho. Só não sei se a dona Lorenza vai aprovar. Ela diz ser comida de pobre. É capaz de até tacar o prato no chão. Eu arregalo os olhos, sentando-me dura na cadeira. — L-Lorenza? Você disse Lorenza Dexter? O que essa bruxa faz aqui? — Minha mente vai direto ao meu filho, a protegê-lo, a não deixar que essa infeliz chegue perto dele! — Perdão por não ter lhe contado ontem. Você tinha acabado de chegar e os ares estavam estranhos. Igualmente sei como vocês se odeiam. — Eu não a odeio! A detesto! É uma perua! Uma mege... — Oras, que coincidência, acho que temos algo em comum, minha querida nora fugitiva — ao cruzar o portal rústico, Lorenza dá o ar da sua presença insuportável no momento em que eu e Felícia falávamos "bem" da mesma. — E olha, ainda volta com um bastardo sem pai nos braços. — Cala a matraca, sua velha! Não abra essa boca para falar mal do meu filho! — Velha é a porcada da sua família, sua interesseira! Voltou a procurar o meu filho Dexter porque estava mendigando por aí com essa criança, fruto de adultério! Eu me levanto pronta para voar sobre ela, mas a Felícia vem rápida até mim, me segurar. — Kia, você está com o seu filho. Calma, não dê ouvidos a ela. — E o que está dizendo, Felícia? Você é apenas uma empregada que tem o único dever de servir a sua patroa! Anda, organize esta mesa direito! — Não a trate assim! Você não manda nesta casa, nem nos empregados! — Ah, e quem manda, você? Anton não seria capaz de te dar poder — ela ri, sentando-se com a sua arrogância e "superioridade" de frufruzinha. — Não depois de aparecer com um pirralho bastardo! Ele vai sumir com vocês dois! Vai tacá-los na sarjeta do mato, como os selvagens que são! — Pois saiba que foi o monstro do seu filho que rastejou atrás de mim! E é ele quem terá que te tacar na sarjeta, sua bruxa arro... — O que está acontecendo aqui?! — Uma voz brada alta, fazendo- me calar. Anton aparece caminhando com a sua estrutura forte, de chapéu e olhar intimidador. — Senhor, é a sua mãe — Felícia diz rapidamente. — Não sou eu! Mande essa sua empregadinha ficar quieta! É a selvagem da sua "esposa" que está me atacando! Você não deveria ter aceitado essa adultera de novo! — Cala a boca, ratazana velha! — Pare, Kiara! — Ele manda. — E é a última vez que eu quero ouvir a sua voz durante o café, Lorenza! — Me respeite, eu já disse que sou a sua... — Não devo respeito a quem nunca teve respeito por ninguém! Chega! Ela fecha a matraca e olha-me furiosa. Eu arqueio a sobrancelha, satisfeita por vê-la rebaixada. Velha nojenta! Maldosa! Anton me fita e eu desvio, voltando ao meu assento bem distante deles. Seguro o Gieber, dando o seu mama na mamadeira nova que ganhei da Rosa durante os três dias em que fiquei morando na sua casinha acolhedora, e tomamos o café quietos, exceto pela bruxa da Lorenza que volta a falar. Eu não suporto esta mulher! Ela é horrível! Ela vivia colocando na minha cabeça sobre o Dexter não me amar, de ele preferir mulheres mais vividas, mais experientes e por isso iria me trair, me trocar por uma outra rica, de classe alta, bonita e que soubesse usar pelo menos um salto refinado. Diferente de mim, pé rapada, pé sujo, porca, selvagem e com doenças de pobres. É por isso que a metade da minha vingança será contra ela! A humilharei como fazia quando eu ainda era uma menina inocente das suas maldades proferidas em meus ouvidos e cega de amor por Anton, sem capacidade de negar os seus chifres. Os dois pagarão caro por seus pecados! Esses anos me deram a visão do que são as verdadeiras pessoas e de como algumas podem ser piores do que o próprio diabo. Eu passei fome, roubei, fui escravizada em fazendas, realizando serviços braçais para me manter até o final da gestação sobre um teto de palha que fosse. E... e por pouco, eu não fui abusada... de novo — meu coração aperta. Se não fosse por uma moça desconhecida, aqueles três peões teriam realizado as suas atrocidades no meu corpo de grávida. Eles eram ruins, sem pena. E eu não sei, eu não consigo imaginar o que seria de mim. Eu preferia a morte a sofrer aquilo. — O que pretende com essa mulher e com essa criança, Dexter? — Ele ergue a cabeça, sem respondê-la. Não vou mentir que eu adoraria saber o que ele pretendia. Pois, no meu bebê, ninguém toca! — É muita cara de pau retornar com um bastar... — Eu já mandei você ficar quieta! — Anton brada, levantando-se e estremecendo tudo na mesa. — Se continuar tirando a minha paz, voltará para a capital! Lorenza não demonstra susto, pelo contrário, dá um sorriso cínico de lábios fechados, fingindo que "não está mais aqui quem falou", e levanta-se, encarando-o. — Ainda bem que eu já terminei o café. Não irei mais incomodá- lo(s). Com licença, meu querido Anton... — Ela sussurra para, em seguida, virar as costas e sair desfilando a sua metidez para longe de nossas vistas. — Já mandei fazer o que me pediu — de repente, Anton murmura, ao voltar a se sentar. — O quê? — Minha voz soa baixa. — O berço, Kiara. Não era isso que você exigiu? Pronto, você terá! Eu engulo em seco, não querendo acreditar nas facilidades dos meus pedidos realizados. — Ótimo! E chegará quando? — Sábado, depois de amanhã! — Ele me observa bruto... talvez surpreendido pela inexistência da sua menininha boba, iludida e medrosa! Desafiá-lo é um campo de espinhos, o qual o dono odeia que seja pisado e eu pisarei descalço, pois essa dor nem se compara a nada do que eu passei. É a minha vez de sair da sala desfilando a minha "classe", após um com licença e uma pequena balbuciada alta do meu filho, o qual deve detestar. CAPÍTULO 5 Eu saio, vou até a cozinha ficar com as duas pessoas que eu aprendi a gostar e a amar em menos de vinte quatro horas; Felícia e Maria. Elas são muito especiais. Nós temos uma relação além de patroa e empregados, somos amigas. Ao entrar sorrateira no ambiente, descubro um amigo que também tive outro prazer de conhecer; Gael, filho de Maria. — Não acredito... — Sussurro perto do arco da porta. Ao ouvir a minha voz, ele não demora a inclinar o pescoço, arregalar um pouco dos olhos e quase dar um pulo da cadeira. — Patroa! Eu sorrio divertida, indo até eles. — Kia, desculpa a afobação, minha querida, mas, por favor, eu poderia segurar o seu filhinho? — Maria pede sem aguentar-se de ansiedade para fazer a tal pergunta. Gael continua ainda boquiaberto, desta vez, encarando o bebê. — Que isso, é claro, Maria. — Eu também quero depois! — Felícia exclama enquanto eu me aproximo e passo o pesinho de umano para outros braços. — Você teve um filho, Kia? — Gael é sério e direto. Eu fico incomodada, já imaginando a pergunta sobre quem seria o pai. — Sim... — Ele tem cabelo cor castanho-claro. Tirando isso, se parece muito com você... digo na beleza — após confessar, ele desvia-se de mim, colocando o seu chapéu marrom. — Obrigada, Gael. Eu não esperava por isso, fico corada. — Se parece em quase tudo. Até os olhinhos claros — Maria brinca com ele, que sorri todo arteiro. — Como você está? — Pergunto, sentando-me ao lado do meu amigo. — Bem... Por onde andou? Todos nós ficamos preocupados, desesperados. Até agora não sabíamos o que de fato havia acontecido com você. Eu permaneço sã, fingindo que o seu questionamento não me afetou. Por mais que eu goste da amizade do Gael, eu não confio nele. Anton o considera como o seu braço direito. O homem de confiança. Eles são amigos- irmãos. E tudo o que eu disser, eu sei que ele passará para o Dexter. — Eu não posso respondê-lo. E nem vocês — olho para as duas senhoras que aguardavam da mesma forma a minha resposta. — Espero que entendam. — Tudo bem, doce menina. O que importa é que você voltou e está conosco — Felícia contorna o clima, voltando as atenções para o Gieber. — S-Sim... Eu sinto estar mentindo, pois eu não queria ter voltado. Eu não queria estar sob o mesmo teto que o Anton. Isso é tão difícil. — Eu já vou, hoje é dia de corte das árvores. Dexter já deve estar a caminho da averiguação. Com licença... Gael sai sem se despedir direito de mim. Não estranho, fico só chateada. Eu sei que magoei o meu companheiro de cavalgadas — foi como nos tornamos amigos. Enquanto Anton saia para aproveitar das mulheradas fáceis da capital no final de semana com os seus irmãos perdidos, Gael fazia questão de "raptar-me da tristeza" para caminharmos a cavalo, olhar a natureza. O que nos provocava longas, infinitas conversas sobre tudo e todos. Mais tarde, eu fico no quarto, deixo o Gieber brincando com um brinquedinho de madeira que a Maria lhe presenteou e começo a separar todas as roupas da época em que eu era esquelética por causa do meu marido que não me amava, que não me dava atenção e que me traia! Hoje percebo por estas roupas a estrutura do meu corpo bonito e como esses tecidos chiques me realçam, me deixam diferente, formosa. Eu pareço aquelas corpulentas dos eventos em que Anton me levava na capital. Elas tinham tudo o que os homens viam e gostavam. Os saltos eram o equilíbrio perfeito da "finesse" delas. E por mais que esse estilo não se pareça comigo, é quem eu quero ser! Eu quero me vingar! Eu quero ser decidida, autoritária e não a menina inocente do mato! Eu só aquietarei o meu coração depois de estar livre deste casamento mentiroso e desta dor que me traz pesadelos ao colocar a cabeça no travesseiro! Sem vontade de descer, no horário do almoço, eu escolho almoçar no quarto — o que me fez decidir permanecer o restante do dia presa aqui também — e só volto a rever os Dexter na manhã seguinte. Tendo o maior desprazer de rever primeiro a minha "adorável sogra" do diabo. — Bom dia, queridinha — na sala, eu passo por Lorenza sem sequer dá atenção para a bruxa. — Uau, quanta elegância. Parece até piada ver uma selvagem caipira de saltos e tecidos finos. Eu não aguento e viro-me arrogante! — Eu não te perguntei nada, cobra! — Vamos acalmar os ares, felina, não grite, não quero ouvir esse filho do adultério chorando nos meus ouvidos. Anton poderia ficar louco, imagina o que ele faria? Ah, não quero nem pensar. Eu observo o cabelo negro e curto dela, com vontade voar sobre ele. — Eu acharia ótimo se ele fizesse algo! E não ouse nunca mais se referir ao meu filho assim! Pois eu seria capaz de cortar o seu pescoço com um facão! Lorenza sorri, cruzando as torneadas pernas e divertindo-se. — Ai, ai, é como vestir um animal selvagem de tecidos caros. Você, no circo, seria o "show mais aguardado da noite". Não tem um pingo de classe. Veja a sua forma de falar... é o mais singelo "caipirismo". Eu engulo em seco, não me deixando rebaixar. — Bom, você já é uma velha, ao contrário de mim; nova e sem nenhuma plástica, puxando as banhas de 60 e poucos anos! Furiosa, ela imediatamente fecha o semblante, descruza as pernas e levanta-se vindo até mim. Eu não me movo, faço questão de olhar no fundo dos seus olhos. — Saiba que você jamais terá paz nesta casa! Não enquanto eu estiver aqui! Anton te colocará no olha da rua, no meio dos porcos, onde é o seu lugar, sua imunda! — Você me faria um grande favor se fizesse isso agora mesmo! Vai lá, peça para ele me mandar embora! Anda, sua megera! — É melhor não me desafiar, Kiara, você não ia gostar de me ver como a sua inimiga. Até o momento, eu estou sendo muito recatada. — Mas isso não é novidade para ninguém, não se preocupe, já somos! Ela me analisa dos pés à cabeça e sem dizer mais um "a", a bruxa passa por mim, retirando-se maldosa. Eu respiro fundo, abraço o meu filhinho e igualmente, saio às pressas, indo até a cozinha tomar o café com os empregados. Prefiro mil vez eles a ficar naquela mesa com o Anton e a sua mãe. — Kia, o que faz aqui, doce menina? O café já está organizado lá na mesa. Eu dou de ombros, aproximando-me delas e da enorme ilha no meio do ambiente. — Eu escolhi ficar com vocês esta manhã. — O sr. Dexter pode não gostar disso. — Ele não tem o direito de me questionar em nada! E eu não vou ficar no mesmo espaço que a maléfica da sua mãe! Quero que aquela mulher vá embora da mansão o mais rápido possível! — Se ela continuar importunando os ouvidos do patrão, com certeza, ele a expulsará. Não vai demorar. Estou até pagando prece. — Não será nem necessário aguardarmos por isso. Pois eu faço questão de pedir ao Anton! — Bom dia! — Nos interrompendo, Gael aparece na porta dos fundos, vindo até nós com a sua estrutura forte, mas não tão alta. — Bom dia, filho. — Bom dia! — Eu e Felícia o cumprimentamos. Ele me olha menos sério do que ontem e já me alívio por ver que não está magoado comigo. — O que faz aqui, Kia? — Eu vim tomar o café com vocês — digo, sentando-me. — Vem, nos acompanhe. — Agradeço, eu já tomei em casa. — Como assim, meu filho? — Maria coloca mão na cintura, reprovando-o. — Vem cá, sente-se conosco e não rejeite pelo menos o café forte de sua mãe. Vai te dar mais força. Ele sorri convencido e aceita nos acompanhar. Durante o café, muito ansiosa e inquieta, eu aproveito a oportunidade para pedir ao Gael que me levasse para caminhar a cavalo com ele, como sempre fazíamos antigamente. E por incrível que pareça, o meu amigo aceita animado. — Quer agora de manhã? — Não sei, você não vai trabalhar? — Não, eu não tenho muito serviço. — Pronto, pode deixar essa fofura do Gieber comigo — Felícia declara rápida, ninando-o no seu colo. — Eu e Maria damos conta do pequenino patrão. — Certeza? Não vai incomodar vocês? Esse curiosinho não para quieto. — De forma alguma. Não temos nada importante para fazer. Vai lá, aproveite o passeio, Kia. Você merece desparecer a mente, é o seu momento de descanso — Maria responde acolhedora. — E aí, vamos? — Huum... está bem. Só me deixa subir para trocar de roupa, volto rápida. — Ok, não tenha pressa. Por sorte, já pensando na possibilidade desse passeio (no começo, sem o meu amigo Gael), eu acordei separando uma calça jeans justa, botas e procurando um chapéu qualquer. Não via a hora de andar a cavalo. Eu amo isso de todo o meu coração. — Posso te fazer uma pergunta? — Enquanto eu aguardava o Gael montar as nossas celas, ao terminar, ele molha a garganta e caminha até mim com os belos animais. — Claro, o que foi? Ele me encara com a sua face morena e formosa, de uma pessoa descontraída, porém, agora séria. — Por que deixou o Anton e voltou assim, depois de dois anos e com um filho? Eu arregalo um pouco dos olhos, nervosa com o repentino questionamento desconfortável. — E-Eu já disse que não posso responder, Gael. Desculpe-me, eu não posso. — Anton te procurou igual um doido... e eu também. Eu te cacei por MontesDo Sol noite e dia por um mês. No entanto, saiba que eu não parei porque desanimei ou perdi as esperanças. Só não podia abandonar o meu amigo. A fazenda precisava de mim. — Por favor, você não deveria ter feito nada disso. — Eu fiz e faria de novo. Mesmo não sabendo o que havia acontecido, senti algo de errado. Anton mudou da água pro vinho. Ele ficou louco, Kiara. Na madrugada em que foi embora, o Dexter saiu correndo pela fazenda te gritando. Pegou a caminhonete e voltou só na tarde do outro dia... sem você. Nem seus pais tinham informações. Meus olhos ficam vermelhos. Com medo de chorar, eu viro a cabeça e acaricio o cavalo. — Vamos, Gael... eu, eu quero fazer esse passeio. Ele chega perto de mim e entrega-me as rédeas, fitando-me compadecido. — Eu toquei no assunto e isso te entristeceu, por quê? Eu almejo muito saber o que houve. De verdade. Eu sei que o Anton te fez alguma co... — Chega! Eu não quero ser grossa com você! — Assim que esbravejo, ele se cala, mudando o semblante para envergonhado. — Vamos. — Eu me apoio na cela, seguro a crina, as rédeas, coloco o pé no estribo esquerdo e pegando impulso, subo sozinha no torso do cavalo, sem movê-lo. Calado, Gal faz o mesmo com o seu. E prontos, saímos cavalgando devagar, com o clima pesado e sem conversa. — Onde aprendeu a subir tão rápida? — Ele, então, indaga durante a nossa andada, quebrando o silêncio com uma pergunta para alimentar o seu ego. Eu balanço a cabeça, não evitando o sorriso. Ele também. — Com você, "professor profissional de equitação". — Eu sabia. Não era possível ser tão boa. Rimos. — Eu estava com saudades disso. De sentir esse vento nos cabelos, a brisa no rosto. É como se eu estivesse livre... — comento sincera ao meu próprio interior. — Como eu sempre estivesse... é maravilhoso. — Mas você está, patroa. E ainda nem sentiu o vento direito. Para isso, uma corrida até a nova plantação dos eucaliptos, que tal? — E onde fica essa nova plan... Sem esperar, o trapaceiro do Gael grita "já" e sai na minha frente com as suas galopadas velozes. — Gael! CAPÍTULO 6 No final do passeio, voltamos ofegantes e com sede aos estábulos. Não tenho palavras para descrever como é essa emoção de divertimento, não tenho mesmo. Aproveito para ajudar o Gael a tirar as celas dos cavalos. — Você ganhou porque é um trapaceiro! — Não vale, eu disse "já". Você que foi devagar. — Mentira. Eu quero uma revanche! — Patroa, patroa, você tem que aprender a perder. Eu o encaro, semicerrada. — Tá bom, ok... uma revanche! — Ele ergue as mãos, dando por "rendido". — Agora me dê isso, vá tomar um copo de água fresca. Eu termino de cuidar desses garanhões. — Obrigada pelo passeio, Gael — entrego o restante do serviço para ele. — Você sabe como eu amo fazer isso. E fico muito feliz por ter a sua companhia. — Não agradeça. Sábado ou domingo podemos repetir a dose, indo desta vez até o rio, como nos velhos tempos. Topa? Terei mais tempo. — Ah, eu topo com certeza! — Então fica combinado. — Ok! Obrigada, de novo! Com as forças revigoradas, eu me despeço dele e caminho meio que "feliz" em direção a casa da fazenda, quase saltitante. Quando eu chego não encontro a Felícia nem o Gieber. Apenas a Maria. — Maria? Cadê o meu filho? — Oi, Kia, você não vai acreditar... — Ela se vira da frente do gigante fogão, enquanto mexia uma panela enorme. O cheirinho tá tão maravilhoso. — O quê?! — Já fico preocupada! — Calma. É que o espertinho do Gieber sujou toda a fralda de pano e Felícia teve que subir para lavá-la e trocá-lo. — Sério? Ai que vergonha de dar esse trabalho a Felícia. Ela deve estar cheia de coisas para fazer e eu aqui, a empatando como uma dondoca. — Que isso, no momento, só têm a "inspeção" da nova empregada. Anton que pediu essa semana que contratássemos mais uma além de Sônia. Felícia virou um tipo de "governanta" da mansão, sabe. — Sério? — Sim. E ela ficou muito feliz pela promoção. Menos a dona Lorenza — Maria faz careta. — Se deixar, aquela mulher quer mandar até nos peões. Haja sangue de barata. — Ela é uma bruxa! E eu vou subir, tá? Preciso de um banho para tirar esse calor. Volto mais tarde para o almoço. — É claro. Também, com tempo, me conte do passeio a cavalo. Quero saber. — Só digo que foi maravilhoso... já volto. Ela sorri e eu viro as costas, caminhando para o interior da mansão. Com sorte, não vejo a bruxa da Lorenza na sala. — Ele deu trabalho? — No quarto, eu encontro a Felícia observando o meu pequeno arteiro que dorme só de fralda e camisetinha, com as perninhas gordinhas e gostosas para fora. Mamãe sente vontade de morder só de olhar essa fofurinha irresistível. — Oi, Kia... — ela vira a cabeça assim que eu adentro o local, após fechar a porta. — Esse garotinho fofo não deu trabalho nenhum. Ele é quietinho... — Ela sussurra para não o acordar. — Que bom. Obrigada, eu vou tomar um banho. — Imagina. Só que antes de ir, eu queria te perguntar algo. — Sim? — Serei direta — ela passa a mão na saia que vai até o joelho e se põe de pé. — Por que esse bebê ainda não tem fraldas e nem roupas direito, Kia? Eu sei que não vai entrar no assunto do motivo de ter ido embora... No entanto, Anton, como pai, querendo ou não, gostando de criança ou não, ele tem que dar auxílio a você e ao Gieber. Precisa o quanto antes de roupas, fraldas, talco. O mínimo do essencial, doce menina. — E-Eu sei, Felícia, não se preocupe, já estou correndo atrás disso... — Desculpa, só que é desesperador esse menino não ter quase nada, sendo você esposa do sr. Dexter e ele o pai do seu filho. — E-Eu... eu vou tomar banho, já volto, tá...?! — Embananada e literalmente fugindo da palavra "pai" e de suas responsabilidades paternas, eu saio às pressas, por pouco, não correndo em direção ao banheiro, engolindo a raiva e o desejo amargurado por vingança. O Dexter me dará tudo, não há discussão sobre isso! Ele não vai negar nada para o meu filho! Eu farei o inferno na vida dele! Anton e Lorenza terão certeza da nova Kiara Lemos! Eu juro que me vingarei tim-tim por tim-tim! Anton Dexter No meu escritório, para tirar a minha paz, eu encontro a minha mãe sentada na cadeira rústica atrás da mesa de madeira maciça. — O que faz aqui? — Eu quero saber de uma vez o que você fará com aquele bastardo e com a sua "esposa" adúltera. Eu sei que você não a trouxe à toa. Alguma coisa você planeja. — Eu já falei para você não tocar nesse assunto! — E vai criar o filho de outro, Anton? Precisa tomar uma decisão! Seja decidido igual ao Rangel, seu pai! Ele com certeza expulsaria essa mulherzinha da mansão! — Está enganada sobre mim, em relação ao caráter honrado do meu pai! Agora me dê licença! Lorenza se levanta, encarando-me furiosa. — Você vai perder tudo o que seu pai construiu só por causa de uma selvagem do mato! Ela vai usar aquele bastardo para te roubar! Não seja enganado! Sai dessa o quanto antes! Arrume uma mulher de classe, recatada! Eu fecho os punhos, com o sangue fervendo, pronto para realizar uma besteira. — É mais fácil você se fazer de mercenária do que ela! Não me incomode ou eu posso descobrir o motivo da 'amante do governador' ter vindo às pressas morar na fazenda do seu filho rico! Some da minha frente! Ela engole em seco, sem abaixar a cabeça. — Eu sou a sua mãe, Anton, te carreguei por nove meses! Não deve me tratar assim! Me respeite! — Mãe? — Eu sorrio. — "Mãe", eu deveria chamar era às três babás que me criaram! Você só serviu para parir o terceiro filho e garantir o seu futuro de madame "Dexter" com o seduzido do meu pai trabalhador! Agora não me faça te arrastar a força daqui! — Eu já estou de saída... só que, antes, você sabe que eu estou certa em relação àquela criança e sobre a Kiara. Mande-a embora antes que seja tarde demais! — Após soltar o seu veneno, minha mãe finalmente vira as costas, fechando a porta atrás de si e deixando-me sozinho. Como um louco, eu bato na mesa, chuto a cadeira e vou até a janela controlar-me. Droga, eu não posso colocar isso na minha cabeça! Eu não posso! E se for
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