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ANATOMIA DO PÂNCREAS, FÍGADO E VIAS BILIARES Do estômago, o quimo passa para o intestino delgado. Como a digestão química no intestino delgado depende da atividade do pâncreas, do fígado e da vesícula biliar, consideraremos em primeiro lugar as atividades destes órgãos digestórios acessórios e suas contribuições para a digestão no intestino delgado. PÂNCREAS Anatomia do pâncreas É uma glândula retroperitoneal que encontra-se posteriormente à curvatura maior do estômago. · Medida: · Comprimento 12 a 15 cm; · Espessura 2,5 cm Os sucos pancreáticos são secretados pelas células exócrinas em pequenos ductos que por fim se unem para formar dois ductos maiores, o ducto pancreático e o ducto acessório. Estes, por sua vez, levam as secreções até o intestino delgado. Na maior parte das pessoas, o ducto pancreático se une ao ducto colédoco que vem do fígado e vesícula biliar e entra no duodeno como um ducto comum dilatado chamado ampola hepatopancreática ou ampola de Vater. A ampola se abre em uma elevação da túnica mucosa duodenal conhecida como papila maior do duodeno. A passagem do suco pancreático e biliar por meio da ampola hepatopancreática para o duodeno do intestino delgado é regulada por massa de músculo liso que circunda a ampola conhecida como músculo esfíncter da ampola hepatopancreática ou esfíncter de Oddi. O outro grande ducto do pâncreas, o ducto pancreático acessório (ducto de Santorini), sai do pâncreas e esvazia-se no duodeno aproximadamente 2,5 cm acima da ampola hepatopancreática. Histologia do pâncreas O pâncreas é composto por pequenos aglomerados de células epiteliais glandulares. · Ácinos (porção exócrina): secretam uma mistura de líquidos e enzimas digestórias chamadas suco pancreático. · Ilhotas pancreáticas ou Ilhotas de Langerhans (porção endócrina): secretam os hormônios glucagon, insulina, somatostatina e polipeptídio pancreático. · Células alfa ou A: secretam glucagon. · Células beta ou B: secretam insulina. · Células delta ou D: secretam somatostatina · Células F: secretam polipeptídio pancreático. O glucagon eleva o nível sanguíneo de glicose e a insulina reduz. A somatostatina atua de maneira parácrina para inibir a liberação tanto de insulina quanto de glucagon das células beta e alfa vizinhas. Além disso, pode funcionar como hormônio circulante para retardar a absorção de nutrientes do sistema digestório. Ademais, a somatostatina inibe a secreção de GH. O polipeptídio pancreático inibe a secreção de somatostatina, a contração da vesícula biliar e a secreção de enzimas digestivas pelo pâncreas Composição e funções do suco pancreático Consiste principalmente em água, alguns sais, bicarbonato de sódio e várias enzimas. · Bicarbonato de sódio: dá ao suco pancreático um pH ligeiramente alcalino (7,1 a 8,2) que tampona o suco gástrico ácido no quimo, interrompe a ação da pepsina do estômago e cria o pH apropriado para a ação das enzimas digestórias no intestino delgado. · Enzimas no suco pancreático: · Digestão do amido: amilase pancreática; · Digestão de proteínas em peptídios: chamadas tripsina, quimotripsina, carboxipeptidase e elastase; · São produzidas em uma forma inativa. Como são inativas, as enzimas não digerem as células do próprio pâncreas. · Digestão de triglicerídios: lipase pancreática; · Digestão de ácidos nucleicos: ribonuclease e desoxirribonuclease, que digerem ácido ribonucleico (RNA) e ácido desoxirribonucleico (DNA) em nucleotídios. FÍGADO E VESÍCULA BILIAR Anatomia do fígado e da vesícula biliar (NÃO COLOQUEI NADA DA VESÍCULA PQ NÃO ACHEI RELEVANTE PARA ENTENDIMENTO DE FISIOPATOLOGIA FUTURAS) Fígado O fígado é dividido em lobos: · Lobos principais separados pelo ligamento falciforme, uma prega do mesentério: · Lobo hepático direito grande · Lobo hepático esquerdo menor · Lobo quadrado inferior · Lobo caudado posterior Na margem livre do ligamento falciforme está o ligamento redondo, um remanescente da veia umbilical do feto; este cordão fibroso se estende do fígado ao umbigo. Os ligamentos coronários direito e esquerdo são extensões estreitas do peritônio parietal que suspendem o fígado do diafragma. Histologia do fígado e da vesícula biliar (NÃO COLOQUEI NADA DA VESÍCULA PQ NÃO ACHEI RELEVANTE PARA ENTENDIMENTO DE FISIOPATOLOGIA FUTURAS) Fígado · Hepatócitos: principais células funcionais do fígado e realizam uma grande variedade de funções metabólicas, secretoras e endócrinas. Formam arranjos tridimensionais complexos chamados lâminas hepáticas. · Sulcos nas membranas celulares entre hepatócitos vizinhos: fornecem espaços para os canalículos para os quais os hepatócitos secretam bile. · Bile: um líquido amarelo, marrom ou verde-oliva secretado pelos hepatócitos, atua tanto como um produto de excreção quanto como uma secreção digestória. · Canalículos de bile: são pequenos ductos entre os hepatócitos que coletam a bile produzida pelos hepatócitos. Dos canalículos de bile, a bile passa para os dúctulos biliares e, em seguida, para os ductos biliares. Os ductos biliares se unem e, por fim, formam os ductos hepáticos esquerdo e direito, que são maiores e se unem e saem do fígado como o ducto hepático comum. O ducto hepático comum junta-se ao ducto cístico da vesícula biliar para formar o ducto colédoco. Por ele, a bile entra no duodeno do intestino delgado para participar da digestão. · Sinusoides hepáticos: são capilares sanguíneos altamente permeáveis entre fileiras de hepatócitos que recebem sangue oxigenado de ramos da artéria hepática e sangue venoso rico em nutrientes de ramos da veia porta do fígado. Recorde-se de que a veia porta do fígado traz o sangue venoso dos órgãos gastrintestinais e baço para o fígado. Os sinusoides hepáticos convergem e entregam o sangue a uma veia central. A partir das veias centrais, o sangue flui para as veias hepáticas, que drenam para a veia cava inferior. Em contraste com o sangue, que flui em direção à veia central, a bile flui na direção oposta. Nos sinusoides hepáticos também estão presentes fagócitos fixos chamados células estreladas do fígado, que destroem eritrócitos e leucócitos envelhecidos, bactérias e outros materiais estranhos do sangue venoso que drena do canal alimentar. Juntos, o ducto biliar, um ramo da artéria hepática e um ramo da veia hepática são chamados tríade portal. Os hepatócitos, o sistema de ductos biliares e os sinusoides hepáticos podem ser organizados em unidades anatômicas e funcionais de três maneiras diferentes: · Lóbulo hepático: unidade funcional do fígado. Cada lóbulo hepático tem o formato de um hexágono (estrutura de seis lados). No seu centro está a veia central, e irradiando para fora dele estão fileiras de hepatócitos e sinusoides hepáticos. Localizada nos três cantos do hexágono está uma tríade portal. · Lóbulo portal: função exócrina do fígado, isto é, a secreção biliar. Por conseguinte, o ducto biliar de uma tríade portal é considerado o centro do lóbulo portal. Tem uma forma triangular e é definido por três linhas retas imaginárias que ligam três veias centrais que estão mais próximas à tríade portal. · Ácino hepático: cada ácino hepático é uma massa ligeiramente oval que inclui partes de dois lóbulos hepáticos vizinhos. · Eixo curto do ácino hepático: definido por ramos da tríade portal – ramos da artéria hepática, veia e ductos biliares – que correm ao longo da margem dos lóbulos hepáticos. · Eixo longo do ácino: definido por duas linhas curvas imaginárias, que ligam duas veias centrais mais próximas ao eixo curto. · Os hepatócitos do ácino hepático estão dispostos em três zonas ao redor do eixo curto, sem fronteiras nítidas entre eles: · Células na zona 1: são as mais próximas aos ramos da tríade portal e as primeiras a receber oxigênio, nutrientes e toxinas que chegam pelo sangue que entra. Estas células são as primeiras a captar a glicose e armazená-la como glicogênio após uma refeição e clivam o glicogênio em glicose durante o jejum. Também são as primeiras a mostrar alterações morfológicas após a obstrução do canal biliar ou exposiçãoa substâncias tóxicas. As células da zona 1 são as últimas a morrer se a circulação for prejudicada e as primeiras a se regenerar. · Células da zona 3: são as mais distantes dos ramos da tríade portal e são as últimas a mostrar os efeitos da obstrução biliar ou exposição a toxinas, as primeiras a mostrar os efeitos da circulação prejudicada, e as últimas a se regenerar. As células da zona 3 são também as primeiras a mostrar evidências de acúmulo de gordura. · Células da zona 2: têm características estruturais e funcionais intermediárias entre as células das zonas 1 e 3. Suprimento sanguíneo para o fígado O fígado recebe sangue proveniente de duas fontes: · Artéria hepática: obtém sangue oxigenado · Veia porta do fígado: recebe sangue venoso contendo nutrientes recém-absorvidos, fármacos e, possivelmente, microrganismos e toxinas do canal alimentar. Ramos tanto da artéria hepática quanto da veia porta do fígado levam o sangue para os vasos sinusoides hepáticos, onde o oxigênio, a maior parte dos nutrientes e determinadas substâncias tóxicas são absorvidas pelos hepatócitos. Os produtos dos hepatócitos e os nutrientes necessários por outras células são secretados de volta para o sangue, que então drena para a veia central e, por fim, para uma veia hepática. Como o sangue do canal alimentar passa pelo fígado como parte da circulação porta hepática, o fígado é frequentemente o local para metástases de câncer que se originam no canal alimentar. Funções do fígado e da vesícula biliar Hepatócitos: secretam diariamente de 800 a 1.000 mℓ de bile, um líquido amarelo, marrom ou verde-oliva. Ele tem um pH entre 7,6 e 8,6 e é constituído principalmente por água, sais biliares, colesterol, um fosfolipídio chamado lecitina, pigmentos biliares e vários íons. · Principal pigmento biliar: bilirrubina. · A fagocitose dos eritrócitos envelhecidos libera ferro, globina e bilirrubina (derivada do heme). O ferro e a globina são reciclados; a bilirrubina é secretada na bile e, por fim, é decomposta no intestino. Um de seus produtos de degradação – a estercobilina– dá às fezes a sua coloração marrom normal. · Bile: é parcialmente um produto de excreção e parcialmente uma secreção digestória. · Sais biliares: que são sais de sódio e sais de potássio dos ácidos biliares (principalmente ácidos quenodesoxicólico e cólico), desempenham um papel na emulsificação, a fragmentação de grandes glóbulos lipídicos em uma suspensão de pequenos glóbulos lipídicos. Os pequenos glóbulos lipídicos apresentam uma área de superfície muito grande que possibilita que a lipase pancreática realize mais rapidamente a digestão dos triglicerídios. Os sais biliares também ajudam na absorção de lipídios após a sua digestão. · Embora os hepatócitos liberem bile continuamente, aumentam sua produção e secreção quando o sangue do sistema porta contém mais ácidos biliares; assim, conforme a digestão e a absorção prosseguem no intestino delgado, a liberação de bile aumenta. Entre as refeições, depois que a maior parte da absorção ocorreu, a bile flui para dentro da vesícula biliar para armazenamento, porque o músculo do esfíncter da ampola hepatopancreática fecha a entrada para o duodeno. Além de secretar bile, que é necessária para a absorção das gorduras dietéticas, o fígado desempenha outras funções vitais: · Metabolismo de carboidratos: quando a glicose no sangue está baixa, o fígado cliva o glicogênio em glicose e libera glicose para a corrente sanguínea. Também pode converter determinados aminoácidos e o ácido láctico em glicose, e pode converter outros açúcares, como a frutose e a galactose, em glicose. Quando a glicemia está elevada, como ocorre logo depois de uma refeição, o fígado converte a glicose em glicogênio e triglicerídios para armazenamento. · Metabolismo de lipídios: os hepatócitos armazenam alguns triglicerídios; clivam ácidos graxos para gerar ATP; sintetizam lipoproteínas, que transportam ácidos graxos, triglicerídios e colesterol de e para as células do corpo; sintetizam colesterol; e utilizam o colesterol para produzir sais biliares · Metabolismo de proteínas: os hepatócitos desaminam (removem o grupo amino, NH2) dos aminoácidos, de modo que eles possam ser utilizados para a produção de ATP ou ser convertidos em carboidratos ou gorduras. A amônia (NH3) resultante é então convertida em ureia, que é muito menos tóxica e é excretada na urina. Os hepatócitos também sintetizam a maior parte das proteínas plasmáticas, como a alfaglobulina e betaglobulina, a albumina, a protrombina e o fibrinogênio · Processamento de fármacos e hormônios: o fígado desintoxica substâncias, como o álcool etílico, e excreta medicamentos como a penicilina, a eritromicina e as sulfonamidas na bile. Também pode alterar quimicamente ou excretar hormônios tireóideos e esteroides, como estrogênio e aldosterona · Excreção de bilirrubina: a bilirrubina, derivada do grupo heme de eritrócitos envelhecidos, é absorvida pelo fígado a partir do sangue e secretada na bile. A maior parte da bilirrubina da bile é metabolizada no intestino delgado por bactérias e eliminada nas fezes · Síntese de sais biliares: sais biliares são utilizados no intestino delgado durante a emulsificação e absorção de lipídios · Armazenamento: além do glicogênio, o fígado é o principal local de armazenamento de determinadas vitaminas (A, B12 , D, E e K) e minerais (ferro e cobre), que são liberadas do fígado quando necessárias em outras partes do corpo · Fagocitose: as células estreladas do fígado fagocitam eritrócitos envelhecidos, leucócitos e algumas bactérias · Ativação da vitamina D: A pele, o fígado e os rins participam na síntese da forma ativa da vitamina D. METABOLISMO DA BILIRRUBINA FORMAÇÃO DA BILIRRUBINA E TRANSPORTE DA BILIRRUBINA NO PLASMA A formação de bilirrubina ocorre nas células reticuloendoteliais, principalmente no baço e fígado. · Primeira reação (catalisada pela enzima microssômica heme oxigenasse): cliva de modo oxidativo a ponte α do grupo porfirina e abre o anel da heme. · Produtos finais dessa reação são a biliverdina, o monóxido de carbono e o ferro. · Segunda reação (catalisada pela enzima citossólica biliverdina redutase): reduz a ponte de metileno central da biliverdina e a converte em bilirrubina. Bilirrubina: é um produto da degradação da heme (ferroprotoporfirina IX). · 70-80% dos 250-300 mg de bilirrubina produzidos a cada dia: derivam da degradação da hemoglobina em eritrócitos senis. · Restante: advém de células eritroides prematuramente destruídas na medula óssea e do turnover das hemoproteínas, como a mioglobina e os citocromos, encontradas nos tecidos corporais. A bilirrubina liberada para a corrente sanguínea é lipossolúvel, desconjugada, denominada "bilirrubina indireta". A bilirrubina formada nas células reticuloendoteliais é praticamente insolúvel em água, o que decorre de uma ligação de hidrogênio interna firme entre a fração hidrossolúvel da bilirrubina – isto é, a ligação dos grupos carboxila do ácido propiônico na metade dipirrólica da molécula, com os grupos imino e lactâmico da metade oposta. Essa configuração bloqueia o acesso de solvente aos resíduos polares da bilirrubina e dirige os resíduos hidrofóbicos para fora. Para ser transportada no sangue, a bilirrubina deve estar solubilizada. Para ser transportada na corrente sanguínea, liga-se principalmente à albumina formando complexos bilirrubina-albumina. Albumina tem alta afinidade por bilirrubina. Essa ligação, entretanto, pode sofrer a interferência de alguns fatores, tais como: · pH: em meio ácido a capacidade de ligação da bilirrubina à albumina apresenta-se diminuída; · idade gestacional: o recém-nascido tem capacidade duas a três vezes menor do que o adulto de ligação da bilirrubina à albumina. Essa anormalidade é transitória e parece que chega aos níveis de adulto após o segundo mês de idade; · substâncias presentes no soro: sulfas, salicilatos, cefalosporinas, ceftriaxona, moxalactam, furosemida, ácidos graxos livres e hematina podem competir com oude alguma outra forma alterar a ligação da bilirrubina à albumina. A bilirrubina desconjugada, quando ligada à albumina, pode ser considerada de maneira geral não-tóxica aos tecidos. A bilirrubina indireta é eliminada da corrente sanguínea por meio da captação e conjugação hepática e excretada por meio da bile. A solubilização é obtida pela ligação reversível, não covalente da bilirrubina à albumina. A bilirrubina não conjugada ligada a albumina é transportada ao fígado. Ali, a bilirrubina – mas não a albumina – é absorvida pelos hepatócitos por meio de processo que, ao menos em parte, envolve transporte pela membrana mediado por carreador. A transferência da bilirrubina do sangue para a bile envolve quatro etapas distintas, porém inter-relacionadas: 1. Captação hepatocelular: a captação da bilirrubina pelo hepatócito adota uma cinética mediada por carreador. 2. Ligação intracelular: no interior do hepatócito, a bilirrubina é mantida em solução pela ligação, como ligante sem substrato, a várias das glutationa-S-transferases, antes denominadas ligandinas. 3. Conjugação: a bilirrubina é conjugada com um ou dois fragmentos de ácido glicurônico por uma UDP-glicuronosiltransferase para formar mono e diglicuronídeo de bilirrubina, respectivamente. · A conjugação rompe a ligação interna de hidrogênio que limita a solubilidade aquosa da bilirrubina, e os conjugados de glicuronídeo resultantes são altamente solúveis na água. · É indispensável para que possa ocorrer a excreção da bilirrubina através da membrana dos canalículos biliares e sua penetração na bile. 4. Excreção biliar: até recentemente, acreditava-se que os mono e diglicuronídeos de bilirrubina eram excretados diretamente através da membrana plasmática canalicular para dentro do canalículo biliar por um processo de transporte dependente de ATP, mediado por uma proteína de membrana canalicular, denominada proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2). Todavia, estudos realizados em pacientes com síndrome de Rotor indicam que, após a sua formação, parte dos glicuronídeos é transportada na circulação-porta por uma proteína de membrana sinusoidal, denominada proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 3 (MRP3) e sujeita à recaptação no hepatócito pelos transportadores de captação da membrana sinusoidal, a proteína transportadora de ânions orgânicos 1B1 (OATP1B1) e OATP1B3 CAPTAÇÃO E CONJUGAÇÃO DA BILIRRUBINA Ligada às proteínas, a bilirrubina é levada ao fígado e aí captada através da membrana do hepatócito. Provavelmente, o complexo bilirrubina-albumina dissocia-se ao nível da membrana do hepatócito, na qual a bilirrubina entra, e no citoplasma hepático liga-se às proteínas Y e Z, também chamadas ligandinas, que transportarão a bilirrubina até o retículo endoplasmático, no qual então será conjugada. A bilirrubina não conjugada é ligada no citosol a diversas proteínas, incluindo a superfamília da glutationa S-transferase. Essas proteínas atuam tanto para reduzir o refluxo de bilirrubina para o soro quanto para apresentá-la à conjugação. No retículo endoplasmático, a bilirrubina combina-se enzimaticamente com o açúcar, o ácido uridinodifosfoglicurônico (UDPG), produzindo um novo pigmento, que é hidrossolúvel e suficientemente polar para ser excretado pela bile ou filtrado pelos rins. A esterificação com ácido glicurônico resulta em uma das duas formas de bilirrubina: · Monoglicuronide: se houver conjugação com apenas um ácido glicurônico (na posição C8 ou C12), · Diglicuronide: se houver conjugação com dois ácidos glicurônicos. A conjugação do ácido glicurônico com a bilirrubina é catalisada pela bilirrubina uridina difosfato glicuronosil transferase (UDPGT). Os conjugados de bilirrubina, agora hidrofílicos, difundem-se do retículo endotelial para a membrana canalicular, em que o monoglicuronídeo e o diglicuronídeo de bilirrubina são ativamente transportados para dentro da bile canalicular por um mecanismo dependente de energia que envolve a proteína de membrana sinusoidal, chamada proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2). EXCREÇÃO DA BILIRRUBINA Após conjugação, a bilirrubina vai rapidamente para os canalículos biliares atravessando a membrana hepatocítica por mecanismo ativo, contra o gradiente de concentração. A bilirrubina conjugada excretada dentro da bile drena para o duodeno e atravessa inalterada a parte proximal do intestino delgado. A bilirrubina conjugada não é captada pela mucosa intestinal. Quando atinge a parte distal do íleo e o cólon, a bilirrubina conjugada é hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas β-glicuronidases bacterianas. A bilirrubina não conjugada é reduzida pela flora bacteriana intestinal normal para formar um grupo incolor, chamados urobilinogênios. Cerca de 80-90% desses produtos são excretados nas fezes, quer na forma inalterada, quer oxidados em derivados alaranjados denominados urobilinas. Os 10-20% restantes dos urobilinogênios são absorvidos passivamente, penetram no sangue venoso portal e são reexcretados pelo fígado. Uma pequena fração (geralmente < 3 mg/dL) escapa da captação hepática e é filtrada pelos glomérulos renais, sendo excretada na urina. A bile será reduzida à estercobilina pela presença de bactérias da flora local e uma pequena quantidade será hidrolisada para bilirrubina indireta e reabsorvida pela circulação enteropática. A fração reduzida a estercobilina também pode ser reabsorvida, mas será eliminada como urobilina pelos rins. _______________________________________________________________________________________________ ICTERÍCIA DE CAUSAS HEPÁTICAS Icterícia é a coloração amarelo-alaranjada que pode ser observada nas mucosas conjuntival e sublingual e na pele, em decorrência da elevação das concentrações séricas de bilirrubina. Detectável a partir de 2,5 a 3,0 mg/dL (42,8 a 51,3 mmol/L), pode ser sutil ou bastante evidente, a depender da coloração da pele, das condições de iluminação, da sensibilidade do observador e da fração de bilirrubina que se encontra elevada. A presença de icterícia no adulto pode indicar um problema grave. Classicamente, está associada às hepatopatias, porque a conjugação da bilirrubina ocorre em uma taxa relativamente constante no hepatócito, e a elevação dos níveis séricos desse metabólito pode ser marcador de alteração da função do fígado. Contudo, a icterícia pode ocorrer tanto em situações de agressão direta ao fígado como em condições sistêmicas, por exemplo, insuficiência cardíaca direita descompensada, septicemia e tireoidopatias ou, ainda, nas alterações do metabolismo da bilirrubina em níveis pré e pós-hepático. As síndromes ictéricas podem estar ou não associadas à colestase. As não colestáticas são causadas pela maior oferta de bilirrubina ao fígado, por deficiência de captação pelo hepatócito, ou por defeito no seu transporte extracelular e/ou na conjugação, caracterizando-se por hiperbilirrubinemia indireta. De forma inversa, quando ocorre por déficit na excreção hepatocitária, existe predomínio da bilirrubina direta. A colestase, por sua vez, consiste em uma alteração da formação e excreção da bile, alteração que pode estar localizada desde o hepatócito até a ampola de Vater. Compreende a grande maioria das síndromes ictéricas, e há importância na realização precoce do diagnóstico etiológico e introdução da terapêutica adequada. A colestase é classificada em intra-hepática e extra-hepática. ICTÉRIAS COLESTÁTICAS Intra-hepáticas Ocorre um desequilíbrio entre os gradientes osmóticos que participam do processo de secreção biliar, levando à alteração na fluidez da membrana plasmática, redução da atividade da Na+, K+-ATPase, com consequente aumento de síntese das enzimas aí localizadas, tais como fosfatase alcalina, gamaglutarniltransferase e 5-nucleotidase. Em geral, relaciona-se com alteração nos sistemas de transporte e secreção da bile pelos hepatócitos, ou com um processo obstrutivo das vias biliares intra-hepáticas. Extra-hepática Significa obstrução mecânica ao fluxo normal da bile,localizada em algum ponto entre a emergência do dueto hepático comum e a ampola de Vater. Pode originar-se na própria árvore biliar ou ser extrínseca a ela, ter caráter benigno ou maligno, instalação aguda ou crônica, como se observa nos casos de tumores ou estenose benigna de colédoco, ou, ainda, ser transitória, a exemplo do que ocorre nos casos de migração de cálculos. COLEDOCOLITÍASE A passagem de cálculos biliares e sua penetração no colédoco ocorre em cerca de 10 a 15% dos pacientes com colelitíase. A incidência de cálculos coledocianos aumenta com a idade mais avançada do paciente, de forma que até 25% dos pacientes idosos podem possuir cálculos no colédoco por ocasião da colecistectomia. Cálculos nos duetos que não são detectados são deixados em cerca de 1 a 5% dos pacientes colectomizados. A grande maioria de cálculos ductais é representada por cálculos de colesterol formados na vesícula biliar, que a seguir migram para a árvore biliar extra-hepática através do dueto cístico. Os cálculos primários com origem de novo nos duetos são habitualmente cálculos pigmentares que se manifestam em pacientes com (1) parasitismo hepatobiliar ou colangite recorrente crônica; (2) anomalias congênitas dos duetos biliares (especialmente a doença de Caroli); (3) duetos dilatados, esclerosados ou estreitados; ou (4) um defeito do gene MDR3 (ABCB4) que acarreta a secreção biliar alterada de fosfolipídios ( colelitíase associada a baixos níveis de fosfolipídios). Os cálculos coledocianos podem não provocar sintomas por vários anos, ser eliminados espontaneamente e penetrar o duodeno ou (na maioria das vezes) manifestar-se com cólica biliar na forma de complicação. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de colecodocolitíase é feito habitualmente por colangiografia seja no pré-operatório por colangiograma retrógrado endoscópico (CRE) ou CPRM ou no intra-operatório durante a colecistectomia. Até 15% dos pacientes submetidos a colecistectomia têm cálculos coledocianos. Quando esses cálculos são suspeitados antes da colecistectomia laparoscópica, a CPRE pré-operatória com papilotomia endoscópica e extração dos cálculos constitui a abordagem preferida - pois, além de permitir a eliminação dos cálculos, define também a anatomia da árvore biliar em relação ao dueto cístico. Os cálculos coledocianos devem ser suspeitados nos pacientes com cálculos biliares que apresentam qualquer um dos seguintes fatores de risco: ( 1) história de icterícia ou pancreatite ou (2) testes anormais da função hepática e (3) evidência ultrassonográfica de colédoco dilatado ou cálculos no dueto. Como alternativa, se a colangiografia intra-operatória revelar cálculos retidos, poderá ser realizada CPRE pós-operatória. Espera-se que a necessidade de realizar CPRE pré-operatória diminua à medida que as técnicas laparoscópicas de exploração dos duetos biliares melhorem. COLANGITE A colangite pode ser aguda ou crônica, e os sintomas resultam de inflamação, que é causada em geral por obstrução pelo menos parcial ao fluxo da bile. As bactérias estão presentes na cultura da bile em cerca de 75% dos pacientes com colangite aguda logo no início da evolução sintomática. A manifestação característica da colangite aguda envolve dor biliar, icterícia e picos febris com calafrios (tríade de Charcot). As culturas de sangue são positivas com frequência, e a leucocitose é típica. A colangite aguda não supurativa é extremamente comum, podendo responder com relativa rapidez às medidas de suporte e ao tratamento com antibióticos. Porém, na colangite aguda supurativa, a presença de pus sob pressão em um sistema ductal completamente obstruído dá origem a sintomas decorrentes da toxicidade acentuada – confusão mental, bacteremia e choque séptico. OBS: Pêntade de Reynolds é o conjunto de cinco sinais e sintomas associados à colangite tóxica. São eles: dor abdominal, icterícia, febre com calafrios, hipotensão e confusão mental. COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA (CEP): É uma doença hepática crônica, de etiologia autoimune, caracterizada por fibrose inflamatória que oblitera duetos biliares intra- e extra-hepáticos. Caracteristicamente, os pacientes são homens jovens e apresentam estenoses e dilatações das estruturas ductais, evoluni do para estágio avançado de cirrose biliar, com tendência a cursarem exibindo surtos de colangite bacteriana, hipertensão portal e colangiocarcinoma. São pacientes jovens, entre 25 e 45 anos, podendo ser a doença encontrada entre crianças com menos de 5 anos de idade. Aproximadamente 70% dos pacientes são portadores concomitantes de Retocolite ulcerativa idiopática (RCUI). A colangite é uma síndrome cujas causas podem ser classificadas em: primária (com ou sem colite ulcerativa), infecciosa (bacteriana, oportunista) e vascular (obstrução da artéria hepática, com agentes citotóxicos infundidos na artéria hepática). A resultante final é a fibrose progressiva e o desaparecimento dos ductos biliares intra-hepáticos e/ ou extra-hepáticos. Nas fases iniciais, a lesão predomina no sistema biliar, a destruição dos hepatócitos é mínima e a insuficiência hepática ocorre tardiamente. Na CEP, todos os ductos biliares podem ser envolvidos por processo inflamatório, fibrosante e crônico, que resulta na obliteração da árvore biliar, podendo ocasionar cirrose biliar, hipertensão portal e morte por insuficiência hepática. Endoscopicamente pode-se verificar a presença de varizes esofagogástricas, gastropatia da hipertensão portal e, em alguns casos, retração da papila duodenal. Neoplasias malignas hepáticas e extra-hepáticas ocorrem mais frequentemente em pacientes com CEP. QUADRO CLÍNICO A CEP se expressa clinicamente de duas formas de apresentação: · Doença assintomática: Em geral, a CEP é identificada durante avaliação de paciente com RCUI. Nesse caso, evidenciam-se hepatomegalia e nível sérico elevado de fosfatase alcalina. A comprovação é realizada através da colangiografia endoscópica, ao serem identificadas áreas de estenose e dilatação na árvore biliar intra- e/ou extra-hepática. Esse quadro radiológico também pode ser observado naqueles com doença inflamatória intestinal, evoluindo ainda com valores normais de fosfatase alcalina no sangue periférico. · Doença sintomática: A CEP é uma doença com tendência progressiva. Sintomas inespecíficos traduzem-se por astenia, anorexia, emagrecimento e outros que são rotulados como típicos, tais como dor surda ou em cólica no hipocôndrio direito, prurido, icterícia intermitente, hiperpigmentação cutânea e xantomas. Febre e calafrios são menos frequentemente observados, mas podem aparecer quando há manipulação invasiva ou radiológica do trato biliar. A intensidade da colangite é inversa à da atividade da RCUI. Preocupa a evolução para o adenocarcinoma de cólon nesses pacientes com doença inflamatória colônica, e 6 a 30% de todos os portadores de CEP desenvolverão colangiocarcinoma, em um período de 10 a 30 anos de evolução. COLECISTITE AGUDA A inflamação aguda da parede da vesícula em geral acompanha a obstrução do ducto cístico por um cálculo. A resposta inflamatória pode ser induzida por três fatores: (1) inflamação mecânica produzida por pressão e distensão intraluminais aumentadas com subsequente isquemia da mucosa e da parede da vesícula biliar, (2) inflamação química causada pela liberação de lisolecitina (devido à ação da fosfolipase sobre a lecitina na bile) e por outros fatores teciduais locais, assim como (3) inflamação bacteriana, que pode desempenhar algum papel em 50 a 85% dos pacientes com colecistite aguda. Os organismos frequentemente isolados por cultura da bile da vesícula nesses pacientes incluem Escherichia coli, Klebsiella spp., Streptococcus spp e Clostridium spp. A colecistite aguda costuma começar como uma crise de dor biliar que piora progressivamente. à medida que o episódio progride, a dor da colecistite aguda torna-se mais generalizada no quadrante superior direito do abdome. Como acontece com a cólica biliar, a dor da colecistite pode irradiar-se para a área interescapular, a escápuladireita ou o ombro. Os sinais peritoneais de inflamação, como o agravamento da dor com a movimentação ou a respiração profunda, podem ser evidentes. O paciente apresenta-se anorético e, na maioria das vezes, nauseado. Os vômitos são relativamente comuns, podendo produzir sintomas e sinais de depleção volêmica vascular e extravascular. A icterícia é incomum no início da evolução da colecistite aguda, mas pode ocorrer quando as alterações inflamatórias edematosas acometem os ductos biliares e linfonodos circundantes. Caracteristicamente, a febre é baixa, porém os calafrios ou os arrepios não são incomuns. O QSD do abdome apresenta-se quase invariavelmente hipersensível à palpação. Uma vesícula biliar tensa e aumentada de volume é palpável em 25 a 50% dos pacientes. A respiração profunda ou tosse durante a palpação subcostal do QSD costuma produzir aumento da dor e parada inspiratória (sinal de Murphy). A descompressão dolorosa com hipersensibilidade localizada no QSD é comum, o mesmo ocorrendo com distensão abdominal e ruídos intestinais hipoativos em função do íleo paralítico, porém em geral faltam sinais peritoneais generalizados e rigidez abdominal na ausência de perfuração. O diagnóstico de colecistite aguda é feito habitualmente com base em uma anamnese característica e um bom exame físico. A tríade de início súbito de hipersensibilidade no QSD, febre e leucocitose é altamente sugestiva. OBS: A síndrome de Mirizzi é uma complicação rara na qual um cálculo biliar fica impactado no ducto cístico ou colo da vesícula biliar, causando compressão do colédoco, resultando em obstrução coledociana e icterícia. A ultrassonografia mostra cálculo(s) biliar(es) fora do ducto hepático. Outra causa de icterícia é a síndrome de Mirizzi, justamente caracterizada por colecistite e icterícia. Decorre de um ou dois cálculos, impactados no dueto cístico ou no infundíbulo da vesícula, comprimindo o colédoco ou o canal hepático comum (Mirizzi tipo I). A inflamação torna a situação ainda pior e exerce maior compressão sobre a via biliar. Uma segunda apresentação de Mirizzi é chamada de tipo II e resulta da erosão causada por um cálculo no dueto hepático comum, criando uma fístula colecistocoledociana. Nas duas variedades, a inflamação e o edema resultantes adicionam maior embaraço ao fluxo biliar. Os pacientes evoluem com dor, febre e icterícia. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de colecistite aguda é feito habitualmente com base em uma anamnese característica e um bom exame físico. A tríade de início súbito de hipersensibilidade no QSD, febre e leucocitose é altamente sugestiva. A leucocitose fica entre 10.000 e 15.000 células por microlitro com um desvio para a esquerda na contagem diferencial. A bilirrubina sérica torna-se levemente elevada [< 85,5 μ.mol/L (5 mg/dL)] em menos da metade dos pacientes, enquanto cerca de 25% evidenciam elevações moderadas das aminotransferases séticas (em geral, elevação inferior a 5 vezes). A ultrassonografia demonstra a presença de cálculos em 90 a 95% dos casos, sendo útil na identificação dos sinais de inflamação da vesícula, como o espessamento da parede, líquido pericolecístico e dilatação do dueto biliar. A cintilografia biliar com radionuclídio (p. ex., HIDA) poderá confrrmar o diagnóstico se for visualizada a imagem do dueto biliar sem a visualização da vesícula biliar. Cerca de 75% dos pacientes tratados clinicamente obtêm a remissão dos sintomas agudos dentro de 2-7 dias após a hospitalização. Porém, em 25% dos casos, uma complicação da colecistite aguda ocorre não obstante o tratamento conservador. Nestas circunstâncias, é necessária uma intervenção cirúrgica imediata. Dos 75% dos pacientes com colecistite aguda que conseguem a remissão dos sintomas, cerca de 25% têm recidiva da colecistite dentro de 1 ano, e 60% têm pelo menos um episódio recorrente dentro de 6 anos. Diante da história natural da doença, a colecistite aguda deve ser tratada preferencialmente com cirurgia precoce sempre que possível. COLECISTITE CRÔNICA A inflamação crônica da parede da vesícula está quase sempre associada à presença de cálculos biliares e admite-se que resulta de episódios repetidos de colecistite subaguda ou aguda ou de irritação mecânica persistente da parede por cálculos biliares. Bactérias na bile são observadas em > 25% dos pacientes com colecistite crônica. A presença de bile infectada em um paciente com colecistite crônica submetido a uma colecistectomia eletiva aumenta muito pouco o risco operatório. A colecistite crônica pode ser assintomática por vários anos, pode progredir para doença vesicular sintomática ou colecistite aguda ou manifestar-se com complicações. COLELITIASE De longe, a patologia mais comum envolvendo cálculos e a árvore biliar é a colelitíase. A presença de cálculos biliares é relativamente comum em adultos; estudos epidemiológicos e de investigação clínica demonstram uma incidência de litíase biliar em cerca de 20 a 30% da população, sendo que a grande maioria dos pacientes são assintomáticos. A litíase biliar é rara em crianças e apresenta marcado acréscimo na incidência após a 3ª década de vida. Cerca de 70% dos cálculos biliares são formados por colesterol e cálcio e aqueles de colesterol puro respondendo por uma pequena porção (<10%). De uma maneira geral os cálculos biliares são formados por um desequilíbrio entre os sais biliares, lecitina e colesterol. Eles podem ser o resultado de uma concentração maior de colesterol na bile o que acaba acarretando a formação de cristais que agregados formam os cálculos. A mesma coisa pode acontecer se a concentração de bilirrubina for excessiva, como por exemplo o que acontece nos pacientes com cirrose ou se a vesícula não se esvazia corretamente. Os distúrbios da motilidade da vesícula são mais comuns no paciente idoso, salvo algum fator determinante. A maioria dos cálculos são de colesterol sendo alguns deles mistos. Algumas condições favorecem a formação de cálculos na vesícula e devem ser identificadas pelos médicos por ocasião da consulta. A perda brusca de peso especialmente nos pacientes que foram submetidos a operações com essa finalidade é uma delas e bastante atual face ao número crescente dessas operações em nosso meio. Além dessa gravidez, obesidade, hipotireoidismo, hipertrigliceridemia, cirrose hepática e algumas hemoglobinopatias como esferocitose hereditária, thalassemia e anemia falciforme. Pacientes transplantados que fazem uso por tempo prolongado de ciclosporina apresentam também uma incidência maior de litíase. • Quadro Clínico: O principal sintoma indicativo de colelitíase é a dor. Na maioria das vezes a dor se localiza no hipocôndrio direito podendo se irradiar para o ombro direito, região subescapular, ou para as costas. Sua intensidade é variável e usualmente dura de 1 a 5 horas sendo que na maioria das vezes sua duração não ultrapassa 3 horas. Frequentemente seu início está associado a ingestão de alimentos gordurosos. Não rara vez o paciente que apresenta cólica biliar se queixa de já sentir há algum tempo plenitude pós prandial especialmente após excessos alimentares. Apesar de sua localização ser preferencialmente no quadrante superior direito, o paciente pode se queixar somente de dor na região epigástrica ou na região dorsal. Não é raro que quem tem colelitíase já tenha apresentado vários episódios de dor de pequena intensidade após às refeições, e que foram atribuídas pelos mesmos a má digestão. Devido a sua apresentação atípica o diagnóstico de cálculo na vesícula nem sempre é suspeitado de início pelo médico. Se a dor persistir por mais de cinco horas ou piorar com o passar do tempo o diagnóstico de colecistite aguda se impõem ( inflamação da vesícula ). Ao exame o paciente apresenta dor à palpação do hipocôndrio direito. Em alguns casos, especialmente no paciente idoso, a dor pode estar ausente o que torna o diagnóstico mais difícil. Nesse caso o exame clínico do paciente pode ser normal em relação a via biliar. O diagnóstico de cólica biliar ou colecistite é feito muitas vezes no idosopor um cuidador que informa aos parentes algum aspecto anormal no comportamento do mesmo que merece ser investigado. • Epidemiologia: Dos cerca de 20% dos pacientes que apresentam litíase biliar, apenas 20 a 30% desenvolverão sintomas em um período de 20 anos e apenas 1% apresentará complicações. Em decorrência disso, justifica-se o fato de muitos estudiosos contraindicarem a realização de colecistectomia profilática em pacientes assintomáticos. No entanto, existe um grupo de pacientes em que a colecistectomia profilática, mesmo em um paciente assintomático, deve ser considerada. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de colecodocolitíase é feito habitualmente por colangiografia, seja no pré-operatório por colangiograma retrógrado endoscópico (CRE) ou CPRM ou no intra-operatório durante a colecistectomia. Os cálculos coledocianos devem ser suspeitados nos pacientes com cálculos biliares que apresentam qualquer um dos seguintes fatores de risco: ( 1) história de icterícia ou pancreatite ou (2) testes anormais da função hepática e (3) evidência ultrassonográfica de colédoco dilatado ou cálculos no dueto. Como alternativa, se a colangiografia intra-operatória revelar cálculos retidos, poderá ser realizada CPRE pós-operatória. Espera-se que a necessidade de realizar CPRE pré-operatória diminua à medida que as técnicas laparoscópicas de exploração dos duetos biliares melhorem. A utilização generalizada da colecistectomia laparoscópica e CPRE reduziu a incidência de doença complicada do trato biliar assim como a necessidade de realizar uma coledocolitotomia e drenagem por tubo em T dos duetos biliares. A EBE seguida por passagem espontânea ou extração do cálculo constitui o tratamento de escolha no atendimento dos pacientes com cálculos coledocianos, especialmente nos pacientes idosos ou de alto risco. RESUMO DA PARTE DA ABERTURA DO PROBLEMA 2: COLECISTITE AGUDA CALCULOSA A colecistite aguda constitui um processo patológico inflamatório da vesícula biliar consequente à obstrução aguda do ducto cístico. Embora seja mais frequente no sexo feminino, o número de pacientes do gênero masculino aumenta com o avanço das faixas etárias, chegando a 30% dos casos acima dos 65 anos. Apresenta-se como uma emergência cirúrgica e geralmente requer hospitalização para tratamento. Está associada com significativa morbimortalidade, especialmente em doentes idosos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A colecistite aguda costuma começar como uma crise de dor biliar que piora progressivamente. Cerca de 60 a 70% dos pacientes relatam já haver experimentado crises precedentes que regrediram espontaneamente. Porém, à medida que o episódio progride, a dor da colecistite aguda torna-se mais generalizada no quadrante superior direito do abdome. Como acontece com a cólica biliar, a dor da colecistite pode irradiar-se para a área interescapular, a escápula direita ou o ombro. Os sinais peritoneais de inflamação, como o agravamento da dor com a movimentação ou a respiração profunda, podem ser evidentes. O paciente apresenta-se anorético e, na maioria das vezes, nauseado. Os vômitos são relativamente comuns, podendo produzir sintomas e sinais de depleção volêmica vascular e extravascular. A icterícia é incomum no início da evolução da colecistite aguda, mas pode ocorrer quando as alterações inflamatórias edematosas acometem os ductos biliares e linfonodos circundantes. Caracteristicamente, a febre é baixa, porém os calafrios ou os arrepios não são incomuns. O QSD do abdome apresenta-se quase invariavelmente hipersensível à palpação. Uma vesícula biliar tensa e aumentada de volume é palpável em 25 a 50% dos pacientes. A respiração profunda ou tosse durante a palpação subcostal do QSD costuma produzir aumento da dor e parada inspiratória (sinal de Murphy). A descompressão dolorosa com hipersensibilidade localizada no QSD é comum, o mesmo ocorrendo com distensão abdominal e ruídos intestinais hipoativos em função do íleo paralítico, porém em geral faltam sinais peritoneais generalizados e rigidez abdominal na ausência de perfuração. O diagnóstico de colecistite aguda é feito habitualmente com base em uma anamnese característica e um bom exame físico. A tríade de início súbito de hipersensibilidade no QSD, febre e leucocitose é altamente sugestiva. PANCREATITE AGUDA A pancreatite aguda é definida pela inflamação aguda do pâncreas, que pode envolver tecidos peripancreáticos e/ou órgãos a distância. É uma doença comum e com amplo espectro de apresentação, variando desde formas leves, que são mais comuns e respondem bem ao tratamento conservador, até formas graves, que requerem internações prolongadas em unidades de terapia intensiva, uso de antimicrobianos de amplo espectro e intervenções cirúrgicas. A morbimortalidade também se dicotomiza, sendo baixa nos casos leves e elevada nos casos graves, sobretudo, naqueles com necrose pancreática infectada. Para a distinção entre essas formas, utilizam-se critérios clínicos, laboratoriais e radiológicos isolados ou agrupados sob a forma de escores prognósticos. Apesar de sua frequência elevada e sua morbimortalidade, a fisiopatologia da pancreatite aguda é pouco conhecida, e as evidências referentes a seu tratamento ideal são de pouca qualidade. EPIDEMIOLOGIA A incidência da pancreatite aguda varia de 4,8 a 24,2 casos/100.000 habitantes em países desenvolvidos, mas não há dados concretos a respeito de sua incidência no Brasil. Acredita-se, todavia, que ela se encontra subestimada, pois, em nosso meio, a ingestão de álcool em quantidades capazes de provocar lesão pancreática é bastante comum, e a disponibilidade de meios diagnósticos e de assistência médica adequada é bastante heterogênea no território nacional. A mortalidade na pancreatite aguda respeita um padrão bimodal. Nas primeiras duas semanas, costuma ocorrer em virtude da resposta inflamatória sistêmica e das disfunções orgânicas por ela induzidas. Após esse período, costuma acontecer por causa de complicações infecciosas da doença. O melhor conhecimento a respeito da fisiopatologia da doença e o desenvolvimento e implementação de medidas terapêuticas reduziram a mortalidade dos casos graves, embora ela ainda atinja 30% em algumas casuísticas. É interessante ressaltar que as pancreatites graves geralmente são de etiologia biliar. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Dor abdominal é a principal queixa da maioria dos pacientes com pancreatite aguda. Sua intensidade é variável, desde um desconforto sutil à dor incapacitante. Caracteristicamente é contínua, mal definida, localizada no epigástrio ou andar superior do abdome, irradiando-se para o dorso, mas também podendo atingir os flancos direito ou esquerdo. Seu alívio ocorre na posição genupeitoral e há agravamento com posição supina e com esforço. Em 90% dos casos, a dor é acompanhada de náuseas e vômitos, possivelmente relacionados à intensidade da dor ou à inflamação da parede posterior do estômago. O exame físico desses pacientes varia conforme a gravidade do quadro. Na doença leve, revela desconforto abdominal à palpação do epigástrio e andar superior do abdome, em que pode ser notado “plastrão” (massa) inflamatório. Não são habitualmente notados sinais de distensão abdominal ou descompensação hemodinâmica. Nas formas graves, notam-se paciente agudamente enfermo, com sinais de toxemia, abdome doloroso, distendido, com respirações superficiais em virtude de irritação frênica pelo processo inflamatório, e evidências de irritação peritoneal. Outros sinais de gravidade incluem: hipotensão, taquicardia, febre e íleo paralítico. Hipotensão não é infrequente nessa situação. Alterações sensoriais podem ser notadas, caracterizando a chamada encefalopatia pancreática. Até 25% dos pacientes encontram-se ictéricos por causa de litíase biliar, seja por coledocolitíase com ou sem colangite aguda, seja pela passagem do cálculo biliar pela via biliar principal associada a edema da papila duodenal. Hemorragia digestiva pode ocorrer em função de úlceras de estresse ou de síndrome de Mallory-Weiss secundária a vômitos intensos. SEMIOTÉCNICAICTERÍCIA A anamnese e o exame físico adequados geralmente indicam a etiologia da icterícia e é importante para os diagnósticos diferenciais. Anamnese A história clínica completa é, talvez, a parte mais importante da avaliação do paciente com icterícia de origem desconhecida. Deve-se considerar o uso de ou a exposição a qualquer substância química ou medicamento, quer prescritos pelo médico, quer adquiridos sem prescrição, utilização de medicinas complementares ou alternativas, (p. ex., fitoterápicos e compostos vitamínicos), ou outros medicamentos, como esteroides anabolizantes. O paciente deve ser cuidadosamente inquirido sobre possíveis exposições parenterais, como transfusões, uso de drogas intravenosas e intranasais, tatuagens e atividade sexual. Também são importantes história de viagem recente, exposição a pessoas ictéricas, a alimentos possivelmente contaminados, exposição ocupacional a hepatotoxinas, consumo de álcool, duração da icterícia e presença de quaisquer sinais ou sintomas associados, como artralgias, mialgias, exantema, anorexia, perda ponderal, dor abdominal, febre, prurido, bem como alterações na urina e nas fezes. Embora nenhuma dessas últimas manifestações seja específica de qualquer distúrbio, qualquer uma delas pode sugerir um diagnóstico em particular. História de artralgias e mialgias antecedendo a icterícia sugere hepatite, seja viral ou medicamentosa. A icterícia associada a início súbito de dor intensa no quadrante superior direito e calafrios sugere coledocolitíase e colangite ascendente. Exame físico A avaliação geral deve incluir o estado nutricional do paciente. A emaciação dos músculos temporais e proximais sugere doenças prolongadas, como câncer de pâncreas ou cirrose. Os estigmas de doença hepática crônica, incluindo aranhas vasculares, eritema palmar, ginecomastia, cabeça de medusa, contraturas de Dupuytren, aumento da glândula tireoide e atrofia testicular, são comumente observados na cirrose alcoólica avançada (de Laennec) e, às vezes, em outros tipos de cirrose. Um linfonodo supraclavicular esquerdo aumentado (nódulo de Virchow) ou linfonodo periumbilical (nódulo da irmã Maria José) sugerem câncer abdominal. A distensão venosa jugular, um sinal de insuficiência cardíaca direita, faz pensar em congestão hepática. Nos casos de cirrose avançada, é possível encontrar derrame pleural à direita em pacientes sem ascite clinicamente evidente. O exame do abdome deve avaliar tamanho e consistência do fígado, se o baço está palpável e, portanto, aumentado, e presença de ascite. Os pacientes com cirrose podem ter aumento do lobo hepático esquerdo, percebido abaixo do processo xifoide, e aumento do baço. Um fígado nodular nitidamente aumentado ou a evidência de massa abdominal sugerem câncer. A identificação de fígado aumentado e doloroso indica hepatite viral ou alcoólica, processo infiltrativo, como amiloidose, ou, com menor frequência, congestão hepática aguda secundária à insuficiência cardíaca direita. A dor intensa no quadrante superior direito com suspensão da respiração à inspiração (sinal de Murphy) sugere colecistite. A ascite na presença de icterícia aponta para cirrose ou câncer com disseminação peritoneal. Exames de laboratório Há uma bateria de testes que é útil na avaliação inicial de paciente com icterícia a ser esclarecida. Tais exames incluem bilirrubina sérica total e direta com fracionamento, dosagens de aminotransferases, fosfatase alcalina, albumina; e tempo de protrombina. Os testes enzimáticos (alanina aminotransferase [ALT], aspartato aminotransferase [AST] e fosfatase alcalina [ALP]) são valiosos para diferenciar entre processos hepatocelulares e colestáticos, uma etapa essencial para que se determine a indicação de investigações adicionais. Os pacientes com processo hepatocelular geralmente apresentam aumento das aminotransferases desproporcional ao da ALP, enquanto aqueles com processo colestático apresentam aumento da ALP desproporcional ao das aminotransferases. A bilirrubina sérica pode estar acentuadamente elevada tanto nos distúrbios hepatocelulares quanto nos colestáticos e, portanto, não é necessariamente útil na diferenciação entre os dois. Além da dosagem das enzimas, em todos os pacientes ictéricos devem ser solicitados exames sanguíneos adicionais, especificamente dosagem de albumina e tempo de protrombina, para avaliar a função hepática. Níveis baixos de albumina sugerem processo crônico, como cirrose ou câncer. Valores normais de albumina sugerem um processo mais agudo, como hepatite viral ou coledocolitíase. Tempo de protrombina elevado indica deficiência de vitamina K em decorrência de icterícia prolongada e má absorção de vitamina K ou disfunção hepatocelular significativa. A incapacidade de corrigir o tempo de protrombina com a administração parenteral de vitamina K revela lesão hepatocelular grave. Os resultados das dosagens de bilirrubina, das enzimas e da albumina, além da determinação do tempo de protrombina, geralmente indicam se um paciente ictérico apresenta doença hepatocelular ou colestática e fornecem algumas indicações acerca da duração e da gravidade da doença. As causas e a avaliação da doença hepatocelular são muito diferentes das da doença colestática. Distúrbios hepatocelulares Entre as doenças hepatocelulares que podem causar icterícia, estão hepatite viral, toxicidades medicamentosa ou ambiental, alcoolismo e cirrose terminal por qualquer causa. A doença de Wilson ocorre principalmente em adultos jovens. A hepatite autoimune é caracteristicamente observada em mulheres jovens e de meia-idade, mas pode acometer homens e mulheres de qualquer idade. A hepatite alcoólica pode ser diferenciada das hepatites virais e relacionadas com toxinas pelo padrão das aminotransferases: os pacientes com hepatite alcoólica caracteristicamente apresentam relação AST-ALT no mínimo de 2:1, e a dosagem de AST raramente ultrapassa 300 U/L. Os pacientes com hepatite viral aguda e lesão ligada a uma toxina grave o suficiente para produzir icterícia apresentam níveis de aminotransferases > 500 U/L, com a ALT maior ou igual à AST. Enquanto nas doenças hepáticas hepatocelular ou colestática são observados valores de ALT e AST < 8 vezes acima do normal, nas doenças hepatocelulares agudas observam-se valores 25 vezes ou mais acima do normal. Os pacientes com icterícia decorrente de cirrose podem apresentar níveis de aminotransferases normais ou ligeiramente aumentados. Quando o médico conclui que o paciente é portador de doença hepatocelular, os testes a serem realizados para hepatite viral aguda são pesquisa de IgM para hepatite A, pesquisa de IgM para antígenos de superfície e core da hepatite B, teste de RNA do vírus da hepatite C e, dependendo das circunstâncias, pesquisa de anticorpos IgM para hepatite E. Como é possível que haja necessidade de muitas semanas para que o anticorpo anti-hepatite C seja detectável, a pesquisa é um teste pouco confiável em caso de suspeita de hepatite C aguda. Também é possível que haja indicação para investigação das hepatites virais D e E, do vírus de EpsteinBarr (EBV) e do citomegalovírus (CMV). A dosagem de ceruloplasmina é o teste inicial de rastreamento para a doença de Wilson. Os exames para hepatite autoimune comumente incluem ensaios de fatores antinucleares e dosagem de imunoglobulinas específicas. A lesão hepatocelular induzida por fármacos pode ser classificada como previsível ou imprevisível. As reações medicamentosas previsíveis são dependentes da dose e afetam todos os pacientes que ingerem uma dose tóxica do medicamento em questão. O exemplo clássico é a hepatotoxicidade por paracetamol. As reações medicamentosas imprevisíveis, ou idiossincrásicas, não dependem da dose e ocorrem em uma minoria dos pacientes. Um grande número de medicamentos pode provocar lesão hepática idiossincrásica. As toxinas ambientais também são uma importante causa de lesão hepatocelular. São exemplos algumas substâncias químicas industriais, como o cloreto de vinil, fitoterápicos que contenham alcaloidesda pirrolizidina (chá da Jamaica) ou cava-cava, bem como os cogumelos Amanita phalloides e A. verna, que contêm amatoxinas altamente hepatotóxicas. Distúrbios colestáticos Quando o padrão dos exames hepáticos sugere distúrbio colestático, a próxima etapa é determinar se a colestase é intra ou extra-hepática. Algumas vezes é difícil a diferenciação entre colestase intra-hepática e extra-hepática. História, exame físico e testes laboratoriais frequentemente não são esclarecedores. O próximo exame a ser solicitado é a ultrassonografia. A ultrassonografia é um exame de baixo custo, que não expõe o paciente à radiação ionizante e é capaz de detectar dilatação da árvore biliar intra e extra-hepática com alto grau de sensibilidade e especificidade. A ausência de dilatação biliar sugere colestase intra-hepática, enquanto sua presença indica colestase extra-hepática. Ocorrem resultados falso-negativos em pacientes com obstrução parcial do ducto colédoco ou naqueles com cirrose ou colangite esclerosante primária (CEP), em que a fibrose impede que os canais intra-hepáticos sofram dilatação. Embora a US possa indicar colestase extra-hepática, ela raramente identifica o local ou a causa da obstrução. O ducto colédoco distal é uma área particularmente difícil de visualizar com a ultrassonografia (US) em razão do gás intestinal sobrejacente. Os exames indicados a seguir são tomografia computadorizada (TC), colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) e colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) e ultrassonografia endoscópica (USE). A TC e a CPRM são melhores do que a US para avaliar a cabeça do pâncreas e identificar a coledocolitíase no colédoco distal, principalmente quando os ductos não estão dilatados. A CPRE é o “padrão-ouro” para diagnóstico de coledocolitíase. Além de suas capacidades diagnósticas, a CPRE possibilita intervenções terapêuticas, incluindo remoção de cálculos do ducto colédoco e instalação de endopróteses (stents). A CPRM substituiu a CPRE como exame diagnóstico inicial em casos nos quais se supõe que a necessidade de intervenção seja pequena. A USE tem sensibilidade e especificidade comparáveis às da CPRM na detecção de obstrução do ducto colédoco. A USE também permite biópsia em caso de lesão suspeita de malignidade, mas é um procedimento invasivo que requer sedação. Nos pacientes sob suspeita de colestase intra-hepática, o diagnóstico é frequentemente definido por testes sorológicos em combinação com biópsia hepática percutânea. A lista de causas possíveis de colestase intra-hepática é longa e variada. Diversas afecções que caracteristicamente produzem alterações com padrão hepatocelular também podem se apresentar como variante colestática. Os vírus das hepatites B e C podem causar hepatite colestática (hepatite colestática fibrosante). Essa variante da doença foi relatada em pacientes submetidos a transplante de órgão sólido. As hepatites A e E, a hepatite alcoólica e as infecções por EBV e CMV também podem apresentar-se como hepatopatia colestática. Alguns medicamentos podem causar colestase intra-hepática, que geralmente é reversível com a suspensão do agente agressor, embora a resolução da colestase possa levar muitos meses. Os medicamentos mais comumente associados à colestase são os esteroides anabolizantes e os contraceptivos. Há relatos de hepatite colestática com o uso de clorpromazina, imipramina, tolbutamida, sulindaco, cimetidina e estolato de eritromicina. Também pode ocorrer em pacientes tratados com trimetoprima; sulfametoxazol; e antibióticos à base de penicilina, como ampicilina, dicloxacilina e ácido clavulânico. Raramente, a colestase se torna crônica e associada à fibrose progressiva apesar da suspensão precoce do medicamento. A colestase crônica foi associada ao uso de clorpromazina e proclorperazina. RESUMO DA PARTE DA INTERMEDIÁRIA DO PROBLEMA 2: COLECISTITE AGUDA CALCULOSA ETIOPATOGENIA A causa mais frequente é a litíase, responsável por 90% dos casos. O quadro agudo pode ser a primeira manifestação de doença biliar em 25 a 77% dos portadores de cálculos vesiculares. A colecistite aguda associada a obstrução por câncer de vesícula, observada em 4% de nossos casos, apresenta incidência de 1 a 16% em outras casuísticas, que aumenta progressivamente de acordo com as faixas etárias. Outros fatores além dos cálculos biliares podem determinar colecistite aguda em situações específicas. A colecistite aguda alitiásica pode ocorrer tanto em adultos quanto em crianças, durante a nutrição parenteral prolongada e/ou quadros críticos, como o período pós-operatório de grandes operações, politrauma e outras complicações que causem internação prolongada em terapia intensiva. A colecistite alitiásica tem sido atribuída a inúmeros fatores que podem atuar sinergicamente: a má perfusão tecidual causada por hipovolemia, sepse, estímulo adrenérgico, aterosclerose, aumento da concentração de bilirrubinas na bile acarretado por reabsorção de hematomas, politransfusão e desidratação. O jejum prolongado, assim como a nutrição endovenosa, diminui a motilidade vesicular. Alterações da perfusão sanguínea podem também contribuir para a etiopatogenia da doença. Em vesículas extraídas por colecistite alitiásica observaram-se múltiplas oclusões em ramificações arteriais. A isquemia vesicular também pode ocorrer por trombose ou embolia de artéria cística, consequente a manipulações arteriais na vigência de arteriografias 6 ou quimioterapia intra-arterial ou, ainda, associada a doenças arteriais, como poliarterite nodosa e hipertensão maligna. Os quadros de colecistite aguda em pacientes críticos decorrem de cálculos biliares em apenas 40% dos casos. A colocação de próteses biliares pode ser fator de colecistite aguda que geralmente é grave, com áreas de necrose, uma vez que é sempre acompanhada de processo infeccioso secundário à contaminação inerente ao procedimento endoscópico. Na síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) frequentemente a colecistite aguda também é alitiásica, e cálculos vesiculares estão presentes em 14 a 29% dos casos. O quadro clínico é peculiar, evolui de modo mais lento e sem a gravidade das outras colecistites alitiásicas e, geralmente, está associado à inflamação da via biliar. A presença de citomegalovírus ou Cryptosporidium é frequente, porém, ainda não foi esclarecida a participação desses e de outros agentes oportunistas na gênese do processo. É possível que o citomegalovírus, infectando a arteríola, possa causar isquemia e necroses focais ou, então, que o próprio HIV seja responsável pelas lesões. FISIOPATOLOGIA A inflamação aguda da parede da vesícula em geral acompanha a obstrução do ducto cístico por um cálculo. A resposta inflamatória pode ser induzida por três fatores: (1) inflamação mecânica produzida por pressão e distensão intraluminais aumentadas com subsequente isquemia da mucosa e da parede da vesícula biliar, (2) inflamação química causada pela liberação de lisolecitina (devido à ação da fosfolipase sobre a lecitina na bile) e por outros fatores teciduais locais, assim como (3) inflamação bacteriana, que pode desempenhar algum papel em 50 a 85% dos pacientes com colecistite aguda. Os organismos frequentemente isolados por cultura da bile da vesícula nesses pacientes incluem Escherichia coli, Klebsiella spp., Streptococcus spp e Clostridium spp. O mecanismo pelo qual se desencadeia a colecistite aguda é a impactação de cálculo no infundíbulo da vesícula ou no ducto cístico, causando distensão do órgão e fortes contrações que se traduzem clinicamente por cólica biliar. O cálculo, comprimindo a mucosa, acarreta edema e ulceração local. A parede da vesícula produz fosfolipase-A, que age sobre as lecitinas da bile, produzindo lisolecitina (que é irritante de mucosas) e provavelmente prostaglandinas, via ácido araquidônico, que desencadeiam o processo inflamatório. A inflamação aumenta o edema da vesícula e acaba por comprimir as circulações venosa e linfática, formando um círculo vicioso que mantém o processo e propicia ascomplicações. A infecção secundária pode ser verificada em 50% das culturas de bile colhidas da vesícula durante a ope - ração − chegando a 80% nos casos em que há gangrena de vesícula. São encontrados patógenos intestinais aeróbios e anaeróbios. Os aeróbios mais frequentes são Escherichia coli, Klebsiella, Proteus e Streptococcus faecalis. Os anaeróbios, presentes em 10% dos casos, mais frequentes são Peptostreptococcus, Clostridium perfringens e Bacteroides fragilis. A infecção pode evoluir para empiema da vesícula, necrose em áreas delimitadas ou gangrena enfisematosa, em razão da presença de anaeróbios. A colecistite enfisematosa é característica de pacientes diabéticos, idosos ou que apresentem outras causas de imunodeficiência. As áreas necróticas podem apresentar perfuração na parede posterior da vesícula, aderida ao fígado, causando abscesso intra-hepático, ou na parede anterior, livre, causando peritonite. Frequentemente, esse extravasamento é bloqueado pelo epíplon, pelo cólon e pelo duodeno, juntos ou isoladamente, for - mando abscesso perivesicular. O processo de infla - mação e necrose pode perfurar órgãos que estejam participando do bloqueio, causando fístula interna cujo quadro clínico vai depender do órgão envolvido. Essas fístulas, sejam com o cólon, via biliar ou duodeno, propiciam cronificação do quadro. A coalescência inflamatória do infundíbulo da vesícula com a via biliar é conhecida como síndrome de Mirizzi, cuja apresentação mais característica é icterícia obstrutiva. O processo inflamatório nesse local é o maior responsável por lesões cirúrgicas da via biliar. Quando a coalescência inflamatória ocorre entre a vesícula e o duodeno, a necrose e fistulização permitem a passagem de grandes cálculos para intestino delgado, onde podem causar obstrução intestinal, mais tipicamente na válvula ileocecal. Esse quadro é conhecido como íleo biliar ou síndrome de Bouveret. PANCREATITE AGUDA ETIOLOGIA · Litíase biliar A migração de cálculos biliares é a principal causa de pancreatite aguda, respondendo por aproximadamente 40% dos casos. O mecanismo pelo qual os cálculos provocam a pancreatite aguda é desconhecido, mas as hipóteses são: 1) a passagem do cálculo resulta em edema transitório da papila, logo, em discreta obstrução ao esvaziamento do ducto pancreático principal; e 2) durante a passagem do cálculo através da ampola, há refluxo de bile em virtude de obstrução transitória. Apesar de a litíase biliar ser a principal causa de pancreatite aguda, apenas 3 a 7% dos pacientes portadores de cálculos desenvolvem pancreatite aguda. Os principais fatores de risco para sua ocorrência são sexo masculino e cálculos menores que 5 mm. É relevante mencionar que a pancreatite biliar é mais comum em mulheres, pois a litíase é muito mais comum entre elas que entre homens. · Álcool O álcool é responsável por 30% das pancreatites agudas, afetando predominantemente homens jovens com história de consumo alcoólico abusivo. De modo geral, considera-se que os pacientes que apresentam pancreatite aguda por álcool apresentam, na maioria das vezes, evidências funcionais ou morfológicas de pancreatite crônica, de tal maneira que é inadequado falar em pancreatite aguda, mas, sim, em pancreatite crônica agudizada. · Hipertrigliceridemia Esta é uma importante causa de pancreatite aguda não traumática em pacientes sem litíase biliar ou antecedente de consumo de álcool. Os pacientes geralmente apresentam soro lipêmico em virtude de níveis de triglicerídes plasmáticos maiores que 1.000 mg/dL, havendo claro predomínio de VLDL (very low density lipoprotein) e quilomícrons. O mecanismo pelo qual há lesão pancreática não é bem conhecido, mas parece envolver liberação de ácidos graxos livres e lesão direta das células acinares pancreáticas e do endotélio. A maioria dos adultos com pancreatite aguda por hipertrigliceridemia tem hiperlipidemia dos tipos I, II ou V, segundo a Classificação de Fredrickson e Lees. Importante pesquisar ocorrência de hiperlipidemia secundária a medicamentos (p. ex., estrógenos, tamoxifeno, inibidores de protease, corticoides), diabete, hipotireoidismo, síndrome nefrótica e outras causas de hiperlipidemia. De maneira geral, três tipos de pacientes apresentam pancreatite aguda por hipertrigliceridemia: 1) diabéticos mal controlados com antecedente de hipertrigliceridemia; 2) alcoolistas com hipertrigliceridemia; e 3) indivíduos magros, não diabéticos e não alcoolistas com hipertrigliceridemia induzida por drogas. Neste último caso, a chance de ocorrência de uma pancreatite aguda é maior se houver hipertrigliceridemia de base. · Drogas Medicamentos são causa incomum de pancreatite aguda, respondendo por aproximadamente 1,4% dos casos. Apesar de sua baixa frequência, desponta como um problema emergente, pois acredita-se que ela se deva à subestimação de sua frequência, uma vez que, para seu diagnóstico, é necessário alto índice de suspeita. · Infecções Vários agentes infecciosos são potenciais causadores de pancreatite aguda, mas a frequência com que estas ocorrem é desconhecida. O diagnóstico etiológico nesses casos é complexo e depende da definição do quadro de pancreatite paralelamente à definição da existência da infecção. Uma pancreatite aguda de causa infecciosa deve ser cogitada se o paciente apresentar a síndrome causada pelo agente infeccioso, o que ocorre na maioria dos casos. FISIOPATOLOGIA (pelo tratado de gastro) Pancreatites agudas têm como evento inicial a ativação prematura do tripsinogênio no interior das células pancreáticas em quantidades suficientes para superar os mecanismos de defesa capazes de proteger o pâncreas da tripsina ativada. O resultado disso é a ativação seriada dos demais zimogênios e da fosfolipase A2, promovendo autodigestão do parênquima pancreático. Essa agressão inicial resulta em complicações inflamatórias locais e desencadeamento de uma resposta inflamatória sistêmica. Os mecanismos implicados incluem lesão endotelial, liberação de citocinas pró e anti-inflamatórias, estresse inflamatório e translocação bacteriana a partir do trato gastrointestinal, sobretudo o cólon. A migração de grandes contingentes de células inflamatórias para o pâncreas faz que a agressão se perpetue e possa se generalizar. As alterações microcirculatórias são importantes dentro da fisiopatologia das formas mais graves. Observam-se vasoconstrição, estase capilar, shunts arteriovenosos, aumento da permeabilidade capilar e isquemia tecidual. Isso pode causar edema local e, nos casos mais graves, esse processo pode se generalizar e resultar em extravasamento de quantidades relevantes de água livre do plasma para o terceiro espaço, provocando hipotensão e hemoconcentração. Circulação sistêmica das citocinas (IL-1, IL-8, IL6, TNF-alfa), fosfolipase A2 e espécies reativas do oxigênio provoca ocorrência de lesões em órgãos a distância e quadro de disfunção de múltiplos órgãos, entre os quais destaca-se principalmente a síndrome do desconforto respiratório do adulto. Na fase tardia das pancreatites agudas graves, infecções do tecido pancreático e peripancreático surgem como principal causa de mortalidade. Hipotensão secundária ao extravasamento de água livre para o terceiro espaço por alteração da permeabilidade capilar resulta em isquemia intestinal e queda da barreira mucosa, ocasionando o surgimento de microfraturas epiteliais que permitem deslocamento de microrganismos provenientes da luz do cólon para a circulação linfática e venosa. Cabe ressaltar que, muitas vezes, esses pacientes têm algum grau de supercrescimento bacteriano subclínico, seja por íleo prolongado ou por uso concomitante de antimicrobianos de amplo espectro. Uma vez em contato com o tecido pancreático necrótico, esses microrganismos encontram ambiente propício para sua proliferação. (pelo harrison) Patologicamente, a pancreatite aguda varia desde pancreatite intersticial (suprimento sanguíneo do pâncreas mantido), a qual costuma ser autolimitada, até pancreatite necrosante (suprimento sanguíneo do pâncreas interrompido),na qual a extensão da necrose pode estar relacionada com a gravidade da crise e suas complicações sistêmicas. A autodigestão é uma teoria patogênica atualmente aceita; de acordo com essa teoria, ocorre pancreatite quando as enzimas proteolíticas (p. ex., tripsinogênio, quimiotripsinogênio, proelastase e enzimas lipolíticas, como a lipase A2) são ativadas nas células acinares do pâncreas em vez do lúmen intestinal. Acredita-se que diversos fatores (p. ex., endotoxinas, exotoxinas, infecções virais, isquemia, estresse oxidativo, cálcio lisossômico e traumatismo direto) facilitam a ativação da tripsina. As enzimas proteolíticas ativadas, em particular a tripsina, não apenas digerem os tecidos pancreáticos e peripancreáticos, como também podem ativar outras enzimas, como a elastase e a fosfolipase A2. Pode também ocorrer ativação espontânea da tripsina. Ativação das enzimas pancreáticas na patogênese da pancreatite aguda Vários estudos recentes sugeriram que a pancreatite é uma doença que evolui em três fases. · A fase inicial caracteriza-se pela ativação intrapancreática das enzimas digestivas e por uma lesão das células acinares. A ativação da tripsina parece ser mediada por hidrolases lisossômicas, como a catepsina B, que passam a se localizar juntamente com as enzimas digestivas em organelas intracelulares; na atualidade, acredita-se que a lesão das células acinares seja consequência da ativação da tripsina. · A segunda fase da pancreatite envolve a ativação, a quimioatração e o sequestro dos neutrófilos e macrófagos no pâncreas, resultando em reação inflamatória intrapancreática aumentada. Foi mostrado que a depleção de neutrófilos induzida pela administração prévia de um soro antineutrofílico reduz a gravidade da pancreatite induzida experimentalmente. Existe também evidência sustentando o conceito de que os neutrófilos podem ativar o tripsinogênio. Por conseguinte, a ativação intrapancreática do tripsinogênio pelas células acinares pode ser um processo em duas etapas (i.e., uma fase inicial independente dos neutrófilos e uma fase posterior dependente dos neutrófilos). · A terceira fase da pancreatite é devida aos efeitos das enzimas proteolíticas ativadas e das citocinas, liberadas pelo pâncreas inflamado, sobre órgãos distantes. As enzimas proteolíticas ativadas, em especial a tripsina, não apenas digerem os tecidos pancreáticos e peripancreáticos, mas também ativam outras enzimas, como elastase e fosfolipase A2. Em seguida, as enzimas ativas e as citocinas digerem as membranas celulares e causam proteólise, edema, hemorragia intersticial, dano vascular, necrose por coagulação, necrose gordurosa e necrose das células parenquimais. A lesão celular e a morte resultam na liberação dos peptídeos da bradicinina, das substâncias vasoativas e da histamina que podem produzir vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e edema com profundos efeitos sobre muitos órgãos. A síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), assim como a falência de múltiplos órgãos, podem ocorrer como resultado dessa cascata de efeitos locais e distantes. Vários fatores genéticos podem aumentar a suscetibilidade e/ou modificar a intensidade da lesão pancreática na pancreatite aguda, pancreatite recorrente e pancreatite crônica. Todos os principais fatores de suscetibilidade genética se concentram no controle da atividade da tripsina dentro da célula acinar pancreática, em parte porque foram identificados como genes candidatos ligados ao controle intrapancreático da tripsina. Foram identificadas cinco variantes genéticas associadas com a suscetibilidade à pancreatite. Os genes identificados incluem (1) gene do tripsinogênio catiônico (PRSS1), (2) inibidor da tripsina secretória pancreática (SPINK1), (3) gene regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR), (4) gene C da quimiotripsina (CTRC) e (5) receptor sensor de cálcio (CASR). DIAGNÓSTICO Para o diagnóstico de pancreatite aguda, utilizam-se os seguintes critérios: 1) dor abdominal persistente, de forte intensidade, localizada no andar superior do abdome, com irradiação para o dorso e associada a náuseas e vômitos; 2) amilase e/ou lípase ≥ 3 vezes o limite superior da normalidade; e 3) achados tomográficos compatíveis com pancreatite aguda.Dosagem das enzimas pancreáticas é o exame laboratorial mais indicado para diagnóstico da pancreatite aguda, mas, apesar disso, podem se encontrar alterada em grande número de condições pancreáticas e não pancreáticas, de modo que elevações discretas devem ser analisadas dentro de um contexto clínico bastante amplo. O intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a dosagem das enzimas deve ser mantido em mente, pois elevações persistentes das enzimas após a resolução do quadro sugerem presença de complicações, como pseudocistos. Elevações superiores a 3 vezes o limite superior da normalidade são consideradas mais específicas para o diagnóstico de pancreatite aguda. Os níveis séricos dessas enzimas não têm qualquer implicação prognóstica. Há divergência a respeito da eficácia da combinação desses dois ensaios para diagnóstico da pancreatite. Além disso, classificação mais amplamente adotada para o estudo das pancreatites agudas é a Classificação de Atlanta. PROGNÓSTICO Pancreatite aguda tem curso clínico bastante distinto nas formas leves e graves. Formas leves cor respondem a 85% do total das pancreatites agudas e caracterizam-se por seu curso autolimitado com melhora clínica em até sete dias com o tratamento conservador com jejum e analgésicos. A mortalidade nessa situação é de aproximadamente 3%. Forma grave, por outro lado, associa-se a até 30% de mortalidade, e pacientes costumam apresentar disfunções orgânicas múltiplas, complicações infecciosas e necessidade de internação prolongada em ambiente de terapia intensiva. Por essa dicotomia, torna-se muito importante determinação prognóstica e reconhecimento precoce das formas graves, de modo a se implementar medidas de monitorização e tratamento intensivos naqueles casos considerados mais severos. Para tanto, foram desenvolvidos diversos escores prognósticos e identificados parâmetros clínicos e laboratoriais capazes de predizer a gravidade. · Escore de Ranson é o mais tradicional, mas tem como desvantagem principal a necessidade de pelo menos 48 horas de observação após a admissão para a definição do prognóstico. Uma pontuação ≥ 3 indica quadros graves. · Escore APACHE II avalia uma série de parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo mais trabalhoso para ser calculado, mas permitindo a avaliação dos pacientes de forma mais rápida que o escore de Ranson, não sendo necessárias 48 horas. Na verdade, esse escore pode ser calculado várias vezes ao longo do dia para avaliar a resposta do paciente ao tratamento instituído. Escore APACHE II ≥ 8 sugere quadros graves. · Escore de Balthazar-Ranson baseia-se nos achados da tomografia de abdome para predizer gravidade, não considerando parâmetros clínicos ou laboratoriais. Pontuação total ≥ 6 indica quadros graves. · Idade avançada (≥ 55 anos), obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) e presença de disfunções orgânicas à admissão sem reversão por mais de 48 horas são parâmetros clínicos simples que sugerem quadros mais graves. Diversos parâmetros laboratoriais também podem ser utilizados, como hemoconcentração, altos níveis de proteína C reativa e dosagens elevadas de IL-6, IL-8, elastase neutrofílica, fosfolipase A2 e peptídio ativador do tripsinogênio, estes últimos pouco disponíveis na prática clínica diária. TRATAMENTO Medidas gerais Avaliação dos sinais vitais (frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória, saturação periférica de oxigênio, temperatura e diurese) deve ser realizada de 4 em 4 horas nas primeiras 24 horas. Oxigênio suplementar deve ser fornecido se narcóticos forem administrados ou se houver queda da saturação de oxigênio. Gasometria arterial deve ser realizada se houver saturação de oxigênio ≤ 95%, se houver hipotensão ou alteração doparâmetro respiratório por causa do alto risco de complicações respiratórias associadas às formas graves. Nessas situações, o controle radiográfico também é necessário. Reposição volêmica Com a evolução do conhecimento a respeito da fisiopatologia da pancreatite aguda grave, entende-se que hipovolemia secundária ao sequestro de grandes quantidades de líquido para o terceiro espaço implica acentuação dos fenômenos isquêmicos no pâncreas inflamado, aumentando o risco de necrose, bem como outras complicações secundárias à hipovolemia, como insuficiência renal aguda. Reposição volêmica deve ser iniciada precoce e agressivamente, com o objetivo de manter estabilidade hemodinâmica, diurese maior que 0,5 a 1 mL/ kg/hora e normalização do hematócrito. De modo geral, nas primeiras 24 horas, infundem-se 30 a 40 mL/kg de cristaloides, sendo metade desse volume nas primeiras 6 horas de observação. Não há evidências suficientes para favorecer o uso de coloides em relação aos cristaloides. A via periférica pode ser utilizada com segurança nos pacientes com pancreatites leves, mas recomenda-se o uso de veia central em portadores de pancreatites agudas graves. Devem ser evitadas reposição volêmica subótima e administração de diuréticos para promover diurese. Analgesia Dor abdominal é o sintoma predominante na maioria dos pacientes com pancreatite aguda, devendo ser combatida de maneira vigorosa. Analgésicos opioides por via venosa são preferíveis, pois a via subcutânea não é recomendada, sobretudo em pacientes com instabilidade hemodinâmica não revertida. A meperidina foi tradicionalmente favorecida em relação à morfina por causa do conceito de que esta última poderia promover espasmo do esfíncter de Oddi e agravamento da pancreatite, mas esse é apenas um risco teórico sem confirmação prática. Não há relatos convincentes de que a morfina seja capaz de induzir espasmo do esfíncter ou mesmo pancreatite aguda em portadores de litíase biliar em seres humanos. Nutrição Embora repouso pancreático por meio de jejum oral seja considerado tratamento-padrão para os quadros leves, este jamais foi testado por intermédio de ensaios clínicos propriamente delineados. Sua adoção baseia-se no conceito fisiológico de que a alimentação aumenta a secreção de enzimas pancreáticas, e isto, no contexto de uma pancreatite aguda, poderia aumentar o processo inflamatório local e perpetuar a agressão sistêmica. A despeito desta discussão teórica, os pacientes com pancreatite aguda leve habitualmente são mantidos em jejum oral por 3 a 7 dias até que seja possível reintroduzir a dieta. 7 O momento ideal para sua reintrodução e o tipo de dieta a se iniciar são motivos de debate. De modo geral, recomenda-se a realimentação quando houver melhora da dor, presença de ruídos hidroaéreos e redução dos níveis de amilase/lípase abaixo de três vezes o limite superior da normalidade. Na pancreatite aguda grave, sempre que possível, deve-se optar pela introdução da dieta por via enteral após estabilização hemodinâmica, pois seus efeitos tróficos sobre a mucosa intestinal reduzem translocação bacteriana e incidência de complicações infecciosas. Complicações da dieta enteral também são menores que as da via parenteral (p. ex., infecção de cateter, trombose de vasos profundos), bem como seu custo. A forma de administração da dieta enteral é mal definida, mas a maioria dos consensos recomenda o uso de sondas nasojejunais, embora dados preliminares sugiram que sondas nasogástricas sejam eficazes e não impliquem exacerbação da pancreatite. Aqueles que não toleraram a via enteral, seja por íleo paralítico ou outras complicações, e naqueles cuja meta calórica não foi atingida somente com a dieta enteral em até 48 horas após sua introdução devem receber nutrição parenteral. Antimicrobianos profiláticos Não há consenso a respeito da utilização de profilático de antimicrobianos nos casos graves, mas é interessante destacar que a maior parte da mortalidade relacionada à pancreatite aguda se dá nesses casos, dos quais cerca de 30% apresentam necrose pancreática. Setenta porcento das necroses pancreáticas infectam, sendo o risco maior após a 2a a 4 a semana de doença e em pacientes com > 30% de necrose do tecido pancreático. A maior parte das infecções acontece por causa da translocação bacteriana a partir do intestino, sendo elas, em grande parte, monobacterianas. Os principais patógenos são E. Coli, Klebsiella, Staphylococcus e Pseudomonas. Devem ser utilizados antimicrobianos de amplo espectro e com boa penetração no tecido pancreático, como: carbapenêmicos, metronidazol, fluoroquinolonas, clindamicina e cefalosporinas. Em pacientes com necrose maior que 30% do tecido pancreático e disfunções orgânicas clinicamente importantes pode-se introduzir antimicrobianos profiláticos. Quando iniciados, devem ser mantidos por 7 a 14 dias ou até que tenha sido totalmente descartada a possibilidade de infecção. A utilização profilática de antimicrobianos pode aumentar o risco de resistência bacteriana e infecções fúngicas, mas a adição de antifúngicos é controversa. Manejo da necrose pancreática Necrose pancreática é, por si só, marcador de gravidade da pancreatite aguda, refletindo maior dano ao parênquima e disfunção microcirculatória mais importante. Seu diagnóstico é feito preferencialmente por meio de tomografia computadorizada com contraste venoso, mas pode ser suspeitado quando há sinais inflamatórios persistentes (p. ex., febre, leucocitose, proteína C reativa elevada > 15 mg/dL após 48 horas de doença), instabilidade hemodinâmica e disfunção de órgãos e sistemas. Quando identificada necrose pancreática, é fundamental determinar se ela é estéril ou infectada. Presença de bolhas no retroperitônio na tomografia sugere infecção, mas, nos casos em que esse achado não se encontra presente, deve-se proceder à aspiração percutânea guiada por tomografia de áreas suspeitas, com coloração pelo Gram e cultura do material obtido. Necrose estéril deve ser tratada conservadoramente. Necrosectomia deve ser adiada até a 3a ou 4a semana de evolução para permitir melhor organização do processo inflamatório e demarcação do tecido viável em relação ao inviável. Após esse período, se houver persistência de dor abdominal relevante que impeça a alimentação oral e persistência de disfunções orgânicas importantes, indica-se intervenção cirúrgica, optando-se por procedimentos minimamente invasivos (p. ex., endoscópicos). Necrose infectada deve ser entendida como importante marco na evolução da pancreatite aguda grave, pois sua instalação denota agravamento clínico e aumento de mortalidade. O tratamento consiste em desbridamento, seja por necrosectomia cirúrgica convencional ou por procedimentos menos invasivos (p. ex., drenagem percutânea guiada por tomografia, drenagem endoscópica, retroperitoneoscopia), o que dependerá da experiência individual e da disponibilidade de recursos do local. O momento para o desbridamento não é conhecido, devendo ser avaliado conjuntamente pelo gastroenterologista, pelo intensivista e pelo cirurgião. Tratamento endoscópico Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) com esfincterotomia é indicada para remoção de cálculos biliares em pacientes com colangite associada a pancreatite aguda, pancreatites agudas graves, colecistectomizados com pancreatite aguda biliar, pacientes com evidências de obstrução biliar importante e naqueles que não são bons candidatos à colecistectomia. Idealmente, deve ser realizada nas primeiras 48 a 72 horas do início do quadro. FLUXOGRAMA ICTERÍCIA A anamnese e o exame físico adequados geralmente indicam a etiologia da icterícia. Pacientes com doença aguda podem apresentar febre, calafrios, dor abdominal. O diagnóstico de hepatite viral aguda é sugerido em uma paciente que tem icterícia acompanhada de sinais prodrômicos de febre e hepatomegalia. Pacientes com doença aguda podem apresentar febre, calafrios e dor abdominal. Os pacientes com causas não infecciosas de icterícia podem ter perda de peso, mudança do padrãoda icterícia ou do prurido. Devemos pesquisar na história do paciente o consumo de álcool e o uso de medicações. Dor abdominal em hipocôndrio direito com náuseas, vômitos, febre, colúria e acolia caracterizando coledocolitíase e se acompanhado de hipotensão e alteração do estado mental sugerindo colangite. A presença de uma vesícula biliar palpável (Sinal de Couvousier-Terrier) indica obstrução por doença maligna. O objetivo de solicitar exames laboratoriais é para definir se a hiperbilirrubinemia é de origem pré-hepática, hepática ou pós-hepática. Para iniciar a investigação é necessário solicitar: hemograma, bilirrubinas totais e frações, aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA), Gama-glutamil-transferase (Gama-GT), tempo de protrombina (TP). O aumento da bilirrubina não conjugada e a detecção da diminuição da hemoglobina no hemograma sugere hemólise. O esfregaço periférico pode mostrar esquizócitos o que indica hemólise intravascular. As desordens hereditárias associadas ao aumento isolado da bilirrubina não-conjugada são as Síndromes de Gilbert e Síndrome Crigler-Najjar e os distúrbios associados com a hiperbilirrubunemia direta são Rotor e Síndrome de Dubin-Johnson. Cabe ressaltar que entre estas síndromes, a mais frequente é a de Gilbert, que acomete de 7-10% da população. O aumento da bilirrubina conjugada sugere ou lesão hepatocelular ou lesão colestática. Os testes de funcionalidade do hepatócito incluem AST e ALT. A ALT é mais específica do fígado, enquanto a AST pode ser encontrada no fígado e em outros tecidos como o miocárdio, musculoesquelético, rins e cérebro. O aumento das transaminases indica lesão hepática. Entretanto pode não aumentar na doença hepática crônica. Enzimas hepáticas normais sugerem que a icterícia não é devido à lesão hepática e do trato biliar. Na lesão hepatocelular ocorre aumento de 8-10x do valor normal das transaminases. Neste caso devemos solicitar sorologia para hepatites virais, AST/ALT > 2 e história de alcoolismo sugere hepatite alcoólica, pesquisar uso de medicações e outras patologias como Doença de Wilson e Febre Amarela. Os marcadores de função hepática incluem albumina, proteínas totais e o TP. A diminuição na produção de proteínas, a hipoalbuminemia e o prolongamento do TP sugerem hipofunção hepática. Não são específicas podendo estar alteradas em outras patologias como a Síndrome Nefrótica e a desnutrição. A fosfatase alcalina é encontrada tanto nos hepatócitos quanto nos canalículos biliares. Aumenta quando a pressão nos canalículos biliares está aumentada e nas doenças infiltrativas hepáticas. É importante confirmar se a origem do aumento da fosfatase alcalina é hepática, para isso solicitamos ou a gama-glutamil transferase ou a 5´-nucleotidase que são produzidas e liberadas pelas células dos ductos biliares. Na lesão colestática espera-se encontrar aumento da fosfatase alcalina e da gama-GT e uma discreta elevação das transaminases de 2-3x o valor normal. A solicitação de exames de imagem mostra-se importante na suspeita de doenças obstrutivas como na coledocolitíase, neoplasia de cabeça de pâncreas, colangiocarcinoma, neoplasia periampular e neoplasia de vesícula biliar. O exame de escolha inicial é a ultra-sonografia que é útil para identificação da dilatação da via biliar e é mais preciso para o diagnóstico de cálculos biliares e para determinar o local da obstrução (Sensibilidade 51 – 91%). A tomografica computadorizada com contraste intravenoso fornece melhor resolução, permitindo a avaliação da anatomia e visualiza adequadamente o pâncreas, o fígado e a pelve extra-hepática devendo ser realizada em pacientes com baixa probabilidade de obstrução por cálculos. A colangiopancreatografia endoscópica retógrada (CPER) permite a visualização direta da árvore biliar e ductos pancreáticos e é o procedimento de escolha quando suspeitamos de coledocolitíase. Outra vantagem é a intervenção terapêutica, pela extração da pedra e papilotomia durante o procedimento. É mais caro, associado a complicações como hemorragia, colangite, pancreatite. A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) permite a visualização anatômica do sistema ductal biliar, sem necessitar o uso de contraste e sem riscos de complicações como a CPER. Se os exames de imagem não mostrarem alterações provavelmente tratase de um padrão colestático intra-hepático e devemos excluir hepatite viral (principalmente pelo vírus A no adulto), cirrose biliar primária, gravidez, síndromes paraneoplásicas, leptospirose.