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DIREITO DO CONSUMIDOR CONCEITO

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DIREITO DO CONSUMIDOR – CONCEITO
O Direito do Consumidor: Um Marco do Século XX no Brasil
O Direito do Consumidor emerge como a mais significativa legislação da segunda metade do século XX no Brasil, inaugurando uma série de mudanças transformadoras no cenário do direito privado no país. Quando o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi promulgado na década de 90, o Código Civil em vigor remontava a 1916, tornando o CDC um sopro de modernidade que revigorou o ambiente jurídico brasileiro.
Uma das inovações mais notáveis foi a introdução, pela primeira vez em termos legislativos, da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, presente no artigo 28 do CDC. Além disso, fortaleceu a responsabilidade objetiva, eliminando a necessidade de provar a culpa em casos como o de um celular que explode no rosto do consumidor. Nestas situações, é suficiente demonstrar o dano e o nexo causal, sem a obrigação de atribuir culpa ao fabricante. Vale ressaltar que, no contexto do consumo, a presença de um defeito no produto é implícita, embora não necessariamente seja culpa.
Entretanto, há exceções a essa regra, como estabelecido no artigo 14, §4º/CPC, que estabelece que profissionais liberais, como médicos, estão sujeitos ao CDC, mas somente respondem por culpa. Nesse contexto, a inversão do ônus da prova, conforme previsto no artigo 6º, VIII do CDC, é um instrumento relevante.
O CDC representa uma legislação projetada para o futuro, capaz de dialogar com as novas gerações e, mais importante, uma lei que alcançou sucesso notável. Em todo o Brasil, cada estabelecimento comercial exibe um exemplar do Código de Defesa do Consumidor. Quando o CDC foi implementado no Brasil, ainda não havia uma consciência de consumo entre os brasileiros, tampouco uma demanda social por essa legislação. Este é um exemplo raro de uma lei conhecida e respeitada em um país onde as leis frequentemente são desconhecidas e desrespeitadas.
A palavra que melhor define o CDC é "dinamismo". O direito do consumidor dos dias atuais é um processo de construção contínua e aplicação constante. Manter-se atualizado é crucial, uma vez que uma abordagem obsoleta torna-se rapidamente inadequada, dada a dinâmica do direito atual.
Esta característica de mudança contínua não se limita ao Direito do Consumidor; o Direito Civil também está sujeito a essa transformação constante. Anteriormente caracterizado por sua estabilidade, o Direito Civil experimentou revoluções substanciais, como a reformulação do Direito de Família.
Para compreender verdadeiramente o Direito do Consumidor, é fundamental ter conhecimento da jurisprudência brasileira, em particular a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O direito é uma construção cultural que evolui a cada ano, e o texto da lei é o ponto de partida para a atividade interpretativa do jurista, sendo a jurisprudência e a doutrina essenciais para a compreensão das complexidades do direito.
É notável que as grandes mudanças na responsabilidade civil não foram conduzidas pela lei. O exemplo da teoria do risco, que originou a responsabilidade objetiva, revela como as mudanças no direito frequentemente ocorrem na ausência de alterações legislativas. No Brasil, a jurisprudência desempenha um papel essencial na construção da doutrina e na evolução do direito. A expansão da responsabilidade civil objetiva e as várias funções atribuídas a ela, incluindo a prevenção, são ilustrações dessa evolução.
Em resumo, o Direito do Consumidor é uma área dinâmica e em constante evolução, um marco do século XX que revolucionou o direito privado brasileiro. O conhecimento da jurisprudência é fundamental para entender e aplicar as complexas nuances desse campo, que se adapta às necessidades das novas gerações e desafia constantemente os paradigmas do direito tradicional. A responsabilidade civil é um exemplo de como a jurisprudência desempenha um papel essencial na construção do direito, moldando e adaptando suas funções de acordo com as demandas da sociedade moderna.
O Caráter Principiológico do Código de Defesa do Consumidor e a Evolução do Direito
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) desponta como um dos primeiros marcos legais no Brasil a incorporar um caráter principiológico. Esse princípio, hoje amplamente aceito na doutrina e na legislação, reflete uma tendência dominante no direito privado contemporâneo, evidenciada também em leis mais recentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
À medida que nossas sociedades se tornam mais diversas e complexas, as questões jurídicas que enfrentamos tornam-se igualmente intrincadas. Cada vez mais, lidamos com situações jurídicas desafiadoras, os chamados "hard cases". Portanto, o tradicional método de subsunção silogística do século XIX, que envolvia a aplicação direta de normas a casos, não é mais suficiente.
Estamos nos distanciando desse modelo e abraçando normas abertas, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. De fato, estamos adotando o que um autor espanhol chama de "lógica do razoável". A argumentação jurídica, hoje, não é puramente demonstrativa, mas persuasiva.
Esse desenvolvimento pode não ser um defeito, mas uma característica intrínseca da experiência jurídica, que é plural e sujeita a múltiplas interpretações. Um exemplo disso pode ser encontrado nos julgamentos da Suprema Corte, que frequentemente são marcados por polêmicas.
A base do sistema jurídico moderno é cada vez mais definida por princípios normativos. Esses princípios estabelecem valores e objetivos, sendo aplicados dinamicamente, não de maneira estática. A doutrina não estabelece uma hierarquia rígida entre os princípios, embora existam exceções, como na Alemanha, onde a dignidade da pessoa humana é considerada superior a outros princípios.
Atualmente, o direito privado está passando por um período de reflexão, considerando questões de refugiados e vulnerabilidade em um mundo em constante mudança. A dignidade humana é um princípio que pode ser violado de várias maneiras, mas também pode ser promovido. Além disso, o direito agora tem uma função promocional significativa, conforme defendido por Norberto Bobbio em seus escritos da década de 70.
Os princípios da igualdade, solidariedade e dignidade humana, presentes na Constituição, se aplicam também ao CDC. A igualdade no século XXI é vista como uma igualdade substancial, envolvendo a inclusão, não apenas a proibição de exclusão.
Hoje, a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas e de consumo é aceita, um conceito originado na Alemanha, com a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas predominando no Brasil. Isso é evidente em casos como o tratamento igualitário do cônjuge e do companheiro em questões de sucessão.
O direito à proteção de dados pessoais é considerado um direito fundamental autônomo, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) promovendo boas práticas e condutas preventivas.
Em resumo, os princípios normativos agora unificam o direito privado, criando um sistema aberto em vez de fechado. Essa abertura leva a um novo paradigma jurídico, que valoriza a ponderação e a flexibilidade. A ponderação é especialmente relevante em conflitos constitucionais, como liberdade de informação versus privacidade.
A aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas é evidente em questões como discurso de ódio, em que a lei brasileira tende a seguir o modelo europeu, proibindo-o, ao contrário do modelo americano que preza a liberdade de expressão absoluta. O estado de direito hoje é, em grande parte, um estado de ponderação, onde conflitos de direitos fundamentais são resolvidos por meio de pesagem de princípios. O direito privado do século XXI é influenciado por essa abordagem ponderada dos direitos fundamentais, especialmente quando se trata de questões relacionadas a proteção de dados e igualdade.
Por favor, deixe-me saber se você deseja que eu desenvolva algum ponto específico no texto ou faça quaisquer outras modificações. Estou à disposição para ajudar.
Microssistema Jurídico e Inversãodo Ônus da Prova no CDC
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) se encaixa perfeitamente no modelo contemporâneo de microssistema jurídico. No passado, a disciplina jurídica era monotemática, com cada ramo do direito regulado por leis específicas, como o Código Penal. No entanto, a tendência atual é legislar por meio de microssistemas, que tratam de questões sociais complexas e envolvem várias áreas do direito. O CDC é um exemplo notável desse novo paradigma, incorporando não apenas regras de proteção ao consumidor, mas também normas relacionadas ao direito administrativo, penal, e processo civil, entre outros.
Um exemplo importante disso é a questão da inversão do ônus da prova, especialmente no contexto de ações judiciais relacionadas ao CDC. O artigo 6º, inciso VIII, prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova. Esse mecanismo legal apresenta dois requisitos alternativos: a verossimilhança das alegações do consumidor ou a hipossuficiência do consumidor. A verossimilhança refere-se à aparência de verdade das alegações, enquanto a hipossuficiência não está necessariamente ligada a questões econômicas, mas pode também envolver falta de conhecimento técnico.
Um exemplo que ilustra esse conceito é um caso em que um paciente está passando por tratamento médico em um hospital particular. Embora o paciente possa ser financeiramente mais abastado que o médico, ele pode ser considerado hipossuficiente em termos de conhecimento técnico médico. Nesse cenário, a inversão do ônus da prova poderia ser aplicada.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 2022, enfatizou que a responsabilidade por superdosagens ou interações medicamentosas não deve recair sobre o paciente que segue as prescrições médicas. Essa responsabilidade recai sobre o médico, devido à hipossuficiência técnica do paciente.
Além disso, é importante observar que a inversão do ônus da prova deve ocorrer durante o processo, no momento do saneamento, e não durante a sentença. Havia debates no STJ sobre quando aplicar a inversão do ônus da prova, se como regra de processo ou de julgamento. No entanto, a corrente que considera a inversão como uma regra de processo prevaleceu, e a decisão deve ocorrer no momento do saneamento do processo.
A inversão do ônus da prova não se aplica apenas a ações individuais, mas também em ações coletivas, sempre que houver verossimilhança nas alegações dos consumidores. O CDC também influencia outros ramos do direito, exportando conceitos e institutos. No caso da inversão do ônus da prova, a lei de proteção ao consumidor se reflete no direito ambiental por meio da Súmula 618.
Além disso, o CDC prevê a inversão do ônus da prova na publicidade, onde cabe ao anunciante provar a veracidade e correção das informações. A teoria da carga dinâmica do ônus da prova, prevista no Código de Processo Civil, permite a distribuição dinâmica do ônus da prova, com base na capacidade das partes de produzir evidências. Essa teoria representa uma mudança significativa, afastando-se do dogma clássico de que quem alega deve provar.
No entanto, a teoria da carga dinâmica do ônus da prova é aplicável a qualquer área do direito abrangida pelo Código de Processo Civil, desde que haja uma assimetria na capacidade de produção de provas entre as partes. Isso reflete uma evolução da igualdade formal para a igualdade material, um conceito importante na jurisprudência do STJ.
Portanto, o CDC representa um microssistema jurídico moderno que influencia muitos outros ramos do direito e contribui para a evolução das práticas legais, como a inversão do ônus da prova e a teoria da carga dinâmica do ônus da prova.
Normas de Ordem Pública e Interesse Social
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece, em seu artigo 1º, normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, conforme previsto na Constituição Federal, artigos 5º (inciso XXXII) e 170 (inciso V), bem como no artigo 48 das Disposições Transitórias da Constituição.
Essas normas de ordem pública e interesse social têm um caráter cogente e imperativo, o que significa que não podem ser renunciadas previamente. Um exemplo ilustrativo dessa questão pode ser encontrado em contratos de faculdades privadas, nos quais os estudantes são submetidos a cláusulas contratuais que limitam o prazo prescricional a três anos em caso de acidente no período de cinco anos do curso. No entanto, o CDC, no artigo 27, estabelece um prazo de cinco anos para a prescrição em acidentes de consumo, como quedas de elevadores. Portanto, a cláusula de três anos é inválida, pois o CDC prevalece sobre o Código Civil nesse contexto, devido à relação de consumo.
Isso destaca a natureza imperativa dessas normas do CDC. Essas normas são denominadas "cogentes", o que significa que prevalecem sobre acordos contratuais que possam estar em desacordo com elas. Isso impede que grandes fornecedores utilizem cláusulas contratuais em contratos de adesão (onde uma das partes, geralmente a mais forte economicamente, estabelece unilateralmente os termos do contrato) para contornar as disposições do CDC.
No passado, o modelo contratual clássico seguia o princípio "pacta sunt servanda", no qual as partes contratantes tinham igualdade e podiam negociar cláusulas individualmente. No entanto, a tendência atual envolve contratos massificados e padronizados, com pouca margem para negociação. Nesse cenário, as normas do CDC desempenham um papel crucial, impedindo que fornecedores incluam cláusulas que violem os direitos dos consumidores.
Autonomia e Heteronomia
A autonomia e a heteronomia são conceitos importantes no contexto das relações contratuais. A autonomia refere-se à capacidade das partes de estabelecerem regras por si próprias, enquanto a heteronomia envolve a imposição de regras por terceiros.
No contexto de contratos, a autonomia era, em teoria, amplamente favorecida, onde se acreditava que as partes poderiam estabelecer livremente as regras contratuais. No entanto, isso levou a desigualdades, com partes mais fortes impondo suas vontades sobre as partes mais fracas. Um escritor francês, Lacordaire, destacou que a liberdade entre o forte e o fraco poderia, na verdade, escravizar, enquanto a lei poderia libertar.
Pontes de Miranda ecoou esse sentimento, argumentando que a liberdade de contratar frequentemente permitia que os mais fortes impusessem sua vontade aos mais fracos. Nesse contexto, o CDC surgiu para reequilibrar as relações de consumo, eliminando assimetrias e protegendo os mais vulneráveis.
Autonomia Privada
É fundamental entender que existem diferentes níveis de autonomia privada: forte, média e fraca. A autonomia privada forte se aplica a contratos entre empresas, onde não há vulnerabilidade notável. A autonomia privada média refere-se a contratos civis, enquanto a autonomia privada fraca diz respeito aos contratos de consumo, onde se aplicam fortemente os princípios da boa-fé objetiva e da vedação ao abuso de direito.
A boa-fé objetiva, aplicável antes, durante e depois do contrato, significa que as cláusulas contratuais podem ser revisadas, mesmo que as partes as tenham acordado previamente. Por exemplo, em um contrato de plano de saúde, mesmo que o contrato estabeleça um limite de tempo na UTI, isso não é válido, conforme a Súmula 302 do STJ. Isso ocorre porque o CDC busca restringir a autonomia da vontade nos contratos de consumo para proteger os mais vulneráveis.
Conhecimento de Ofício de Cláusula Abusiva
Idealmente, um juiz deveria ser capaz de reconhecer de ofício uma cláusula abusiva em um contrato, alinhando-se com os princípios e objetivos do CDC. No entanto, na prática, isso não é permitido.
O STJ, por meio da Súmula 381, proibiu os juízes de conhecerem de ofício cláusulas abusivas em contratos bancários. No entanto, o artigo 10 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz não pode decidir, em nenhum grau de jurisdição, com base em um fundamento sobre o qual as partes não tiveram a oportunidade de se manifestar, mesmo que se trate de uma questão que o juiz possa decidir de ofício.Lei de Função Social
O CDC é considerado uma lei de função social porque decorre da vontade expressa na Constituição. A própria Constituição estabelece que o Congresso deve elaborar o CDC no artigo 48 das Disposições Transitórias.
Isso significa que o CDC é mais do que uma lei ordinária comum e não pode ser revogado por outra lei ordinária posterior. A doutrina entende que o CDC estabelece um piso mínimo de direitos que o legislador não pode desconsiderar.
Recentemente, em decisões do STF relacionadas à pandemia, questões sobre descontos lineares em universidades privadas e cláusulas abusivas em contratos privados geraram debate sobre o poder do legislador em relação a contratos privados.
Além disso, foi destacado que o CDC é uma lei de função social que visa a proteger os consumidores e equilibrar as relações jurídicas. Em certas circunstâncias, a proteção do contratante mais fraco é priorizada, reduzindo assim a autonomia da vontade e da autonomia privada.

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