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Fenômeno Religioso na Contemporaneidade e Educação Professora Ma. Laís Azevedo Fialho Professor Me. Giovane Marrafon Gonzaga AUTORES Professora Ma. Laís Azevedo Fialho ● Mestra em História, Cultura e Narrativas (PPH-Universidade Estadual de Maringá). ● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (DCS- Universidade Estadual de Maringá). ● Licenciada em História (DHI-Universidade Estadual de Maringá). ● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV). ● Professora Conteudista na UniFatecie. ● Experiência como professora de História da Rede básica de Educação em 2016. ● Atuou como Pesquisadora Bolsista Capes em 2018 e 2019. ● Coordenou e organizou diversos Projetos de Extensão abordando as Religiões e Religiosidades Afro-brasileiras, na Universidade Estadual de Maringá, entre 2015 e 2019. ● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da Universidade Esta dual de Maringá (LERR/UEM). Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias decoloniais. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030 Professor Me. Giovane Marrafon Gonzaga ● Doutorando em História, Cultura e Narrativas (PPH – Universidade Estadual de Maringá) ● Mestre em História, Cultura e Narrativas (PPH-Universidade Estadual de Maringá). ● Licenciado em História (DHI-Universidade Estadual de Maringá). ● Experiência como professor de História da Rede básica de Educação de 2018 a 2020. ● Pesquisador/discente no Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades (UEM) e Laboratório de Estudos em Religiosidades e Cultura (UEM). Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2869647069753158 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Caros (as) estudantes, produzimos esse material com dedicação e comprometi- mento a fim de proporcionar para você uma oportunidade de aprendizado sobre fenômenos religiosos, a religião na contemporaneidade, as diversas manifestações religiosas e suas particularidades, além de pontuar as relações entre tais assuntos, a educação e o Ensino Religioso. A religião pode ser analisada a priori como um conjunto de crenças e ritos. Por outro lado, pode-se pensar que o essencial na religião só é compreendido como algo que emana do alto, de Deus. O ponto de vista analítico adotado importa pois o tema é complexo, não podemos perder isso de vista. Desse modo, o que priorizamos neste estudo são modos de enquadrar teoricamente as representações das religiões como experiências vividas e passíveis de observação, ou seja, os fenômenos religiosos. Iniciaremos nossa discussão com uma incursão teórica sobre fenômenos religio- sos e sociedade. Abordaremos diversos conceitos, definições e disputas analíticas para compreender nossa temática. Apresentaremos estudos inaugurais que influenciaram con- sideravelmente a Ciência das Religiões e alguns debates sobre modos de se perceber os fenômenos religiosos a partir de diferentes áreas do conhecimento. Destacaremos, também, algumas características dos fenômenos religiosos na contemporaneidade. Na segunda unidade, nos dedicaremos a pensar sobre como as pessoas se com- portam em relação à religião em nossa sociedade. Abordaremos o contato cultural como catalisador para formação e adaptação das religiões em diferentes sociedades no mundo e no tempo, bem como nos deteremos sobre as imbricações desse processo na história das religiões no Brasil com o poder e com o cotidiano. Posto isso, refletiremos sobre como o indivíduo contemporâneo se orienta em relação a multiplicidade de religiões, crenças e práticas presentes no mundo. Já em nossa terceira unidade, apresentaremos um debate teórico sobre fundamen- talismos religiosos. Analisaremos algumas manifestações desse fenômeno em diferentes tempos históricos e culturas religiosas, bem como a própria historicidade do termo. Apresen- taremos algumas características típicas desse fenômeno e contextualizamos o crescimento de fundamentalismos religiosos no Brasil contemporâneo. Por fim, veremos na última unidade qual pode ser o papel do Estado em relação à religião. Lançaremos luz sobre o conceito de Estado laico e seu desenvolvimento histórico no Brasil. Em diálogo com tais discussões, pensaremos também sobre alguns tabus religio- sos. Esperamos que você possa se interessar pelas discussões aqui iniciadas! Bons Estudos! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 6 Fenômenos Religiosos e Sociedade UNIDADE II ................................................................................................... 24 As Religiões Contemporâneas UNIDADE III .................................................................................................. 49 Fundamentalismo Religioso UNIDADE IV .................................................................................................. 69 Religião e Políticas Plano de Estudo: ● Homem como um ser religioso e social. Objetivos da Aprendizagem: ● Definir o fenômeno religioso. ● Estabelecer as múltiplas vertentes conceituais em torno dos fenômenos religiosos. ● Apresentar algumas características dos fenômenos religiosos na contemporaneidade. 5 UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Professora Me. Laís Azevedo Fialho Professor Me. Giovane Marrafon Gonzaga 6UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade 1. HOMEM COMO UM SER RELIGIOSO E SOCIAL 1.1 A religião e o fenômeno religioso A palavra “religião” vem do latim, significa “religare” e refere-se etimológicamente à uma confluência de pessoas em torno de algo que as conecta com o sobrenatural. Histori- camente, o termo se relaciona às crenças e práticas de um grupo. Esse aspecto da vida é essencial e permanente na humanidade, um fenômeno coletivo que gera a criação de laços solidários entre pares e consolida padrões éticos baseados na crença de um determinado grupo. Sobre a tentativa de indicar o que seria religião e porque é relevante enquadrá-la como um aspecto importante da vida humana, mesmo com todas as problemáticas envoltas em conflitos religiosos, Beter Berger (2003, p. 112) diz o seguinte: Pode-se dizer que a religião aparece na história quer como força que sus- tenta, quer como força que abala o mundo. Nestas duas manifestações, ela tem sido tanto alienante quanto desalienante. É mais comum verificar-se o primeiro caso, devido a características intrínsecas da religião como tal, mas há exemplos importantes do segundo. Trouxemos esse texto, porque é importante problematizar o modo como alguns discursos buscam atribuir à religião a origem dos problemas sociais. Será mesmo que ela não é só mais um modo por onde a existência humana se manifesta? A religião está atrelada aos princípios de moralidade e ética que circundam os indivíduos. É essa ética que determina o que é certo fazer e o que deve ou não ser feito. 7UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Figura 1 - Tirinha sobre religião e ética. Fonte: https://www.satirinhas.com/wp-content/ uploads/2013/03/satirinhas-religi%C3%A3o-n%C3%A3o-define-car%C3%A1ter.jpg O autor Schiavo (s/d) diz que a religião é também cultura, pois atribui significados a questionamentos e respostas sobre a existência humana e o sentido da vida. Para ele, a religião não é patrimônio exclusivo das igrejas, mas dos povos que a construíram e cons- troem como aspecto importante de suas culturas. O autor postula que a religião “antes de ser a estruturação de certa experiência religiosa é, e representa, o anseio humano de se transcender e de se encontrar com aquele Ser, no qual a humanidade encontra respostas às suas perguntas profundas” (SCHIAVO. s/d, p. 77). Desse modo, prezado(a) estudante, o estudodas religiões é importante para compreendermos a condição humana em seus aspectos mais profundos e misteriosos. A religião contribui para a formação de estruturas imaginativas elementares sobre como nos orientamos ou deveríamos nos orientar no cosmos. A religião dá forma e ensaia no ritual nossos mais importantes laços, uns com os outros e com a natureza, e provê a lógica tanto ao porque destes laços serem importantes como ao o que significa estar comprometido com eles (NEVILLE; WILDMAN, apud NEVILLE, 2005, p. 37) Compreendemos que a religião está para além das instituições, mesmo que seja organizada por ela. É um aspecto da cultura e que organiza pessoas com as mesmas crenças. Mas então o que difere o fenômeno religioso do fenômeno social? O pesquisador 8UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Zilles (2004) nos auxilia a pensar sobre a questão apontando que a estrutura especial do homem é definida por sistema de relações com os outros homens: No fundo de toda a situação verdadeiramente religiosa encontra-se a refe- rência aos fundamentos últimos do homem: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema religioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo (ZILLES, 2004, p. 5-6). Assim, caro(a) estudante, a religião pode ser compreendida como uma dimensão pela qual as pessoas se unem e organizam um modelo de diversos aspectos sociais. A re- ligiosidade se mantém em nosso horizonte como um aspecto da cultura que funciona como lentes pelas quais os sujeitos religiosos veem o mundo. Muitos aspectos da vida social são diretamente orientados pelo filtro da religião, como o modo de vestir, se alimentar, cuidar do corpo, etc. A prática do Candomblé, por exemplo, é toda baseada em comidas. Os alimentos fazem parte dos rituais ligados às divindades africanas. Nos cultos, come-se para transmitir o axé às entidades às quais se reza – orixás e espíritos ancestrais. Logo, o alimento passa a figurar cotidianamente a mesa do adepto da religiosidade Afro-brasileira. É o caso do aca- rajé, historicamente relacionado à cozinha baiana, já que o estado figura o maior estado negro fora da África e possui uma grande população Afro-religiosa. Figura 2 - Baiana de Acarajé Fonte: https://veja.abril.com.br/gastronomia/acaraje-da-cira-e-eleito-o- melhor-de-salvador-pelo-juri-veja-comer-beber/ 9UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Pensando na vestimenta, nós podemos citar uma série de elementos relacionados à indumentária necessária para o serviço religioso no Judaísmo. Quipá, talit, pejot, teflin são os nomes de alguns deles, todos com algum significado imaterial. As roupas para esse adepto, portanto, deixam de ter somente uma finalidade prática e passam a ter também um aspecto simbólico, que se relaciona intimamente ao rito. Figura 3 - Indumentária utilizada por alguns grupos de judeus Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-4gqxH_9zJCs/ThkIzgZDm_ I/AAAAAAAAAvE/XcJzjqEUYD0/s1600/Roupas+de+Judeu.jpg Já sobre a relação que o homem religioso possui com o corpo, podemos citar o caso de alguns grupos indígenas em que tatuagens e marcações na pele são realizadas, como modo de comunicar e identificar um rito iniciático. Sobre o assunto, Vidal (1992, p. 13) diz o seguinte: Apenas recentemente a pintura, a arte gráfica e os ornamentos do corpo passaram a ser considerados como material visual que exprime a con- cepção tribal de uma pessoa humana, a categorização social e material e outras mensagens referentes à ordem cósmica. Em resumo, manifestações simbólicas e estéticas centrais para a compreensão da vida em sociedade Agora que nós já vimos alguns exemplos práticos de como essa dimensão da vida social comunica as práticas e modos com que o homem religioso significa o mundo, passa- 10UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade remos a apresentar alguns estudos que organizam de modo teórico a análise do fenômeno religioso. Para isso, apresentaremos alguns conceitos e autores que balizam as análises sobre o tema. Inicialmente, apresentamos um breve panorama sobre o estudo científico que apresenta o espaço delimitado para a Religião no Ocidente e organiza as bases utilizadas pela Antropologia, para pensar fenômeno religioso e sociedade. 1.2 Estudos inaugurais sobre o fenômeno religioso Max-Muller é reconhecido por ter criado a metodologia de religião comparada e por ter traduzido os Upanishads, textos sagrados da cultura hindu, em meados do século XIX (SILVA, 2009). Figura 4 - Friedrich Max-Müller, Junho de 1857 Fonte: National Portrait Gallery, London. Já o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor influenciou consideravelmente a Ciência das Religiões, por ser o responsável pela criação da teoria animista. O intelectual utilizou-se de princípios próprios do evolucionismo de Darwin, para o estudo das culturas e das religiões. Tylor (1920) postulava que todos os seres humanos tinham uma única origem, portanto assumia uma postura “monogenista”, em confronto à teoria de que o ser humano não tem uma única origem, chamado portanto plurigenismo. Outro posicionamento que o coloca como importante intelectual do período é que ele negou a perspectiva degra- 11UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade dacionista. Esta corroborou uma sentença bíblica de que o homem foi criado perfeito, e ao longo da história foi se encaminhando para a degradação (SILVA, 2009). Desse modo, o intelectual defendia que o homem, ao longo da história, foi evo- luindo e se desenvolvendo. Ou seja, baseava-se na crença no progresso e universalidade do ser humano. Por outro lado, o fundador da antropologia britânica classificou todas as diferenças em uma escala evolutiva. Foi o primeiro pesquisador a publicar uma definição formal de cultura: Cultura ou civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade” (TYLOR, [1871] 2005, p. 69). Figura 5 - Edward Burnett Tylor, Londres, Outubro de 1832 Fonte: Encicolpédia Britannica. Historicamente, não podemos perder de vista que o século XIX no Ocidente foi marcado pela consolidação do cientificismo. Um dos marcos principais desse momento foi a divulgação do estudo de Charles Darwin (1859), intitulado “A origem das espécies”. Desse modo, temos um grande distanciamento entre o sistema de pensamento religioso (judaico-cristão) e o sistema de explicação científico da época. Diversos fatores corrobora- ram esse afastamento, tais como a Reforma Protestante e o Iluminismo (BELLOTTI, 2011). O historiador Michel de Certeau (2002) indica que a Reforma Protestante enfra- queceu consideravelmente o poder do cristianismo como único sistema explicativo admitido 12UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade pela sociedade europeia. Ela instituiu a concorrência religiosa com a Igreja Católica, o que culminou nas guerras religiosas do século XVII. Sobre o assunto, a historiadora das Religiões Karina Kosicki Bellotti (2011, p. 16), diz o seguinte: Se até então religião e política formavam uma só instância de poder, a partir desse período a instância religiosa rivalizará com outras instâncias sociais e políticas, além da ciência, que surge cada vez mais distanciada de elemen- tos religiosos em suas explicações. Se na chamada revolução científica do século XVII muitos estudiosos buscavam aliar observações e experimentos a conceitos religiosos/filosóficos, explicando os mecanismos de funcionamento da “criação”, no Iluminismo houve um antagonismo ferrenho entrefilósofos e cientistas e a religião, seja a encarnada pelas instituições religiosas, seja a religião popular. Novos distanciamentos em relação à religião organizada também marcam o fim do século XIX, tais como: ● Deísmo, crença em uma inteligência divina que não se vincula a ritualismo ou dogma. ● Ateísmo, a negação de Deus. Todos esses acontecimentos contribuíram para demarcar um lugar limitado para a religião no Ocidente. Ou seja, esses acontecimentos corroboram a transformação da reli- gião em um objeto de pesquisa, enquadrável e analisável, como qualquer outro fenômeno humano. Sobre o assunto Bellotti (2011, p. 17) diz o seguinte: “para que o estudo científico da religião surgisse, foi necessário dessacralizá-la”. No entanto, não podemos assumir que houve um completo distanciamento en- tre os princípios religiosos ocidentais e a linguagem científica no campo da antropologia. Assim, assinalamos que o período foi marcado, também, por um enorme interesse dos pesquisadores para com as culturas consideradas “exóticas” ou “primitivas”. Influenciados por ideias de Darwin quanto ao mundo natural, cientistas europeus, como o próprio Tylor, já citado, preocuparam-se em classificar a espécie humana, a partir dos seus costumes e especificidades culturais e raciais. Precisamos, portanto, considerar que o estudo acadêmico das religiões foi inau- gurado por evolucionistas que, na segunda metade do século XIX, se empenharam em qualificar o desenvolvimento humano a partir de uma perspectiva a-histórica e atemporal. Da mesma forma que antropólogos criminais, frenologistas e eugenistas quiseram provar as diferenças “raciais”, hierarquizando diversos grupos étnicos que se tornaram conhecidos pela empresa imperialista antropólogos e etnólogos como Müller, Tylor e James Frazer (O Ramo de Ouro, 1890), par- tiram de premissas evolucionistas para hierarquizar os povos e suas crenças religiosas: comumente encontram-se nesses trabalhos classificações que atribuem aos povos “primitivos” o domínio da magia e aos povos “civilizados” a presença da religião institucionalizada. Povos que se atrasaram na escala evolutiva jamais poderiam alcançar o nível de organização religiosa dos povos ocidentais europeus, por estarem desprovidos de uma “verdadeira” e complexa cultura (BELLOTTI, 2011, p. 18). 13UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade No século XIX, diversas nações europeias conheceram povos não europeus. Es- ses foram tidos como o “Outro”, considerando que o homem branco olhava para si mesmo como a norma. Não estavam em jogo as perspectivas relacionais ou de alteridade, e sim de classificação hierárquica em que a cultura europeia era superior às demais. Isso gera um grande debate científico sobre o conceito de cultura. Os grupos não europeus eram classifi- cados como primitivos já que, sob o olhar do homem branco, eles não teriam desenvolvido, ainda, instrumentos suficientes para dominar a natureza (BELLOTTI, 2011). De acordo com Belotti (2011), o pensamento inglês da época solidificou a noção de “cultura civilizada” relacionada ao cultivo das faculdades humanas “superiores”, manifes- tada por meio da arte ou ciência. Essa seria a “alta cultura”, que se diferenciaria da “baixa cultura”, predominante nas esferas populares. Isso significa que, para os antropólogos que balizaram os estudos sobre fenômenos religiosos na época, não ter ciência significava não ter cultura, e ter religião significava ser inferior culturalmente à quem tem ciência. Se formos adiante no debate entenderemos como, além disso, na escala de evo- lução cultural, quem tinha religião, mas não tinha ciência, ainda era considerado superior à quem cultivava elementos “mágicos”. Assim, houve também uma tentativa de classificação e hierarquização entre religião e magia. Religião compreenderia uma organização social e hierárquica complexa de rituais e crenças, espelhando-se na experiência cristã europeia e norte-ame- ricana e na tradição judaico-cristã, monoteísta e patriarcal. Magia seria uma forma infantil e simplória de se acessar a(s) divindade(s), identificadas com elementos da natureza, sem grandes hierarquizações, dependentes da figura de um líder que dominaria o contato com as entidades naturais (BELLOTTI, 2011, p. 18). A definição apontava para uma perspectiva atemporal da evolução religiosa, e inferiorizava o homem religioso não europeu, desconsiderando as construções relacionais entre crenças e práticas religiosas, e suas sobreposições para usos sociais. Cabe des- tacar também, que a significação histórica da categoria “magia” relaciona-se ao contexto religioso ocidental cristão. A palavra era utilizada para designar algo negativo perante a Igreja Católica durante a Idade Média e a Idade Moderna, em especial durante o período da Inquisição. Desse modo, o termo foi empregado pelos antropólogos do século XIX com sentidos que inferiorizavam os outros não ocidentais. Pesquisadores do início do século XX que marcaram a relação entre antropologia e o estudo do fenômeno religioso, e se distanciaram da teoria evolucionista, foram B. Ma- linowski e Émile Durkheim. Os autores consideravam outros elementos da sociedade em que religião e magia seriam pesquisados. 14UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Malinoswki (1884-1942) se difere pela teoria do “funcionalismo”, que admitia todos os elementos de uma cultura como funcionais. Conforme o autor, todas as sociedades desenvolvem conhecimentos científicos para transformar a natureza. Assim, ciência, magia e religião estariam presentes no início do desenvolvimento da cultura. Já Durkheim (2001) postulou que os primeiros sistemas de representação do mundo pertenciam a uma ordem religiosa, pois determinavam noções de tempo, espaço, número, causalidade, estabelecendo o que ele denomina como “ossatura da inteligência humana”. O autor considerava que sociedades primitivas e civilizadas pertenciam a etapas diferen- tes da mesma história. Ele distanciou-se do evolucionismo porque buscou compreender a religião como âmbito real, a qual expressa sentimentos, urgências, angústias, anseios e pensamentos reais. Partindo desse pressuposto, toda religião seria verdadeira à sua maneira e responderia a condições particulares de sociedades específicas. Agora que nós já temos conhecimento sobre os estudos que inauguraram e deli- mitaram a religião como objeto de estudos acadêmicos, podemos passar para um debate mais específico sobre o campo definido para o nosso capítulo. Vamos então apresentar algumas noções sobre o fenômeno religioso, presentes em diferentes linhas teóricas. 1.3 Debates teóricos sobre o fenônemo religioso O historiador Gerardus van der Leeuw [1933] (2009), nos traz contribuições im- portantes para pensar o fenômeno religioso, pois admite a importância do sentimento e do irracional como parte explicativa da religião. Para ele, essa seria uma das dimensões primordiais da experiência religiosa. Contudo, tal perspectiva se apresenta como um grande desafio para os estudiosos, já que a dimensão subjetiva, não é facilmente capturável em explicações racionais. O psicanalista Sigmund Freud (2006) também participou do debate acerca do fenômeno religioso, ao utilizar a psicologia para examinar as origens das religiões e sua relação com a consciência humana. “O futuro de uma ilusão” é a obra escrita em 1927 que demonstra como o pesquisador classificou a religião como um sistema de crenças falsas e infantilizadas. Para ele, o ser humano, impotente diante da natureza e das angústias da vida, cria a imagem de um deus onipotente, do mesmo modo que uma criança indefesa vê seu pai como o protetor. O desamparo do homem, porém, permanece e, junto com ele, seu anseio pelo pai e pelos deuses. Estes mantêm sua tríplice missão: exorcizar os terrores da natureza,reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente a que é demonstrada na morte, e compensá-los pelos sofri- mentos e privações que uma vida civilizada em comum lhes impôs (FREUD, [1927] 2006, p. 26). 15UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade Para o psicanalista, a ideia de um deus humanizado é consequência da neurose psí- quica humana e do complexo paterno produzido pelo homem religioso. Isso seria negativo, pois seria fruto de delírios, imaginações e desejos de acreditar em algo transcendente além do que, resultaria na criação de dogmas, duelos e efeitos psicológicos e sociológicos ruins para a humanidade. Quando Freud (2005) indica que o fenômeno religioso é constituído por uma ilusão, não determina necessariamente que é falso, mas que existiria unicamente para contentar os desejos e as neuroses dos que creem . Desse modo, o pensador busca representar o homem moderno extinguindo a no- ção de transcendência e focando na ideia de imanência. Com isso, ele torna a religião um produto dispensável e coloca em dúvida a consciência religiosa transcendente e elaborando uma nova consciência vazia. Mircea Eliade (1989), por sua vez, busca compreender e explicar o fenômeno reli- gioso a partir das categorias sagrado/profano. Analisando a religião de diferentes culturas religiosas, o autor chega a conclusão de que em sociedades arcaicas e tradicionais existiria uma busca pela experiência sagrada, que acarretaria na sacralização de momentos e ocasiões do cotidiano. Somente a partir dessa consagração e portanto, dessa experiência religiosa, seria possível a existência do que ele chama de “homem total”, um sujeito que não é definido somente pela sua dimensão racional. [...] a experiência religiosa enquadra o homem na sua totalidade e, por conse- guinte, também afecta as zonas profundas do seu ser. Isto não quer dizer que se reduza a religião aos seus componentes irracionais mais simplesmente do que se reconheça a experiência religiosa tal como ela é: a experiência da existência total, que revela ao homem a sua modalidade de ser no Mundo (ELIADE, 1989, p. 12). Eliade (2008) buscou demonstrar como nas sociedades modernas, o homem reli- gioso vivencia um conflito entre resistir e renunciar ao sagrado. Desse modo, o pesquisador buscou analisar o lugar das religiões tanto nas sociedades antigas, como nas contemporâ- neas, a partir do método comparativo. O autor defende que: [...] um fenômeno religioso somente se revelará como tal com a condição de ser apreendido dentro da sua própria modalidade, isto é, de ser estudado à escala religiosa. Querer delimitar este fenômeno pela fisiologia, pela psico- logia, pela sociologia e pela ciência econômica, pela linguística e pela arte, etc... é traí-lo, é deixar escapar precisamente aquilo que nele existe de único e de irredutível, ou seja, seu caráter sagrado (ELIADE, 2008, p. 1). Não seria possível nos estender mais nesse levantamento, nosso esforço foi de selecionar alguns estudos e pesquisadores para demonstrar para você, caro(a) estudante, que o nosso tema de debate é muito complexo e pode ser visto de diferentes ângulos. É possível abarcar o discurso historiográfico, sociológico, antropológico, geográfico, psi- 16UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade canalítico e outros, e mesmo dentro de cada disciplina, teremos diferentes abordagens, que privilegiam uma ou outra dimensão do fenômeno religioso. Todos esses estudos são ferramentas que nos possibilitam olhar com maior criticidade para a complexidade desse objeto. Agora que temos uma compreensão teórica e analítica mais ampla sobre o assunto, passaremos a algumas características do fenômeno religioso na contemporaneidade. 1.4 Características do fenômeno religioso na contemporaneidade Para refletir sobre os fenômenos religiosos na contemporaneidade é importante que a gente considere a abordagem interdisciplinar. Não é possível admitir a ciência a partir de um método unicamente empírico, limitando o conhecimento ao nível da aparência. A complexidade da realidade social contemporânea exige uma reflexão sistemática e crítica. Filoramo e Prandi (2003, p.25) postulam: O interesse crescente pelas religiões vivas, por exemplo, obrigou sociólogos e psicólogos da religião a sair dos confins de uma sociologia e psicologia cristianocêntrica para confrontar-se com a globalidade do fenômeno religioso. Ou seja, estamos buscando elucidar que o nosso objeto de estudo exige um olhar crítico, científico, interdisciplinar ou transdisciplinar, que convoque várias ciências (filosofia, história, sociologia, psicologia, lingüística, física etc.) para a análise do fenômeno religioso na sua pluralidade. É importante situar historicamente a questão do desencantamento ocidental para compreender a difusão de um certo agnosticismo e rejeição da religião nos dias atuais. Essa passa a ser uma das estruturas básicas do que conhecemos como a modernidade. Os movimentos e modificações na esfera religiosa demandaram, a partir desse marco, um tipo de crítica, de distanciamento, de repulsa ou de reavaliação da religião fundante da civilização ocidental. As reformulações do campo religioso ou filosófico exigem uma compreensão das alterações que se dá também no campo cristão. Visto que a solução que apresentou-se por meio da elite constituída por céticos e agnósticos foi reformular radicalmente o que compreendia-se por cristianismo, sobretudo enquanto postura filosófica. Surgiram assim, no século XIX, vários cristianismos - heterodoxos, hereges, e por isso mesmo, modernos -, como os formulados por Schopenhauer, Kierke- gaard e Nietzsche. Além disso, outras tradições religiosas foram - talvez pela primeira vez na história do Ocidente - trazidas à discussão sem que fossem a priori consideradas inferiores; não necessariamente para ocupar o espaço do cristianismo, mas para qualificá-lo, se assim se pode dizer (CARVALHO, 1992, p. 138). 17UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade É importante também pensar em outro viés da religiosidade contemporânea, o mo- vimento esotérico. Reatualizado no século XIX em um contexto marcado pela crise histórica e cultural que convencionou-se chamar de desencantamento do mundo, o esoterismo esteve fundamentalmente ligado à elite intelectual européia. Contudo, paulatinamente, por meio de diversas mediações, influenciou uma parcela significativa de indivíduos e trouxe à tona questões relevantes sobre a religiosidade na era moderna como um todo. O esoterismo moderno pode ser compreendido como um grande movimento, intelectual e espiritual, que constitui a religiosidade contemporânea, e que trava com o cristianismo uma posição conflituosa. O esoterismo cresceu com base em uma crítica ao catolicismo, indicando que esse havia perdido o seu caráter iniciático, a dimensão do auto-conhecimento, além do seu aspecto político, que se distanciou da vida comunitária e legitimou o controle do Estado sobre o indivíduo. Sobre o assunto José Jorge de Carvalho (1992, p. 143) diz o seguinte: Talvez a maior consequência, para o cristianismo, dessa presença cada vez maior das tradições esotéricas e orientais, reside no fato de que começa a surgir um deslocamento da figura de Jesus Cristo, na medida em que crescem as propostas de diálogo inter-religioso: o Cristo passa a ser entendido como um princípio divino (como a natureza búdica, o Ishwara) e Jesus como uma encarnação, um avatar, uma manifestação histórica da divindade, equivalente ao Budha Shakya Muni, a Krishna, a Zoroastro, a Maomé, etc. Cabe salientar que esse processo de hibridização, sincretismos e deslocamento foi iniciado pelas tradições religiosas africanas no Brasil. Existem diversos pesquisadores que estudam sobre essas disputas no mercado religioso contemporâneo, como Reginaldo Prandi (2004). O autor indica que existemmanejos distintos de cada elemento simbólico, por parte de diferentes organizações religiosas, e por isso haveria enormes confrontos e tentativas de deslegitimar as práticas religiosas e crenças umas das outras. Esse campo de disputas não é recente. A partir do século XX, quando a Igreja Católica começa a perder sua posição hegemônica, inaugura uma abertura diplomática em relação aos “povos não-crentes” e passa a admitir o esforço pelo reconhecimento das religiões não ocidentais e de outros ramos do cristianismo. Desse modo, abandona a prática convencional de combate direto a outros cultos, o que já não tinha muita eficácia, criando aberturas para que outros cultos disputassem a legitimidade de sua presença no espaço social. Autores como Almeida e Monteiro (2000) postulam que o enfraquecimento da hegemonia católica possibilitou que a liberdade religiosa viesse a ser uma experiência social de mais amplo espectro. Outro elemento relevante para o estudo dos fenômenos religiosos na contempora- neidade é perceber o enfraquecimento dos papéis das instituições. Por mais que elas ainda 18UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade sejam expressivas, não podemos perder do horizonte a experiência de religiosidade não comportada em modelos tradicionais. O homem de hoje, que não se destina intimamente a uma religião [...] encon- tra-se diante deste fato em uma situação de indescritível inquietude. [...] No entanto, estas diferenças afetam unicamente os conteúdos da fé religiosa, mas não a posição da fé a respeito da realidade (SIMMEL, 2005, p.13). Simmel, (2005) identifica que a deterioração dos grandes sistemas religiosos está diretamente relacionada às instituições tradicionais. Nas palavras de Simmel, o que sub- sistiria “não seria a forma vazia da transcendência, que busca novo conteúdo com que se encher, mas algo muito mais profundo” (SIMMEL, 2005, p. 15). Simmel julgou possível pos- tular isso evocando a mudança de postura inaugurada por Kant (à qual se filiou), segundo a qual a religiosidade seria “uma íntima maneira de se conduzir a alma”. Avaliando as modificações recentes no campo religioso, Steil (2003) referencia os tipos ideais construídos por Troeltsch: igreja, seita e mística. O autor postula que para compreender a reconfiguração do fenômeno religioso na contemporaneidade, é imprete- rível olhar para um movimento histórico mais amplo da Igreja e da comunidade voltadas à mística. A mística indicaria formulações bastante variáveis, rápidas, congregando muitos, mas de forma instável, caracterizando-se por seus aspectos entusiastas e vibrantes em torno de uma figura carismática ou de um santo ( STEIL, 2003, p.148). Dessa forma, a secularização contribui para uma tendência de afastamento cada vez maior entre muitos indivíduos e as instituições religiosas, na contemporaneidade. Não significa necessariamente um esfriamento das religiões, mas sim um fortalecimento da autonomia individual sobre as escolhas religiosas. Podemos observar que no Brasil existe uma porcentagem crescente de pessoas que se declaram sem religião, mas que possuem crenças religiosas. Por isso, ao nos debruçarmos sobre o estudo das religiões enquanto conjunto de crenças e práticas, devemos manter em perspectiva tanto as crenças coletivas e individuais, quanto as práticas como definidoras de identidade. Conforme discussão sobre autonomia religiosa, as crenças religiosas são mantidas tanto pelas instituições religiosas, que assumem papel de autori- dade e de guardiãs de dogmas, doutrinas, teologias; quanto pelos sujeitos que se apropriam de tais crenças em seu cotidiano, podendo tanto reforçar o sentido recebido por meio da tradição familiar ou institucional como retra- balhá-lo e questioná-lo, especialmente em momentos de crise e de decisão pessoal (BELLOTTI, 2011, p. 300). Para concluir esse debate, que pretendemos nos aprofundar nas próximas unida- des, indicamos que a história do campo religioso brasileiro deve ser analisada como a do embate de dois vetores: a persistência do tradicional habitus flexibilizador, que pode levar a formas de sincretismo, e sua resistência às investidas das sucessivas racionalidades “modernas” (SANCHIS, 2003). 19UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade SAIBA MAIS Na história brasileira, e não só no campo religioso do Brasil, pesa a presença de uma predisposição estrutural à porosidade, mas não à confusão das identidades. Já que se trata de um habitus ancorado em sociogênese, o meio religioso, sobretudo o popular, mas não exclusivamente, vive e continua vivendo certo clima “espiritualista” que parece compartilhado – e modulado – por várias mentalidades segmentárias no Brasil. Orixás para alguns, mortos, santos ou entidades para outros, Nossas Senhoras que aparecem e vêm com homens, anjos, espíritos, forças cósmicas, demônios, ou tudo isso ao mes- mo tempo, espírito, enfim [...] A presença desta terceira dimensão do mundo está em toda a parte detectada (SANCHIS, 2003, p. 30). Fonte: SANCHIS, Pierre. A religião dos brasileiros. In: PEREZ, Léa Freitas; QUEIROZ, Rubem Caixeta de & VARGAS, Eduardo Viana (Orgs.). Teoria e Sociedade, Belo Horizonte, número especial: Passagem de milênio e pluralismo religioso na sociedade brasileira, p. 16-5, 2003. REFLITA Caro(a) estudante, você já havia parado para refletir sobre a relação da religiosidade com a pertença e notoriedade pública proporcionada por ela? Esse também é um as- pecto que constitui capital cultural individual e coletivo, pois possibilita a construção identitária e pertencimento a um grupo. Fonte: A autora. 20UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre Fenômenos religiosos e sociedade, proposto para a primeira Unidade. No corpo deste texto buscamos abordar diversos conceitos, definições e disputas analíticas para compreender nossa temática. Compreendemos que a religião representa o anseio do indivíduo de transcendência, no qual a humanidade encontra respostas às suas perguntas profunda. Postulamos que a religião contribui para a formação de estruturas imaginativas elementares sobre como nos orientamos ou deveríamos nos orientar no cosmos. Destacamos a importância desse estu- do porque ele revela a condição humana em seus aspectos mais profundos e misteriosos. Indicamos que o fenômeno religioso está para além das instituições, mesmo que por vezes seja organizada por elas. Abordamos a religiosidade como um aspecto da cultura que organiza pessoas com as mesmas crenças. Consideramos que muitos aspectos da vida social são diretamente orientados pelo filtro da religião, como o modo de vestir, se alimentar, cuidar do corpo, etc. Apresentamos estudos inaugurais que influenciaram consideravelmente a Ciência das Religiões, desde Max Müller, passando Tylor até Durkheim. Demonstramos também a existência de um debate teórico sobre modos de se perceber os fenômenos religiosos por parte de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como o historiador Gerardus van der Leeuw, o psicanalista Sigmund Freud e o mitólogo Mircea Eliade. Por fim, destacamos algumas características dos fenômenos religiosos na con- temporaneidade, como a perda de centralidade da Igreja Católica, a abertura para outras filosofias que influenciaram o campo religioso, as disputas de diferentes religiões pelos elementos simbólicos e a diminuição da força das instituições. Com isso concluímos nossa proposta inicial e esperamos que o tema suscite seu interesse para buscar outras obras e autores que possibilitem o seu desenvolvimento inte- lectual e uma formação sólida e singular. Bons estudos! 21UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade LEITURA COMPLEMENTAR ● BERKENBROCK, Volnei J. A experiência dos Orixás. Um estudosobre a expe- riência religiosa no Candomblé. Petrópolis: Vozes, 1998. Frei Volney faz aqui um amplo e profundo estudo sobre o Candomblé: como é a cosmovisão que lhe está subjacente; a idéia da divindade; o que é orixá; o que significa o axé... Em seguida, procura esboçar uma resposta à pergunta: qual deverá ser a atitude de um cristão diante da experiência religiosa do Candomblé? Será possível um encontro fra- ternal e um diálogo frutuoso entre os seguidores de caminhos aparentemente tão díspares? ● MOREIRA, Alberto da Silva. O futuro da religião no mundo globalizado: painel de um debate. In: MOREIRA, Alberto da Silva; OLIVEIRA, Irene Dias (Organizadores). O futuro da Religião na sociedade global. Uma perspectiva multicultural. São Paulo – Goiânia: Paulinas – UCG, 2008, pp. 17-35. O tema gerador deste livro é a necessidade de um olhar multicultural para o futuro que a sociedade global reservada à religião. O debate sobre o presente e as tendências que se prospectam para o fenômeno religioso, no acelerado processo de globalização em que vivemos, envolve pesquisadores do mundo inteiro que, desde as especificidades de cada ciência e de cada país ou região, procuram compreender um fenômeno de alcance global. ● Jungblut, A. L. (2014). Globalização e religião: Efeitos do pluralismo global no campo religioso contemporâneo. Civitas - Revista De Ciências Sociais, 14(3), 419-436. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.3.16483 Neste artigo discute-se alguns dos efeitos da globalização sobre a religião. São abordados as relações entre globalização e tradição e o efeito destradicionalizante deste processo ao favorecer a pluralização religiosa e, consequentemente, uma grande autono- mia identitária dos indivíduos em busca de bens religiosos. Para tanto, são analisados dois casos reveladores de dinâmicas distintas frente a esses processos todos. 22UNIDADE I Fenômenos Religiosos e Sociedade MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Expressões do Sagrado: Reflexões sobre o Fenômeno religioso Autor: Antonio Magalhães e Rodrigo Portella Editora: Santuário Sinopse: Embarcar no conhecimento das religiões pode tornar-se uma aventura prazerosa. Nessa obra, os autores perpassam, por meio de ensaios e reflexões, elementos básicos do universo religioso, descrevendo o caráter simbólico, antropológico e social da religião, além de tecerem considerações sobre identidades religiosas do povo brasileiro. FILME/VÍDEO Título: Uma Amizade Sem Fronteiras Ano: 2003 Sinopse: O dono de uma mercearia em Paris fica amigo de um garoto de 13 anos. O homem é muçulmano. O menino, judeu. Com o tempo, desenvolvem uma amizade transformadora para a vida dos dois. 23 UNIDADE II As Religiões Contemporâneas Professora Ma. Laís Azevedo Fialho Professor Me. Giovane Marrafon Gonzaga Plano de Estudo: ● A disseminação das religiões pelo mundo. ● As religiões no Brasil – do Catolicismo ao Islamismo Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender o contato cultural como catalisador para formação e adaptação das religiões em diferentes sociedades no mundo e no tempo. ● Refletir como tal processo se deu na história das religiões no Brasil, suas ligações com o poder e com o cotidiano. ● Discutir como o indivíduo contemporâneo se orienta em relação a multiplicidade de religiões, crenças e práticas presentes no mundo. Plano de Estudo: ● A disseminação das religiões pelo mundo. ● As religiões no Brasil – do Catolicismo ao Islamismo Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender o contato cultural como catalisador para formação e adaptação das religiões em diferentes sociedades no mundo e no tempo. ● Refletir como tal processo se deu na história das religiões no Brasil, suas ligações com o poder e com o cotidiano. ● Discutir como o indivíduo contemporâneo se orienta em relação a multiplicidade de religiões, crenças e práticas presentes no mundo. 24UNIDADE II As Religiões Contemporâneas INTRODUÇÃO Olá estudante da disciplina “Fenômeno Religioso na contemporaneidade e educa- ção”, na unidade a seguir, iremos conversar como as pessoas se comportam em relação à religião em nossa sociedade. Para retomarmos a unidade anterior, o debate começa com uma reflexão a partir de uma cena idílica, como a humanidade a milhares de anos atrás sentia a manifestação do sagrado e como esse sentimento se tornou as religiões que conhecemos hoje? Caso convivêssemos com determinada prática todos os dias, uma religião comple- tamente estranha aos nossos padrões, por quanto tempo permaneceria assim? Por que os conflitos religiosos, em pleno século XXI, ainda são um problema sério para vivermos melhor em sociedade? Como a história do Brasil pode nos ensinar a compreender a im- portância do poder, do tempo e do convívio nas transformações observadas em nossa sociedade? Perguntas difíceis que, de coração, espero contribuir para o aperfeiçoamento de sua interpretação sobre o assunto. Bons estudos! 25UNIDADE II As Religiões Contemporâneas 1. A DISSEMINAÇÃO DAS RELIGIÕES PELO MUNDO 1.1 Indivíduo, religião e poder. Você já se perguntou como foi a primeira vez que uma pessoa sentiu o que depois iríamos denominar de sagrado, a manifestação da presença divina na Terra? Imagine homens e mulheres na beira de uma caverna esculpida entre montanhas. Na sua frente, uma planície é ocupada por árvores espaçadas no meio da vegetação gramínea, paisagem que se estende ao horizonte, onde o céu anuncia a transição do dia para a noite em um espetáculo de cores quentes e frias de uma forma que nós, modernos e com a natureza bastante modificada por essa modernidade, talvez apenas em sonhos muito bons podemos imaginar. Um ambiente bastante seguro também, a caverna nas montanhas, além da vista maravilhosa, fornece proteção a predadores, abafa a conversa e a luz das fogueiras, dá visão para estrangeiros que se aproximarem. Depois de um dia de atividade intensa, cansa- das e seguras na caverna, poderia essas pessoas acalmar seus instintos de sobrevivência, e assim contemplassem um pôr-do-sol? Sem tantas preocupações, não que isso aconte- cesse sempre, mas basta uma ocasião pra começar, é possível que ali a humanidade, na forma de seus indivíduos, tenha se dado o espaço de se perguntar: quem sou eu? Qual a minha função nisso tudo? Quem me criou? Como indica Mircea Eliade (1992), em O Sagrado e o profano, o firmamento éo principal símbolo de diferentes culturas para se referir à morada dos deuses. Sioux, aborí- 26UNIDADE II As Religiões Contemporâneas genes, vikings, tupis ou fulanis, em cada canto do mundo a principal relação religiosa com o céu é que, além da abóbada, se encontra a divindade suprema e criadora do universo. Outro ponto em comum entre esses povos é que suas crenças datam de datas milenares em distância, sendo improvável estabelecer um ponto de início. A relação com o sagrado se perde no tempo e é possível que já tenha nascido com nós, uma genética de buscar enxergar o invisível. No entanto, quando passamos do possível para o provável, o tempo ainda tem mostrado a religião intrinsecamente ligada ao poder. Na unidade anterior já pudemos perceber tal configuração. Com o racionalismo do século XIX, a sociedade europeia buscou explicar cientificamente a superioridade cultural de certos povos sobre os outros. Para retomarmos, Edward Tylor, em Primitive Culture, publicado em 1871, compreende que as religiões evoluem em hierarquia, da mais simples e instintiva às mais complexas e racionais. Em linhas gerais, temos o animismo na base, a crença de que o mundo está repleto de deuses que se manifestam em todo tempo, até o topo onde se concentra o protestantismo monoteísta, que compreende que as formas da natureza não são deuses com vontade própria e por isso não deveriam adorá-los, pois o que vem adiante é o pensamento abstrato deum único deus, complexo, que não se encontra em lugar nenhum, mas está em todos os lugares. No Brasil, a visão de Tylor foi compartilhada em escritos de Raimundo Nina Ro- drigues ao final do século XIX no Brasil. Os dois cientistas concordavam em praticamente tudo, a não ser por uma diferença. Para Nina Rodrigues, o catolicismo com seus santos é que representavam a máxima evolução dos pensamentos religiosos na humanidade de seu tempo. Curiosamente, ambos os cientistas adotaram como superior algo muito próximo da religião que praticavam. Outra coincidência importante, é o fato de que no período que escrevem, elites da Europa e América crescem com a exploração de suas colônias ou ex-colônias. Ao mesmo tempo, nos países colonizadores aumenta em adeptos as ideias de que todo indivíduo tem o mesmo valor e portanto os mesmo direitos, como na Constituição Americana e no lema da Revolução Francesa. Como submeter a condições que você não gostaria, alguém que é igual a você? Para contornar este dilema, foi incentivado a crença na existência de indivíduos biológica e culturalmente superiores a outros. E isso poderia se medir por meio de avanços tecno- lógicos, nos costumes, na língua, entre outros. A religião foi um importante instrumento de classificação nessa análise, e era comum ser considerada superior a mesma religião 27UNIDADE II As Religiões Contemporâneas praticada pelo grupo de cientistas que a qualificou assim. Na II Guerra Mundial, a ideia de pureza racial e cultural culminou no extermínio de milhares de judeus, antes submetidos a condições de subnutrição, frio, tortura e trabalhos forçados. Foi mais do que suficiente para qualquer ideia como essa ser veemente combatida e considerada crime em muitos lugares. O pensamento de superioridade racial/cultural perde o sentido se seu grupo está para ser qualificado assim. 1.2 O espanto, o encanto e a distância.. Quando nos deparamos com a realidade de uma religião diferente, automaticamente comparamos com a nossa cultura. O fato do diferente existir, significa que existem pessoas indo para outras direções, o que coloca em cheque nossas visões de mundo e a coesão do grupo do qual pertencemos. Uma cultura diferente costumava causar mais estranheza a al- guns séculos atrás, quando os meios de comunicação quase não eram acessíveis. Quando alguém viajava para um lugar desconhecido não fazia ideia do que esperar. Algumas coisas espantavam, outras encantavam, mas dificilmente os primeiros registros de um viajante do período medieval, por exemplo, consideram uma cultura estrangeira superior à sua cultura de origem. O relato a seguir quase foge a essa regra. Jean de Léry, missionário calvinista francês, se estabelece no Brasil por dez meses, onde escreveria os relatos reunidos em História de uma viagem à terra do Brasil, publicada pela primeira vez em 1578. Sua narrativa tem as terras brasileiras como lindas e produti- vas, vastas e ricas em recursos naturais. Respeitoso, considerando os padrões da época, descreve os costumes dos tupinambás com bastante detalhes, constituindo-se uma das principais para o estudo das práticas religiosas indígenas no início da exploração europeia. No entanto a nudez dos tupinambás é tida como estranha e sedutora coisa não menos estranha e difícil de crer para os que não os viram, é que andam todos, homens, mulheres e crianças, nus como ao saírem do ventre materno. Não só não ocultam nenhuma parte do corpo, mas ainda não dão nenhum sinal de pudor ou vergonha (LÉRY, 1960, p. 112). quero responder aos que dizem que a convivência com esses selvagens nus, principalmente entre as mulheres, incita à lascívia e à luxúria. (…) Os atavios, arrebiques postiços, cabelos encrespados, golas de rendas, anquinhas, sobre-saias e outras bagatelas com que as mulheres de França se enfeitam e de que jamais se fartam, são causas de males incomparavelmente maiores do que a nudez habitual das índias, as quais, entretanto, nada devem às outras quanto à formosura (LÉRY, 1960, p. 171-172). Esta dinâmica de encanto e repulsa é percebida por François Hartog (1999), em O Espelho de Heródoto. Ao trabalhar com os relatos de Heródoto em suas viagens a povos vizinhos de sua nação, Hartog nota que o grego só consegue descrever aquilo que enxerga 28UNIDADE II As Religiões Contemporâneas por meio de uma tradução, ou seja comparando o que vê com palavras e objetos de sua cultura com o que conhecia nas jornadas. Por exemplo, na narrativa de uma viagem ao Egito, a tradução denominaria um deus do Olimpo para cada deus egípcio. Ao escrever para sua sociedade politeísta, o grego consideraria os povos que cultuavam um menor número de deuses, como menos desenvolvidos. O que nos lembra o caso de Tylor e Nina Rodrigues, pois partiram do cristianismo e considerando ignorantes aqueles politeístas, menos complexos conforme a maior quantidade de divindades de culto. Hartog também defende que a distância entre observador e observado é essencial para que se produza ou encanto ou espanto no processo de tradução para a própria rea- lidade. É uma distância material, geográfica, entre duas cidades, por exemplo. E trata-se de quão distante o observador se coloca diante da cultura e pessoas que ele observa. Se alguém é visto como inferior, tem ressaltada apenas características ruins. O pensamento de uma cultura superior, uma religião superior ou uma raça impedem um diálogo produtivo entre as partes. Visto que tudo que é produzido por quem é inferior, logo suas ideias e cultura, também é inferior. Com o distanciamento se justificam massacres religiosos como o imposto pelos romanos aos cristãos e, depois, o que os cristãos impuseram aos hereges. Nos dois casos aquilo que era diferente foi considerado inferior e perigoso. Principalmente para as autori- dades religiosas da época que lidavam com uma crença concorrente. Admitir a possibili- dade do outro crer em algo diferente, e conduzir uma vida comum, coloca em questão as estruturas e práticas de sua sociedade, lentamente podendo modificá-las. Uma mudança que põe em cheque não a vida do indivíduo, mas a saúde das instituições cujas normas são contraditas por uma nova visão de mundo. O cidadão ro- mano comum teria uma religião a mais para escolher com o cristianismo, nada mais, nem menos. O mesmo pode se dizer do camponês na Idade Média em relação aos conflitos entre protestantes e católicos. Depois de muita perseguição, nos dois casos foi o que aconteceu, uma ou várias religiões foram criadas. Mas como uma instituição que controla, como a Igreja ou o Império Romano podem ter falhado em combater crenças formadas nos calabouços e outros locais secretos, com cultos realizados quase em silêncio não por uma opção de prática religiosa, mas por sobrevivência? 29UNIDADE II As Religiões Contemporâneas 1.3 O contato e a fronteira. A partir de Hartog (1999), podemos compreender que a resposta é: o contato. Se o distanciamento provoca estranheza, medo, preconceito, a aproximação com o tempo tende a atenuar as diferenças e inclusive unir elementos que antes aparentavam irreconciliáveis. Para tanto, é necessário perceber o outro como um igual. Voltemos ao caso de Jean de Léry para ilustrar essa situação. Ele estava entre os colonos e dois ministros anglicanos enviados para abrir um braço da Igreja Reformada de Genebra na Baía de Guanabara, considerando igreja um pequeno grupo de fiéis reunidos, sem a necessidade de um templo ou local fixo, a primeira igreja protestante no Brasil fun- cionou por meio de Léry e seu grupo. Essas pessoas atendiam a um pedido de Nicolas Durand de Villegaignon, expe- dicionário francês que tentava conquistar parte do território da América Portuguesa. No entanto, Villegaignon que se dizia simpático ao protestantismo, não gostou das ideias dos missionáriose passou a acusá-los de heresia. O grupo de Léry viveu oito meses bem desconfortáveis na colônia e mais dois meses junto a índios tupinambás porque a convivência com o expedicionário-chefe tornou- se arriscada. Dez meses depois da chegada dos reformados franceses ao Brasil, o navio que os levaria de volta à França estava pronto, mas por falta de espaço, cinco homens precisariam aguardar a próxima embarcação. Dentro de algumas semanas foram presos, condenados na inquisição francesa e executados na fogueira após uma carta de confissão onde assinavam negando a fé católica. No período em que foi acolhido por tupinambás, os missionários e os índios se tornaram iguais. O francês descreve que todos foram o tempo todo muito bem tratados. Ou seja, na companhia dos nativos, de maneira geral considerados incultos, pagãos e transformados em escravos pela maioria que chegava ao Brasil, os franceses protestantes receberam mais respeito do que os franceses católicos. Não por acaso, em suas últimas páginas, Léry mostra sinais de que as diferenças culturais e de contato o fazem refletir. O missionário relativiza a violência dos ritos canibais dos tupinambás com os povos considerados inimigos, o trecho a seguir sucede a descrição dos preparos para o banquete do inimigo capturado Poderia aduzir outros exemplos de crueldade dos selvagens para com seus inimigos, mas creio que o que disse já basta para arrepiar os cabelos de horror. É útil, entretanto, que ao ler semelhantes barbaridades, não esque- çam os leitores do que se pratica entre nós [...] Não abominemos portanto demasiado a crueldade dos selvagens antropófagos. Existem entre nós criaturas tão abomináveis, se não mais, e mais detestáveis do que aqueles que só investem contra nações inimigas de quem tem vingança a tomar. Não é preciso ir à América, nem mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão monstruosas (LÉRY, 1960, p. 203-204). 30UNIDADE II As Religiões Contemporâneas Se, em dez meses, Jean de Léry chegou a comentar que os tupinambás eram melhores companhias que seus compatriotas franceses, imaginem como um contato prolongado, de décadas, modificaria sua opinião. No mundo contemporâneo, cercado de informações, o indivíduo tem contato frequente com o diferente. Mas o que diz se ele vai olhar para aquela cultura como um igual ou sentir medos e preconceitos é a hierarquia, a distância com que enxerga o outro. Em Hibridismo Cultural, Peter Burke (2003) entende que é na fronteira que as tro- cas culturais acontecem. Essa região de fronteira pode ser pensada no seu sentido físico, quando o território de uma nação se encontra com o de outra. Mas também zonas de intensa movimentação de pessoas e mercadorias, como os portos e cidades turísticas. É em locais fronteiriços que os principais conflitos do mundo contemporâneo acon- tecem: a faixa de Gaza entre Israel e a Palestina, a divisa entre Norte e Sul nas Coreias, os muçulmanos que moram entre a China e o Afeganistão e Cazaquistão, os latinos e estadunidenses na América do Norte, a linha vermelha que separa favela e cidade no Rio de Janeiro. O encontro de dois governos, dois modos de vida, duas realidades. Se prolongado, no contato com o diferente todos os dias, a depender das circunstâncias, a violência dá lugar ao convívio de tolerância e, naturalmente, conforme relações de amizade, comércio, trabalho e amor são construídas, uma identidade nova surge que não é exatamente igual a nenhum dos lados do conflito. Mas o que dizer dos embates e preconceitos que se arrastam por décadas ou séculos? Nesses casos, é difícil não existir um interesse político que de alguma forma obtém vantagens dessa polarização. É o que podemos refletir ao olhar mais detidamente para a disseminação das religiões no Brasil. 31UNIDADE II As Religiões Contemporâneas 2. AS RELIGIÕES NO BRASIL DO CATOLICISMO AO ISLAMISMO. 2.1 Poder e fragmentação religiosa em Portugal e no Brasil. Durante o período europeu das Grandes Navegações, a Igreja Católica exerceu papel fundamental, visto que representava a postura diplomática interna e externa de um continente. Aqui destacamos algumas das funções que a instituição eclesiástica dispunha aos europeus: ● firmava tratados de exploração sobre as terras que recém-conheciam; ● atestava sua presença em determinado território (com a construção de templos destinados a santos ou ordens religiosas comuns àquela nação); ● registrava empréstimos e relações comerciais, condições de juros e consequên- cias de não pagamento de dívida. Por funções tão importantes, a Igreja Católica é personagem das narrativas primor- diais sobre o Brasil. Como na missa realizada em 1500 por frei Henrique de Coimbra, assim que os portugueses pisaram no solo que se tornaria nosso país. Logo que uma colônia apresentava sinais de crescimento, determinada ordem religiosa poderia ser requisitada para prestar serviços básicos de saúde, alimentação ou comunicação, por exemplo, algo que expressamente fazia parte da missão de angariar novos fiéis. Quando a escravidão passa ser adotada como principal mão-de-obra, o discurso católico define as diferenças entre a alma indígena, africana e europeia e os motivos de cada uma ocupar um papel desigual na hieraquia daquela sociedade (OLIVEIRA, 2007). 32UNIDADE II As Religiões Contemporâneas O catolicismo era a religião oficial, a única permitida de construir templos e reali- zar cerimônias públicas. Nas vilas e cidades que se formavam, o padre ou o bispo eram autoridades de grande poder e representavam a conexão entre os interesses das elites (membros da Coroa, grandes fazendeiros) e todo restante da população. Conforme, Lísias Nogueira Negrão (2008), no Brasil Colonial ser católico não era uma questão de escolha O catolicismo foi, no passado colonial brasileiro, uma religião obrigatória: os que aqui nasciam o aceitavam por pressuposto de cidadania, exceto os indígenas, aos quais se exterminava ou se convertia. Os que aqui não nasciam tinham que adotá-lo, mesmo que não o compreendessem: os negros escravizados eram batizados no porto de procedência ou de desembarque. Já os judeus, sob a pressão de serem perseguidos pelos inquisidores, de perderem seus bens ou mesmo suas vidas, preferiram, em geral, tornar-se “cristãos novos’’. (NEGRÃO, 2008, p. 263). Para que uma coisa seja proibida é por que ela é usualmente praticada, certo? Não tem sentido proibir algo que ninguém faz. A prática de outras religiões em Portugal já era considerada um problema muito antes do descobrimento do Brasil. A península ibérica entre os séculos VIII e XI era território muçulmano, e não ca- tólico. Sob regime islâmico, os portugueses experimentaram algo próximo da liberdade religiosa, havendo relatos da presença das crenças católica, muçulmana, judia e dos povos chamados bárbaros que ali viviam, como godos e visigodos. Os muçulmanos fundaram as primeiras universidades da Europa, como a Universidade de Salamanca, em 1134. Sem o conhecimento produzido e compartilhado nesses locais, Portugal, Espanha não teriam sido os primeiros estrangeiros a colonizar a América, visto que tal feito apenas foi possível com a herança árabe das habilidades matemáticas de engenharia, tecnologia náutica e construção. Figura 1 – Mesquita de Córdoba, Espanha, construída entre os séculos X e XI sob domínio muçulmano Fonte: https://umpouquinhodecadalugar.com/europa/espanha/a-grande-mesquita-de-cordoba/ 33UNIDADE II As Religiões Contemporâneas Figura 2 - Catedral Sé de Lisboa, Portugal, fundada no século XII e construída a partir da antiga Mesquita de Lisboa. A arquitetura gótica de influência árabe foi adotada em templos católicos de todo o mundo. Fonte: https://www.cidadeecultura.com/se-de-lisboa/ Os judeus formaram grupos de habitantesna Europa, ao menos desde o século IX, e foram mais ou menos perseguidos, conforme a atmosfera política e religiosa. Com as Cruzadas, o contato entre católicos e judeus se tornou comum, sobretudo na atividade financeira. Da Europa Oriental, o povo israelita se desloca para diferentes regiões, confor- me oportunidades de comércio, trabalho e ambiente de tolerância religiosa. A Península Ibérica, mesmo conquistada pelos católicos, foi adotada como destino de judeus, pois além de serem mercados efervescentes, Portugal e Espanha conservaram certo nível de convi- vência entre religiões, até as Inquisições dos séculos XVI e XVIII. As rotas católicas estabelecidas com as Cruzadas e os caminhos islâmicos sobre a África do Norte foram também meios de acesso dos povos romani e tingi, depois a ambos se denominaria ciganos. Não sendo famosos por seu poder político ou econômico, tais povos formavam comunidades em diferentes regiões da Europa, seguindo critérios semelhantes aos dos judeus sobre onde se estabelecer. Não eram um grupo isolado e em Portugal, após o Descobrimento, muitas famílias ciganas se mesclaram à população local. Possuem até hoje práticas religiosas características onde, além de divindades próprias, adotaram preceitos e ideias cristãs, hinduísmo, zoroastrismo e islamismo. 34UNIDADE II As Religiões Contemporâneas No Brasil do final do século XIX, indícios apontam ciganos e africanos realizando juntos um culto de dimensão pública para Oxumaré, divindade símbolo da mudança e dos ciclos, representada pelo arco-íris e pelas serpentes. A sacerdotisa é uma portuguesa reforçada, que se chama Maria Matos da Sil- va.Só são permitidos pescadores na festa, e os pescadores vão de toda parte ao culto singular. A casa de Maria Silva fica mesmo no ponto dos bondes, e nos dias de festa está toda adornada de folhagens e galhardetes. Todos, lavados e de roupas claras, a dona da devoção manda buscar os negros feiticeiros para preparar os ebós e fazer a matança dos animais. Ela própria deita as cartas para saber quem deve ir levar os sacrifícios e os desejos sutis do Arco-íris. (RIO, 1906, p. 70). É possível que Maria Matos da Silva, a portuguesa sacerdotisa do mar, seja de descendência cigana. De bagagem cultural muito diferente do almejado pelos reinos de Espanha e Portugal, os ciganos possuíam práticas religiosas, roupas e inclusive um idioma próprio, tornando-os alvo de tentativas de normatização por meio de medidas integradoras. Logo, os ciganos não poderiam se comportar como tal. Entre as punições aos desvios estava o exílio nas colônias portuguesas, como o Brasil dos séculos XVI ao XVIII, fato que não impedia migrações voluntárias. Dado esse quadro, não é difícil imaginar um contexto social no Brasil Império e República Velha, no qual as duas culturas, afro-brasileira e cigana, partilham de ambientes comuns. Voltando a Portugal pré-descobrimento, os reinados oficialmente católicos escon- diam uma sociedade de identidade religiosa fragmentada. Onde hábitos e crenças cató- licas, muçulmanas, judias, ciganas e pagãs (o período dos godos e visigodos deixaram marcas na cultura religiosa, ainda que o cristianismo tenha sido adotado pelos reis góticos a partir de 240, a crença politeísta e suas práticas se embrenharam no cotidiano popular).e contrastavam com a pressão do Estado por uma religião e oficial. A partir do século XVI, com a exploração das Américas e com Estados que cami- nham para o Absolutismo, onde a Reforma Protestante não conseguiu chegar de maneira a desestruturar a instituição católica (caso de Portugal, Espanha e França, por exemplo), a Igreja se consolida como a grande representante da cultura. Para isso, contou com o apoio da nobreza e ao mesmo tempo a fortaleceu. 35UNIDADE II As Religiões Contemporâneas 1.2 A cultura nunca para, religiões proibidas e praticadas. Nas colônias, o catolicismo fazia parte irrestrita do dia-a-dia. Conforme Negrão (2008), a obrigação de ser católico fazia com que uma pessoa praticasse a mesma religião com diferenças marcantes conforme o setor da sociedade em que estava inserido. A Igreja trabalhava junto aos senhores de engenho e altos funcionários da Corte, o padre realizava cultos públicos nas residências e muitas vezes era responsável pela educação das crianças. Comportava-se como a voz calma e benevolente do patrão para seus funcionários, escravos e filhos, já que o patriarca deveria ser austero, o padre era quem negociava com palavras dóceis a tranquilidade do local. Este era o catolicismo dos portugueses. Indígenas, africanos e seus descendentes embora fossem católicos, ou forçados a assim dizerem, não abandonaram suas religiões de origem. Ao contrário, sempre que houve uma brecha no catolicismo, ela foi ocupada por uma prática religiosa africana ou indígena quando se relacionava com a cultura da grande população. Mais do que isso, muitos preceitos religiosos oriundos de culturas não-monoteístas foram absorvidos no comportamento brasileiro, independente de uma religião. Por exemplo ● a crença em espíritos; ● a crença em mal-olhado ou ‘olho gordo’; ● os rituais de fim de ano, como vestir-se de branco e pular sete ondas; ● o recurso de práticas divinatórias, como as cartas de tarô e os búzios; ● a presença das benzedeiras como autoridades religiosas que identificam e tratam problemas do dia-a-dia, doenças e partos. Neste universo religioso brasileiro, que Negrão (2008) identifica como catolicismo popular, as crenças se misturam e ganham particularidades conforme o povo que ali habita. Em Salvador, os africanos em sua maioria do povo iorubá, manteve certas caracte- rísticas tradicionais de sua terra natal, como os orixás, os ritos de iniciação e cânticos em língua iorubana, são os primeiros anos do que se chamaria depois de Candomblé. No Rio de Janeiro, o povo banto consistia na maior nação de pessoas escraviza- das, de seu culto aos ancestrais, onde os mortos estão sempre participando da vida dos vivos, se popularizaram os exus, caboclos, pombagiras, divindades que representavam personagens do cotidiano daquela época, o homem violento ou o malandro habilidoso, que sobreviviam no contexto urbano insalubre e perigoso, o indígena que lutava contra o 36UNIDADE II As Religiões Contemporâneas pretenso processo civilizatório, a mulher que por alguma razão foi posta à margem e pra existir precisava assumir uma postura impositiva, sem medo de se mostrar como ser dotado sexualidade ou de usá-la como bem entendesse. Em um processo de embranquecimento, como estudado por Ortiz (1978), os cultos cariocas serviriam de base para a Umbanda. Apesar de observarmos nuances regionais, o contato entre diferentes culturas africanas, indígenas e europeias produziu semelhanças. Por exemplo, a adoção de santos católicos para representar também os orixás é algo presente em religiões afro-brasileiras de todo país. A crença na reencarnação e na atividade dos espíritos na terra, bem como a elaboração de ritos que visam controlá-los (acalmar, ordenar, expulsar, proteger, entre outros). E a crença em Jesus Cristo e em um deus onipotente e onisciente é praticamente unanimidade. Diferente do que pode ser apontado na tradição africana, onde não existe um culto a Zambi ou Orunmilá, o Criador. Pois parte do pressuposto de que o culto é uma forma de ajudar a si mesmo e outras pessoas mas também de ajudar as divindades, Deus-Criador não precisaria dessa ajuda. Figura 3 – Altar identificado à Tenda Mãe Maria de Camargo, de Umbanda e Candomblé Fonte: https://maemariadecamargo.blogspot.com. Na foto podemos identificar entre outras representações, a de São Sebastião (à esquerda, dorso nu) que também é Oxóssi, Jesus (acima, em posição central), que é Oxalá, São Jorge (lateral inferior direita, montado em um cavalo), queé Ogum, os gêmeos São Cosme e São Damião (lado inferior esquerdo, não conseguimos identificar a figura entre os dois, mas por ser de tamanho menor, pode ser a representação de uma criança, um símbolo de Ibeji e da qual eles são protetores) também são Ibeji. 37UNIDADE II As Religiões Contemporâneas Essa atmosfera multipolarizada e a relação com a Igreja Católica, pode ser com- preendida também por meio de H. Bhabha (2005), onde constatamos a existência de duas realidades diferentes: a primeira, fundada na presença de uma tradição católica, na memória e nos escritos do país com uma abrangência, que teria como consequência “produzir autoridade sem a necessidade de uma ação imperativa” (BHABHA, 2005, p.182). Ou seja, chega um momento, depois de gerações de conversão compulsória, que um indivíduo nascido nessa sociedade simplesmente acredita naquilo que as instituições predominantes engenharam. Dessa forma, a relação entre Igreja e elite social, devido a presença maciça do catolicismo no dia-a-dia do Brasil Colônia e Império, produziu o efeito de realidade mencio- nado. Como consequência, o passado torna-se uma reprodução das intervenções dessas instituições. O mesmo efeito corrobora para que outras manifestações religiosas passem des- percebidas. Por exemplo, podemos concordar que há algum tempo atrás a cultura religiosa africana ou indígena não era nem mesmo mencionada em livros didáticos. Algo que só mudaria com a lei 10.639, que institui o ensino da história e cultura africana e indígena obrigatório nas escolas. Não se trata necessariamente de uma conversão, muito menos a vitória de uma crença sobre outra. Na verdade, é prudente questionar como diversas religiões/culturas religiosas que demoraram milênios para se desenvolverem, praticadas por milhões de indivíduos, desapareceram, em alguns casos por completo, em menos de 300 anos. No meio acadêmico, as respostas têm passado pela violência do Estado e perseguição social. Mas e as outras religiões, como islamismo, judaísmo e as próprias religiões protes- tantes, por exemplo, não adotaram os santos católicos ou algo do tipo? Esta é uma questão de difícil resposta. Ao pensarmos o Brasil Colônia e Império, comparado a africanos e indí- genas, o contingente de árabes e judeus que se estabeleceram aqui é bastante reduzido. A respeito dos protestantes, o período da Reforma coincide com os Descobrimen- tos, o que faria esperar um número considerável de fiéis chegando ao Brasil. No entanto, em Portugal, os questionamentos à Igreja Católica não surtiram as mesmas consequências como na Holanda, Alemanha e Inglaterra. Sendo assim, não há registros de portugueses protestantes no período colonial. Entretanto, havia franceses e holandeses calvinistas. A respeito do primeiro grupo relatamos seus desdobramentos no tópico 1, para pensar a importância do contato na disseminação de religiões pelo mundo. No caso holan- dês, o anglicanismo havia sido adotado como religião oficial dos Países Baixos. A Igreja 38UNIDADE II As Religiões Contemporâneas Reformada Potiguara, foi fundada entre 1624-1625 com o trabalho de europeus e indígenas. Inclusive, dois brasileiros nativos foram enviados para Holanda, a fim de que recebessem instrução teológica, assim que ajudaram a concluir as obras do templo. Fixados principalmente na região de Pernambuco, os holandeses permaneceram no Brasil até 1654, chefiados por Maurício de Nassau, quando o exército da corte portugue- sa pressionou ao ponto de rendição. Na colônia holandesa, a liberdade religiosa e política era garantida por lei. Assim foi possível criticar qualquer rei sem o risco da pena de traição, ou construir um templo para sua religião, agendar cultos sem a necessidade de aprovação prévia ou professar uma fé específica. Neste ponto a história do judaísmo se cruza no Brasil com o anglicanismo em ter- ras brasileiras. No contexto de tolerância religiosa, instituído nas colônias da Holanda, que a primeira sinagoga do Brasil foi fundada, a Sinagoga Kahal Zur Israel (‘Rocha de Israel’). Formada por judeus que vieram para América com a promessa de liberdade religiosa, logo que os portugueses reconquistaram Recife, os israelitas migraram de lá, desembarcando em Nova Amsterdã, colônia inglesa que depois se tornaria a cidade de Nova Iorque. Figura 4 – Fachada da Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira do continente americano Fonte: http://senhorahistoria.blogspot.com/2010/07/ Porém essas não foram as únicas e nem as primeiras pessoas judias a se esta- belecerem no Brasil. Os chamados cristãos novos são os judeus portugueses e espanhóis que tiveram seus rituais e práticas proibidos, e imposta a obrigação de cultuar a fé cristã. 39UNIDADE II As Religiões Contemporâneas É provável que muitos continuaram com seus ritos em espaço íntimo, fora dos olhos da sociedade. Aqueles que eram vistos em práticas consideradas judaicas, como nunca comer carne de porco, jejuar em determinados períodos ou não frequentar as missas, seria denunciado e condenado na Inquisição. Deste contexto, não existem relatos de qualquer organização judia na América portuguesa antes do século XIX. As transformações ocorridas no mundo durante o século XIX (Rev. Francesa/ Rev. Industrial/ Independência dos Estados Unidos) afetam radicalmente a forma como a Igreja Católica tratam os praticantes de outras religiões. Entretanto, a Coroa Portuguesa embora cedesse em alguns aspectos, não reagiu com grandes mudanças. Somente com a passagem do Brasil para República, entre as décadas de 1870 e 1890 é que os primeiros templos não-católicos foram permitidos por lei. De início, vemos surgir as primeiras organizações religiosas, como os protestantes do Rio de Janeiro, à época capital do Império. Na cidade de Belém, a segunda sinagoga do Brasil, e a mais antiga ainda em funcionamento, é construída por judeus marroquinos, em 1824. Os muçulmanos organizaram em 1835 a Revolta dos Malês, um movimento de re- sistência liderado por africanos de regiões onde o Islã constituía uma das crenças principais. A devassa finda com com seus participantes mortos em batalha ou presos e deportados. No período, acompanhamos um desenvolvimento econômico mais acentuado no país, além de uma notável expansão das metrópoles. O aumento da população urbana e a concentração de pessoas na cidade fez com que a diversidade religiosa se tornasse impossível de disfarçar. 1.4 Brasil, entre as crenças plurais e a conversão. Logo no início do século XX, em 1906, As religiões no Rio, do escritor e jornalista João do Rio, descreve uma cidade com a presença de pelo menos quinze diferentes cultos bastante organizados. Com a imigração de europeus, japoneses e sírio-libaneses, a diversidade religiosa se torna uma característica brasileira. Templos budistas são erguidos no interior e na capital paulista. Variadas religiões cristãs, como a Congregação, surgem e formam suas sedes brasileiras nas duas primeiras décadas dos anos de 1900, quando percebem que a perse- guição do Estado brasileiro realmente foi amainada. No Sul, o luteranismo alemão surge, assim como o catolicismo ortoxo dos ucranianos, por exemplo. Mesmo em um Estado laico, de tolerância religiosa, aconteceram conflitos entre católicos e membros de outras crenças, muitas vezes apoiada pela própria instituição cató- 40UNIDADE II As Religiões Contemporâneas lica e autoridades públicas. Embora legalmente, todas religiões estivessem protegidas, leis específicas para ritos africanos ou tornavam seus praticantes criminosos ou os obrigavam a se adaptarem a um modelo melhor visto pela cultura cristã-ocidental. Por exemplo, o artigo 284 do código penal brasileiro delimita o seguinte: Exercer o curandeirismo: I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
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