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1. 2. 3. 4. 5. 54 Choque, Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica e Síndrome da Disfunção de Múltiplos Órgãos Sarah R. Rosenberger, Kathryn T. Von Rueden e Emily Smith Des Champs Objetivos de aprendizagem Com base no conteúdo deste capítulo, o leitor deverá ser capaz de: Descrever processos fisiopatológicos comuns envolvidos na resposta de choque generalizado. Comparar e contrastar a etiologia e as manifestações clínicas dos principais tipos de choque. Explicar o tratamento preventivo e a justificativa para o tratamento dos vários estados de choque. Descrever pacientes com risco de desenvolvimento de choque e complicações associadas aos vários estados de choque. Discutir os princípios do tratamento de enfermagem para pacientes com choque, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e síndrome da disfunção de múltiplos órgãos. Em condições normais, a oferta de oxigênio (DO2, da sigla em inglês oxigen delivery) às células é suficiente para atender às necessidades metabólicas. Sob estresse, as necessidades de oxigênio das células, tecidos e órgãos aumentam. O oxigênio é consumido mais rapidamente, e mecanismos de compensação são iniciados para atender à demanda crescente e restaurar a perfusão celular. Os mecanismos de compensação são os mesmos, independentemente da condição clínica que cause hipoperfusão celular. Condições clínicas que resultam em hipoperfusão celular são frequentemente denominadas estados de choque. Fisiopatologia do choque Embora os estados de choque tenham causas e apresentações clínicas diferentes, algumas características são comuns a todos, como hipoperfusão, hipercoagulabilidade e ativação da resposta inflamatória. Uma vez que o estado de choque se desenvolva, o curso subsequente da doença é menos dependente da causa inicial e mais significativamente influenciado pela resposta fisiológica ao choque, incluindo a ativação do sistema nervoso simpático, a resposta inflamatória e o sistema imunológico. Assim, o choque pode ser considerado um desarranjo dos mecanismos de compensação que resulta em disfunção circulatória e respiratória, com subsequente dano a múltiplos órgãos. Oxigenação e perfusão tecidual A oxigenação de todos os órgãos e tecidos está diretamente relacionada à demanda de oxigênio celular, à adequação do suprimento de oxigênio para atender a demanda, à extração celular de oxigênio do sangue e à capacidade das células de utilizar o oxigênio. O sistema pulmonar permite a difusão do oxigênio no sangue. O oxigênio se liga à hemoglobina nos capilares pulmonares para formar oxi-hemoglobina e transporta oxigênio para os tecidos; isso é medido como saturação arterial de oxigênio (SaO2). O sistema cardiovascular transporta o sangue oxigenado para as células para o metabolismo. DO2 é a quantidade de oxigênio transportada para as células a cada minuto. Normalmente, as células consomem cerca de 25% do oxigênio fornecido; essa utilização de oxigênio é conhecida como consumo de oxigênio (VO2). O Capítulo 17 analisa como esses parâmetros de oxigênio são calculados. Em condições normais, o VO2 é independente da DO2. Quando as células precisam consumir oxigênio adicional para produzir energia na forma de adenosina trifosfato (ATP), elas conseguem extrair a quantidade necessária. No entanto, durante períodos de estresse fisiológico, o VO2 aumenta de forma tão significativa que se torna dependente de DO2. 1,2 Os mecanismos de compensação iniciais dos sistemas respiratório, endócrino e circulatório respondem à necessidade de oxigênio das células aumentando a DO2. Esses mecanismos incluem aumento da frequência respiratória (FR), débito cardíaco (DC), liberação de hormônio antidiurético (ADH) e atividade renina-angiotensina-aldosterona. Se existe necessidade adicional de oxigênio e as células não conseguem extrair, elas recorrem ao metabolismo anaeróbico para produzir ATP. O metabolismo anaeróbico é um método ineficiente de produção de energia, e a quantidade de ATP produzida é insuficiente para atender às demandas celulares. Além disso, o metabolismo anaeróbico produz lactato como subproduto; isso pode resultar em acidose metabólica sistêmica. Se a disponibilidade de oxigênio continuar insuficiente para atender às demandas celulares por energia, ocorre a morte celular. À medida que mais células morrem, tecidos e órgãos tornam-se progressivamente disfuncionais.2,3 Durante estados de choque, o oxigênio é consumido em uma taxa muito maior do que a oferecida. O suprimento é insuficiente para atender à demanda de oxigênio, resultando em hipoxia e disfunção celular. Para atender a necessidade crescente de VO2 celular, a DO2 deve ser aumentada. Embora não seja possível alterar o VO2 celular diretamente, muitas intervenções podem ser implementadas para manipular e aumentar a DO2. Em estados de choque, o objetivo principal é maximizar a DO2 para atender aos requisitos de oxigênio celular, em um esforço para evitar a morte de tecidos e células e manter a perfusão dos órgãos-alvo. Mecanismos de compensação A perfusão celular depende da sinergia de vários processos fisiológicos. Os sistemas pulmonar, endócrino e circulatório mantêm um equilíbrio intrincado para garantir a oxigenação do sangue arterial e a oferta de oxigênio às células, mantendo um suprimento adequado de sangue oxigenado e o débito cardíaco (DC) (Figura 54.1). O sistema nervoso autônomo auxilia na orquestração desses esforços coordenados. Mecanismos de compensação dão suporte de DO2 às células durante estados de hipoxia e hipoperfusão. Os estados hipóxicos ativam mecanismos de compensação respiratórios que aumentam a profundidade e a frequência respiratória. O sistema cardiovascular aumenta o DC para aumentar a DO2 nas células. Durante estados de baixa perfusão (pressão sanguínea baixa), são iniciados mecanismos de compensação que resultam em aumento da frequência cardíaca, resistência vascular sistêmica (RVS), pré-carga e contratilidade cardíaca, em um esforço para restaurar o volume circulatório apropriado. (Ver Capítulos 16 e 17 para uma discussão desses termos.) A queda na pressão sanguínea sistêmica ativa uma série de respostas neuro-hormonais para restabelecer o DC e perfusão suficientes para os órgãos vitais. Essas respostas incluem diminuição da estimulação dos barorreceptores, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e aumento da resposta simpática. A estimulação simpática contínua causa aumento da frequência cardíaca e da força contrátil, aumentando o DC. A vasoconstrição arteriolar aumenta a RVS e a pressão arterial, e também desvia o sangue de órgãos menos vitais, como estômago e intestinos, para órgãos vitais, como coração, pulmões e cérebro. A pré-carga e, subsequentemente, o volume sistólico e o DC são aumentados por venoconstrição. Os rins respondem à estimulação simpática e à hipoperfusão local ativando o SRAA. Isso aumenta a vasoconstrição das arteríolas e veias, aumentando a RVS e a pressão arterial. A ativação do SRAA também estimula o córtex suprarrenal a liberar a aldosterona, que age no rim para conservar sódio e água, aumentando o volume circulante. Uma queda na pressão sanguínea também faz com que a glândula hipófise libere ADH. O ADH estimula a retenção de água e sódio pelos rins, aumentando ainda mais o volume intravascular e, portanto, a pré-carga. Um aumento da pré-carga (por múltiplas fontes) aumenta o volume sistólico, elevando assim o CO e a pressão sanguínea. Coletivamente, as respostas compensatórias aumentam o volume circulante, a pressão arterial e o DC para fornecer perfusão e oxigênio às células (Figura 54.2).2 Figura 54.1 Mecanismos de compensação usados para manter a função circulatória e o volume sanguíneo no choque hipovolêmico. (De Porth CM: Essentials of Pathophysiology: Concepts of Altered Health States, 3rd ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2011, p 503.) Quadro 54.1 • • • • • Figura 54.2 Mecanismos de compensação no choque. DC, débito cardíaco; FC, frequência cardíaca; RVS, resistência vascular sistêmica; SNS,sistema nervoso simpático. O objetivo no tratamento de pacientes em estado de choque é restabelecer a perfusão para fornecer níveis adequados de oxigênio para suprir as necessidades celulares o mais rápido possível. O reconhecimento precoce dos sinais de choque e as avaliações contínuas devem servir de orientação às intervenções terapêuticas. A enfermeira desempenha um papel fundamental na avaliação contínua do choque. A apresentação clínica do paciente depende da causa do estado de choque e do grau de compensação, conforme discutido mais adiante neste capítulo. Parâmetros de avaliação clínica devem ser analisados frequentemente para monitorar a progressão do choque e a efetividade das intervenções. Os parâmetros de avaliação comumente encontrados em todos os estados de hipoperfusão incluem alteração do nível de consciência, taquipneia, gasometria arterial (PaO2, PaCO2, SaO2), taquicardia, hipotensão, diminuição da diurese e acidose metabólica (déficit de base e lactato sérico) e diminuição da saturação venosa central mista de oxigênio (SCVO2) (consulte o Capítulo 17). Síndrome da resposta inflamatória sistêmica A progressão dos estados de choque envolve a ativação sistêmica da resposta inflamatória. Além dos efeitos protetores, a resposta inflamatória também tem efeitos potencialmente prejudiciais que resultam em danos aos tecidos e órgãos. O termo síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) é usado para descrever pacientes nos quais a resposta inflamatória é ativada total e sistemicamente. Têm sido feitos muitos esforços para identificar pacientes nos quais esta reação sistêmica está ocorrendo, com o pensamento de que a intervenção imediata e efetiva pode impedir a progressão do choque para um estágio irreversível. A SRIS se manifesta por duas ou mais condições listadas no Quadro 54.1.4 Os critérios de SRIS algumas vezes são usados como gatilhos para atuação de equipes de resposta rápida (ver Capítulo 14). Segurança do paciente. Identificação dos critérios de SRIS Temperatura: menos de 36°C ou mais que 38°C Frequência cardíaca: maior que 90 bpm Frequência respiratória: mais que 20 respirações por minuto PaCO2: menor que 32 mmHg (menos que 4,3 kPa) Contagem de leucócitos: menor ou igual a 4.000 células/mm3, maior ou igual a 12.000 células/mm3 ou mais que 10% de formas imaturas (banda) Etiologia A SRIS pode ser causada por qualquer tipo de choque ou por outros insultos, como transfusão maciça de sangue, lesão traumática, lesão cerebral, cirurgia, queimaduras, pancreatite e infecção.5 Assim, os critérios de SRIS devem ser avaliados em qualquer paciente com choque ou qualquer condição que possa levar ao choque. Normalmente, a resposta inflamatória é um mecanismo de proteção essencial, rigidamente regulado e controlado de resposta local à invasão por microrganismos ou a dano tecidual. No entanto, na SRIS, essa resposta inflamatória se torna uma resposta sistêmica não regulada. A inflamação sistêmica resulta na ativação de células endoteliais, uma resposta imune, e na cascata de coagulação. Fisiopatologia A ativação da resposta inflamatória causa a liberação de vários mediadores inflamatórios. Macrófagos liberam citocinas inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α, da sigla em inglês) e interleucina-1 (IL-1). As células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos são fundamentais para o desenvolvimento de uma resposta inflamatória local. Na ausência de inflamação, as células endoteliais fornecem uma superfície anticoagulante e controlam a permeabilidade dos vasos.6 Em uma resposta inflamatória localizada, as células endoteliais próximas ao local da inflamação são ativadas como resultado de mediadores liberados pelas células dos tecidos lesados. Em circunstâncias normais, existem junções apertadas entre as células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos. Durante os estados pró-inflamatórios, as citocinas fazem com que essas junções se separem, o que aumenta a permeabilidade capilar e permite que o plasma extravase para os espaços intersticiais. Células endoteliais ativadas expressam proteínas da superfície celular que atraem plaquetas e neutrófilos. Forma-se na área uma superfície endotelial pró-coagulante. As plaquetas são ativadas, agregadas e aderem às células endoteliais para formar o plugue plaquetário. A cascata de coagulação também é ativada. A fibrina, produto final da cascata de coagulação, forma cadeias ao redor do coágulo para lhe dar estabilidade e resistência. Microtrombos se formam nos capilares e obstruem o fluxo sanguíneo para reparar a lesão.6 Citocinas pró-inflamatórias também atraem leucócitos fagocitários para a área e ativam a cascata do complemento. O objetivo da atividade combinada de leucócitos e proteínas do complemento é a eliminação do microrganismo invasor.2 Leucócitos, plaquetas e células endoteliais ativadas liberam substâncias vasodilatadoras, como óxido nítrico (NO), histamina e bradicinina, para aumentar o fluxo sanguíneo para o local de lesão e promover a cura. Essas substâncias também permitem o vazamento capilar dos vasos sanguíneos, resultando em extravasamento adicional dos fatores de plasma e coagulação. Na SRIS, a resposta inflamatória é sistêmica: ocorre em todo o organismo. O resultado é uma inflamação avassaladora, desregulada, com coagulação descontrolada, ruptura dos capilares e perda de volume intravascular, má distribuição do volume circulante e da oferta de oxigênio e desequilíbrio de demanda.2,7 As células endoteliais são ativadas em muitos vasos por todo o organismo, causando extravasamento generalizado de líquido no compartimento intersticial e ativação sistêmica do sistema imune e da cascata de coagulação (Figura 54.3). Uma quantidade substancial de fluido extravascular se acumula e se formam microtrombos nos capilares e no interstício. A combinação de coagulação intravascular e diminuição do volume sanguíneo circulante resulta na redução da perfusão de órgãos vitais, que pode evoluir para a síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (SDMO) e óbito. Os eventos que envolvem as complexas interações dos diversos mediadores inflamatórios da SRIS continuam sendo uma área ativa de pesquisa clínica. Acredita-se que vários mediadores desempenhem um papel fundamental na má distribuição do fluxo sanguíneo e na DO2, assim como no desequilíbrio de consumo associado à SRIS. A Tabela 54.1 lista os principais mediadores da SRIS e resume sua atividade. Estágios do choque Acredita-se que o choque progrida através de três fases sobrepostas e cada vez mais graves, a última das quais não pode ser revertida por meios conhecidos. É difícil determinar a fase do choque em uma pessoa em particular em um momento específico por três razões: (1) o choque tem diversas causas, (2) o tempo exato de início é desconhecido em muitos casos e (3) estão faltando testes diagnósticos que forneçam uma medida clara da extensão do choque em um determinado momento. No entanto, os estágios são úteis porque permitem que o choque seja visto como um processo progressivo e não estático. A identificação precoce do choque e a reversão oportuna do estado de choque podem prevenir o desenvolvimento de falência múltipla de órgãos e morte.2,8,9 Tabela 54.1 • • Figura 54.3 Efeitos celulares da resposta inflamatória sistêmica. Inflamação, coagulação e fibrinólise prejudicada resultam em SDMO. Na fase inicial não progressiva (estágio 1), os mecanismos de compensação descritos anteriormente são eficazes na manutenção de sinais vitais e na perfusão tecidual relativamente normais. Durante o estágio 1, o choque é mal diagnosticado e frequentemente não é reconhecido. No entanto, se os critérios SRIS forem reconhecidos, o choque precoce pode ser reconhecido e tratado com sucesso e o paciente pode se recuperar totalmente. Na fase intermediária, progressiva (estágio 2), os mecanismos de compensação que mantêm a perfusão normal começam a falhar, distúrbios metabólicos e circulatórios tornam-se mais pronunciados, e a ativação das respostas inflamatória e imune podese desenvolver completamente. Sinais de insuficiência em um ou mais órgãos podem se tornar aparentes. No estágio 2 do choque, as intervenções que têm como alvo a causa do choque e as respostas metabólicas, circulatórias e inflamatórias resultantes podem conseguir resgatar o paciente. No estágio final, irreversível (estágio 3), a lesão celular e tecidual é tão grave que a correção de distúrbios metabólicos, circulatórios e inflamatórios é difícil ou impossível, e ocorrem hipoxia e morte celular. A SDMO se desenvolve, e muitas vezes resulta no óbito do paciente, como discutido mais adiante neste capítulo. Mediadores das respostas inflamatórias/imunes. Mediador Descrição da atividade Resposta clínica Endotoxina Produzida por certas células bacterianas Aumento da permeabilidade microvascular, • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Ativa o sistema de complemento e as cascatas de coagulação Ativa macrófagos, que liberam TNF e IL-1 vasodilatação, terceiro espaço, formação de microtrombos Resposta inflamatória TNF Liberado por monócitos-macrófagos Vários efeitos locais e sistêmicos Estimula outras atividades mediadoras Hipotensão, taquicardia, depressão miocárdica, taquipneia, hiperglicemia, acidose metabólica, terceiro espaço, febre, vasoconstrição microvascular IL-1 Liberada por monócitos-macrófagos Estimula a leucocitose Aciona a produção de proteínas de fase aguda e a liberação de aminoácidos do músculo esquelético Ativa a atividade pró-coagulante Diminui a resposta vascular às catecolaminas Aumenta a contagem de leucócitos Alta excreção urinária de nitrogênio e perda de massa muscular Valores laboratoriais de coagulação elevados Diminuição da RVS com resposta prejudicada a doses baixas de vasopressores ou agentes catecolamínicos sintéticos IL-6 Liberada por monócitos, linfócitos T auxiliares e macrófagos Aumenta a resposta inflamatória Estimulação e diferenciação de células B Sinérgica com IL-1 Febre Secreção de anticorpos Cascata de complemento Ativada em resposta à superfície do patógeno, lectina ou complexo antígeno-anticorpo Identifica, invade e provoca a lise de partículas estranhas e células Estimula neutrófilos (e radicais de oxigênio) e IL-1 Degranula mastócitos e basófilos Formação de edema, vazamento de líquido no espaço intersticial como resultado de vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular Todos os efeitos da IL-1 Fator de agregação plaquetária Liberado por mastócitos, basófilos, macrófagos, neutrófilos, plaquetas e endotélio danificado Aumenta a agregação plaquetária Aumenta a adesão de neutrófilos Aumenta a permeabilidade vascular e a broncoconstrição Efeitos inotrópicos negativos no coração Formação de microtrombos, prejudicando assim a perfusão Broncoconstrição, roncos e sibilos aumentaram as pressões pulmonares nas vias respiratórias Diminuição da contratilidade cardíaca, com comprometimento da resposta a baixas dosagens de agentes vasopressores e inotrópicos Metabólitos do ácido araquidônico Estimulação da liberação de metabólitos prostaglandinas (PG), tromboxanos (TX) e leucotrienos (LT) PGF e TXA2 causam hipertensão pulmonar, vasoconstrição e ativação e agregação Dificuldade de oxigenação e ventilação, aumento da resistência das vias respiratórias, sibilância Vazamento de fluido do espaço intravascular para o intersticial, formação de edema Vasodilatação, aumento da permeabilidade • • • • • • • • • • • plaquetária PGE, PGD e prostaciclina causam vasodilatação e diminuem a agregação plaquetária Leucotrienos aumentam a quimiotaxia dos neutrófilos, a constrição vascular e a permeabilidade vascular Aumenta a permeabilidade gástrica para bactérias gram-negativas Inibe a adesão de leucócitos e plaquetas capilar e hipotensão Radicais de oxigênio Produzem metabólitos (O2, H2O2, OH-) durante a explosão respiratória dos neutrófilos Danificam a estrutura celular e interferem nas atividades celulares Danificam células endoteliais, que estimulam o sistema de coagulação Aumentam a permeabilidade vascular Resposta inflamatória, febre Formação de microtrombos Vazamento de fluido do espaço intravascular para o intersticial, formação de edema Como mencionado anteriormente, qualquer estado de choque pode acionar uma resposta SRIS e, se não for reconhecido e tratado, pode causar SDMO. A compreensão da classificação, etiologia e apresentação clínica do choque permite que os médicos o identifiquem e controlem mais rapidamente, melhorando, assim, a probabilidade de sobrevivência do paciente. Classificação do choque O choque pode ser classificado como hipovolêmico, cardiogênico ou distributivo. O choque hipovolêmico e o choque distributivo ocorrem devido ao retorno venoso inadequado ao coração. O retorno venoso inadequado pode resultar de hipovolemia (desidratação, hemorragia) ou vasodilatação generalizada (sepse, anafilaxia ou perda do tônus simpático com lesão medular), que causam uma hipovolemia relativa. O choque cardiogênico é causado pela falha do coração em bombear efetivamente. A insuficiência no bombeamento pode resultar de infarto do miocárdio, anomalia na frequência ou ritmo cardíaco ou comprometimento do enchimento diastólico.10,11 Choque hipovolêmico Etiologia O choque hipovolêmico é resultado de um volume circulante inadequado. Mais comumente, o choque hipovolêmico é causado por perda súbita de sangue ou desidratação grave. Algumas lesões, como queimaduras, causam deslocamentos significativos de fluidos do espaço intravascular para o espaço intersticial, resultando em hipovolemia. (O Capítulo 53 discute o cuidado de pacientes com queimaduras.) Hipovolemia em pacientes criticamente enfermos envolve tanto o compartimento intracelular quanto o extracelular. A perda aguda de volume de fluido não permite que os mecanismos de compensação normais restaurem um volume circulante apropriado com rapidez suficiente. Se não for tratada, a hipovolemia pode levar a uma variedade de complicações secundárias, como hipotensão, distúrbios eletrolíticos e acidobásicos e disfunção orgânica resultante de hipoperfusão (Figura 54.4). Fisiopatologia Uma perda repentina do volume intravascular diminui o retorno venoso ao coração e resulta em redução do DC. Mecanismos de compensação são iniciados para aumentar o volume circulante através da ativação do sistema nervoso simpático e respostas neuro-hormonais (Figura 54.1). O volume de sangue existente é desviado para os órgãos vitais (coração, pulmões e cérebro), causando hipoperfusão em outros órgãos, como fígado, estômago e rins. Se o volume não for substituído, os mecanismos de compensação acabarão se tornando ineficazes. A falha dos mecanismos de compensação na restauração do volume circulante adequado causa hipoperfusão celular e a incapacidade de atender aos requisitos de oxigênio para o metabolismo celular. As células passam a fazer o metabolismo anaeróbico, em um esforço para atender aos seus requisitos de ATP; isso resulta na Tabela 54.2 produção de ácido láctico e acidose metabólica. Mecanismos de compensação falhos, que foram iniciados para restaurar o DC, eventualmente causam fadiga no miocárdio. A estimulação simpática para aumentar a frequência cardíaca, a contratilidade e a RVS aumentam a carga de trabalho do coração. A ejeção de um volume maior de sangue contra uma RVS mais elevada requer a utilização de mais oxigênio e energia. Esse estresse no coração provoca um aumento do metabolismo miocárdico e do consumo de oxigênio pelo miocárdio (MVO2). A ausência continuada de volume de circulação impede a DO2 adequada para o coração, criando um ciclo contínuo. A perfusão de órgãos-alvo, ou a oxigenação adequada a órgãos essenciais como cérebro, coração, pulmões e rins, é prejudicada. A incapacidade do sistema circulatório de fornecer perfusão a órgãos-alvo força a conversão para o metabolismo anaeróbico. O metabolismo anaeróbico não podefornecer ATP suficiente para atender às demandas de energia. A produção inadequada de ATP causa dano isquêmico, que pode progredir para insuficiência de órgãos (Figura 54.4). Figura 54.4 Choque hipovolêmico. PA, pressão arterial; EEC, espaço extracelular; FC, frequência cardíaca; EIC, espaço intracelular; FR, frequência respiratória; SNS, sistema nervoso simpático. Avaliação Os achados clínicos estão diretamente relacionados à gravidade e à acuidade da perda de volume (Tabela 54.2). Alguns pacientes, especialmente pacientes idosos ou portadores de doenças crônicas, apresentam respostas compensatórias mais sutis, que podem ser negligenciadas. O Quadro 54.2 lista as considerações para pacientes idosos em estado de choque. Avaliações em série de dados físicos e laboratoriais podem revelar tendências que orientam o tratamento e previnem o colapso cardiovascular. Achados clínicos associados à perda de volume sanguíneo (estimado) em choque hipovolêmico. Perda de sangue: menos de 500 mℓ Perda de sangue: 500 a 1.000 mℓ Perda de sangue: 1.000 a 2.000 mℓ Perda de sangue: 2.000 a 3.000 mℓ • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ■ ■ • • • • • • ■ Nenhum Taquicardia (↑ FC maior que 20% da linha de base do paciente) Hipotensão (↓ PAS maior que 10% da linha de base do paciente) Pulsos mais fracos Pele e extremidades frias ao toque ↓ Débito urinário Hemodinâmica: dentro dos limites normais de DC, ↑ RVS Acidose leve (↑ déficit de base, ↑ ácido láctico) Taquicardia (↑FC maior que 20 a 30% da linha de base do paciente) Hipotensão (↓PAS maior que 10 a 20% da linha de base do paciente) Pele fria e diaforética Pulsos periféricos fracos ↓ Débito urinário (menos de 30 mℓ/h) Hemodinâmica: ↓DC, ↑RVS Acidose progressiva (↑déficit de base, ↑ácido láctico) Taquipneia (↑FR maior que 10% da linha de base do paciente) SvO2 inferior a 60%, ScVO 2 inferior a 70% Nível alterado de consciência: inquietação, agitação, confusão ou obnubilação Taquicardia (↑FC maior que 20 a 30% da linha de base do paciente) Hipotensão (↓PAS maior que 10 a 20% da linha de base do paciente) Vasoconstrição periférica acentuada: extremidades frias, pulsos periféricos fracos, palidez Oliguria → anúria Hemodinâmica: ↓DC, ↑RVS Acidose grave (↑déficit de base, ↑ácido láctico) Taquipneia (↑FR maior que 10 a 20% da linha de base do paciente) SvO2 menor que 55 a 60% Estupor mental FR, frequência respiratória; FC, frequência cardíaca. História Uma história completa do problema apresentado pelo paciente pode revelar fatores de risco para choque hipovolêmico. Pacientes que apresentam perda sanguínea significativa, por hemorragia gástrica ou ruptura do fígado ou do baço devido a traumatismo, requerem a substituição rápida do volume circulante para evitar as consequências da hipovolemia. Achados físicos Os pacientes com choque hipovolêmico apresentam os seguintes sinais e sintomas causados pela má perfusão de órgãos: Estado mental alterado, variando de letargia a ausência de resposta Respirações rápidas e profundas, que gradualmente se tornam difíceis e mais superficiais à medida que a condição do paciente se deteriora Pele fria e pegajosa com pulsos fracos e finos Taquicardia por ativação do sistema nervoso simpático Hipotensão Diminuição da produção de urina; a urina fica mais escura e mais concentrada porque os rins estão conservando líquidos. Exames laboratoriais Exames laboratoriais úteis incluem lactato sérico, pH arterial e déficit de base para avaliar a presença de metabolismo anaeróbico como um marcador de DO2 inadequado. Os resultados dos testes podem ser usados para medir a efetividade da reanimação. Um nível de lactato sérico que permanece elevado após a reanimação inicial é um indicador de prognóstico ruim.12,13 Exames metabólicos e medidas de eletrólitos séricos auxiliam no ajuste de fluidos e eletrólitos. Hemoglobina em série e hematócrito e painéis de coagulação podem ser feitos para avaliar a necessidade de reposição de sangue ou hemoderivados. Quadro 54.2 ■ No entanto, os dados de hemoglobina e hematócrito podem não refletir diretamente a gravidade da perda sanguínea devido à hemoconcentração causada por desidratação, ou hemodiluição causada pela infusão de grandes volumes de líquido intravenoso (IV). Considerações para o paciente idoso | Resposta aos estados de choque. À medida que a pessoa envelhece, as alterações fisiológicas normais podem limitar a capacidade do organismo de responder de forma eficiente aos estados de choque. A enfermeira deve estar ciente das alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento e monitorá-las cuidadosamente na(s) avaliação(ões) basais do paciente idoso. A história de saúde do paciente pode revelar outras patologias crônicas ou condições que comprometem ainda mais as alterações fisiológicas normalmente observadas com o envelhecimento. (Ver também Capítulo 12.) Sistema cardiovascular: aumento de arritmias, aumento do tamanho e da irritabilidade atrial, espessamento miocárdico do ventrículo esquerdo levando à diminuição da complacência e menor fração de ejeção; valvas cardíacas espessadas que interferem no fluxo para a frente; diminuição da resposta ao sistema nervoso simpático; diminuição da sensibilidade dos barorreceptores; endurecimento generalizado dos vasos arteriais, incluindo a aorta. Sistema pulmonar: diminuição do volume corrente e da força muscular respiratória, diminuição da área de superfície alveolar, aumento do espaço morto no final da expiração, diminuição do recolhimento elástico dos pulmões, aumento da taxa respiratória de repouso e aumento do risco de infecção como resultado da diminuição do número de cílios, resposta atenuada à hipoxemia, diminuição do reflexo de engasgo e da tosse, levando a aumento do risco de infecção, aspiração. Sistema hematológico: diminuição da capacidade da medula óssea de produzir células (hemácias, leucócitos, plaquetas), anemia aumentada, diminuição da função imunológica (diminuição da produção de linfócitos T e B) levando ao aumento das infecções, redução da temperatura basal, atenuação da resposta à temperatura e aumento do risco de reações adversas a medicamentos. Tratamento O tratamento do choque hipovolêmico deve se concentrar na restauração do volume circulante e na resolução da causa da perda de volume. A composição da terapia de reposição volêmica depende do que foi perdido. A terapia de primeira linha para reanimação volêmica é tipicamente uma solução cristaloide. Soluções isotônicas, como a solução de lactato de Ringer ou soro fisiológico, são preferidas em relação às soluções hipotônicas (soro glicosado a 5%). Sangue e hemoderivados devem ser administrados para substituir hemácias, plaquetas e fatores de coagulação perdidos com o sangramento grave. Outras soluções coloides (albumina e expansores de volume sintéticos) podem ser usadas para ajudar no processo de reanimação, especialmente se a perda de sangue for a causa primária. O uso de coloides na fase inicial da reposição de fluidos é controverso. Como os coloides normalmente permanecem dentro do espaço intravascular mais do que os cristaloides, os pacientes geralmente requerem volumes menores de coloides para reanimação. No entanto, como a permeabilidade da membrana capilar fica aumentada no choque, as grandes moléculas de coloides extravasam dos vasos sanguíneos para o espaço extravascular, deslocando mais fluido do espaço intravascular para os tecidos intersticiais e, com isso, piorando a hipovolemia. Pesquisas recentes sugerem que os coloides não são superiores aos cristaloides no tratamento da hipovolemia em pacientes graves.14–16 O Quadro 54.3 resume algumas das complicações conhecidas da reanimação volêmica. Tratamento de enfermagem O tratamento de enfermagem do choque hipovolêmico deve se concentrar na restauração do volume circulante através da administração volumétrica. A obtenção e a manutenção de acesso IV adequado é essencial. Idealmente, cateteresde grande calibre (calibre 16 ou maior) devem ser inseridos em grandes veias ou veias centrais para facilitar a rápida infusão de fluidos. Deve-se ter cuidado para administrar os fluidos rapidamente, sem comprometer o sistema pulmonar. Grandes volumes de fluidos administrados muito rapidamente podem causar congestão pulmonar e inibir a ventilação adequada, comprometendo ainda mais a DO2 nos tecidos. Os fluidos também devem ser aquecidos durante a infusão para limitar os efeitos negativos da hipotermia. São essenciais o acompanhamento e a documentação frequentes da pressão arterial, frequência cardíaca, frequência e profundidade respiratórias, saturação de oxigênio, débito urinário e estado mental, bem como resultados laboratoriais e Quadro 54.3 Quadro 54.4 intervenções. Complicações da reanimação volêmica por tipo de fluido. Cristaloide e coloide Coagulopatia dilucional Trombocitopenia dilucional Hipotermia Hemorragia aumentada Edema pulmonar Hipertensão intracraniana (pacientes com traumatismo cranioencefálico) Concentrado de hemácias Acidose (sangue acumu lado tem pH 6,9 a 7,1) Deslocamento à esquerda na curva de dissociação da oxi-hemoglobina (o sangue depositado é deficiente em 2,3-DPG) Hiperpotassemia Complicações imunológicas e infecciosas Coagulopatia dilucional Trombocitopenia dilucional Hipotermia Choque cardiogênico Etiologia O choque cardiogênico resulta da perda da função contrátil do coração. O choque cardiogênico é geralmente diagnosticado pela presença de alterações hemodinâmicas sistêmicas e pulmonares, que resultam de DC e perfusão tecidual inadequados. Normalmente, isso ocorre quando mais de 40% da massa ventricular está danificada. A causa mais comum de choque cardiogênico é um extenso infarto do miocárdio do ventrículo esquerdo. Choque cardiogênico agudo após infarto do miocárdio está associado a taxas de mortalidade hospitalar de mais de 50%.11 Outras causas de choque cardiogênico incluem ruptura do músculo papilar, ruptura do septo ventricular, cardiomiopatia, miocardite aguda, valvopatia e arritmias. Uma história de saúde completa fornece as informações necessárias para prever se um paciente está em risco de desenvolver choque cardiogênico. O Quadro 54.4 mostra os preditores independentes para o desenvolvimento de choque cardiogênico. Pacientes com vários fatores de risco têm mais de 50% de chance de desenvolver choque cardiogênico.11 Identificar pacientes em risco para o desenvolvimento de choque cardiogênico e formular estratégias para prevenção é extremamente importante. É importante explorar todas as causas de diminuição do DC antes de iniciar a terapia. Os pacientes com infarto agudo do miocárdio podem necessitar de revascularização rápida com trombolíticos (ver Capítulo 21), intervenção coronária percutânea (ver Capítulo 18) ou cirurgia cardíaca (ver Capítulo 22). Fisiopatologia O choque cardiogênico é causado pela perda da força contrátil ventricular, que resulta em diminuição do volume sistólico e diminuição do DC (Figura 54.5). Semelhante ao choque hipovolêmico, os mecanismos de compensação neuroendócrinos são ativados para melhorar a perfusão, aumentando a pré-carga e a pós-carga. A estimulação do SRAA e do sistema nervoso simpático causa vasoconstrição e aumenta a pós-carga (Figura 54.1). Embora a vasoconstrição aumente a pressão arterial, a elevação da pós-carga causa aumento da carga de trabalho miocárdica, pressões de enchimento intraventriculares e necessidade de oxigênio miocárdico. A pós-carga elevada reduz, portanto, a contração efetiva e inibe a ejeção. As pressões de enchimento ventricular aumentam devido à elevação da pré-carga, mas a falta de contratilidade impede a ejeção completa. O ventrículo torna-se distendido, prejudicando ainda mais a contração efetiva, e o DC continua a diminuir. Os mecanismos de compensação mantêm o ciclo de pressões de enchimento ventricular e RVS elevadas, em combinação com a incapacidade do coração para ejetar um volume adequado de sangue na circulação. As pressões vasculares pulmonares aumentam à medida que a função ventricular esquerda diminui, resultando em congestão t pulmonar. A congestão pulmonar e o aumento da pressão nos capilares pulmonares fazem com que o líquido vaze para o interstício e os alvéolos, prejudicando a difusão do oxigênio dos alvéolos para os capilares pulmonares. Segue-se um ciclo vicioso relacionado à descompensação: a contração miocárdica é ainda mais prejudicada, a congestão pulmonar se agrava e a DO2 para o coração e outros órgãos é inadequada para suportar o metabolismo aeróbico. Segurança do paciente. • • • • • • • ■ Fatores de risco para o desenvolvimento de choque cardiogênico no paciente internado Idade (idosos) Fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 35% na admissão hospitalar Infarto do miocárdio extenso Infarto do miocárdio prévio Presença de comorbidades crônicas (diabetes melito, hipertensão) Estado mental alterado Instabilidade hemodinâmica Figura 54.5 Choque cardiogênico. FC, frequência cardíaca; RVS, resistência vascular sistêmica. A oxigenação inadequada do tecido miocárdico exacerba o metabolismo anaeróbico e diminui ainda mais a contratilidade. O efeito desses estressores sobre o coração com insuficiência pode resultar em parada cardíaca. Avaliação Pacientes com alto risco de choque cardiogênico requerem monitoramento rigoroso. Os parâmetros de avaliação são semelhantes aos da insuficiência cardíaca congestiva, mas os sinais e sintomas são mais graves. A enfermeira deve acompanhar os achados da avaliação ao longo do tempo, a fim de identificar mudanças sutis que sinalizem o início do choque cardiogênico. Achados físicos As manifestações clínicas associadas ao choque cardiogênico estão descritas no Quadro 54.5. Além dos sinais e sintomas listados no quadro, os pacientes com choque cardiogênico frequentemente experimentam dor torácica recorrente, o que pode indicar extensão do tecido infartado. Outros achados clínicos estão diretamente relacionados à diminuição do DC. ■ Quadro 54.5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Exames laboratoriais A presença de marcadores elevados de tecido miocárdico, acompanhados por comprometimento hemodinâmico progressivo e deterioração clínica, são características marcantes de um infarto agudo do miocárdio e extensa necrose miocárdica, que podem preceder o choque cardiogênico. Estudos laboratoriais mostram que a creatinofosfoquinase e a troponina I cardíaca são liberadas na corrente sanguínea pela morte de células cardíacas. O peptídio natriurético cerebral e o peptídio natriurético pró- cerebral N-terminal são produzidos e liberados pelo ventrículo quando este é esticado devido ao aumento da pressão intraventricular. Esses marcadores podem ser usados para ajudar a determinar a presença e a gravidade da insuficiência cardíaca.17 Manifestações clínicas do choque cardiogênico. Achados hemodinâmicos PAS menor que 90 mmHg PAM menor que 70 mmHg Índice cardíaco inferior a 2,2 ℓ/min/m2 Pressão de oclusão da artéria pulmonar (pressão encunhada) maior que 18 mmHg RVS maior que 1.400 dinas/s/cm5 Achados não invasivos Pulso fino e rápido Pressão de pulso estreita Veias cervicais distendidas Arritmias Dor torácica Pele fria, pálida e úmida Oliguria Diminuição do estado mental Achados pulmonares Dispneia Aumento da frequência respiratória Crepitações inspiratórias, possível chiado Medidas de gasometria arterial mostram diminuição da PaO2 Alcalose respiratória Achados radiográficos Coração aumentado Congestão pulmonar Tratamento O manejo visa aumentar a DO2 miocárdica, maximizando o DC e diminuindo a carga de trabalho do ventrículo esquerdo. Os objetivos do tratamento são proteger e preservar o miocárdio e melhorar a perfusão tecidual. A reversão da hipoxemia e da ■ Tabela 54.3 acidose metabólica por congestão pulmonar pode melhorar a resposta a outras terapias. As pressões de enchimento ventricular esquerdo frequentemente estão elevadas; portanto,pode ser indicada a redução da pré-carga com diuréticos ou infusão de nitrato. Vasodilatadores e bombas de balão intra-aórtico são intervenções direcionadas à redução da pós-carga, melhorando o esvaziamento ventricular esquerdo e reduzindo a carga miocárdica. Tratamento de enfermagem O tratamento de enfermagem para o paciente com choque cardiogênico deve estar centralizado na conservação da energia miocárdica e na diminuição da carga de trabalho do coração. A enfermeira precisa fornecer cuidados físicos e períodos de descanso para minimizar o gasto energético do miocárdio. O uso de analgésicos e sedativos opioides para minimizar a resposta do sistema nervoso simpático pode aumentar a capacitância venosa e diminuir a resistência à ejeção. Os opioides também aliviam a dor isquêmica. A suplementação de oxigênio é necessária para otimizar o conteúdo e a difusão de oxigênio arterial; isso pode exigir a implementação de ventilação mecânica. Geralmente ocorrem arritmias com infarto agudo do miocárdio, isquemia ou desequilíbrios acidobásicos e podem diminuir ainda mais o DC. O uso de agentes antiarrítmicos, cardioversão ou estimulação pode ajudar a restaurar um ritmo cardíaco estável e aumentar o DC. Eletrólitos, especificamente potássio, cálcio e magnésio, são essenciais para manter o potencial de ação para conduzir a contração miocárdica, e podem precisar ser substituídos para fornecer condições ótimas para o músculo miocárdico danificado. A enfermeira de cuidados intensivos deve obter, seguir e interpretar cuidadosamente os parâmetros hemodinâmicos do paciente para atingir o objetivo de otimizar o DC. As pressões de enchimento ideais ajudam a restaurar o DC, mas devem ser atingidas com cautela. Como mencionado, as pressões de enchimento ventricular esquerdo, as pressões arteriais pulmonares e as pressões de oclusão da artéria pulmonar podem estar elevadas, e a diurese deve ser usada para reduzir essas pressões. Se a pressão de enchimento do ventrículo esquerdo estiver muito baixa, podem ser utilizados fluidos, mas eles devem ser interrompidos quando as pressões de enchimento aumentarem sem elevação subsequente do DC. Em geral, deve ser mantida uma pré-carga (pressão diastólica final do ventrículo esquerdo [PDFVE]) de 14 a 18 mmHg. Conseguir uma “pressão de enchimento ideal” administrando fluidos e diuréticos nem sempre é uma tarefa fácil. A administração lenta de fluidos ou a diurese requerem uma avaliação diligente da efetividade das intervenções. Podem ser usados agentes farmacológicos para aumentar o DC, mas eles também devem ser empregados com cautela. Muitos agentes podem aumentar a MVO2 sem ter um efeito apreciável sobre o DC. As decisões de usar alguns agentes farmacológicos devem ser baseadas em considerações gerais de risco-benefício. Os medicamentos simpatomiméticos norepinefrina (noradrenalina) e epinefrina podem elevar o DC aumentando a contratilidade, a frequência cardíaca ou a RVS, mas simultaneamente aumentam a carga de trabalho do coração. Além disso, a estimulação dos receptores β-2 pela epinefrina pode produzir dilatação nos leitos vasculares periféricos que roubam sangue dos órgãos vitais. Agentes com efeitos inotrópicos positivos que têm menos atividade sobre o tônus vascular, como baixas doses de dopamina, dobutamina, anrinona e milrinona, são frequentemente empregados com sucesso.11,18 A Tabela 54.3 lista agentes farmacológicos usados no tratamento de pacientes em estados de choque. A diminuição da carga de trabalho do ventrículo esquerdo pode ser conseguida por meio de redução farmacológica da pós- carga ou do uso de dispositivos de suporte mecânico. Recomenda-se a administração de vasodilatadores, como nitroprusseto de sódio, nitroglicerina ou inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), para reduzir a RVS e a PDFVE, em um esforço para aumentar o DC e melhorar a função ventricular esquerda.18 O suporte mecânico para a insuficiência ventricular inclui o balão intra-aórtico e o dispositivo de assistência ventricular esquerda. Os dois dispositivos reduzem a carga de trabalho do ventrículo esquerdo, suplementando a capacidade de bombeamento (ver Capítulo 18). Medicamentos utilizados no tratamento do choque.* Medicamento Frequência cardíaca Efeitos na contratilidade Resistência venosa sistêmica Considerações de enfermagem Dopamina ↑ ↑↑ ↑ Efeitos hemodinâmicos dependentes da dose Pode aumentar as demandas de MO2 Epinefrina ↑↑ ↑↑ ↑ Pode induzir arritmias ventriculares Pode aumentar as demandas de MO2 Atividade b2 pode dilatar leitos periféricos ■ Norepinefrina (também conhecido como levarterenol) ↑ ↑ ↑ Monitore a circulação periférica com cuidado; pode aumentar MO2 Fenilefrina ↑↑ Pode induzir arritmias Vasopressina ↑ ↑↑ Monitore a circulação periférica com cuidado; pode aumentar MO2 Nitroprusseto de sódio ↑ ↓↓ Efeitos hemodinâmicos dependentes da dose; ajuste a dosagem lentamente Nitroglicerina ↑ ↓ Efeitos hemodinâmicos dependentes da dose; ajuste a dosagem lentamente; pode desenvolver tolerância Anrinona ↑ ↑ ↓ Pode aumentar as demandas de MO2 Milrinona ↑ ↑↑ ↓ Pode aumentar as demandas de MO2 Monitore para taquiarritmias Dobutamina ↑ ↑↑ ↓ Pode aumentar as demandas de MO2 Monitore para taquiarritmias MO2, consumo de oxigênio miocárdico. ↑ efeito pequeno; ↑ ↑ efeito moderado; ↑ ↑ ↑ grande efeito. *Todos os agentes devem ser administrados através de um cateter venoso central e utilizando uma bomba volumétrica. Estado de choque distributivo Os estados de choque distributivo são causados pela diminuição do retorno venoso, resultante do deslocamento do volume sanguíneo para longe do coração devido ao aumento do compartimento vascular e à perda do tônus dos vasos sanguíneos (Figura 54.6). A perda do tônus ocorre como consequência da perda da inervação simpática dos vasos sanguíneos (choque neurogênico) ou devido à presença de substâncias vasodilatadoras no sangue (choque anafilático e séptico). Choque neurogênico Etiologia O choque neurogênico resulta de perda ou de distúrbios no tônus simpático, que causa vasodilatação periférica e subsequente diminuição da perfusão tecidual. O distúrbio do tônus simpático pode ser causado por qualquer evento que perturbe o sistema nervoso simpático. A causa mais comum de choque neurogênico é uma lesão medular acima do nível de T6, porque a inervação simpática ocorre acima desse nível. Outras causas incluem analgesia espinal, fármacos ou outros problemas do sistema nervoso central. ■ ■ ■ Figura 54.6 Os estados de choque distributivo são causados pela diminuição do retorno venoso como resultado do deslocamento do volume sanguíneo para longe do coração devido ao aumento do compartimento vascular e perda do tônus dos vasos sanguíneos. Fisiopatologia O choque neurogênico se caracteriza por hipotensão, bradicardia e hipotermia. Quando o tônus simpático é perdido, a resposta parassimpática sem oposição resulta em vasodilatação arterial descontrolada e diminuição da RVS. A vasodilatação venosa simultânea resulta em acumulação de sangue e diminuição da pré-carga. A estimulação parassimpática sem oposição leva à bradicardia, mesmo na presença de queda da pressão arterial. Ao contrário de outros estados de choque, em que a queda da pressão arterial causa um aumento da frequência cardíaca, no choque neurogênico, a interrupção do sistema nervoso simpático inibe a estimulação de barorreceptores no arco aórtico e no seio carotídeo. A vasodilatação provoca diminuição da pré-carga e, portanto, do volume sistólico. A diminuição do volume sistólico (pela diminuição da pré-carga) e da frequência cardíaca leva à diminuição do DC, resultando em perfusão tecidual inadequada. A hipotermia resulta da perda de calor descontrolada pela vasodilatação excessiva.19,20 Avaliação Os achados físicos no paciente com choque neurogênico estão amplamente relacionados à vasodilatação excessiva e à resposta prejudicada a esse processo. Os pacientes apresentam diminuição da pressão venosa central (PVC), DC e RVS combinadacom bradicardia. Ao contrário de muitos estados de choque, em que o paciente pode sentir frio e ficar com a pele úmida, muitas vezes a pele fica quente devido à vasodilatação maciça. Tratamento ■ ■ A prevenção e o tratamento da hipotensão por meio de uma cuidadosa reanimação volêmica devem ser de alta prioridade. O volume circulante efetivo do paciente pode ser drasticamente reduzido por causa do acúmulo venoso. Em geral, a pressão arterial sistólica (PAS) deve ser mantida acima de 90 mmHg. Se a administração de fluidos sozinha não for adequada para restaurar a pressão arterial, podem ser adicionados vasopressores. O objetivo da farmacologia no choque neurogênico é simular a ação do sistema nervoso simpático. O uso de agentes com atividade alfa-adrenérgica, como a norepinefrina, promove vasoconstrição, enquanto agonistas beta-adrenérgicos, como a dopamina, aumentam a frequência cardíaca e a contratilidade.19 (Consulte o Capítulo 37 para obter informações detalhadas sobre lesão medular e complicações associadas, como choque neurogênico.) Choque anafilático A anafilaxia resulta de uma reação alérgica a um alergênio específico que evoca uma resposta de hipersensibilidade com risco à vida. As três causas mais comuns de anafilaxia em adultos são alimentos, picadas de insetos e medicamentos.21 Se não for tratada, pode ocorrer colapso vascular, resultando em uma diminuição acentuada da perfusão tecidual e morte. A intervenção imediata é crítica. Etiologia Os antígenos, substâncias que provocam a resposta alérgica, podem ser introduzidos através de injeção ou ingestão, ou através da pele ou do trato respiratório. Várias substâncias são capazes de evocar anafilaxia em humanos, incluindo fármacos, hemoderivados, agentes de diagnóstico, hormônios, enzimas e veneno de insetos, aranhas, cobras e águas-vivas. A anafilaxia pode ser mediada pela imunoglobulina E (IgE) ou não mediada por IgE. A anafilaxia mediada por IgE ocorre como resultado da resposta imune a um antígeno específico. A primeira vez que o sistema imunológico é exposto ao antígeno, é formado um anticorpo IgE muito específico, que circula no sangue. Quando ocorre uma segunda exposição a esse antígeno, o antígeno se liga a essa IgE circulante, que então ativa os mastócitos e os basófilos, desencadeando a liberação de histamina, prostaglandinas, leucotrienos e outros mediadores bioquímicos que deflagram a anafilaxia. Reações anafilactoides ou não mediadas por IgE ocorrem sem a presença de anticorpos IgE. Acredita-se que a ativação direta de mediadores cause essa resposta. Uma reação anafilactoide comum está associada a anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), incluindo o ácido acetilsalicílico.22 Se houve reação anafilactoide a um agente, as restrições devem incluir todos os AINEs, pois qualquer um deles poderia provocar uma segunda reação. Fisiopatologia A reação antígeno-anticorpo faz com que mastócitos e basófilos específicos de anticorpos secretem substâncias como histamina, leucotrienos, substância quimiotática eosinofílica, heparina, prostaglandinas, substância quimiotática de neutrófilos e fator 2 ativador de plaquetas (Figura 54.7). Essas substâncias, particularmente histamina, prostaglandinas e leucotrienos, causam vasodilatação sistêmica, aumento da permeabilidade capilar, broncoconstrição, vasoconstrição coronariana e urticária. Algumas das outras substâncias precipitam uma espiral descendente contínua, causando depressão miocárdica, inflamação, secreção excessiva de muco e vasodilatação periférica.23 A vasodilatação arterial difusa cria má distribuição do volume sanguíneo aos tecidos, e a dilatação venosa diminui a pré-carga, reduzindo o DC. O aumento da permeabilidade capilar resulta em perda do volume vascular, diminuindo ainda mais o DC e, consequentemente, prejudica a perfusão tecidual. Os sintomas iniciais incluem prurido, urticária e certa dificuldade respiratória devido à broncoconstrição. Pode ocorrer morte por colapso circulatório ou broncoconstrição extrema em minutos ou horas. ■ Figura 54.7 Reação de hipersensibilidade mediada por IgE. (De: Porth CM: Essentials of Pathophysiology: Concepts of Altered Health States, 8th ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2009, p 412.) Avaliação O choque anafilático pode não apresentar fatores predisponentes. Portanto, evitar alergênios conhecidos geralmente é a melhor maneira de prevenir o choque anafilático. É necessário obter um histórico completo de alergias e respostas a medicamentos, alimentos, hemoderivados ou agentes anestésicos. Além disso, é importante reconhecer as várias apresentações clínicas. ■ Quadro 54.6 Quadro 54.7 Achados físicos. Quanto mais cedo os sintomas de anafilaxia se manifestarem após a exposição ao antígeno, mais grave será a resposta. Inicialmente, podem ocorrer eritema, urticária e prurido generalizados em resposta ao antígeno. Outros sintomas podem incluir ansiedade e inquietação, dispneia, chiados, aperto no peito, sensação de calor, náuseas e vômito, angioedema e dor abdominal. Conforme o episódio progride, podem se desenvolver manifestações respiratórias graves, como edema laríngeo ou broncoconstrição grave com estridor. A hipotensão resultante da vasodilatação ocorre rapidamente, conduzindo ao colapso circulatório. À medida que o colapso circulatório ou a hipoxemia relacionada à grave broncoconstrição progridem, o nível de consciência se deteriora até a ausência de resposta. Tratamento O reconhecimento precoce e o tratamento da anafilaxia são essenciais. Os objetivos terapêuticos incluem a remoção do antígeno agressor, a reversão dos efeitos dos mediadores bioquímicos e a restauração da perfusão tecidual adequada. Independentemente da causa da reação anafilática, o tratamento depende dos sintomas clínicos. Se os sintomas forem leves, a terapia imediata inclui oxigênio e administração subcutânea ou intravenosa de um anti-histamínico, como a difenidramina, para bloquear os efeitos da histamina. Qualquer paciente com alterações com risco à vida nas vias respiratórias, na respiração ou na circulação deve receber imediatamente epinefrina. A epinefrina é um agonista adrenérgico; a estimulação dos receptores α e β reverte a vasodilatação e a broncoconstrição causadas pelo choque anafilático (Quadro 54.6). Se o paciente estiver gravemente hipotenso ou não responder prontamente à epinefrina, é essencial a infusão rápida de fluidos cristaloides. Outras farmacoterapias incluem corticosteroides, broncodilatadores e, se necessário, vasoconstritores e inotrópicos positivos para combater o colapso circulatório.23,24 Dosagem de epinefrina na anafilaxia: adultos. Diluição da epinefrina 1:1.000 (1 mg/mℓ); 0,2 a 0,5 mℓ IM ou subcutânea a cada 5 min, conforme necessário; deve ser usada para controlar os sintomas e aumentar a pressão arterial em pacientes com anafilaxia. Dados extraídos de Lieberman P, Nicklas RA, Randolph C et al.: Anaphylaxis: A practice parameter update 2015. Ann Allergy Asthma Immunol 115(5):341-384, 2015. Tratamento de enfermagem. Os cuidados de enfermagem envolvem a manutenção adequada das vias respiratórias e o monitoramento da resposta do paciente ao antígeno. A enfermeira também deve monitorar respiração, frequência cardíaca, pressão arterial e nível de ansiedade, e instituir medidas de conforto relacionadas às manifestações dermatológicas. Se o agente causador da anafilaxia for desconhecido, a avaliação das alergias e o risco futuro de anafilaxia devem ser concluídos. O ensino do paciente em relação a prevenção e tratamento é fundamental para qualquer pessoa que tenha uma reação anafilática ou anafilactoide significativa. Choque séptico O choque séptico é um processo complexo e generalizado que envolve todos os sistemas orgânicos. Sepse, sepse grave e choque séptico representam estágios progressivos da mesma doença em resposta à infecção. Em 1991, a Society of Critical Care Medicine e o American College of Chest Physicians estabeleceram definições universais para o termo sepse e outras condiçõesclínicas associadas4 para promover detecção e intervenção precoces desses estados, melhorar os resultados e padronizar a terminologia empregada em protocolos de pesquisa. Subsequentemente, várias conferências de consenso modificaram as definições existentes quanto a precisão, confiabilidade e utilidade clínica do diagnóstico de sepse (Quadro 54.7).25 O atual comitê internacional de especialistas e suas recomendações é conhecido como Campanha de Sobrevivência à Sepse (Surviving Sepse Campaign). O objetivo desta campanha é disseminar diretrizes clínicas para padronizar o atendimento de pacientes com sepse e alinhar a prática com as evidências mais atuais.26 A campanha atualiza regularmente suas recomendações com base nas pesquisas mais recentes. As recomendações mais recentes foram publicadas em 2013 (Tabela 54.4). Terminologia clínica | SRIS, sepse e insuficiência de órgãos. Bacteriemia: presença de bactérias viáveis no sangue. Hipotensão: PAS menor que 90 mmHg ou redução de mais de 40 mmHg em relação ao valor basal, na ausência de outras causas de hipotensão. Infecção: processo patológico causado pela invasão de tecido, fluido ou cavidade orgânica normalmente estéril por organismos patogênicos ou potencialmente patogênicos. • • • • • • • • • ■ • • • • • Tabela 54.4 Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS): resposta inflamatória sistêmica que pode ser desencadeada por diversas condições infecciosas e não infecciosas. A resposta é manifestada por duas ou mais das seguintes condições: Temperatura maior que 38°C ou menor que 36°C Frequência cardíaca superior a 90 bpm Frequência respiratória maior que 20 respirações/min ou PaCO2 menor que 32 mmHg (menos de 4,3 kPa) Contagem de leucócitos maior que 12.000 células/mm3, menor que 4.000 células/mm 3 ou maior que 10% de formas imaturas (banda) Sepse: SRIS mais uma infecção conhecida ou suspeita. Sepse grave: sepse associada a disfunção orgânica, hipoperfusão ou hipotensão. Hipoperfusão e anormalidades de perfusão podem incluir, mas não estão limitadas a: Estado mental alterado Lactato maior que 4 mmol/ℓ Débito urinário inferior a 0,5 mℓ/kg/h por mais de 2 h Lesão pulmonar aguda PaO2/FiO2 menor que 200 com pneumonia; menor de 250 sem pneumonia Contagem de plaquetas inferior a 100.000/μℓ Choque séptico: sepse grave com hipotensão, apesar da reanimação volêmica adequada. Os pacientes que fazem uso de agentes inotrópicos ou vasopressores podem não estar hipotensos no momento em que as anormalidades de perfusão são medidas. SDMO: presença de alteração da função de um órgão em paciente agudamente enfermo, de tal modo que a homeostase não pode ser mantida sem intervenção. Dados extraídos de Levy MM, Fink MP, Marshall JC: 2001 SCCM/ESICM/AACP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med 31:1250– 1256, 2003; e Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM et al.: Surviving Sepsis Campaign: International guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Crit Care Med 41:580-637, 2013. Etiologia Nos EUA, os casos de sepse resultam em mais de um milhão de hospitalizações por ano. O número e a taxa de hospitalizações por sepse dobraram na última década.27 Há muitos fatores populacionais que contribuem para o aumento contínuo dos diagnósticos de sepse: Envelhecimento da população Aumento de infecções associadas a organismos resistentes a antibióticos Pacientes imunocomprometidos que apresentam uma patologia crítica Aumento no número de pacientes submetidos a cirurgias de alto risco Aprimoramento dos métodos de identificação de sepse. Fatores de risco individuais para o desenvolvimento de choque séptico incluem fatores do hospedeiro e fatores relacionados ao tratamento (Quadro 54.8). A mortalidade aumenta dramaticamente com a gravidade da doença. Sepse, sepse grave e choque séptico estão associados a taxas de mortalidade de 16%, 25% e 50%, respectivamente.28 O reconhecimento precoce e o tratamento têm um grande impacto no desfecho. Aproximadamente um em cada quatro pacientes que se apresenta na emergência com um quadro de sepse evoluirá para choque séptico dentro de 72 h.26 Para os pacientes que se tornam hipotensos na emergência, cada hora de atraso na administração de antibióticos aumenta sua mortalidade em 7%.8 Diretrizes da campanha de sobrevivência à sepse. Foco na prática colaborativa Diretrizes de sobrevivência à sepse Intervenções e considerações sobre cuidados com o paciente • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ∘ • • • • ∘ Triagem e melhoria de desempenho Todos os pacientes potencialmente infectados e gravemente enfermos devem ser triados para sepse Utilize os instrumentos de anamnese e histórico de enfermagem do hospital para identificação precoce da sepse Oxigenação, ventilação Ventilação mecânica Para pacientes que necessitam de ventilação mecânica, deve-se usar um volume corrente (VC) de 6 mℓ/kg, com um platô de limite superior de pressão de 30 cmH2O ou menos A hipercapnia permissiva pode ser tolerada em pacientes com valores elevados de platô de pressões e de volumes correntes Deve ser aplicada pressão expiratória final positiva para evitar o colapso pulmonar no final da expiração A cabeceira do leito deve ser elevada a pelo menos 30°, a menos que contraindicado, para evitar pneumonia associada à ventilação mecânica Deve existir um protocolo de desmame com respiração espontânea para promover o desmame ventilatório, mesmo em pacientes estimuláveis, estáveis hemodinamicamente, sem nenhuma condição de risco à vida e que não estejam exigindo altos níveis de FiO2 ou suporte ventilatório A posição prona pode ser considerada em pacientes com SDRA, exigindo altos níveis de FiO2 ou de pressão de platô O uso de manobras de recrutamento pode ser conside-rado para pacientes com hipoxemia grave e refratária Mantenha a permeabilidade das vias respiratórias Ausculte a respiração a cada 2 a 4 h e SOS Faça a sucção das vias respiratórias endotraqueais quando apropriado (ver Capítulo 25) Hiperoxigene e hiperventile antes e depois de cada passagem de sucção Monitore oximetria de pulso e volume expirado de CO2 (end-tidal) Monitore a gasometria de sangue arterial como indicado por alterações em parâmetros não invasivos Monitore o shunt intrapulmonar (Qs/Qt e PaO2/FiO2) Monitore as pressões das vias respiratórias a cada 1 a 2 h Considere terapia cinética Considere uma radiografia torácica diária (ver Capítulo 27) Circulação, perfusão Reanimação inicial A reanimação deve começar assim que a sepse for identificada Inicialmente, a reanimação volêmica deve começar com bolus de cristaloide No período inicial de 6 h após a identificação da sepse: Use vasopressores para hipotensão que não responda à reanimação volêmica inicial para manter uma PAM de 65 mmHg ou superior Administre fluidos intravasculares e vasopressores por protocolo O nível de lactato pode confirmar hipoperfusão em pacientes que não são hipotensos. Monitore o nível de lactato sérico na admissão e depois pelo menos 1 vez/dia Verifique os sinais vitais, incluindo a adequação do débito urinário por hora Documente a reavaliação do estado do volume e da perfusão dos tecidos da seguinte forma: Tenha um profissional independente ∘ ∘ ■ ■ ■ ■ • • • • • • • • • • • • • • • • • No caso de hipotensão persistente após a administração inicial de líquidos (PAM inferior a 65 mmHg) ou se o lactato inicial foi de 4 mmol/ℓ ou mais, reavalie o estado do volume e a perfusão tecidual e documente os achados, como descrito na coluna “Intervenções e considerações sobre cuidados com o paciente” licenciado para repetir o exame focalizado (após reanimação volêmica inicial), incluindo sinais vitais, resultados cardiorrespiratórios, preenchimento capilar, pulso e pele OU Realize duas das seguintes opções: Meça a PVC Meça ScvO2 Realize ultrassonografia cardiovascular à beira do leito Realize umaavaliação dinâmica da capacidade de resposta do fluido com a elevação passiva da perna ou desafio fluido Gerenciamento hemodinâmico contínuo Continue a usar técnicas de desafio de fluidos desde que associado à melhora clínica; albumina também pode ser considerada para pacientes que requerem quantidades substanciais de cristaloide Os vasopressores devem ser considerados para pacientes que não respondam a desafios com fluidos (pressão arterial e perfusão de órgãos inadequadas) A norepinefrina é recomendada como o vasopressor de primeira escolha Não deve ser usada dopamina de baixa dosagem para proteção renal como parte do tratamento para sepse grave Epinefrina pode ser adicionada ou considerada como um agente alternativo no choque séptico que responda mal à norepinefrina Baixa dose de vasopressina (menos de 0,03 unidade/min) não é recomendada; doses mais altas de vasopressina (0,03 a 0,04 unidade/min) devem ser reservadas para terapia de resgate Terapia inotrópica pode ser iniciada em pacientes com baixo DC, apesar da reanimação volêmica adequada Dobutamina pode ser usada para aumentar o DC/ índice cardíaco até níveis normais; não é Avalie as pressões hemodinâmicas a cada hora se o paciente estiver com cateter arterial, cateter PVC ou cateter da artéria pulmonar Se disponível, monitore SvO2 através de um cateter especial de artéria pulmonar ou ScvO2 através do cateter venoso central Monitore a resposta ao desafio com fluidos, com aumento da pressão arterial ou da produção de urina Monitore evidências de sobrecarga de volume intravascular Vasopressores devem ser administrados através de acesso venoso central, sempre que possível Para pacientes que fazem uso de vasopressores, deve ser colocado um cateter arterial o mais rápido possível para um monitoramento preciso da pressão arterial Monitore o DC e o índice cardíaco por protocolo hospitalar Monitore hemoglobina e hematócrito Durante a transfusão, observe os sinais de reação • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • recomendado atingir níveis acima do normal Pacientes com hipotensão também devem receber um vasopressor para manter a PAM Hemoderivados: após a reanimação inicial estar completa, administre hemácias somente quando a hemoglobina for menor que 7 g/dℓ A meta de hemoglobina é de 7 a 9 g/dℓ para pacientes sem doença arterial coronariana significativa, hemorragia aguda ou acidose láctica transfusional Monitore os parâmetros de coagulação Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular Um protocolo de sedação deve ser empregado em conjunto com uma escala de sedação padronizada para avaliação do paciente A sedação deve ser minimizada usando limites específicos e administrada por bolus intermitentes ou infusão contínua Agentes bloqueadores neuromusculares (ABNMs) devem ser evitados sempre que possível. Os ABNMs podem ser considerados para um curso curto (menos de 48 h) em pacientes com SDRA induzida por sepse precoce Monitore o nível de sedação por escala de sedação A infusão contínua de agentes sedativos deve ser interrompida diariamente para avaliação do estado de alerta do paciente, com subsequente retitulação conforme indicado pelo protocolo e pela avaliação da sedação Controle de fluidos, eletrólitos e glicemia Glicemia: após a estabilização inicial, o nível de glicose no sangue deve ser menor que 180 mg/dℓ Um protocolo de glicose no sangue deve ser usado para identificar hiperglicemia e iniciar a regulação adequada da glicose com infusão de insulina A terapia de substituição renal com hemodiálise intermitente e terapia contínua de substituição renal (TcSR) são consideradas equivalentes. A TcSR pode ser preferível no paciente hemodinamicamente instável Monitore ingesta e débito a cada 1 h Monitore a glicose no sangue a cada 1 a 2 h até estabilizar, depois a cada 4 h Inicie o protocolo de insulina para glicose no sangue maior que 180 mg/dℓ Monitore eletrólitos diariamente e SOS Substitua eletrólitos conforme prescrição Monitore diariamente o nitrogênio ureico no sangue, creatinina, osmolalidade sérica e os valores séricos de eletrolíticos Monitore o equilíbrio de fluidos e a estabilidade hemodinâmica de pacientes em terapia renal substitutiva Identificação e tratamento da causa da sepse O paciente deve ser formalmente avaliado para um foco de infecção. Qualquer fonte conhecida ou suspeita de infecção deve ser removida ou tratada dentro de 12 h do diagnóstico, se possível Culturas devem ser obtidas antes que a terapia Obtenha cultura de urina, escarro e sangue, conforme prescrição • • • • • • • • • • • • • • • • • ∘ ∘ • antimicrobiana seja iniciada, se possível, mas não devem atrasar a administração de terapia antimicrobiana em mais de 45 min Pelo menos dois conjuntos de hemoculturas aeróbicas e anaeróbicas devem ser obtidos, com pelo menos uma amostra de cultura colhida por via percutânea Pelo menos uma amostra de cultura de cada dispositivo de acesso vascular inserido mais de 48 h antes deve ser obtida, para descartar linhas como fonte de infecção Outras fontes de infecção devem ser consideradas e cultivadas conforme indicado clinicamente (urina, feridas, secreções respiratórias) Antibióticos intravenosos devem ser iniciados o mais cedo possível e sempre na primeira hora após o diagnóstico de sepse grave ou choque séptico A terapia inicial deve incluir medicamentos com atividade contra o provável patógeno, levando-se em consideração os padrões de resistência no hospital e na comunidade Obtenha espécimes de cultura de feridas e da ponta da linha vascular, conforme prescrição Administre antibióticos conforme prescrição Monitore os níveis séricos do antibiótico, conforme prescrição Considere uma consulta sobre doenças infecciosas Monitore os critérios para SRIS listados no Quadro 54.1 Prevenção de novas infecções O regime antimicrobiano deve ser reavaliado diariamente para otimizar a atividade e prevenir o desenvolvimento de resistência O gliconato de clorexidina, um agente de descontaminação oral, deve ser usado para reduzir o risco de pneumonia associada à ventilação mecânica em pacientes com sepse grave Ajuste os antibióticos com base nos resultados da cultura Use técnica asséptica estrita durante o procedimento e monitore a técnica dos outros Mantenha cateteres e tubos invasivos em condições estéreis Faça a higiene bucal do paciente para reduzir o risco de pneumonia associada à ventilação mecânica Profilaxia de trombose venosa profunda (TVP) Pacientes com sepse devem receber profilaxia contra TVP Para pacientes com sepse grave, devem ser consideradas tanto a profilaxia farmacológica quanto a profilaxia mecânica A menos que seja contraindicado, deve ser dada preferência à profilaxia farmacológica no lugar de profilaxia Monitore sinais e sintomas de TVP (vermelhidão, edema, sensibilidade ou dor na panturrilha) ∘ ∘ ∘ • • • • • • • Quadro 54.8 • • • • • • • • • • mecânica Profilaxia de úlceras de estresse Pacientes com sepse grave ou fatores de risco de sangramento devem receber profilaxia para úlcera de estresse Pacientes sem fatores de risco não devem receber profilaxia para úlcera de estresse Os agentes preferidos são bloqueadores de H2 ou inibidores da bomba de prótons Monitore sinais e sintomas de úlcera péptica (dor abdominal, sangramento gastrintestinal) Estabelecimento de metas de cuidados Comunique resultados prováveis e metas realistas de tratamento para pacientes e familiares Fale sobre as metas de atendimento dentro de 72 h de internação na UTI Incorpore metas de cuidado às decisões de tratamento Considere o uso de suporte menos agressivo ou a retirada do suporte, considerando o melhor interesse do paciente Consulte o serviço social, religiosos e a equipe de cuidados paliativos, conforme apropriado Forneça descanso e sonoadequados Dados extraídos de Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM et al.: Surviving Sepsis Campaign: International guidelines for management of severe sepsis and septic shock. Crit Care Med 41:580-637, 2013; e Surviving Sepsis Campaign: Updated Bundles in Response to New Evidence. Retirada em abril de 2015 do site: http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SSC_Bundle.pdf. Segurança do paciente. Fatores de risco para o desenvolvimento do choque séptico Fatores do hospedeiro Extremos de idade Desnutrição Debilitação geral Debilitação crônica Doença crônica Abuso de drogas ou álcool Neutropenia Esplenectomia Insuficiência de múltiplos órgãos Fatores relacionados ao tratamento Uso de cateteres invasivos • • • • • ■ Procedimentos cirúrgicos Feridas traumáticas ou térmicas Procedimentos diagnósticos invasivos Ventilação mecânica Medicamentos (antibióticos, agentes citotóxicos, esteroides) Fisiopatologia A sepse é iniciada por uma infecção. As infecções podem ser o resultado da exposição a uma variedade de microrganismos, como bactérias gram-negativas ou gram-positivas, fungos e vírus. Em alguns pacientes, são identificados vários organismos causadores, mas em muitos outros o organismo causador nunca é identificado. Microrganismos podem ser introduzidos através do sistema pulmonar, trato urinário ou sistema digestório; através de feridas; ou através de dispositivos invasivos. O choque séptico resulta de interações complexas entre os microrganismos invasores e os sistemas imunológico, inflamatório ede coagulação, que conduzem a um estado pró-inflamatório e de hipercoagulação (Figura 54.8). Tanto os organismos gram-negativos quanto os gram-positivos podem estimular diretamente a resposta inflamatória e outros aspectos do sistema imunológico que ativam os sistemas de citocinas, complemento e coagulação. Em resposta à presença de microrganismos, macrófagos e linfócitos T auxiliares secretam as citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IL-1β. Como discutido anteriormente, essas citocinas induzem a disfunção endotelial e resultam em aumento da permeabilidade capilar. Normalmente, também são liberadas citocinas anti-inflamatórias para equilibrar a resposta pró-inflamatória. Linfócitos T auxiliares tipo 2 secretam as citocinas anti-inflamatórias IL-4 e IL-10. Porém, em alguns pacientes, as citocinas anti- inflamatórias não conseguem equilibrar as citocinas pró-inflamatórias, e a excessiva resposta pró-inflamatória ativa a cascata de coagulação.7 Outro aspecto importante da sepse é o desequilíbrio entre fatores pró-coagulantes e anticoagulantes. As endotoxinas, substâncias presentes nas paredes celulares de microrganismos invasores, estimulam as células endoteliais a liberar o fator tecidual. A liberação do fator tecidual ativa a cascata de coagulação, causando a conversão do fibrinogênio em fibrina. A fibrina se liga a plugues de plaquetas que aderiram a células endoteliais danificadas, formando um coágulo de fibrina estável. Esses coágulos, conhecidos como microtrombos, se formam ao longo da microvasculatura e causam obstrução dos vasos, resultando em lesões adicionais e isquemia dos tecidos distais. Normalmente, fatores anticoagulantes (proteína C, proteína S, antitrombina III, inibidor da via do fator tecidual) modulam a coagulação, prevenindo a formação generalizada de microtrombos. A trombina se liga à trombomodulina nas células endoteliais, “ativando” a proteína C. Então, a proteína C ativada inativa os fatores V e VIII e inibe a síntese do inibidor do ativador do plasminogênio, que permite que a plasmina rompa os coágulos de fibrina e plaquetas.29 Na sepse, os níveis desses fatores anticoagulantes diminuem, resultando em um estado pró-coagulante que aumenta a formação de microtrombos e contribui para maior inflamação.7 O reconhecimento de que as respostas pró-inflamatórias e pró- coagulantes resultam em perda de homeostase de quase todos os sistemas orgânicos é fundamental para o entendimento da sepse. Alterações cardiovasculares. Em geral, o choque séptico está associado a três importantes efeitos fisiopatológicos no sistema cardiovascular: vasodilatação, má distribuição do fluxo sanguíneo e depressão miocárdica. As citocinas pró-inflamatórias estimulam a liberação de óxido nítrico (NO) pelas células endoteliais. O NO é um potente vasodilatador e causa vasodilatação generalizada. Por causa dessa vasodilatação, ocorrem diminuição da RVS, diminuição do retorno venoso ao coração e, portanto, diminuição do DC. Outros mediadores inflamatórios, incluindo a endotelina, são liberados pelas células endoteliais e causam vasoconstrição em outros leitos vasculares.30 A combinação de vasodilatação e vasoconstrição produz má distribuição do fluxo sanguíneo em toda a microcirculação.31 Figura 54.8 Resposta inflamatória/resposta imune no choque séptico. TAF, inibidor da fibrinólise ativada por trombina; PAI- 1, inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1. (Copyright © 2001, Eli Lilly and Company. Todos os direitos reservados.) No início do choque séptico, a ativação do sistema nervoso simpático e a liberação de substâncias vasodilatadoras, como o NO, promovem o desenvolvimento de um estado hiperdinâmico, com alto DC e baixa RVS. Mais tarde, com o aumento dos depressores cardíacos circulantes, o coração se torna hipodinâmico, com baixo DC e aumento da RVS. No choque séptico, a depressão miocárdica fica evidente na diminuição da fração de ejeção ventricular, na dilatação dos ventrículos e no achatamento da curva de Frank-Starling após a reanimação volêmica. As citocinas liberadas como parte da cascata inflamatória – TNF-α, IL-1β e IL-6 – contribuem para essa depressão miocárdica. O NO também contribui para a disfunção, comprometendo a capacidade das células de utilizar o oxigênio disponível para a produção de ATP. Consequentemente, o coração apresenta comprometimento funcional da contratilidade e do desempenho ventricular.11,32 Os parâmetros hemodinâmicos, incluindo SCVO2/SVO2 e medidas de acidose metabólica, devem ser acompanhados ao longo do tempo para reconhecer a hipoperfusão precoce do tecido causada por insuficiência cardíaca progressiva. Alterações pulmonares. Eventos iniciados pela ativação da resposta inflamatória e seus mediadores afetam os pulmões direta e indiretamente. A ativação do sistema nervoso simpático e a liberação de epinefrina pela medula suprarrenal causam broncodilatação. No entanto, as citocinas inflamatórias anulam o efeito da epinefrina e o resultado final é a broncoconstrição. Mais importante, os mediadores inflamatórios e os neutrófilos ativados causam extravasamento capilar no interstício pulmonar, resultando em edema intersticial, áreas de má perfusão pulmonar (shunt), hipertensão pulmonar e aumento do trabalho respiratório. Como o fluido se acumula no interstício, a complacência pulmonar é reduzida, a troca gasosa é prejudicada e ocorre hipoxemia. O fluido intersticial danifica a barreira epitelial alveolar, permitindo que o fluido se acumule nos alvéolos. Isso prejudica ainda mais a oxigenação e a ventilação. As alterações pulmonares descritas anteriormente podem culminar na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), frequentemente associada ao choque séptico.33,34 A ventilação mecânica, comum em pacientes com SDRA, pode fornecer uma via de entrada de microrganismos para os pulmões. Os infiltrados alveolares são áreas férteis para o crescimento bacteriano; portanto, pode se desenvolver uma pneumonia secundária, possivelmente causada por um organismo diferente daquele que produziu a sepse. Ver Capítulo 27 para mais informações sobre a SDRA. Alterações hematológicas. Também ocorrem anormalidades plaquetárias no choque séptico, porque a endotoxina causa indiretamente agregação plaquetária e subsequente liberação de mais substâncias vasoativas, como a serotonina e o tromboxano A2. As plaquetas sofrem agregação na microvasculatura de pacientes sépticos. A superativação da cascata de coagulação sem o ■ ■ contrabalanço dafibrinólise adequada compromete a perfusão tecidual ao obstruir o fluxo sanguíneo regional e globalmente, como descrito anteriormente. Com o tempo, ocorrem depleção dos fatores de coagulação e uma coagulopatia, com o potencial de progredir para a coagulação intravascular disseminada (CIVD).29 Alterações metabólicas. O choque séptico induz um estado hipermetabólico caracterizado por um aumento no consumo de energia em repouso, extenso catabolismo de proteínas e gordura, balanço negativo de nitrogênio, hiperglicemia e gliconeogênese hepática. A liberação excessiva de catecolaminas estimula a gliconeogênese e a resistência à insulina. Isso compromete o metabolismo celular, causando hiperglicemia em pacientes criticamente enfermos que não têm diabetes. Devido à resistência à insulina, as células se tornam progressivamente incapazes de usar glicose, proteína e gordura como fontes de energia. A hiperglicemia resistente à insulinoterapia é um achado frequente no choque precoce. Eventualmente, os estoques de energia de glicogênio se esgotam e, sem um influxo de ATP, as bombas celulares falham, progredindo para a morte de tecidos e órgãos. Em resposta à falta de efeito da insulina, as proteínas se decompõem, levando a um alto nível de nitrogênio ureico no sangue e à excreção urinária de nitrogênio. A proteína muscular se quebra em aminoácidos, alguns dos quais são usados como fontes de energia para o ciclo de Krebs ou como substratos para a gliconeogênese. Em estágios posteriores de choque, o fígado é incapaz de usar os aminoácidos devido à sua própria disfunção metabólica. Os aminoácidos se acumulam na corrente sanguínea. À medida que o choque progride, o tecido adiposo é quebrado (lipólise) para fornecer ao fígado lipídios para produção de energia. O metabolismo dos triglicerídeos hepáticos produz cetonas, que, através da circulação, alcançam células periféricas que podem usá-las no ciclo de Krebs para a produção de ATP. Como a função hepática diminui, os triglicerídeos não são quebrados; eles se acumulam nas mitocôndrias e inibem o ciclo de Krebs, contribuindo para o aumento do metabolismo anaeróbico e da produção de lactato. A capacidade das células para extrair e usar oxigênio é prejudicada como resultado da disfunção mitocondrial. Os oxidantes são normalmente produzidos como um subproduto da fosforilação oxidativa. No entanto, em pacientes críticos, ocorre um acúmulo de oxidantes que resulta em estresse oxidativo. O estresse oxidativo causa peroxidação lipídica, oxidação de proteínas e mutações no DNA mitocondrial, contribuindo para a morte celular. O efeito final desses distúrbios metabólicos é que as células se tornam famintas por energia. Esse déficit de energia está implicado no surgimento da falência múltipla de órgãos, que frequentemente se desenvolve independentemente de intervenções destinadas a fornecer suporte ao sistema circulatório e outros sistemas orgânicos.3 Avaliação A compreensão total das respostas dos mediadores que ocorrem durante a sepse ajuda na avaliação e na reavaliação da resposta ao tratamento. Achados físicos. Os primeiros sinais de choque séptico – taquicardia, aumento da frequência respiratória, contagem anormal de leucócitos e febre ou hipotermia – refletem a SRIS. Por causa da resposta inflamatória exagerada com liberação de mediadores vasoativos, a apresentação clínica do paciente é complexa. O paciente pode se tornar edematoso, ainda que com depleção intravascular, e as áreas com microtrombos e vasoconstrição obstruem a perfusão. À medida que ocorre a reposição de líquidos, os leitos capilares com extravasamento deslocam o fluido intersticialmente, exigindo mais reanimação volêmica, o que pode exacerbar ainda mais o edema intersticial. Os desequilíbrios da perfusão causam isquemia em alguns leitos vasculares, como a circulação esplâncnica, pele e extremidades; isso pode levar à necrose. A ativação sistêmica inadequada do sistema de coagulação esgota os estoques orgânicos de fatores de coagulação e pode ocorrer sangramento espontâneo. Consistente com o estado hiperdinâmico, o DC pode inicialmente ser alto; no entanto, é insuficiente para manter a perfusão adequada devido à RVS inapropriadamente baixa. Exames laboratoriais. A rápida progressão da doença e a mortalidade relacionada à gravidade associada à sepse tornam a identificação precoce primordial. O diagnóstico precoce da sepse costuma ser feito pela avaliação dos fatores de risco do paciente e pelos achados clínicos (ver Quadro 54.8), mas também pode ser aprimorado por exames laboratoriais e diagnósticos. Exames laboratoriais específicos, incluindo contagem de leucócitos com diferencial, contagem de plaquetas, lactato, SVO2 ou SCVO2, creatinina, glicose e bilirrubina ajudam a quantificar a gravidade da apresentação do paciente.26 Estudos laboratoriais e diagnósticos que podem ajudar a identificar e direcionar o manejo da sepse estão resumidos no Quadro 54.9. Tratamento O choque séptico requer uma abordagem de equipe interprofissional, rápida e agressiva, assim como instalações de monitoramento e tratamento encontradas em uma unidade de terapia intensiva. Os objetivos primários do tratamento são maximizar a DO2 para atender aos requisitos de demanda de oxigênio celular e interromper a resposta inflamatória exagerada. O início precoce do tratamento, nas primeiras 3 h de identificação, mostrou retardar a descompensação de pacientes em estado séptico e diminuir o risco de falência de múltiplos órgãos.13,35 As intervenções iniciais incluem reanimação volêmica com grandes volumes, obtenção de lactato sérico e hemocultura, igualmente administração de antibióticos. Intervenções subsequentes incluem reanimação contínua e garantia de perfusão adequada – por exemplo, monitoramento hemodinâmico invasivo, administração de sangue e uso de medicamentos vasoativos. Um protocolo sistemático para orientar essas Quadro 54.9 • • • • • • • • • • intervenções é descrito nas Diretrizes de Sobrevivência à Sepse (Surviving Sepsis Guidelines).26 O uso de um protocolo de sepse ou o pacote das 3 e 6 h melhoram o manejo interprofissional oportuno de sepse grave e choque séptico e está associado à melhoria da sobrevida.9,35–37 As Diretrizes de Sobrevivência à Sepse foram adotadas por muitos hospitais. Diversos ensaios clínicos randomizados controlados recentes demonstraram que a adesão estrita ao pacote de 6 h para atingir os parâmetros primários (endpoints) alvo não melhorou a sobrevida, em comparação com os cuidados habituais dispensados por médicos de emergência e de cuidados críticos.38–40 No entanto, esses estudos demonstraram que os elementos fundamentais para melhorar a sobrevida são a rápida identificação da sepse, a aquisição precoce de hemoculturas, seguida do início de antibióticos e da administração volumétrica. As intervenções discutidas a seguir descrevem as estratégias baseadas em evidências que orientam os cuidados com pacientes em sepse. O uso de um protocolo de sepse ou de um pacote de sepse melhora o manejo interprofissional do choque séptico e está associado à melhora da sobrevida.9,35–37 Dados fisiológicos úteis no diagnóstico de sepse. Culturas: sangue, escarro, urina, feridas cirúrgicas ou não cirúrgicas, seios paranasais e cateteres invasivos; não são necessários resultados positivos para o diagnóstico Hemograma completo: a contagem de leucócitos geralmente está elevada e pode diminuir com a progressão do choque Painel bioquímico: a hiperglicemia pode ser evidente, seguida de hipoglicemia em fases posteriores Gasometria arterial: acidose metabólica com hipoxemia leve (PaO2 menor que 80 mmHg) e possivelmente alcalose respiratória compensatória (PaCO2 menor que 35 mmHg) Tomografia computadorizada: pode ser necessária para identificar locais de possíveis abscessos Radiografias de tórax e abdome: podem revelar processos infecciosos. SvO2 ou ScvO2: podem auxiliar na avaliação da adequação da oferta e do consumo de oxigênio Nível de lactato: níveis decrescentes de lactato sérico indicamque o metabolismo aeróbico é capaz de atender às exigências energéticas das células. Níveis elevados indicam perfusão inadequada e utilização do metabolismo anaeróbico para atender às exigências energéticas das células Déficit de base: níveis elevados indicam perfusão inadequada e metabolismo anaeróbico EtCO2: a diminuição do EtCO2 é um indicador precoce de inadequação da perfusão tecidual regional e global Prevenção. Como as taxas de morbidade e mortalidade por choque séptico são tão altas, é imperativo que sejam implementadas medidas preventivas de controle de infecção. Em pacientes gravemente enfermos, os mecanismos naturais de defesa do organismo estão frequentemente comprometidos, e é essencial a proteção contra infecções hospitalares (nosocomiais). As infecções nosocomiais aumentam o tempo de internação e estão associadas a custos substanciais, variando de US$ 5.800 a US$ 12.700 para um caso de sepse e US$ 11.100 a US$ 22.300 para um caso de pneumonia.41 Portanto, um aspecto crítico do cuidado de enfermagem envolve a adesão meticulosa à técnica asséptica, lavagem das mãos e conscientização contínua de locais e causas potenciais de infecção.42 Identificação e tratamento da infecção. A identificação da fonte e o controle da infecção são de suma importância. Uma avaliação minuciosa durante as atividades de enfermagem pode identificar novas áreas de eritema ou secreção, que levam à identificação precoce de infecção ou sepse.42 O sangue e outros fluidos relevantes, como amostras de escarro e urina, devem ser coletados para cultura imediatamente após o diagnóstico. A antibioticoterapia empírica de largo espectro, com cobertura contra bactérias gram-negativas e gram-positivas e microrganismos anaeróbicos, deve ser iniciada o mais brevemente possível.8,43 Uma vez isolado o organismo infeccioso, a antibioticoterapia deve ser estreitada para antibióticos efetivos contra esse organismo específico, na tentativa de minimizar o desenvolvimento de resistência. Se uma fonte for identificada, medidas definitivas para aliviar a causa da sepse podem incluir ressecção, drenagem de tecidos ou secreções purulentos ou remoção de dispositivos intravasculares contaminados.26,42 No entanto, o tratamento antimicrobiano e o controle da fonte da sepse não são suficientes para o tratamento das reações inflamatórias generalizadas observadas com choque séptico. As medidas de suporte estabelecem e mantêm a perfusão tecidual adequada, e outras terapias visam bloquear ou interferir na ação dos vários mediadores implicados no choque. Aspectos do atendimento de suporte incluem o seguinte: • • • • • Restauração do volume intravascular Manutenção de um DC adequado Garantia de ventilação e oxigenação adequadas Restauração do equilíbrio entre coagulação e anticoagulação Fornecimento de um ambiente metabólico apropriado. Restauração do volume intravascular. A reposição adequada de volume é importante para reverter a hipotensão. Os pacientes podem necessitar de vários litros de líquido devido à vasodilatação induzida pelo mediador e pelo extravasamento capilar, como discutido anteriormente. A reposição de líquidos deve ser orientada por parâmetros hemodinâmicos, débito urinário e indicadores de acidose metabólica (dióxido de carbono no final da expiração, déficit de base, níveis de ácido láctico). As Diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse recomendam um desafio inicial de reanimação volêmica com pelo menos 30 mℓ/kg de cristaloides nas primeiras 3 h de tratamento. A reanimação volêmica pode ser orientada por diversos parâmetros de avaliação.26 O uso de dispositivos de monitoramento invasivo, como cateteres arteriais, alguns dos quais podem fornecer a variação do DC e do volume sistólico, e de cateteres venosos centrais que podem monitorar PVC e saturação venosa de oxigênio (SCVO2 ou SVO2) pode ser útil na orientação da reanimação volêmica.44 Uma tendência de queda nos indicadores do metabolismo anaeróbico, como o lactato sérico, e a reversão da acidose metabólica são indicativos de melhora da perfusão tecidual. Além dos fluidos cristaloides, os fluidos coloides, como os hemoderivados, podem ser administrados mesmo na ausência de sangramento. Produtos do fluido coloide aumentam a oferta de oxigênio às células e mantêm o volume intravascular. O sangue administrado para atingir níveis específicos de hemoglobina, no entanto, não demonstrou superioridade nos resultados dos pacientes.16,38–40 A administração de fluidos e o monitoramento rigoroso da resposta à fluidoterapia são responsabilidades importantes da enfermagem (ver Tabela 54.4). Manutenção do débito cardíaco adequado. Na fase inicial do choque séptico, o DC pode estar normal ou elevado. No entanto, o DC não é adequado para manter a oxigenação e a perfusão tecidual por causa da diminuição da RVS e da vasodilatação periférica. Conforme o choque séptico progride, o DC começa a diminuir devido à disfunção cardíaca. Como a DO2 é dependente do DC, a manutenção do DC é um objetivo terapêutico primário. Se a reposição adequada de volume não melhorar a perfusão tecidual, podem ser administradas substâncias vasoconstritoras para dar suporte à circulação. As Diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse recomendam que substâncias vasoativas sejam administradas para atingir uma pressão arterial média (PAM) de 65 mmHg. A norepinefrina é o vasopressor de primeira linha para pacientes em choque séptico.26,45,46 Vasopressina, epinefrina ou dopamina podem ser usadas como agentes de segunda linha.26,32 Para pacientes com DC persistentemente baixo, apesar da reanimação volêmica adequada e da meta de PAM, o agente inotrópico de primeira linha recomendado é a dobutamina, para melhorar a contratilidade cardíaca.26 Recomenda-se que a dobutamina seja titulada para um DC normal, mas não elevado (ver Tabela 54.4). Manutenção de ventilação e oxigenação adequadas. A manutenção da perviedade das vias respiratórias, o aumento da ventilação e a garantia de oxigenação adequada no paciente com choque séptico geralmente requerem intubação endotraqueal e ventilação mecânica. Como discutido anteriormente, esses pacientes apresentam alto risco para o desenvolvimento de SDRA. As estratégias ventilatórias de baixo volume corrente (protetor pulmonar) limitam a lesão pulmonar relacionada à ventilação mecânica. As Diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse recomendam um volume corrente de 6 mℓ/kg de peso corporal previsto e pressões de platô não superiores a 30 cmH2O. Outras estratégias para melhorar a oxigenação na sepse incluem o uso de níveis mais altos de pressão positiva expiratória final (PEEP), manobras de recrutamento e a posição prona, quando disponíveis.26 A avaliação do suporte circulatório, ventilação e oxigenação é essencial. (Para o tratamento de enfermagem de pacientes em ventilação mecânica, ver Capítulo 25.) As necessidades de DO2 e VO2 do paciente devem ser avaliadas com frequência. O objetivo é maximizar a DO2 para garantir que o VO2 permaneça independente da DO2. O metabolismo aeróbico é mantido e as necessidades energéticas dos tecidos são satisfeitas através da oferta de oxigênio adequado às células. Restauração do equilíbrio entre coagulação e anticoagulação. A liberação sistêmica e a depleção dos fatores de coagulação são bem conhecidos na sepse; no entanto, o manejo dessa complicação continua sendo um desafio. Intervenções farmacológicas para reposição de fatores de coagulação individuais, como a proteína C, não conseguiram produzir melhora nos desfechos clínicos.47,48 Da mesma forma, o uso de plasma fresco congelado foi sugerido para repor todos os fatores de coagulação; isso também não conseguiu melhorar os resultados e não é recomendado.26 A opinião de especialistas das Diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse sugere que alguns pacientes podem se beneficiar da repleção de plaquetas no contexto de trombocitopenia; entretanto, pesquisas adicionais são necessárias para demonstrar um benefício definitivo.26 Atualmente, não há intervenção comprovadapara restabelecer o equilíbrio entre coagulação e anticoagulação em pacientes com sepse. Manutenção do ambiente metabólico. Os muitos e variados desequilíbrios metabólicos associados ao choque séptico exigem monitoramento frequente da função hematológica, renal e hepática. As reservas nutricionais estão esgotadas e o paciente necessita de nutrição suplementar para prevenir a desnutrição e otimizar a função celular. Apesar do aumento das necessidades metabólicas, muitos pacientes com sepse são incapazes de tolerar alimentação calórica total; a maior alimentação está associada a um aumento de complicações entéricas, complicações infecciosas e mortalidade. A alimentação trófica, ou subalimentação, até um máximo de 500 kcal por dia é recomendada no tratamento precoce da sepse.26 A nutrição enteral é a via preferencial de suporte nutricional porque mantém a integridade do sistema digestório, reduz infecção e diminui a mortalidade em pacientes com sepse ou evento hipotensivo.49 A intolerância à alimentação enteral pode exigir o uso de nutrição parenteral total, mas, idealmente, uma pequena quantidade de nutrição enteral ainda pode ser administrada. Acreditava-se que dietas imunomoduladas poderiam repor os nutrientes em falta, porém estudos mais recentes identificaram complicações relacionadas às dietas imunomoduladas, e pesquisas recentes não mostraram diferenças na taxa de mortalidade.26 Síndrome da disfunção de múltiplos órgãos A SDMO é definida como a insuficiência fisiológica progressiva de vários sistemas orgânicos em pacientes com enfermidade aguda. A ameaça fisiológica é tão prejudicial à homeostase sistêmica que esta não pode ser mantida sem intervenção.4 A incapacidade de manter a perfusão e a oxigenação do órgão-alvo por causa da SRIS ou qualquer tipo de choque pode resultar em SDMO. Etiologia A causa exata da SDMO é desconhecida. A liberação de mediadores inflamatórios sistêmicos encontrados na SRIS (ver Tabela 54.1) pode ter um papel na etiologia da SDMO.2,7 Os efeitos inflamatórios e pró-coagulantes na vasculatura sistêmica causam hipoxia tecidual e necrose nos órgãos terminais.6 Além disso, mediadores inflamatórios desarranjam as junções celulares, não apenas no endotélio, mas também na mucosa intestinal. Uma perda de integridade da barreira mucosa intestinal libera as toxinas bacterianas do intestino por um processo chamado translocação. As toxinas gastrintestinais circulam sistemicamente, causando mais danos a múltiplos órgãos. Fisiopatologia Vários mecanismos podem contribuir para a fisiopatologia da SDMO; esta síndrome parece resultar de uma cascata de fatores bacterianos, lesão endotelial, liberação de mediadores inflamatórios, hemostasia alterada e insuficiência microcirculatória (Figura 54.3). Disfunção mitocondrial e redução na produção de ATP estão implicadas na falência de órgãos.3 Foi sugerido que a SDMO pode até ser um estado adaptativo, para permitir que os órgãos se recuperem de lesões e insultos.3 O dano aos órgãos pode ser primário ou secundário e causar falência de órgãos. Um insulto primário refere-se a uma lesão direta em um órgão, que resulta em disfunção orgânica. Por exemplo, um traumatismo torácico grave lesiona os pulmões e pode causar SDRA. Insulto secundário se deve a mecanismos operáveis em estados de choque. Por exemplo, uma infecção de ferida cirúrgica pode causar sepse, mas a SRIS resultante e o choque séptico podem causar SDRA. (A SDRA é discutida no Capítulo 27.) Na SDMO, a disfunção e a resposta inflamatória em um determinado órgão podem desencadear disfunção em outro.3,50,51 Portanto, a falha de um órgão em particular torna mais provável a ocorrência de falha de um segundo ou terceiro órgão. Geralmente, os primeiros órgãos a manifestar sinais de disfunção são os pulmões, coração e rins. Insuficiência hepática tende a ocorrer mais tarde, porque o fígado tem uma considerável capacidade de compensação. Se a hipoperfusão persistir, todos os órgãos vitais podem falhar. É de suma importância que as intervenções aumentem a perfusão e a oxigenação dos órgãos-alvo e diminuam a resposta inflamatória durante o manejo clínico dos estados de choque, para prevenir ou limitar a SDMO. Os pulmões são particularmente vulneráveis a falhas, porque os leitos capilares atuam como um filtro que é exposto a citocinas, mediadores e neutrófilos ativados. O extravasamento capilar causa edema intersticial, o que prejudica as trocas gasosas pulmonares. As células epiteliais que revestem os alvéolos são afetadas por mediadores inflamatórios. A ruptura do epitélio permite que fluidos, mediadores e fatores de coagulação inundem os alvéolos, prejudicando ainda mais as trocas gasosas pulmonares.33 A insuficiência respiratória associada à SDMO é semelhante à SDRA e é discutida em detalhes no Capítulo 27. A disfunção no sistema cardiovascular inclui redução do DC, secundária a arritmias e depressão miocárdica, bem como anormalidades no sistema vascular periférico, incluindo vasodilatação e hipotensão que não responde a administração de líquidos, aumento da permeabilidade capilar e má distribuição do fluxo sanguíneo.3,51 A disfunção hematológica mais comum é a trombocitopenia, que ocorre devido ao aumento do consumo de plaquetas, resultante da formação de microtrombos e do sequestro de plaquetas no baço, bem como o comprometimento da trombopoese, como resultado da supressão da medula óssea. Isso aumenta o risco de CIVD na SDMO.7 (Ver Capítulo 49 para uma discussão sobre CIVD.) A disfunção neurológica pode se manifestar por níveis alterados de consciência, confusão mental e delírio. A disfunção pode ser secundária à má perfusão cerebral ou a um aumento na quantidade de substâncias metabólicas neurotóxicas (amônia), ou pode ser o resultado de desequilíbrio eletrolítico. A disfunção renal pode ocorrer secundariamente à má perfusão renal e à isquemia prolongada das células tubulares renais, ou a causas intrarrenais, como substâncias nefrotóxicas. A insuficiência renal também pode ser um resultado direto da ventilação mecânica por alteração da função cardiovascular, ou por lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica e a resultante liberação de citocinas.50,51 A disfunção progressiva do fígado resulta em insuficiência hepática. A insuficiência hepática afeta vários sistemas do organismo, porque o fígado tem muitas funções, incluindo a síntese de albumina, fatores de coagulação e metabolismo de substâncias. E, como discutido anteriormente, a insuficiência hepática pode levar ao comprometimento da função mitocondrial e da capacidade das células de utilização de oxigênio.3 Avaliação O reconhecimento precoce e o manejo da SDMO são essenciais para melhorar a probabilidade de sobrevida.52 A avaliação dos sinais vitais para reconhecimento de sinais de SRIS, incluindo hipotensão, taquicardia, taquipneia, hipotermia e hipertermia, é crucial em todos os pacientes hospitalizados, particularmente aqueles em risco de desenvolvimento de choque e SDMO. A vigilância cuidadosa de alteração dos valores laboratoriais nos parâmetros de coagulação, contagem de plaquetas, leucócitos, lactato, função renal e outros estudos discutidos neste capítulo fornece indicadores precoces de que um paciente pode estar desenvolvendo disfunção orgânica. Existem diversos sistemas de pontuação para determinar a extensão da SDMO, mas até o momento não houve aceitação uniforme de uma ferramenta sobre outra.53 Tratamento As enfermeiras têm um papel fundamental em prevenção, reconhecimento e gerenciamento de pacientes com SDMO. As estratégias de prevenção incluem a aplicação de medidas para prevenir infecções nosocomiais, como posicionamento adequado (cabeceira elevada durante a ventilação mecânica), higiene bucal, cuidados com a pele, cuidados com cateteres invasivos e cuidados com feridas.42 Infelizmente, não existe um tratamento médico específico para SDMO, além de cuidados de suporte. O manejo deve se concentrar no tratamento de transtornos hemodinâmicos e metabólicos, conforme descrito anteriormente (ver Tabela54.4). O tratamento dirigido a sistemas orgânicos específicos, além de medidas de suporte, como terapia de reposição renal contínua e ventilação de baixo volume corrente, não demonstrou resultar em melhora da sobrevida de pacientes com SDMO. Isso pode refletir a interdependência dos sistemas orgânicos e o caráter sistêmico da SDMO. No entanto, evidências sugerem que a identificação precoce de pacientes com alta probabilidade de desenvolver SDMO e a normalização precoce da SCVO2, da concentração de lactato arterial, do déficit de base e do pH levem a um curso hospitalar mais benigno, com diminuição da mortalidade.44 Desafios relacionados à aplicabilidade clínica Estudo de caso J. N. é uma mulher de 65 anos que se encontra no 5o dia pós-operatório depois de uma fratura de quadril com redução aberta com fixação interna, secundária a uma queda em casa. Ela está atualmente sendo tratada na unidade médico-cirúrgica. Ela tem uma história de diabetes tipo 2, hipertensão, doença arterial coronariana e um acidente vascular cerebral isquêmico há 5 anos que a deixou com alguma fraqueza residual no lado direito. Sua medicação inclui metoprolol, lisinopril, atorvastatina, ácido acetilsalicílico, metformina e um multivitamínico. A enfermeira percebe que a Sra. N. está cada vez mais sonolenta e letárgica em comparação com o dia anterior. No dia anterior, ela estivera alerta, orientada e comunicativa, e começara a trabalhar com fisioterapia, se preparando para a reabilitação. No exame físico, a Sra. N. está pálida, diaforética e letárgica. Ela desperta para falar, mas é capaz apenas de declarar seu primeiro nome. Seus sinais vitais são os seguintes: pressão arterial, 78/49 mmHg; frequência cardíaca, 130; frequência respiratória, 26; e temperatura, 36,9°C. A saturação de oxigênio por oximetria de pulso é de 99% no ar ambiente. Seu cateter vesical de demora expôs 120 mℓ de urina concentrada e turva nas últimas 12 h. Um segundo cateter IV de grande calibre é inserido e as amostras são enviadas imediatamente para análise laboratorial, incluindo dois conjuntos de hemoculturas e uma cultura de urina. Ela recebe um litro em bolus de soro fisiológico. Seus resultados laboratoriais são os seguintes: sódio, 143 mmol/ℓ; potássio, 3,9 mmol/ℓ; nitrogênio de ureia no sangue, 32 mg/dℓ; creatinina, 0,9 mg/dℓ; glicose, 104 mg/dℓ; lactato, 2,1 mmol/ℓ; hemoglobina, 11,1 g/dℓ; hematócrito, 33,5%; e contagem de leucócitos, 14,2 células/mm3. Seu exame de urina revela mais de 10.000 leucócitos e é positivo para nitritos e esterase de leucócitos. Os achados radiológicos de tórax são normais. Após o primeiro litro de fluido, a pressão arterial é de 84/52 mmHg, e um segundo litro de soro fisiológico é administrado. Ela também recebe ceftriaxona 1 g IV e ampicilina 2 g IV e é transferida para a unidade de terapia intensiva. Uma linha central é inserida para administração de fluidos e medicamentos e monitoramento de PVC e SCVO2. Uma linha arterial é inserida para medição contínua da pressão sanguínea, volume sistólico e monitoramento do DC. Ela recebe um litro adicional de soro fisiológico para aumentar sua PVC, mas sua PAM gira em torno de 55 a 60 mmHg e o débito urinário permanece em torno de 20 mℓ/h. A norepinefrina é iniciada a 1 mcg/min e titulada a 8 mcg/min para atingir a meta de PAM de 65 mmHg ou maior. Após 6 h na unidade de terapia intensiva, a Sra. N. desenvolve febre de 38,7°C. Neste momento, sua SCVO2 é de 64% e o