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sepse Sepse: Disfunção orgânica com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro à infecção (definida como um score SOFA ≥2 pontos) Choque séptico: Sepse associada à persistência de hipotensão, necessitando de vasopressores para manter PAM ≥ 65mmHg e com um nível de lactato sérico >2mmol/L apesar da reposição volêmica adequada A resposta sistêmica a qualquer classe de microrganismos pode ser prejudicial. A invasão microbiana da corrente sanguínea não é essencial, já que a inflamação local também pode desencadear a disfunção de órgãos distantes e hipotensão. De fato, as hemoculturas dão crescimento a bactérias ou fungos em apenas 20 a 40% dos casos de sepse grave e em 40 a 70% dos casos de choque séptico. A sepse em geral é desencadeada por bactérias ou fungos que não costumam causar doença sistêmica em pacientes imunocompetentes. Para sobreviver no interior do corpo humano, esses micróbios frequentemente exploram deficiências adquiridas das defesas do hospedeiro, nos cateteres de demora ou em outro material estranho, ou nos condutos de drenagem de líquido obstruídos. Já os micróbios patogênicos são capazes de levar vantagem sobre essas defesas inatas porque (1) não possuem moléculas que possam ser reconhecidas pelos receptores do hospedeiro ou (2) elaboram toxinas ou outros fatores de virulência. Em ambos os casos, o corpo pode elaborar uma reação inflamatória vigorosa que resulta em sepse ou choque séptico, embora não consiga matar os invasores. · Fisiopatologia O reconhecimento das moléculas microbianas pelos fagócitos teciduais desencadeia a produção e/ou liberação de inúmeras moléculas do hospedeiro (citocinas, quimiocinas, prostanoides, leucotrienos e outras) que intensificam o fluxo sanguíneo para o tecido infectado (rubor), aumentam a permeabilidade dos vasos sanguíneos locais (tumor), recrutam neutrófilos e outras células para o local da infecção (calor) e produzem dor. Tais reações são os elementos familiares da inflamação local, o primeiro mecanismo da imunidade inata do corpo a ser mobilizado para a eliminação dos invasores microbianos. As respostas sistêmicas são ativadas por meio de comunicação neural e/ou humoral com o hipotálamo e o tronco encefálico, podendo intensificar as defesas locais pelo aumento do fluxo sanguíneo para a área infectada, pelo aumento do número de neutrófilos circulantes e pela elevação dos níveis sanguíneos de inúmeras moléculas com funções anti-infecciosas. O TNF-α estimula os leucócitos e as células do endotélio vascular a liberar outras citocinas (e mais TNF-α), a expressar moléculas de superfície celular que intensificam a adesão dos neutrófilos ao endotélio nos locais de infecção e a aumentar a produção de prostaglandinas e leucotrienos. Embora os níveis sanguíneos do TNF-α não se elevem em indivíduos com infecções localizadas, aumentam na maioria dos pacientes com sepse grave ou choque séptico. Embora seja um mediador central, o TNF-α é apenas uma das muitas moléculas pró-inflamatórias que contribuem para a defesa inata do hospedeiro. As quimiocinas, principalmente a IL-8 e IL-17, atraem os neutrófilos circulantes para o local da infecção. A trombose intravascular, um atributo da resposta inflamatória local, pode ajudar a restringir a propagação dos micróbios invasores, bem como evitar a disseminação da infecção e da inflamação para outros tecidos. IL-6 e outros mediadores promovem coagulação intravascular inicialmente induzindo monócitos sanguíneos e células endoteliais vasculares para expressar fator tecidual. Quando o fator tecidual é expresso em superfícies celulares, ele se liga ao fator VIIa formando um complexo ativo que pode converter fatores X e IX em suas formas enzimaticamente ativas. O resultado é a ativação de ambas as vias da coagulação, extrínseca e intrínseca, culminando na geração de fibrina. A coagulação também é favorecida pelo comprometimento da função da via inibitória da proteína C-proteína S e pela depleção de antitrombina e proteínas C e S, ao mesmo tempo em que a fibrinólise é reduzida por aumentos dos níveis plasmáticos do inibidor 1 do ativador do plasminogênio. À medida que as respostas corporais à infecção se intensificam, a mistura de citocinas e outras moléculas circulantes torna-se muito complexa: encontraram-se níveis sanguíneos elevados de mais de 60 moléculas em pacientes com choque séptico. Dados os papéis importantes desempenhados pelo endotélio vascular na regulação do tônus vascular, permeabilidade vascular e coagulação, muitos pesquisadores defenderam a lesão endotelial vascular disseminada como o mecanismo principal para disfunções de múltiplos órgãos. Os mediadores derivados dos leucócitos e trombos de plaquetas, podem contribuir para a lesão vascular, mas o endotélio vascular também parece ter um papel ativo. Estímulos como o TNF-α induzem as células endoteliais vasculares a produzir e liberar citocinas, moléculas pró-coagulantes, fator ativador de plaquetas, óxido nítrico (ON) e outros mediadores. Além disso, a regulação das moléculas de aderência celular promove a adesão dos neutrófilos às células endoteliais. Embora essas respostas possam atrair fagócitos aos locais infectados e ativar seus arsenais antimicrobianos, a ativação da célula endotelial pode, também, promover o aumento da permeabilidade vascular, trombose microvascular, CID e hipotensão. A oxigenação tecidual pode diminuir à medida que o número de capilares funcionais é reduzido pela obstrução luminal decorrente da tumefação das células endoteliais, pela redução da deformabilidade dos eritrócitos circulantes, pelos trombos de plaquetas-leucócitos-fibrina ou pela compressão por líquido de edema. É interessante destacar que os órgãos “sépticos” em mau funcionamento costumam ter aspecto normal à necropsia. Em geral há muito pouca necrose ou trombose, e a apoptose fica, em grande parte, restrita aos órgãos linfoides e trato gastrintestinal. Além do mais, a função do órgão habitualmente retorna ao normal se o paciente se recupera. Esses aspectos sugerem que a disfunção orgânica durante a sepse grave tem, principalmente, uma base bioquímica, e não estrutural. Uma característica do choque séptico é a redução da resistência vascular periférica que ocorre a despeito dos níveis elevados de catecolaminas vasopressoras. Antes dessa fase de vasodilatação, muitos pacientes passam por um período em que o fornecimento de oxigênio para os tecidos fica comprometido por depressão miocárdica, hipovolemia e outros fatores. Durante esse período “hipodinâmico”, a concentração sanguínea de lactato se eleva, e a saturação venosa central de oxigênio se mostra baixa. A administração de líquidos é geralmente seguida pela fase hiperdinâmica de vasodilatação, durante a qual o débito cardíaco se mantém normal (ou mesmo elevado), e o consumo de oxigênio diminui apesar de seu fornecimento adequado. O nível sanguíneo de lactato pode se mostrar normal ou elevado, e a normalização da saturação venosa central de oxigênio pode refletir melhor distribuição do oxigênio, redução da captação de oxigênio pelos tecidos ou um desvio da esquerda para a direita. · Manifestações clínicas As manifestações da resposta séptica sobrepõem-se aos sinais e sintomas da doença subjacente e da infecção primária do paciente. A hiperventilação, que produz alcalose respiratória, é com frequência um sinal precoce da resposta séptica. Desorientação, confusão e outras manifestações de encefalopatia também podem surgir bem cedo, em particular nos idosos e indivíduos com comprometimento neurológico prévio. A hipotensão e CID predispõem à acrocianose e necrose isquêmica dos tecidos periféricos, mais comumente dos dedos. Celulite, pústulas, bolhas e lesões hemorrágicas podem surgir quando bactérias ou fungos acometem, por via hematogênica, a pele ou os tecidos moles subjacentes. As toxinas bacterianas também podem distribuir-se por via hematogênica e desencadear reações cutâneas difusas. As manifestações gastrintestinais, como náuseas, vômitos, diarreia e íleo paralítico, sugeremgastrenterite aguda. As úlceras de estresse podem levar à hemorragia digestiva alta. A icterícia colestática, com elevação dos níveis séricos de bilirrubina (na sua maior parte, conjugada) e fosfatase alcalina, pode preceder os outros sinais de sepse. O desajuste ventilação-perfusão acarreta a queda precoce da PO2 arterial. O aumento de lesão epitelial e da permeabilidade dos capilares alveolares resulta em elevação do teor de água do pulmão, o que diminui a complacência pulmonar e interfere na troca de oxigênio. Na ausência de pneumonia ou insuficiência cardíaca, infiltrados pulmonares difusos progressivos e hipoxemia arterial que ocorre dentro de uma semana desde um ataque conhecido indicam o desenvolvimento de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) leve (200 mmHg < PaO2 /FiO2 ≤ 300 mmHg), SARA moderada (100 mmHg < PaO2 /FiO2 ≤ 200 mmHg), ou SARA grave (PaO2 /FiO2 ≤100 mmHg). A lesão pulmonar aguda ou SARA surge em aproximadamente 50% dos pacientes com sepse grave ou choque séptico. A depressão da função miocárdica, evidenciada pelo aumento dos volumes ventriculares diastólico e sistólico finais, bem como pela redução da fração de ejeção, surge em até 24 horas na maioria dos pacientes com sepse grave. O débito cardíaco é mantido apesar da redução da fração de ejeção, pois a dilatação ventricular mantém um volume sistólico normal. A maioria dos casos de insuficiência renal se deve à necrose tubular aguda induzida por hipovolemia, hipotensão arterial ou fármacos tóxicos, embora alguns pacientes tenham, também, glomerulonefrite, necrose cortical renal ou nefrite intersticial.Observam-se frequentemente oligúria, azotemia, proteinúria e cilindros urinários inespecíficos. Muitos pacientes têm poliúria inapropriada; a hiperglicemia pode exacerbar essa tendência. · Achados laboratoriais As anormalidades que ocorrem precocemente na resposta séptica são a leucocitose com desvio para a esquerda, trombocitopenia, hiperbilirrubinemia e proteinúria. Pode haver leucopenia. À medida que a resposta séptica se agrava, a trombocitopenia aumenta, a azotemia e hiperbilirrubinemia acentuam-se ainda mais e os níveis de transaminases sobem. No início da sepse, a hiperventilação induz à alcalose respiratória. Com a fadiga dos músculos respiratórios e o acúmulo de lactato, sobrevém acidose metabólica. A radiografia de tórax pode ser normal ou mostrar evidências de pneumonia subjacente, sobrecarga de volume ou infiltrados difusos da SARA. A maior parte dos pacientes com sepse desenvolve hiperglicemia. A infecção grave pode precipitar cetoacidose diabética, a qual pode exacerbar a hipotensão. · Diagnóstico O escore SOFA é considerado padrão ouro no diagnóstico da sepse e está relacionado a maior mortalidade; todavia não é prático, pois envolve parâmetros laboratoriais (plaquetas, creatinina, bilirrubinas, PaO2). O escore varia de 0 a 4, e uma pontuação igual ou superior a 2 representa disfunção orgânica. Uma tentativa de selecionar os pacientes com maior potencial de complicação envolve o escore quickSOFA, tendo como parâmetros: PA sistólica <100 mmHg, FR>22irpm e GCS<15. Cada variável conta 1 ponto (0 a 3) e pontuação igual ou maior a 2 sugere maior mortalidade e aumento de permanência em UTI. O qSOFA, apesar de não ser útil como diagnóstico, pode ser uma ferramenta de triagem útil, permitindo selecionar os pacientes que possuem um risco aumentado de pior desfecho. · Tratamento São cinco intervenções que devem ser iniciadas na primeira hora: 1. Medir o lactato (reavaliar a cada 2-4 horas) a. Marcador de hipoperfusão tecidual; b. Marcador prognóstico; c. Alvo terapêutico à queda de 20% em 2-6 horas ou <2mmol/L. 2. Colher culturas a. Não atrasar a antibioticoterapia; b. Foco suspeito + hemocultura; 3. Administrar antibioticoterapia a. Amplo espectro; b. Guiada por provável foco infeccioso; c. Remover foco infeccioso d. Descalonar antibioticoterapia após resultado da cultura. 4. Administrar cristaloides a. 30 ml/kg na primeira hora; 5. Vasopressores para PAM > 65 mmHg a. Noradrenalina (droga de escolha) · SIRS (Síndrome da resposta inflamatória sistêmica)