Buscar

DIABETES MELITO GESTACIONAL

Prévia do material em texto

DIABETES MELITO GESTACIONAL
	O DM é um distúrbio metabólico de etiologia múltipla, caracterizado por hiperglicemia crônica, com alteração do metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas decorrente de defeitos na secreção ou na ação da insulina ou de ambos.
	Dois estágios intermediários representando categorias de risco para o desenvolvimento de DM ou de doença cardiovascular no futuro caracterizam o pré-DM: 
1. Glicemia de jejum alterada – Glicemia de jejum 100 a 125 mg/dL; 
2. Tolerância à glicose diminuída (TGD) – Glicemia 2 horas após teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com 75 g de glicose 140 a 199 mg/dL. 
	
A hiperglicemia associa-se à gestação em duas situações: 
· Quando a mulher com DM engravida, o DM pré-gestacional; 
· Quando a mulher apresenta durante a gravidez, pela primeira vez, diagnóstico de alteração na tolerância à glicose, o diabetes melito gestacional (DMG). 
	Resumidamente, a gestação normal caracteriza-se por hipoglicemia no jejum, decorrente da captação de glicose pela placenta, não insulino dependente, e por hiperglicemia pós-prandial e intolerância aos carboidratos, resultado da ação diabetogênica dos hormônios placentários. O aumento na resistência à insulina permite maior oferta de glicose ao feto em crescimento e coincide com o aumento de secreção de insulina para manter a homeostasia glicêmica. O aumento é exponencial durante o segundo trimestre e estabiliza ao fim do terceiro trimestre. 
· DM pré-gestacional
	O DM pré-gestacional determina risco aumentado de desfechos adversos maternos (agravamento de complicações crônicas do DM, desenvolvimento de doença hipertensiva da gestação) e perinatais: abortamento, morte intrauterina, malformações congênitas, prematuridade, macrossomia e disfunção respiratória neonatal. 
	A recomendação é de otimizar o controle glicêmico antes da concepção: HbA1c < 6,5% (48 mmol/mol) associando-se ao menor risco de anomalia congênita.
	Métodos contraceptivos seguros devem ser empregados até que o controle glicêmico satisfatório seja obtido. A automonitorização intensiva da glicose capilar – antes de cada refeição, 1 ou 2 horas após as refeições e ao deitar – associada ao ajuste de dose de insulina é o método mais utilizado.
	
As complicações crônicas do DM são avaliadas por meio de: 
· Exame de fundo de olho realizado por oftalmologista; 
· Rastreamento de dano renal incipiente em mulheres sem lesão renal evidente com medida da razão proteína:creatinina em amostra de urina ou pesquisa de albuminúria; 
· Avaliação da função tireoidiana (tireotrofina [TSH] e anticorpos), principalmente no DM-1; 
· Eletrocardiografia em repouso e de esforço;
· Avaliação da função renal com medida da creatinina; 
· Avaliação da pressão arterial (PA); 
· Avaliação de imunidade contra rubéola, sífilis, toxoplasmose, hepatite e HIV, tipo sanguíneo e citopatologia de colo uterino. 
	O tratamento inclui: 
· Perda de peso em mulheres com índice de massa corporal (IMC) acima de 27 kg/m2 com auxílio de nutricionistas; 
· Estímulo à prática de exercício físico; 
· Aconselhamento sobre tabagismo, se pertinente; 
· Substituição de antidiabéticos via oral (VO) por insulina em mulheres com DM-2, com exceção da metformina; 
· Suspensão ou substituição de medicamentos em uso – As estatinas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os bloqueadores dos receptores da angiotensina II estão contraindicados durante toda a gestação. Os β-bloqueadores podem ser mantidos. O nifedipino tem se mostrado seguro em gestantes hipertensas. A metildopa é o anti-hipertensivo de primeira escolha na gestação; 
· Prescrição de ácido fólico (5 mg/dia) por, no mínimo, 1 mês antes da concepção até 12 semanas de gestação; 
· Alvo para controle glicêmico HbA1c < 6,5% (48 mmol/mol), desde que essa meta não acarrete hipoglicemia excessiva. 
· DM gestacional
	O DMG foi classicamente definido como hiperglicemia detectada pela primeira vez na gestação, não se considerando gravidade ou evolução futura. É habitualmente diagnosticado no fim do segundo ou no início do terceiro trimestre de gestação, quando se acentua a resistência à insulina. 
	A grande maioria das mulheres diagnosticadas com DMG tem intolerância à glicose exclusivamente na gestação, entretanto, algumas mulheres serão identificadas como DM-2 não detectado previamente e, em uma parcela muito menor, o DMG é a primeira manifestação do DM-1.
	O DMG está associado a desfechos adversos da gestação: maternos, como aumento do risco de pré-eclâmpsia e hipertensão gestacional, distocia de ombro e desfechos perinatais, como crescimento fetal excessivo e trauma de parto. O DMG é um dos preditores de desenvolvimento futuro de DM-2: cerca de 50% das pacientes com DMG terão diagnóstico de DM-2 em 10 anos.
	Dentre os critérios para diagnóstico adotados estão:
· Medida da glicemia de jejum na primeira consulta pré-natal, com o objetivo principal de identificar mulheres com DM preexistente e ainda não detectado; 
· Aplicação universal do TOTG 75 g-2 horas entre 24 e 28 semanas de gestação, para detectar o DMG.
	O diagnóstico de DM na gestação, identificado na primeira consulta pré-natal, segue os critérios internacionalmente aceitos para o diagnóstico de DM fora da gestação.
	
	A abordagem terapêutica é semelhante nas várias apresentações da hiperglicemia na gestação: cuidados com a alimentação, prática de exercício físico, uso de medicamentos e monitorizações metabólica e obstétrica continuadas.
	A orientação nutricional é o primeiro passo terapêutico no DMG. Dietas de baixo índice glicêmico foram efetivas na redução da necessidade de insulina na gestação em 23% e na redução do peso do RN em 162 g.
	No DMG, recomenda-se realizar 15 a 30 minutos de atividade física diária, com automonitorização da atividade fetal e, idealmente, da glicemia capilar antes e após a atividade.
	A substituição e os ajustes nas doses de medicamentos usados no tratamento do DM pré-gestacional devem ser realizados por especialista. No DM-1, o tratamento com insulina é intensificado, visando atingir glicemias próximas do normal.
	No DM-2, há controvérsia na literatura em relação à manutenção de medicamentos VO nas mulheres que já utilizavam esses fármacos previamente à gestação. Em geral, os posicionamentos oficiais recomendam a substituição de todos os antidiabéticos VO por insulina, ao menos durante o primeiro trimestre, exceto a metformina, cuja manutenção por toda a gravidez é mantida.
	O tratamento farmacológico padrão para o DMG é a insulina. Mais recentemente, medicamentos VO têm sido empregados, como a metformina e a glibenclamida. A acarbose foi avaliada em poucos estudos.
	Metformina – Tem comprovada passagem placentária, mas não há aumento no risco de malformações congênitas quando utilizada durante o primeiro trimestre da gestação em mulheres com síndrome dos ovários policísticos. Seu uso no DMG mostrou eficácia e segurança semelhantes às da insulina nos desfechos perinatais e neonatais, apesar de frequentemente ser necessária a suplementação com insulina para alcançar bom controle glicêmico.
	Glibenclamida – Seu uso a partir do segundo trimestre da gestação mostrou, nos estudos iniciais, pequena passagem placentária e eficácia semelhante à da insulina no controle glicêmico. Entretanto, atualmente várias metanálises e estudos observacionais, examinando desfechos maternos e fetais, sugerem que a glibenclamida possa ser inferior à insulina e à metformina, por aumentar o risco de macrossomia e hipoglicemia neonatal. 
	A insulina é o tratamento-padrão do DM na gestação por ser eficaz e segura: seu elevado peso molecular impede a passagem placentária em quantidades significativas. O tratamento com insulina é indicado nas gestantes que não atingem as metas de controle glicêmico com dieta, que apresentam falha do tratamento com medicação VO ou naquelas com indicadores de provável falha do tratamento VO (glicemia de jejum > 140 mg/dLou glicemia em 2 h no TOTG > 200 mg/dL). 
A dose e o tipo de insulina dependem do padrãode hiperglicemia:
· No predomínio da hiperglicemia de jejum, a insulina prescrita deve ser de longa ação, como a insulina NPH (do inglês neutral protamine Hagedorn), e a dose inicial sugerida é de 0,2 UI/kg; 
· No predomínio da hiperglicemia pós-prandial, deve-se iniciar o tratamento com insulina de ação rápida ou ultrarrápida. A dose sugerida é de 1,5 UI por 10 g de carboidratos no café da manhã e de 1 UI por 10 g de carboidrato no almoço e no jantar; 
· Nas hiperglicemias pré e pós-prandiais, o esquema de tratamento intensivo com 4 doses diárias de insulina mostrou alcançar melhor controle glicêmico e menor morbidade neonatal do que o esquema de 2 doses diárias. A dose inicial nessas gestantes é de 0,7 UI/kg com aumento progressivo até alcançar o controle preconizado. Gestantes obesas ou próximas do termo da gestação podem necessitar de doses de até 2 UI/kg de peso corporal.
	A combinação de insulinas com tempos variáveis de ação é recomendada. Sugere-se administrar 50 a 60% da dose diária como insulina NPH e 40 a 50% como insulina rápida.
	
· Acompanhamento no pré-natal
	A monitorização da glicemia capilar tem o objetivo de guiar o tratamento – associar farmacoterapia à dieta ou ajustar doses de insulina em uso. As variações fisiológicas da hemoglobina na gravidez parecem comprometer o desempenho da HbA1c como instrumento principal de monitorização metabólica.
	Quando um ou mais valores de glicemia capilar estiverem além dos alvos terapêuticos após 2 semanas de tratamento não farmacológico ou quando a avaliação ultrassonográfica mostrar sinais de crescimento fetal excessivo, inicia-se o tratamento farmacológico. 
	As mulheres em tratamento não farmacológico com bom controle glicêmico, na ausência de outras indicações obstétricas, podem ser avaliadas a cada 2 a 3 semanas até a 36ª semana, quando o controle obstétrico passa a ser semanal. As mulheres em uso de insulina ou de antidiabéticos VO, especialmente aquelas com DM prévio, são avaliadas semanalmente, algumas vezes em intervalos de 2 semanas até a 32ª semana e, então, semanalmente até o parto. 
A rotina de exames pré-natais deve ser a mesma das gestações sem DM, acrescida das medidas de TSH e anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO), principalmente nas mulheres com DM prévio, pelo risco aumentado de hipotireoidismo.
A US no primeiro trimestre permite a datação precisa da idade gestacional e avalia o risco de cromossomopatia fetal. O exame morfológico detalhado, em torno da 20ª semana, é essencial para o diagnóstico de malformações fetais. O acompanhamento ultrassonográfico seriado do crescimento fetal, a cada 4 a 6 semanas, permite controle da resposta fetal ao tratamento materno. 
A ecocardiografia fetal é solicitada para as gestantes com DM em torno da 26ª semana com o objetivo de diagnóstico específico de malformações cardíacas, as mais frequentes na gestação diabética, e de hipertrofia septal, um dos indicadores indiretos de hiperinsulinismo fetal. 
O rastreamento para doença hipertensiva da gestação com a medida da PA é realizado a cada consulta pré-natal, pois, mesmo no DM leve (sem hiperglicemia de jejum), há aumento de risco de pré-eclâmpsia.	
As gestantes são orientadas a observar a movimentação fetal a partir da 28ª semana de gestação e a buscar atendimento obstétrico na eventualidade de movimentação fetal reduzida ou ausente.
Não há procedimento de avaliação de vitalidade fetal específico para a gestação com DM. A cardiotocografia/monitorização eletrônica anteparto (CTG/MAP) e o perfil biofísico fetal (PBF) são os instrumentos mais utilizados para avaliação da condição fetal, apesar dos baixos valores preditivos positivos de ambos os testes.
· Parto e pós-parto
· Mulheres sem complicações do DM e com peso fetal estimado (PFE) < 3.800 g podem aguardar até 40 a 41 semanas; 
· Mulheres com PFE entre 3.800 e 4.000 g são candidatas à indução eletiva do parto na ausência de contraindicação obstétrica; 
· Mulheres com PFE > 4.000 g devem ser esclarecidas sobre os riscos da macrossomia fetal, e deve-se oferecer a opção de cesariana eletiva.
	As recomendações oficiais do NICE indicam interrupção da gestação ao redor das 38 semanas nas mulheres com DM prévio à gestação. Mulheres com DMG na ausência de complicações podem evoluir até 41 semanas.
	
	A hiperglicemia materna durante o parto está associada à hipoglicemia neonatal, motivo pelo qual o controle glicêmico deve ser mantido durante todo o parto. Existem muitos esquemas terapêuticos propostos. O consenso é empregar insulina de curta ação e monitorizar a glicemia capilar a cada 1 a 2 horas, objetivando glicemias capilares entre 4 e 7 mmol/L(72-126 mg/dL): 
· Valores < 70 mg/dLindicam infusão de solução glicosada a 5%; 
· Valores > 120 mg/dLindicam aplicação de insulina de ação rápida.
	No pós-parto, a amamentação deve ser encorajada, e as puérperas com DM-1 necessitam observar alguns cuidados na adequação da dieta e da insulina à lactação, devendo ser orientadas a alimentar-se antes das mamadas. A ingestão calórica para a nutriz deve ser reavaliada e adequada aos horários da amamentação. 
Todas as mulheres com diagnóstico de DMG devem ser reavaliadas no puerpério para a reclassificação da condição metabólica. O TOTG com 75 g de glicose deve ser realizado em 6 a 8 semanas após o parto. Emprega-se o critério diagnóstico da OMS para a reclassificação da tolerância à glicose.
Há poucos estudos observacionais sobre o uso de antidiabéticos VO na lactação. A glibenclamida não foi detectada no leite materno e as glicemias dos bebês foram normais, sugerindo que o fármaco seja segura e compatível com aleitamento nas doses empregadas, apesar do risco teórico de hipoglicemia no RN. A metformina é excretada no leite em quantidade inferior a 1% da dose materna ajustada pelo peso, apesar disso, não é recomendada na lactação por alguns autores. No entanto, o guia de referência sobre fármacos na gestação e na lactação registra que a metformina é excretada no leite materno em doses compatíveis com a lactação. 
Os fármacos para o tratamento de complicações do DM que foram suspensos no aconselhamento pré-concepcional ou na gestação, por razões de segurança, não devem ser retomados durante a lactação.

Continue navegando