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Quem faz e como se faz a Política de Ciência e Tecnolo- gia brasileira? Como se dá o processo de- cisório que orienta as ativi- dades de pesquisa, docência e extensão das instituições públicas de ensino superior e de pesquisa? Como ocorrem a implemen- tação e a avaliação dessa Polí- tica? Que papel têm desempe- nhado os atores – comunidade de pesquisa, burocratas, em- presários, movimentos sociais – com ela envolvidos? Que semelhanças e diferen- ças existem entre o que ocor- re no Brasil, nos demais países latino-americanos e nos paí- ses de capitalismo avançado? Responder a essas pergun- tas é o objetivo deste livro. Utilizando um instrumen- tal de Análise de Políticas ain- da pouco usado entre nós para o estudo das políticas públicas e menos ainda para tratar a Política de C&T, e fun- damentado numa ampla re- visão da literatura sobre o tema, o livro desmistifica a idéia de senso comum de que ela é uma policy não conta- minada pela politics. CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL O processo decisório e a comunidade de pesquisa Renato DagninoRENATO DAGNINO estudou En- genharia em Porto Alegre e Economia no Chile e no Bra- sil. Doutor em Ciências Hu- manas, fez a sua livre-docên- cia em Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Cola- borou na criação do Departa- mento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da UNICAMP, no qual é hoje professor titular. Tem vários trabalhos publi- cados sobre as relações entre ciência, tecnologia e socie- dade, análise de política cien- tífica e tecnológica e gestão estratégica pública. Entre seus livros estão Panorama dos estudos sobre ciência, tec- nologia e sociedade na Amé- rica Latina, Gestão estratégica da inovação — Metodologias para análise e implemen- tação, A reflexão sobre ciên- cia–tecnologia–sociedade na América Latina, Amilcar Her- rera — Um intelectual latino- americano e Um debate sobre tecnociência — Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico, este último tam- bém publicado pela Editora da UNICAMP. A Política de C&T tem-se mantido envolta nu- ma “neblina ideológica” que a faz aparecer co- mo consensual. Combinando o instrumental de Análise de Po- líticas com enfoques como os da sociologia e da economia da inovação, Dagnino mostra co- mo a comunidade de pesquisa tem contribuí- do para a “blindagem política” (politics) dessa política (policy), dificultando sua “contamina- ção” por projetos políticos contra-hegemôni- cos que se manifestam na sociedade. Por revelar valores e interesses que se escon- dem atrás de conflitos encobertos e latentes e de comportamentos dificilmente identificáveis “a olho nu”, o livro mostra por que essa política vem sendo orientada num sentido tão distinto daquele demandado pelo cenário de democra- tização política e econômica em construção. O prefácio de Hebe Vessuri, considerada a maior autoridade latino-americana dos Estu- dos Sociais da C&T, contribui para que este livro se torne “bibliografia obrigatória” para nossos leitores. ISBN 978-85-268-0750-1 9 7 8 8 5 2 6 8 0 7 5 0 1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL R en ato D agn in o capa ciência e tecno final 6/15/07 1:17 PM Page 1 ciência e tecnologia no brasil ciencia miolo final 1 6/14/07 9:03:45 AM Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno José A. R. Gontijo – José Roberto Zan Luis Fernando Ceribelli Madi – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Wilson Cano ciencia miolo final 2 6/14/07 9:03:46 AM ciência e tecnologia no brasil Renato Dagnino O processo decisório e a comunidade de pesquisa ciencia miolo final 3 6/14/07 9:03:48 AM ficha catalográfica elaborada pela biblioteca central da unicamp D33c Dagnino, Renato Peixoto. Ciência e tecnologia no Brasil: o processo decisório e a comunidade de pesquisa / Renato Dagnino. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2007. . Ciência e tecnologia. 2. Universidade e faculdades – Pesquisa. 3. Políticas públicas – Brasil. I. Título. cdd 30.243 378.0078 isbn 978-85-268-0750- 338.98 Índices para catálogo sistemático: . Ciência e tecnologia 30.243 2. Universidade e faculdades – Pesquisa 378.0078 3. Políticas públicas – Brasil 338.98 Copyright © by Renato Dagnino Copyright © 2007 by Editora da Unicamp Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. ciencia miolo final 4 6/14/07 9:03:48 AM e-isbn 978-85-268-1183-6 Prefácio – Hebe Vessuri . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Sobre as direções de pesquisa que originaram o trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 P recisando o conceito ampliado de comunidade de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 2 As análises sobre a participação da comunidade de pesquisa na Política de c&t dos países avançados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Sobre as visões acerca da comunidade de pesquisa . . 55 Modo versus Modo 2 e a ruptura mertoniana . . . 56 Especialistas versus burocratas e elaboração das políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60 Especialistas versus empresários e agenda de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 A reação dos especialistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Sobre os enfoques analíticos empregados . . . . . . . . . . 74 O enfoque do ator-rede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Sumário ciencia miolo final 5 6/14/07 9:03:49 AM O enfoque das policy networks . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 O enfoque da Governança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80 A democratização da ciência e os modelos de governança técnico-científica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 O enfoque de policy communities . . . . . . . . . . . . . . . 88 O enfoque de advocacy coalitions . . . . . . . . . . . . . . 89 O enfoque de comunidades epistêmicas . . . . . . . . 9 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00 Sobre as dificuldades enfrentadas por pesquisadores dos países avançados . . . . . . . . . . . 00 Considerações conclusivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08 3 O enfoque da Análise de Políticas . . . . . . . . . . . . . . . 3 O conceito e os procedimentos metodológicos da Análise de Políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Uma conceituação de Análise de Políticas . . . . . . 6 Os procedimentos metodológicos da Análise de Políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Os momentos do processo e os seus modelos . . . . . . . 33 As organizações envolvidas no processo e seus modelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Análise do processo de elaboração de políticas em universidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 A contribuição da literatura anglo-saxã . . . . . . . . 47 A tipologia de Hardy e Fachin . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 ciencia miolo final 6 6/14/07 9:03:50 AM 4 A elaboração de políticas no Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa segundo uma visão de Análise de Políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Sobre algumas características da comunidade de pesquisa latino-americana . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 62 O momento de formulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 O momento de implementação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Uma tentativa de “enquadramento” institucional . . 76 5 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 ciencia miolo final 7 6/14/07 9:03:51 AM ciencia miolo final 8 6/14/07 9:03:51 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 9 Prefácio hebe vessuri As críticas da ciência têm uma longa história e, em cada momento, têm-se enfocado aspetos particu-lares dessa variada e complexa entidade. Nas últi- mas décadas, entretanto, houve mudanças decisivas liga- dos a sua industrialização e a sua dependência crescente com respeito a interesses mercantis e militares, que coin- cidiram com transformações no pensamento filosófico de grupos de cientistas praticantes, filósofos e historiadores da ciência. Uma mudança no pensar e entender de círcu- los intelectuais restritos em relação ao ocaso do concei- to de observador proposto pela física moderna, ao ques- tionamento da existência de uma distinção clara entre o observador e um mundo objetivo, tem debilitado a força cultural e retórica da construção “do mundo” como um objeto fora de nós mesmos. O objeto da ciência tem dei- xado de ser percebido como algo que pode ser conhecido e visualizado de um ponto de vista separado e distante. Ainda que as bases internas da ciência e sua prática não tenham perdido força por isso, esse desenvolvimento tem tido ramificações culturais e sociais indiretas, uma resso- nância mais ampla que tem debilitado a autoridade das imagens e metáforas que antes mediavam a importância ciencia miolo final 9 6/14/07 9:03:52 AM 0 ciência e tecnologia no brasil ideológica e política da ciência na polis liberal-democrá- tica. A ciência tem perdido seu papel como elemento cul- tural principal na construção do âmbito público demo- crático. As tendências recentes a considerá-la como um recurso nas aventuras competitivas de risco, como as que têm a ver com o crescimento econômico e industrial ou com conflitos militares, refletem a perda de importância dos modelos da Ilustração no discurso e na ação política. A instituição científica, vista no passado como uma so- ciedade ideal, hoje aparece como uma elite profissional, e revela-se aos olhos do poder — quer se pense no Estado, nas forças armadas ou na indústria — tão pouco separa- da das contingências, das pressões e dos compromissos políticos ou econômicos como qualquer outro grupo pro- fissional.2 Entretanto, isso não impede que, como apara- to institucional, continue proclamando aquilo que foram suas bandeiras da autonomia, da neutralidade e da ob- jetividade como nos tempos da Revolução Científica do século xvii. Rastreando o devir das críticas, Ravetz assi- nalava, em meados da década de 970, a passagem dos pronunciamentos publicitários sobre a ciência ao reco- nhecimento do papel da política nos estudos da política científica.3 E destacava que, ainda que a sociologia formal da ciência houvesse estado notavelmente livre para criti- . Y. Ezrahi, The descent of Icarus. Science and the transformation of contem- porary democracy. Harvard: Harvard University Press; Londres: Cambridge, Mass, 990. 2. J. J. Salomón, Les scientifiques entre Pouvoir et Savoir. Paris: Albin Michel, 2006. 3. J. K. Ravetz, “Criticisms of science”, in I. Spiegel-Rosing e D. De Solla Price (orgs.). Science, technology and society. A cross-disciplinary perspective. Lon- dres e Beverly Hills: Sage, 977. ciencia miolo final 10 6/14/07 9:03:53 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa car o seu objeto, alguns sociólogos, preocupados com a dimensão de policy, haviam contribuído com elementos muito úteis para a sua compreensão. Um deles era Blu- me, que, estudando o poder no aparato científico, encon- trou que este se correlacionava imperfeitamente com o sucesso científico.4 Ligado ao patrocínio da pesquisa ou à distribuição de fundos, o poder derivava, de modo bem marcado, de contatos no seio das burocracias que ali- mentavam a ciência. Em meados dos anos 970, a corrente de “estudos crí- ticos da política científica” havia crescido tanto que apa- receu o problema de haver muitos enfoques para analisá- la sem que houvesse uma teoria inclusiva para todos eles. Complementar à teoria da “industrialização” de Ravetz, havia a da “burocratização” da ciência de Wheeler.5 Salo- mon, por outro lado, mostrava a substituição do cientista puro e aristocrático pelo assalariado científico; havia-se passado do cavalheiro aficionado ao participante na pes- quisa por uma remuneração econômica como qualquer outro profissional.6 Um pouco mais tarde, Zimam referia- se à transformação na direção do que denomina “cultu- ra pós-acadêmica”, de substituição da norma de Comu- nalismo pela ciência proprietária, na qual valores como segurança, rentabilidade e eficácia passam a participar explicitamente da determinação da agenda de pesquisa, e tratava dos problemas que se depreendem dessa trans- 4. S. Blume, Towards a political sociology of science. Nova Iorque: The Free Press, 974. 5. K. Ravetz, 97. Scientific knowledge and its social problems. Penguin Univer- sity Books, Harmondsworth. Wheeler, H. 975. Science’s slippery slope. The Center Magazine, Jan.-fev. Citado por Ravetz, 977. 6. J. J. Salomon, Ciencia y política. México: Siglo xxi Editores, 974. ciencia miolo final 11 6/14/07 9:03:54 AM 2 ciência e tecnologia no brasil formação.7 Na filosofia e na história da ciência, por sua vez, um novo clima acompanhava a passagem da ciência como verdade à ciência comprometida com a ética. A ho- nestidade intelectual, não a “fatologia”, aparecia, com Po- pper, como uma característica inerente à ciência.8 Numa outra perspectiva e numa outra parte do mundo, a Índia, Nandy formulava uma crítica radical da ciência como uma nova ortodoxia. Seu argumento era de que a ci- ência, que no seu surgimento foi uma aliada contra o au- toritarismo, havia passado a ser, no mundo contemporâ- neo, uma aliada a favor dele.9 Os valores da objetividade, a racionalidade, a neutralidade de valores e a intersubje- tividade, que foram os valores fundacionais da moderna visão científica do mundo, baseavam-se em boa medida na capacidade humana de isolar. De alguma maneira, as capacidades abstrativas e generalizadoras da ciência re- lacionavam-se estreitamente com o processo de isola- mento. Havia uma consciência latente na sociedade de que a ciência era o isolamento em sua melhor e mais exci- tante expressão. A ciência moderna era isolamento estru- turado. Na sua análise, Nandy toma de Freud a noção de isolamento, entendida como a separação da cognição a respeito do afeto como defesa de um ego, mecanismo psi- cológico que ajuda a mente humana a lidar com impulsos inaceitáveis ou alheios ao ego e com ameaças externas. Mediante essa noção, ela refere-se ao despertar da cons- 7. J. Ziman, “What is happening to science?”, in S. Cozzens et al. (orgs.). The re- search system in transition. Kluwer: Dordrecht, 990. 8. K. Popper, El desarrollo del conocimiento científico. Conjeturas y refutacio- nes. 2a ed. em espanhol. Buenos Aires: Paidós, 979. 9. A. Nandy, Traditions, tyranny, and utopias. Essays in the politics of aware- ness. Bombay, Calcutta, Madras: Delhi Oxford University Press, 987. ciencia miolo final 12 6/14/07 9:03:56 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 3 ciência crítica européia nos anos 20 do século passado, quando se começou a advertir sobre os perigos de fazer com que a cognição fosse menos perturbadora, saneada, sem afetos, ou a evitar a “não-coalescência entre a razão e o sentimento”. Nandy sugere que, quando o mundo das tradições não-críticas enfrentou o primeiro ataque da modernidade organizada,o princípio e a prática do isola- mento desempenharam um papel importante. A ciência moderna nessa etapa era uma possibilidade criativa, en- quanto o autoritarismo moderno era uma possibilidade patológica, da habilidade de isolar. Gradualmente, a ci- ência moderna, exageradamente isoladora, plenamente organizada, foi transformando-se em um correlato pa- tológico da morte das tradições e da erosão das culturas. Nandy argumenta que o principal problema civilizacio- nal tem a ver com o moderno conceito de racionalidade. Insiste que a ciência moderna construiu uma estrutura de quase total isolamento, em que os seres humanos — in- cluindo seu sofrimento e sua experiência moral — têm sido objetificados, para ser viviseccionados, manipula- dos ou corrigidos. Vemos, então, que, nas últimas décadas, a ciência tem desempenhado papéis ambíguos, com múltiplas facetas, cuja análise requer diversos enfoques, disciplinas, hori- zontes e perspectivas. Uma dessas perspectivas é a que oferece o presente li- vro. Um objetivo de Dagnino nesta obra é revisar a evolu- ção do pensamento sobre a política científica e tecnoló- gica, e, em particular, as relações que se estabelecem no seio das universidades, das instituições de pesquisa e de fomento e planejamento dentro do setor público, e delas ciencia miolo final 13 6/14/07 9:03:57 AM 4 ciência e tecnologia no brasil com a sociedade, antecipando futuros desdobramentos possíveis. Outra finalidade do livro, ou propósito funda- mental, é argumentar que, no Brasil e na América Lati- na, mais do que em outros contextos, os professores-pes- quisadores têm desempenhado um papel predominante no processo decisório daquilo que Dagnino denomina, com propriedade, Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa. Esse papel dominante, que tem engloba- do tanto a formulação quanto a implementação e a ava- liação das políticas relativas àquele complexo, tem tido conseqüências que, ao mesmo tempo, refletem e refor- çam aquele processo de isolamento da ciência em rela- ção à sociedade. O objeto da preocupação de Dagnino é a comunidade científica. Passaram-se várias décadas desde que a ati- vidade da comunidade científica começou a ser vista e auto-reconhecida por ela como profissão. Ele toma isso como um dado da realidade e argumenta sobre a exis- tência do que chama “comunidade científica ampliada”, conceito que abarcaria um conjunto que inclui “os pro- fissionais dedicados à docência e à pesquisa em univer- sidades públicas e aqueles que, havendo se iniciado ali na prática da pesquisa, e socializados em sua cultura ins- titucional, atuam em institutos públicos de pesquisa e em agências dedicados ao fomento e ao planejamento da Ciência e da Tecnologia”. Diferentemente dos países avançados, onde se observa uma participação significa- tiva do setor privado no esforço de p&d, e onde os técni- cos e burocratas estão em processo de diferenciação em virtude de terem assimilado uma capacitação, valores e interesses específicos, Dagnino destaca que, aqui, nem ciencia miolo final 14 6/14/07 9:03:58 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 5 o “Estado avaliador” nem os “empresários schumpete- rianos” são realmente visíveis como atores importan- tes da política científica e tecnológica. Ademais, apon- ta que o estrato tecnoburocrático dos países avançados não teria uma contraparte profissionalizada equivalen- te na América Latina. Enquanto nesses países, a comu- nidade científica tem perdido influência, na medida em que aumentou o poder gerencial sobre o meio científico, no Brasil e na América Latina, nem mesmo os funcioná- rios das agências de fomento teriam deixado de compar- tilhar (prefiro dizer que “aceitam” ou “não questionam”) o ethos científico, a ideologia científica. Nesse sentido, e por contraste com seus congêneres nos países avança- dos, não estaria havendo uma perda de poder por parte da comunidade de pesquisa na elaboração das políticas que orientam o Complexo Público de Educação Superior e de Pesquisa na região. Em relação ao papel da empresa, que é entendida como um dos eixos nas modernas relações da política científica e tecnológica, Dagnino nos diz que, contraria- mente ao que está sucedendo nos países avançados, a empresa local não parece estar interessada em assumir um papel mais ativo na elaboração dessa política. Seriam os cientistas “estrela”, aqueles às vezes apelidados “o alto clero das ciências duras” ou os “acadêmicos empreende- dores”, que buscariam assumir o papel da empresa, que permaneceria ausente na formulação das políticas. Se- riam esses cientistas que se auto-atribuiriam o direito de impulsionar, a partir da Universidade em que atuam e dos cargos que ocupam no aparato de Estado, uma campanha que supostamente atenderia aos interesses das empresas, ciencia miolo final 15 6/14/07 9:03:59 AM 6 ciência e tecnologia no brasil embora as bandeiras que eles levantem pareçam reivin- dicações que claramente convêm ao setor de pesquisa. Dada a profunda interpenetração dos três momentos — da formulação, da implementação e da avaliação — do processo de elaboração das políticas públicas, e como re- flexo do isolamento da atividade científica e de sua organi- zação, torna-se difícil precisar seus limites. E, mais do que isso, identificar “brechas” nas quais seria possível a par- ticipação de outros atores. Dessa forma, mais do que no caso de outras políticas públicas, a comunidade de pes- quisa, diz-nos o autor, tende a evitar que se abram essas “brechas”. Seria assim conformada uma situação de “não- tomada de decisões”, na qual só tendem a chegar à agenda decisória “assuntos seguros”, que expressam os distintos interesses das várias subcomunidades disciplinares, mas que não se constituem numa ameaça de desestabilização da correlação de forças do conjunto da comunidade de pesquisa diante de outros atores políticos, assegurando- se, assim, a continuidade da situação existente. Entre as muitas noções que retoma em seu estudo, o autor refere-se à de governança (do inglês governance). Nesse caso, também insiste que, diferentemente do que sucede nos países em que se tem desenvolvido essa no- ção para dar conta de problemas contemporâneos do mundo avançado, no nosso meio regional persiste uma governança tradicional, que atua por mandato político ou controle. Isso faz com que siga predominando o esque- ma simplista do “déficit de conhecimento científico” na sociedade, a ser sanado pelo esclarecimento que a popu- lação receberia de seus cientistas. É na persistência em nossa região desse esquema, já bastante criticado nos pa- ciencia miolo final 16 6/14/07 9:04:01 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 7 íses avançados, que Dagnino situa a dificuldade de avan- çar na direção das formas modernas de Debate Público ou de Coletivos Híbridos para a co-produção do conhe- cimento necessário à tomada de decisão acerca de ques- tões relativas ao campo científico e tecnológico. Formas por meio das quais, nos países avançados, busca-se al- cançar maneiras mais próximas da boa governança. O livro consta de cinco capítulos. Depois de um ca- pítulo introdutório, no qual se faz referência às direções de pesquisa que originaram o estudo e se explica a no- ção ampliada de comunidade de pesquisa, aborda-se, em cada um dos três capítulos que seguem, uma faceta re- lativa ao papel da comunidade de pesquisa no processo decisório. São revisados os enfoques sobre a participação da comunidade de pesquisa na política de c&t dos pa- íses avançados, resgatando as opiniões sobre a necessi- dade de usar novas aproximações capazes de dar conta dos aspectos políticos presentes nessas relações; aspec- tos que, na América Latina, estariam exacerbados. No se- gundo capítulo, o autor introduz o tema central do livro: o processo decisório no Complexo Público de Educação Superior e Pesquisa. O argumento desenvolve-se através de um exame detalhado e deuma discussão que retoma pontos de vista há muito tempo amadurecidos pelo au- tor sobre assuntos importantes e oportunos para o estudo social da ciência e da educação superior. No terceiro capítulo, Dagnino concentra-se em uma tentativa de adaptar ao contexto latino-americano o ins- trumental de análise de políticas desenvolvido por au- tores como Ham e Hill, e discorre sobre as resistências dos integrantes mais influentes da comunidade científi- ciencia miolo final 17 6/14/07 9:04:02 AM 8 ciência e tecnologia no brasil ca a utilizar seus procedimentos metodológicos qualitati- vos e baseados em conjuntos articulados de observações críticas sobre a realidade analisada, os quais são visuali- zados como potenciais ameaças ao status quo.0 Exami- na, também, a percepção de alguns analistas dos países avançados acerca da necessidade de utilizar novos enfo- ques que sejam capazes de dar conta das complexidades, particularmente políticas, atinentes às relações entre a comunidade de pesquisa e a política de ciência e tecno- logia. A reflexão apóia-se em um extenso projeto de pes- quisa levado a cabo pelo autor, no qual buscou aprofun- dar a compreensão das características das instituições públicas de conhecimento no âmbito internacional e na região. Finalmente, toma elementos da filosofia da ciên- cia e da tecnologia, também dos países avançados, acerca da influência dos valores não-cognitivos no desenvolvi- mento tecnológico e na orientação da pesquisa científica, para conformar uma interpretação da visão ideológica da comunidade de pesquisa, fundamentada, como esclare- ce, nas idéias de neutralidade da ciência e do determinis- mo tecnológico. Talvez se pudesse dizer com Nandy que esta é a ma- neira como se estrutura a cultura da ciência, controla- da por uma pequena elite de seus próprios membros, os quais tratam de assegurar o isolamento em relação às crí- ticas e aos controles e à competição com outros atores sociais externos a eles. A violência burocrática resultan- te é reforçada pela socialização total do indivíduo atra- 0. C. Ham e M. Hill, 993. The policy process in the modern capitalist state. Nova Iorque: Harvester Wheatsheaf, 2002. ciencia miolo final 18 6/14/07 9:04:03 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 9 vés da educação moderna e dos meios de comunicação de massa. Os cientistas aparecem em boa medida como aqueles que determinam o uso do conhecimento na so- ciedade, e têm logrado que o leigo considere que esse tipo de controle é apropriado. Crescentemente, os cien- tistas têm exercido seu poder com a aprovação, de fato em função de sua própria iniciativa, de uma parte impor- tante da sociedade. O papel dos especialistas no mundo moderno é um sintoma disso. O sofrimento infligido em nome da ciência é visto como um sacrifício necessário para o avanço da racionalidade humana e do progresso social. Enquanto as novas ciências da matéria e da vida aumentam em poder e alcance, sua melhor compreen- são complementa-se com o aumento de possíveis con- seqüências “não-previstas”. Esses novos “desconhecidos”, sempre vistos como subprodutos do progresso, podem converter-se em problemas sérios muito mais rapida- mente do que as instituições existentes possam capaci- tar-se para manejá-los. São necessárias novas formas de governança da ciência para a proteção da sociedade, do ambiente, e da própria ciência. É justamente em sua revisão da literatura européia que Dagnino vê reforçada sua insatisfação em relação aos marcos de referência e à necessidade de seguir inovan- do no campo das metodologias de análise empregadas. Ele refere-se, entre outras coisas, à discussão do “déficit de democracia” no contexto europeu e ao fato de que ele é visto como resultado da participação de atores políticos não diretamente associados aos interesses dos cidadãos (lobistas, burocratas, dirigentes não-eleitos e, também, especialistas), o que tem levado à necessidade de contar ciencia miolo final 19 6/14/07 9:04:04 AM 20 ciência e tecnologia no brasil com modos de governança que inibam a influência ex- cessiva desses atores na elaboração de políticas. Também toma em conta as reações dos especialistas e empresários e a atitude defensiva da ciência, que continua levantan- do seu estandarte da imparcialidade, da neutralidade e da legitimidade como árbitro supremo em questões de conhecimento para julgar conflitos entre os demais ato- res envolvidos com a política de ciência e tecnologia. E, principalmente, evitar, em sua trajetória, rupturas ou in- flexões que contrariem seus interesses. Neste livro, seu autor busca elaborar um marco de análise e uma agenda de trabalho para tratar o núcleo de uma cultura acadêmica regional que impede que a ciên- cia e a tecnologia se enraízem de maneira a permitir uma integração madura dessa cultura com seus contextos so- ciais nacionais, e das sociedades latino-americanas com a economia e a sociedade globais. O trabalho pretende continuar a tradição, iniciada na América Latina por au- tores como Sábato, Herrera, Varsavsky, Halty Carrere, Lo- pes, Roche, Sagasti e outros. O fato de que isso se faça hoje à luz das profundas mudanças que se verificaram no mundo nas últimas décadas, as quais têm afetado profun- damente os sistemas de educação superior, de pesquisa e . J. Sábato (org.), El pensamiento latinoamericano en la problemática ciencia, tecnología, desarrollo, dependencia. Buenos Aires: Paidós, 975; A. Herrera, Ciencia y política en América Latina. México: Siglo xxi, 97; O. Varsavsky, Ciencia, política y cientificismo. Buenos Aires: Ceal, 969; M. Halty Carrere, Technological development strategies for developing countries — A review for policy makers. Montreal: Institute for Research on Public Policy, 979; J. L. Lopes, Ciência e libertação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 978; M. Roche, Descubriendo a Prometeo. Caracas: Monte Ávila, 975; F. Sagasti, La política científica y tecnológica en América Latina — Un estudio del enfoque de sis- temas. México: El Colegio de México, 983. ciencia miolo final 20 6/14/07 9:04:05 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 2 gestão da ciência e da tecnologia, não só nos países avan- çados, mas em regiões como a nossa, é sumamente atra- tivo e gratificante. As implicações dessa reflexão e a proposta que faz o seu autor parecem-me ir mais além de defender o enfo- que da política científica ou dos Estudos de Ciência, Tec- nologia e Sociedade. Correndo o risco de ultrapassar o ponto onde o autor gostaria de se situar, creio que o que está no fundo e fica implícito no seu argumento é que, na medida em que nossa atual cultura material insustentá- vel é produto da revolução industrial e tecnológica em curso, a ciência, tal como se tem desenvolvido, é parte do problema. Que se necessita para que a ciência se conver- ta em parte integral da solução? Que novas instituições e atitudes deveriam ser criadas? Essa tarefa requer um es- forço coletivo de todos aqueles que têm a ver com a ciên- cia e seu futuro, e isso claramente não concerne só aos cientistas. Aplaudo esse exercício de resgate de um pensamento crítico sobre os estudos sociais da Ciência e da Tecnolo- gia, que convida ao debate substantivo e aporta uma vi- são atualizada da dinâmica da ciência na região latino- americana, iluminando uma área obscura das relações entre a comunidade científica e a política. ciencia miolo final 21 6/14/07 9:04:06 AM ciencia miolo final 22 6/14/07 9:04:06 AM 1 introdução ciencia miolo final 23 6/14/07 9:04:07 AM ciencia miolo final 24 6/14/07 9:04:07 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 25 Este trabalho se insere numa preocupação funda-cional dos Estudos sobre Ciência, Tecnologia e So-ciedade (de aqui em diante, Estudos cts), que tem a ver com a própria razão de ser da Política Científica e Tecnológica (pct): o entendimento dos obstáculos que se interpõemà plena utilização do conhecimento produ- zido em ambientes precipuamente dedicados à pesqui- sa e aqueles orientados à produção de bens e serviços. Mais especificamente, ele busca entender as relações que se estabelecem no interior das universidades, instituições de pesquisa e de fomento e planejamento, todas elas pú- blicas (o que aqui se denomina Complexo Público de En- sino Superior e de Pesquisa2 e que de aqui em diante será . Essa caracterização contém implicitamente uma demarcação do campo das chamadas ciências duras (em relação ao das “humanidades”) como aquele que, tal como ocorre nos Estudos cts, é o foco deste trabalho. 2. Em relação à utilização dessa expressão no âmbito deste trabalho, cabem dois esclarecimentos. O primeiro relativo ao uso do termo “complexo” e não “sistema”, que decorre da percepção de que as organizações que o formam não possuem laços sistêmicos suficientemente fortes. Com a diferença que se relaciona a um objeto mais amplo, que o contém, a mesma observação é feita por Oteiza (992) ao referir-se ao complexo de c&t dos países latino- americanos. Em relação ao “complexo de inovação” brasileiro, Meyer-Sta- mer (995) argumenta o mesmo, criticando Frischtak e Guimarães (993) e apoiado em Soskice (994). O segundo esclarecimento é relativo à exclusão ciencia miolo final 25 6/14/07 9:04:08 AM 26 ciência e tecnologia no brasil referido por cpesp), e destas com a sociedade. Essas rela- ções, embora não digam diretamente respeito a compo- nentes tradicionalmente considerados essenciais do pro- cesso inovativo – as estruturas de natureza tecnológica e de engenharia, e organizacional e econômica –, mas sim a dinâmicas culturais e sociais, são indispensáveis para explicar o desempenho socioeconômico alcançado neste processo pelas sociedades3. De modo a situar o trabalho no campo dos Estudos cts (ou de modo mais restritivo, no campo das análises sobre a pct), apresenta-se a seguir a trajetória de pesqui- sa que o originou, relacionando, ao conteúdo de suas se- ções, algumas das direções perseguidas. Posteriormente, e ainda com o objetivo de situar o leitor no tema trata- do, apresenta-se o conceito ampliado de comunidade de pesquisa utilizado neste trabalho, mediante o qual se busca fundamentar o seu argumento central. Ou seja, de que em nosso país (e, em geral, na América Latina) os das organizações privadas da análise que aqui se realiza. No que respeita às instituições de ensino e pesquisa, ela se justifica, por exemplo, pelo fato de que sua importância, quando avaliada pelo número de publicações, é inferior a 2% do total (a que mais se destaca é a pucrj, que é responsável por ,6% do total) (Leta et al., 2005). No que respeita às empresas, sua im- portância pode ser avaliada, por exemplo, pelo fato de que, enquanto o sis- tema brasileiro de pós-graduação formará este ano 40 mil mestres e douto- res, existem apenas 3 mil profissionais com esta titulação trabalhando em empresas (públicas e privadas) localizadas no País (o que significa que se esse total aumentar em 0% este ano, teremos uma demanda adicional de 300 profissionais enquanto o sistema estará formando 44 mil!). 3. A importância crescente que vem adquirindo a análise dessas relações nos estudos sobre a inovação (Silverstone & Haddon, 996) deve-se, segundo Boudourides (200), à impossibilidade de explicar as diferenças de desem- penho dos países da Europa em relação aos eua e ao Japão no que respeita, por um lado, aos indicadores científicos de produto e, por outro, às respec- tivas capacidades de transformar conhecimento em competitividade. ciencia miolo final 26 6/14/07 9:04:09 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 27 professores-pesquisadores com desempenho profissio- nal no âmbito do cpesp possuem um papel dominante na elaboração da pct. Sobre as direções de pesquisa que originaram o trabalho Este trabalho é resultado de pesquisas que temos de- senvolvido, centrados numa agenda cujas raízes, na Amé- rica Latina, remontam aos anos de 960, com os trabalhos dos integrantes do que ficou conhecido como o Pensa- mento Latino-americano sobre Ciência, Tecnologia e So- ciedade (Sabato, 975; Herrera, 97; Varsavsky, 969)4. Agenda que, em função da transformação que vêm so- frendo os cpesp dos países avançados5 nas duas últimas décadas, tem sido abordada mais recentemente, mas igualmente com propósito normativo, por enfoques que em nosso país identificamos com as expressões de “Modo x Modo 2” (ver, por exemplo, Gibbons e outros, 994) e Hélice Tripla e Segunda Revolução Acadêmica (ver, entre outros, Etzkowitz, 989)6. 4. Em Dagnino, Thomas e Davyt (996) se apresenta um panorama detalhado deste pensamento e da trajetória posterior dos estudos sobre a política de c&t na América Latina. 5. Usamos aqui a expressão “países avançados” como sinônimo de outras, como capitalistas avançados, industrializados, desenvolvidos, centrais, sen- do o antônimo preferido, por razões conhecidas, a expressão periférico (tal como adiante conceituado) ao invés de em desenvolvimento, emergente, de industrialização tardia ou recente, ou mesmo subdesenvolvido. 6. No âmbito da citada linha de pesquisa, elaboramos, em Dagnino (2003), uma interpretação acerca das implicações que vêm determinando essas vi- sões, em especial a da Hélice Tripla, no debate sobre a pct latino-americana. ciencia miolo final 27 6/14/07 9:04:10 AM 28 ciência e tecnologia no brasil A preocupação dos fundadores do Pensamento La- tino-americano sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (placts) esteve centrada nos obstáculos estruturais à uti- lização do conhecimento produzido em ambientes preci- puamente dedicados à pesquisa e naqueles orientados à produção de bens e serviços. Causados pela escassa de- manda, do modelo econômico-social vigente, por co- nhecimento localmente produzido, eles eram entendi- dos como inerentes à condição periférica7, dependente e mimética de nossa sociedade. Embora criticassem alguns “obstáculos institucionais”, que são os privilegiados neste trabalho, como o “modelo institucional ofertista linear”, cuja adoção dependera da percepção da comunidade de pesquisa latino-americana acerca da dinâmica do pro- cesso inovativo (Dagnino, 2002), pouca atenção foi dada à análise do seu comportamento, enquanto ator político, no processo de elaboração da pct. O matemático argenti- no Oscar Varsavsky destaca-se em relação a seus colegas pela contundente crítica que fez, ainda nos anos de 960, ao comportamento da comunidade de pesquisa, mos- trando sua associação, por um lado, à sua visão ideoló- gica sobre a c&t e, por outro, à condição periférica, como 7. Adotamos a expressão “situação periférica”, cunhada pela Teoria da Depen- dência, para fazer referência a um conjunto de determinações e mediações que caracterizam as relações entre países centrais e periféricos, e também pelas que se estabelecem no interior destes últimos, que tendem a determi- nar seu ambiente social, político, econômico e cultural. Ela implica, por um lado, uma relação de subordinação (o que não implica, necessariamente, de exploração) dos países periféricos aos países centrais. E, por outro, denota o fato de que o processo de acumulação capitalista à escala mundial depende cada vez menos, sobretudo a partir das últimas décadas do século xx, dos países que historicamente se têm situado (ou têm sido colocados) na peri- feria do sistema capitalista. ciencia miolo final 28 6/14/07 9:04:11 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 29 causas do “cientificismo” da agenda de pesquisa que con- formava8. Não obstante, talvez porque não estivesse dis- ponível um instrumental teórico apropriado para a aná- lise das políticas públicas latino-americanas, ou mesmo da pct dos países avançados, não progrediu na análise do comportamento da comunidade de pesquisa. De fato, tal- vez por serem os aspectos apontados por esse autor de- masiadamentedelicados e controversos, eles não se fir- maram como um tema de pesquisa dos Estudos cts e, muito menos, conseguiram entrar como um problema a ter sua solução encaminhada na agenda do processo de- cisório da pct latino-americana. Na realidade, os pesquisadores contemporâneos com visões mais próximas ao placts, embora sigam ressal- tando a necessidade de que os obstáculos estruturais se- jam levados em conta na explicação da relativamente es- cassa aderência da agenda de pesquisa praticada pela comunidade de pesquisa (e também em alguns casos do conteúdo da docência universitária) ao ambiente social e produtivo de nossas economias, tampouco têm aborda- do esses aspectos9. 8. Senker e outros (999: 52-53), baseados no chamado Novo Institucionalismo, oferecem uma observação que permite entender a dificuldade que esse tipo de situação apresenta para aqueles que querem alterá-la. Eles argumentam que, em situações de grande incerteza, os atores sociais tendem a procurar por modelos prontos, que lhes apontem o que devem fazer ou mesmo como imitar o que parece ser uma medida bem sucedida tomada por outros, em outros países, em uma situação tida como semelhante. Quando esse tipo de imitação acontece, tende a ocorrer a uma convergência entre os sistemas de valores dos tomadores de decisão, e a percepção dos problemas, as orienta- ções e as metas tornam-se cada vez mais similares às de outros países. 9. Sem pretender ser exaustivo, cabe citar alguns autores que constituem ex- ceções a essa regra, como Meyer-Stammer (995), Vessuri (2003), Albornoz (996 e 2005). ciencia miolo final 29 6/14/07 9:04:12 AM 30 ciência e tecnologia no brasil Já os autores que constituem a maioria dos pesquisa- dores latino-americanos0 que buscam entender a nossa realidade a partir do marco de referência formulado por seus colegas do norte, e talvez por causa disso, freqüente- mente tendem a enxergar em nossa realidade as mesmas tendências de transformação lá observadas. Sem questio- nar acerca de sua efetiva existência, o fato é que elas en- tram em sua reflexão como normativas (Dagnino e Tho- mas, 200) a serem observadas na elaboração da pct. E, a julgar pela ênfase que colocam nos mecanismos de po- lítica e nos arranjos institucionais orientados à vincula- ção universidade-empresa, sequer percebem os aspectos relacionados à visão ideológica e ao comportamento da comunidade de pesquisa enquanto ator político na ela- boração da pct. Não há nenhuma tentativa de tratamen- to sistemático desses aspectos através dos instrumentos disponibilizados pela Análise de Políticas por parte des- ses pesquisadores. Também nos países avançados o tratamento dos aspec- tos relacionados à visão ideológica e ao comportamento da comunidade de pesquisa na elaboração da pct é incipien- te. Na realidade, é ainda pequeno o número de trabalhos que, utilizando marcos analítico-conceituais que têm sido usados para a análise de outras políticas públicas, conhe- cidos como policy networks, governance, principal-agent theory, tratam o caso da pct. Os anais de um Congresso auspiciado pelo Instituto Dinamarquês para Estudos sobre 0. No trabalho já citado (Dagnino, 2003), em que criticamos os “argumentos da Hélice Tripla”, apresenta-se uma análise extensiva da obra desses auto- res, assim como da diferença existente entre a maneira como interpretam a realidade da c&t latino-americana e a dos seus colegas mais próximos à vi- são do placts. ciencia miolo final 30 6/14/07 9:04:13 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 3 a Pesquisa e a Política de Pesquisa, organizados por Karen Siune (Science Policy..., 200), são a principal exceção. Talvez seja devido às características desses marcos ana- lítico-conceituais que os aspectos relacionados ao com- portamento da comunidade de pesquisa na pct não têm sido abordados. Na verdade, um de nossos achados acer- ca do trabalho dos pesquisadores dos países avançados é sua insatisfação em relação à capacidade desses mar- cos analítico-conceituais para tratar questões relativas à pct. De fato, muitos dos autores que participaram daque- le Congresso consideram que essas questões se referem a um “nível micro de análise” e, por isso, terminam não re- cebendo tratamento adequado nas suas pesquisas. Nossa opinião é de que essas questões são, na realidade, adstri- tas a aspectos políticos do comportamento da comunida- de de pesquisa e, por tal razão, não podem ser percebidas pelos marcos analítico-conceituais que eles utilizam. A análise desses trabalhos – e também de outros sobre a democratização da ciência e a relação que se estabele- ce entre a comunidade de pesquisa e as pessoas comuns (Boudourides, 2003) – leva-nos a avaliar como um tanto ingênua e superficial a crítica que desenvolvem; pelo menos quando enfocada na perspectiva de um analista situado num país periférico, onde seus aspectos negati- vos aparecem ampliados. Em conseqüência, a idéia que aventamos é que essa crítica poderia, caso complemen- tada com o auxílio da Análise de Políticas, produzir dois interessantes resultados: diminuiria a insatisfação em re- lação aos instrumentos de análise empregados para tratar a pct e aumentaria a probabilidade de sucesso das políti- cas visando à democratização da ciência. ciencia miolo final 31 6/14/07 9:04:14 AM 32 ciência e tecnologia no brasil A pesquisa da qual este trabalho se origina é tributária das considerações, feitas acima, acerca das matrizes de in- terpretação da c&t latino-americana e dos marcos analíti- cos que vêm sendo utilizados (e criticados) pelos pesqui- sadores dos países avançados para a análise da pct. Seu objetivo é introduzir os aspectos relativos ao comporta- mento político da comunidade de pesquisa como elemen- tos explicativos do limitado sucesso que se tem alcançado para transferir os resultados da p&d realizada no cpesp lati- no-americano para a sociedade e, também, para a empresa privada. A partir do entendimento mais acurado que eles proporcionam e das interpretações que surgem, nos países avançados, buscando promover um novo contrato social entre comunidade de pesquisa, estado e empresa, preten- de-se indicar elementos de natureza política que permi- tam a concepção de um novo estilo de pct mais aderente à atual situação social e econômica e ao estilo de desenvolvi- mento que parece estar sendo gestado na sociedade. A linhagem deste trabalho pode, então, ser entendi- da como referida a quatro direções de pesquisa anterior- mente exploradas. Elas são citadas a seguir, em ordem de- crescente de importância para a elaboração do trabalho. A primeira, de caráter teórico-metodológico, orien- tou-se, por um lado, por uma tentativa de adaptar, ao contexto latino-americano, o instrumental da Análise de Políticas, ainda muito pouco utilizado em nossos am- . Por Análise de Políticas se entende, no âmbito deste trabalho, o instrumen- tal multidisciplinar “destilado” por Hogwood e Gunn (984) e, principal- mente, por Ham e Hill (993 e 2002) e Hill (993), a partir de um grande volu- me de contribuições de autores, especialmente das áreas de Ciência Política e de Administração Pública, com filiações ideológicas que vão desde o mar- xismo ao liberalismo. ciencia miolo final 32 6/14/07 9:04:16 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 33 bientes – acadêmico e de governo – para a abordagem das políticas públicas. E, por outro, pela tentativa de incorpo- rar, a esse contexto, a contribuição da teoria das organi- zações para o entendimento da universidade brasileira2. Seu resultado é apresentado em Dagnino e outros (2002), que é a principal fonte dos conceitos, modelos descritivos e normativos, e relações entre suas respectivas variáveis, fatos estilizados, interjogos e determinações entre esferas de policy e de politics etc. A utilização sistemática do instrumental da Análise de Políticas como guia metodológico para a análise da pct é, provavelmente,a principal novidade teórica que este tra- balho apresenta no cenário brasileiro3. Essa escolha, de- terminada pela percepção de que esse instrumental pos- sui um poder interpretativo maior do que os empregados nos países avançados para a abordagem da pct (pelo me- nos no que tange aos aspectos que este trabalho busca destacar) é fundamentada nos capítulos seguintes. A segunda direção de pesquisa, que observa a percep- ção de alguns pesquisadores dos países avançados acer- ca das relações entre a comunidade de pesquisa e a pct, tem por objetivo central avaliar sua opinião sobre a ne- cessidade de que sejam utilizados novos enfoques, capa- 2. O trabalho de revisão bibliográfica realizado sobre o tema por Hardy e Fa- chin (996), abarcando principalmente autores de vários países que utili- zam o enfoque da administração, bem como a importante contribuição que fazem com a tipologia produzida a partir de sua pesquisa empírica nas mais importantes universidades brasileiras, é aqui a referência central. 3. Em que pese o fato de que, desde o trabalho seminal de Schwartzman (979), vários pesquisadores brasileiros, como Balbachevsky (996, 997 e 2000) e Trigueiro (200, 2003), tenham analisado a relação entre a comuni- dade de pesquisa, a universidade e o Estado, ao que nos conste, não existe nenhum estudo que tenha utilizado o enfoque de Análise de Políticas com o viés adotado neste trabalho. ciencia miolo final 33 6/14/07 9:04:17 AM 34 ciência e tecnologia no brasil zes de dar conta da complexidade dos aspectos mais pro- priamente políticos envolvidos nessas relações. Essa direção de pesquisa é referida no segundo capítulo deste trabalho. Ele se refere à direção de pesquisa relativa às relações entre a comunidade de pesquisa latino-ame- ricana e a pct, ao apresentar evidências de que alguns as- pectos da realidade dos países avançados aparecem, aqui, exacerbados. E que, por isso, é necessário, mais do que lá, um enfoque como o de Análise de Políticas. Esse capítu- lo introduz a questão que atualmente pesquisamos e que está apresentada neste trabalho: o processo decisório no cpesp. Não deve surpreender o fato de que, apesar de não guardar relação direta com essa questão, ele ocupe cerca de metade do trabalho. Isso se deve ao rigor com que se buscou argumentar que a Análise de Políticas é adequada para a sua abordagem no contexto latino-americano, onde, é importante enfatizar, existem muito poucas pesquisas a ela dedicadas. E, ademais, que ela pode sanar muitas das deficiências apontadas pelos pesquisadores que, em nú- mero crescente, analisam a pct nos países avançados. Cuidado que se deve, também, à necessidade de justi- ficar o tratamento que o trabalho confere a aspectos que, apesar de conhecidos internamente pela comunidade de pesquisa, não têm sido expostos de modo sistemático e apoiado em um corpo analítico-conceitual reconhecido como cientificamente legítimo; muito menos a um pú- blico externo. Mostrar como esses aspectos têm sido tra- tados por pesquisadores dos países avançados e as difi- culdades que eles têm enfrentado por não utilizarem um instrumental adequado foi um dos modos de legitimar a direção de trabalho adotada. ciencia miolo final 34 6/14/07 9:04:18 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 35 São esses aspectos, referentes ao processo de elabo- ração da pct, os apresentados no capítulo 4 (em espe- cial nas suas seções 2 e 3), tendo como referência seus dois primeiros momentos, de formulação e implementa- ção. A seção 4, também associada a essa segunda direção de pesquisa, busca um enquadramento institucional do cpesp a partir da teoria das organizações. A terceira direção de pesquisa que conforma a linha- gem deste trabalho, e que foi a primeira a ser explorada, é dedicada ao melhor entendimento das características do cpesp latino-americano. Como assinalado, ela tem sido extensivamente, e desde há muito tempo, tratada por vá- rios pesquisadores latino-americanos e tem resultado, no âmbito particular do esforço que realizamos, em trabalhos como Dagnino, Thomas e Davyt (996); Dagnino e Davyt (996); Dagnino e Thomas (999); Dagnino e Velho (998) e Dagnino (982, 983, 2002 e 2003). Embora seja o funda- mento de muitos dos conteúdos expostos neste trabalho, essa terceira direção não é aqui tratada em separado. A quarta direção de pesquisa, mais recente e, como a atual, bastante polêmica, está dedicada a introduzir, na análise da pct latino-americana, elementos abordados pela Filosofia da Tecnologia e pela Filosofia da Ciência dos países avançados sobre a influência dos valores não-cog- nitivos no desenvolvimento tecnológico e na orientação da pesquisa científica4. Uma primeira tentativa de abordar as 4. O filósofo da tecnologia marxista Andrew Feenberg (2002) é a referência contemporânea para entender a idéia do determinismo tecnológico que in- corpora a visão ideológica da comunidade de pesquisa, juntamente com o filósofo da ciência Hugh Lacey (200) e seu colega brasileiro Marcos Oliveira (200), para a questão da neutralidade da ciência. ciencia miolo final 35 6/14/07 9:04:19 AM 36 ciência e tecnologia no brasil implicações desses elementos para a conformação da vi- são ideológica da comunidade de pesquisa, fundamenta- das nas idéias da neutralidade da ciência e do determinis- mo tecnológico, é apresentada em Dagnino (2003a). Os resultados dessa última direção de pesquisa não são usa- dos no presente trabalho, uma vez que seu foco não está na visão ideológica da comunidade de pesquisa e, sim, na forma como ela conduz o processo de elaboração da pct. Cabe ressaltar, entretanto, que é justamente essa visão ideológica, compartilhada de uma forma geral com as co- munidades de pesquisa dos países avançados, o que pare- ce determinar, em última instância, o seu comportamento na elaboração da pct. Além do que, essa visão ideológica, que em nosso meio não tem recebido qualquer questio- namento por parte da esquerda (como já ocorre em países avançados), é um dos elementos que autoriza a formula- ção de um conceito de comunidade de pesquisa tão com- preensivo como o utilizado neste trabalho. Como se irá mais adiante justificar, escolheu-se pautar este trabalho por uma abordagem francamente teórica; entendida esta como uma que não privilegia uma obser- vação empírica realizada de forma sistemática e quantifi- cável, e sim uma operação de comparação e contraste da realidade observada com marcos de referência analítico- conceituais (modelos, conceitos, relações, fatos estiliza- dos etc.) destilados de outras tentativas de explicar situa- ções semelhantes, realizadas por outros pesquisadores. Tal orientação encontra respaldo no trabalho de pesqui- sadores latino-americanos que, atuando em contextos periféricos onde existe informação secundária em quan- tidade e qualidade muito inferior à existente nos países ciencia miolo final 36 6/14/07 9:04:21 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 37 avançados e onde é muito mais difícil a obtenção de in- formação primária, fizeram opção análoga ao estabelecer suas estratégias de pesquisa. É por isso que, ao analisar a participação da comunidade de pesquisa na pct, este trabalho manterá um diálogo recorrente com autores que tratam temas semelhantes nos países avançados. Precisando o conceito ampliado de comunidade de pesquisa A análise que aqui se apresenta possui como foco privi- legiado, em consonância com o recomendado pelo instru- mental da Análise de Políticas, o seu ator central, a comu- nidade de pesquisa, aqui entendida como um conjunto que abrange os profissionais que se dedicam ao ensino e à pesquisa em universidades públicas e aqueles que, tendo sido ali iniciados na prática da pesquisa, e socializados na sua cultura institucional, atuam em institutos públicos de pesquisa e, também, em agências de dedicadas ao fomen- to e planejamento da c&t. Profissionais que, na AméricaLatina, ao contrário do que ocorre nos países avançados e em alguns países asiáticos onde é expressiva a participação do setor privado no esforço de p&d, constituem a imensa maioria dos que aqui desempenham estas atividades. O conceito de comunidade de pesquisa que emprega- mos para analisar a realidade específica encontrada em países como o nosso é bastante mais abarcante do que o usualmente empregado nos países avançados. Os trabalhos seminais de Robert Merton, que, em 942, “codifica” o pensamento dominante acerca da “concep- ciencia miolo final 37 6/14/07 9:04:22 AM 38 ciência e tecnologia no brasil ção ideal”5 de cientista, derivaram para uma visão acer- ca da ciência como um espaço social relativamente au- tônomo, livre das injunções externas de controle social exercidas pela política e pelas autoridades religiosas. Um espaço em que mecanismos institucionais internos de controle da qualidade permitiam que somente os “pares” pudessem julgar o trabalho científico. Um resultado des- se tipo de reflexão foi a formulação do conceito de “ethos acadêmico”, entendido como algo que estabelecia as nor- mas de comportamento profissional e conformava as mo- tivações e atitudes da comunidade de pesquisa. Collins (985), um dos críticos de Merton que adota- ram o enfoque da Sociologia da Ciência por ele criado, avança na elaboração do conceito de comunidade de pesquisa ao propor sua taxonomia de quatro tipos de pessoas que têm algum interesse numa controvérsia tec- nológica ou científica. Não apenas o “núcleo central” dos cientistas que disputam a aceitabilidade de suas teorias e o “resto da comunidade de pesquisa” estariam abarca- dos pelo conceito que ele propõe. Nele estariam também os profissionais cientificamente instruídos encarregados de comentar e difundir as interpretações em disputa e as suas implicações. Também estaria contemplado o grupo dos “financiadores e policy makers”, que participam das controvérsias à procura de projetos e idéias inovadoras que possam apoiar (e que também influenciam o “públi- 5. O emprego dessa expressão não é casual. Como é sabido, a concepção de Merton e sua lista de cinco normas não escritas que regeriam o comporta- mento da comunidade de pesquisa – comunalismo, universalidade, desin- teresse, originalidade e ceticismo – possuem uma declarada inspiração no conceito de “burocrata ideal” de Weber e no decálogo correspondente. ciencia miolo final 38 6/14/07 9:04:23 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 39 co em geral”, que observa os processos de “mitose” e “fe- chamento” que ele descreve). A função desse grupo – de apoiar tanto os ganhadores quanto, ainda que em menor medida, os perdedores, com recursos proporcionados pela empresa; e até mesmo os “cientistas patológicos” – é reconhecida por Collins como importante para explicar a dinâmica da produção de conhecimento. Num outro sentido, a expansão das atividades de pes- quisa no interior do aparelho do Estado moderno e o con- seqüente crescimento do número de pesquisadores que trabalham em instituições públicas de pesquisa, também eles foram incorporados “quantitativamente”, sem con- testação, ao conceito de comunidade de pesquisa. É im- portante registrar, avançando um pouco mais na nossa argumentação, que sua incorporação “qualitativa” tam- bém tem ocorrido. Numa perspectiva não apenas cognitiva, mas que toca a questão do compartilhamento do ethos científico por esse tipo de pesquisadores (e também pelos grupos dos burocratas e dos policy makers indicados por Collins), um conceito importante é o de “colégio invisível”. Cunha- do por Crane (972), ele designa uma comunidade infor- mal de cientistas que trabalham em um mesmo tema e que intercambiam informação. O “colégio invisível” atua- ria não apenas como uma rede de comunicação e inter- câmbio, mas como um fórum de educação e socialização dos novos cientistas que se iniciam, ainda como estudan- tes, nas atividades de pesquisa levadas a cabo nos labo- ratórios universitários. Como é fácil perceber, o conceito pode ser usado para apoiar o argumento de que os pro- fissionais que atuam em institutos públicos de pesqui- ciencia miolo final 39 6/14/07 9:04:24 AM 40 ciência e tecnologia no brasil sa e em agências de fomento e planejamento de c&t de- vam ser considerados como pertencentes à comunidade de pesquisa. De fato, dado que, quando estudantes, eles pertenceram ao “colégio invisível” em que a atividade de seus professores operou sua socialização como pesqui- sadores, parece razoável supor que, ainda que em graus diferenciados e proporcionais ao envolvimento que ti- veram com esse “colégio invisível”, aqueles profissionais tenderão a atuar segundo os padrões vigentes no seu âm- bito. Ganharia força, então, a incorporação “qualitativa” desses profissionais à comunidade de pesquisa. A incorporação dos profissionais que atuam em agên- cias de fomento e planejamento à comunidade de pes- quisa não é aventada por autores que analisam o processo decisório da c&t nos países avançados. Ao analisar o pa- pel da comunidade de pesquisa, que freqüentemente e de forma indistinta é referida por esses autores pela expres- são comunidade científica, autores como Tsipouri (200) a definem como o conjunto dos professores-pesquisado- res que realizam atividades de pesquisa nas instituições de ensino superior e nos institutos de pesquisa. Não obs- tante, eles reconhecem a existência, no âmbito dos “bu- rocratas”, de uma cultura institucional muito influencia- da pelo ethos “irradiado” pelos ambientes da pesquisa e do ensino superior. Mas, em contrapartida, consideram que estaria em curso um “processo de diferenciação” des- se ator em virtude do mesmo ter assumido capacitações, valores e interesses específicos; o que é muitas vezes en- tendido como um motivo de tensão entre ele e os demais atores que se situam naqueles ambientes. Seria possível concluir, tendo como base as considerações de Tsipouri ciencia miolo final 40 6/14/07 9:04:25 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 4 (200), que a ampliação do conceito que julgamos conve- niente não se justificaria no âmbito do processo de elabo- ração da pct dos países avançados. São bem conhecidas as razões que têm levado a que, em muitas áreas de nosso aparelho de Estado, não seja atualmente possível contar um corpo de funcionários de- dicados ao que nos países centrais se consideram ativida- des de elaboração das políticas públicas comparável ao que lá se designa pela expressão clássica, de inspiração weberiana, de burocracia. Embora o processo recente de enxugamento do Estado latino-americano tenha propo- sitadamente reduzido sua capacidade de formulação, im- plementação e avaliação das políticas públicas (Oszlak, 997), até o ponto de, em algumas áreas relacionadas à in- fraestrutura, este fato ser considerado como uma ameaça ao crescimento econômico dos países da região (Evans, 2003), a deterioração da capacidade burocrática é um fe- nômeno que, no caso brasileiro, já se inicia no imediato pós-guerra. Para não falar na dificuldade, inerente à nos- sa condição periférica, de constituir uma burocracia com os atributos de competência técnica proporcionados por um processo de recrutamento idôneo, uma remuneração adequada e uma promoção baseada em capacitação con- tínua e num sistema de prêmios e castigos claro e rigoro- samente aplicado, que caracterizam os países avançados (Bresser Pereira, 996)6. 6. Essas duas dinâmicas, apesar de terem características, motivações e pra- zos de maturação distintos, apresentam um resultado que pode ser avalia- do pela internacionalmente anômala proporção dos “cargos de livre provi- mento” – cerca de vinte mil no âmbito do governo federal – que apresenta o aparelho estatal brasileiro. ciencia miolo final 41 6/14/07 9:04:26 AM 42 ciência e tecnologia no brasil No caso da pct, essa situação é exacerbada por no mí- nimo três razões:sua recente implantação, a relativamen- te maior capacitação exigida dos funcionários que atuam no âmbito dessa política e que, com salários iguais aos de outras áreas, têm que assumir posições ocupadas pelo que Weber denominava “profissionais”, e o maior poder que possui a sua clientela quando comparada com a de outras políticas públicas. O fato de essa clientela consti- tuir o núcleo do “colégio invisível” a que se fez referência, associado à prática comum de pesquisadores renomados que a integram ocuparem posições de comando das insti- tuições formalmente responsáveis pela elaboração da pct, condiciona de forma importante os padrões de comporta- mento dos burocratas da c&t latino-americana. Esses argumentos parecem ser suficientes para justifi- car o emprego da categoria de análise cpesp e o concei- to ampliado de comunidade de pesquisa que a ele cor- responde. Falta apenas enfatizar nossa visão de que essa ampliação não é o que poderia ser interpretado como um procedimento de “inclusão” de um ator diferenciado numa categoria menos abrangente previamente existen- te. E que ela se deve à constatação de que, em nosso país, ao contrário do que ocorre nos países avançados, o pro- cesso de desenvolvimento da área conformada pelas re- lações sociais, econômicas e políticas que dizem respeito mais diretamente às atividades de c&t (que temos referi- do como a área abarcada pela política da c&t ou simples- mente área de c&t) e o momento em que esse processo se encontra tornam necessária essa ampliação. Ela não se deve, portanto, à inclusão de um ator di- ferenciado, mas ao reconhecimento de que não está em ciencia miolo final 42 6/14/07 9:04:27 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 43 curso no Brasil ou na região latino-americana um “pro- cesso de diferenciação” semelhante ao apontado por Tsi- pouri (200) no caso dos países avançados. Assim, ao contrário do que se poderia pensar, não é um procedimento de “inclusão” do ator burocrata que confere ao cpesp as características que aqui se apontam e que explica o comportamento da comunidade de pesqui- sa. Sua exclusão de um todo que, para o tipo de análise que se realiza, é não apenas homogêneo, mas sistêmico, esta sim é que tornaria enviesado e inadequado o trata- mento da elaboração da pct latino-americana. Dado que essa consideração indica uma tendência oposta à que observam vários autores – senão clássicos, bem conhecidos dos pesquisadores de temas relaciona- dos à pesquisa universitária, avaliação etc. –, é necessário um comentário. De fato, desde Burton Clark (983), vários autores têm oferecido elementos para que mais recentemente se pu- desse vir a identificar, no âmbito dos países avançados, uma tendência de enfraquecimento do papel da comuni- dade de pesquisa na elaboração da política universitária. Essa tendência estaria marcada por uma dinâmica com- binada de crescente influência do Estado (e da burocra- cia), por um lado, e do mercado, por outro, na política de ensino superior e da pesquisa universitária. Um desses elementos é, justamente, o proporcionado por Clark (983). Com seu famoso triângulo de governan- ça, que possui nos seus vértices o Estado, a oligarquia aca- dêmica e o mercado (que representam as três forças que dominam a coordenação dos sistemas de educação su- perior), ele realizou estudos (inclusive de natureza com- ciencia miolo final 43 6/14/07 9:04:29 AM 44 ciência e tecnologia no brasil parativa internacional) que estabeleceram um padrão de análise do tema. Seu interessante trabalho mostra como a combinação dessas três forças produz vetores que, em cada situação espaço-temporal concreta, tendem a materializar formas de governança que apresentam algum grau de estabili- dade. E, também, como a coalizão entre os atores sociais que em cada situação manifestam seus interesses e valo- res pode dar origem a formas de governança que favore- çam a orientação da universidade para objetivos que hi- pertrofiem algumas de suas características. Nessa mesma perspectiva se encontra Joseph C. Burke (2005), que utiliza o triângulo de governança de Clark (983) segundo uma perspectiva mais aguda, revelando o que ele denomina de dark side dos propósitos que esta- riam associados às prioridades do Estado, aos interesses acadêmicos, e às forças de mercado, para criar um triân- gulo de accountability. Na mesma linha de preocupação, mas percebendo a existência de uma coalizão que tem promovido uma cres- cente interferência do Estado, no sentido de atrelar as pes- quisas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e da competitividade industrial de interesse das empresas, Guy Neave (Neave e Vught, 994) adota uma posição bem mais marcada, no sentido de destacar o que poderia ser in- terpretado como um crescimento do poder do vértice no Estado no triângulo de governança de Clark. Para ele, es- taria em curso uma transição de uma forma de regulação burocrática e fortemente centralizada da política universi- tária para uma forma híbrida que conjugaria o controle do Estado com estratégias de autonomia e auto-regulação das ciencia miolo final 44 6/14/07 9:04:29 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 45 instituições de ensino. Tal transição seria semelhante à veri- ficada em outras políticas públicas, onde o “Estado avalia- dor” (expressão cunhada por Guy Neave) passa a adotar uma postura genérica de desregulação e autonomia institu- cional, combinada com medidas de regulação que tendem a condicionar a ação das instituições de ensino superior. Marcaria o atual cenário um alinhamento da univer- sidade à guinada determinada pelo Reforma Gerencial que se iniciou nos anos de 970 nos países avançados e um abandono da universidade generosamente financia- da pelo Estado do Bem-Estar. A universidade que a esta- ria substituindo se caracterizaria pelo condicionamento do financiamento à avaliação de desempenho (“Estado Avaliador”) e pela contração para a realização de serviços que vão desde a formação de pessoal qualificado até o de- senvolvimento de tecnologia para atender as demandas da burocracia e das empresas (“Estado-Cliente”). Mais preocupados com outro elemento do atual cená- rio, isto é, com o pólo controlado pela empresa daquela dinâmica combinada que estaria levando ao enfraqueci- mento do papel da comunidade de pesquisa na elabora- ção da política universitária dos países avançados, estão autores como Philip Altbach (Altbach et al., 2004) e Frank Newman (Newman et al., 2004). Profusamente embasa- dos em sólidos argumentos, eles têm apontado a invasão das universidades por conceitos e atitudes importadas do gerencialismo que, em nome da eficiência e da prestação de contas, passam a dominar as políticas universitárias. É longa a lista dos pesquisadores que vêm analisan- do essa tendência, e seria contraproducente seguir, aqui, revisando a sua obra. E isso por dois motivos. O primeiro ciencia miolo final 45 6/14/07 9:04:30 AM 46 ciência e tecnologia no brasil se relaciona ao fato de que os argumentos desenvolvidos neste trabalho tendem, de certa forma, a negar, tanto a perda de importância da comunidade de pesquisa na ela- boração da política que orienta o cpesp e, em geral, a pct, ou o crescimento do papel desempenhado pela empresa, quanto, com mais razão, o aumento da participação da burocracia ligada ao fomento e ao planejamento da c&t (uma vez que ela é entendida como participando da co- munidade de pesquisa). O segundo motivo diz respeito ao fato de que, contrariamente aos autores que aborda- mos no próximo capítulo e que são uma exceção dentre os pesquisadores que tratam temas relacionados à uni- versidade, eles não estão focados no processo decisório que origina a política universitária e a pct. Nesse sentido, parece conveniente, para encerrar este capítulo, fazer uma breve retrospectiva, que permita fun- damentar o argumento de que, ao contrário do que esta- ria ocorrendonos países avançados, a empresa local não parece estar interessada em assumir um papel mais ativo na elaboração daquela política. Se bem é certo que a abertura econômica, e a inser- ção competitiva do país no mercado internacional que ela pretendia, atribuiu ao Estado e suas instituições (en- tre elas as universidades públicas) a função de promover um ambiente favorável ou espaços adequados – para que os atores que supostamente participariam do processo de inovação que ela demandava (pesquisadores universitá- rios e empresários inovadores ou de base tecnológica) in- teragissem –, isso não ocorreu. O que não implicou que as demandas por conhecimen- to científico e tecnológico decorrentes da satisfação dos ciencia miolo final 46 6/14/07 9:04:31 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 47 interesses sociais e da consecução os objetivos nacionais, cuja satisfação caberia ao Estado promover, não tenham sido abandonadas. O que, sim, se observa é que a promes- sa feita por aquela racionalização, de que, após o período de destruição criadora, as empresas sobreviventes induzi- riam um círculo virtuoso de competitividade e desenvolvi- mento econômico e social, ainda se está por cumprir. Ocuparam o lugar daquelas demandas, como vetor da pct, os interesses vocalizados (embora muitas vezes de modo pouco coerente e convincente) por um ator que, via mimetismo e no âmbito de um processo de “transdução” mais abrangente (Dagnino e Thomas, 200), vem tentan- do assumir o papel de um outro – a empresa – que perma- nece ausente no cenário da c&t periférica. Trata-se dos participantes da comunidade de pesquisa que têm sido apelidados de “alto clero das ciências duras” ou de “aca- dêmicos empreendedores”, habilitados a interagir com as denominadas “empresas inovadoras” nacionais (que so- breviveram à desindustrialização e à desnacionalização que a abertura comercial provocou), com as “empresas de alta tecnologia” e, cada vez mais, com as multinacio- nais. Esses participantes da comunidade de pesquisa im- pulsionam, a partir das universidades onde atuam e dos cargos que ocupam no aparelho de Estado, uma campa- nha que, aparentemente, atenderia ao interesse das em- presas. Ela se dá em torno das bandeiras, da interação universidade–empresa, dos parques e pólos tecnológicos, do apoio aos projetos cooperativos, dos spin off de base tecnológica, dos mecanismos para facilitar a absorção de pessoal pós-graduado pelas empresas etc., como se elas fossem do interesse das empresas locais. ciencia miolo final 47 6/14/07 9:04:32 AM 48 ciência e tecnologia no brasil O que efetivamente se observa, no entanto, é que, a julgar pela declaração dos próprios empresários e pelos dados coletados pelas instituições governamentais, isso não é assim. Isto é, as bandeiras levantadas por aquele se- tor da comunidade de pesquisa não parecem ser do inte- resse das empresas, devendo mais bem ser interpretadas como reivindicações que convêm a este setor. De fato, das empresas locais inovadoras – que por defi- nição são as que realizaram alguma inovação de produto ou processo nos últimos três anos, e que em 2003 corres- pondiam a 33% das 84 mil empresas com 0 ou mais pes- soas ocupadas –, 80% atribuiu importância alta ou média para a atividade de aquisição de máquinas e equipamentos e somente 20% para as atividades internas de p&d (ibge, 2004). Quando olhadas da perspectiva do gasto realizado, essas duas atividades corresponderam, respectivamente, a 52% e 6%. Ambos os conjuntos de informação mostram o mesmo: as empresas locais não consideram importante a realização de p&d, que é a atividade em que a universida- de poderia incidir, via fornecimento de recursos humanos qualificados ou resultados de pesquisa. Uma outra pesqui- sa mostrou que apenas 3% das empresas apontaram a ab- sorção de pesquisadores como um fator importante de sua estratégia de inovação, e que as universidades e os institu- tos de pesquisa públicos ou privados são considerados em 0.º e .º (penúltimo) lugar entre as fontes de conhecimen- to que as empresas utilizam. E, ainda, que entre as empre- sas inovadoras paulistas somente ,5% consideram impor- tante a relação com universidades e institutos de pesquisa. Focando a questão sob a ótica da absorção de pessoal pós-graduado, evidencia-se um panorama igualmente ciencia miolo final 48 6/14/07 9:04:34 AM o processo decisório e a comunidade de pesquisa 49 preocupante, revelando um enorme desajuste entre a oferta e a capacidade de absorção da empresa local. O ca- minho escolhido há 40 anos atrás pela comunidade de pesquisa brasileira para alterar a situação da c&t brasilei- ra – promover a pós-graduação – vem apresentando um resultado significativo: o País é hoje capaz de formar um “fluxo” de 30 mil mestres e 0 mil doutores por ano. No entanto, depois de 40 anos de políticas públicas centra- das na cooperação universidade–empresa, as empresas públicas e privadas inovadoras (que correspondem a 33% das 84 mil empresas com 0 ou mais pessoas ocupadas) empregam, em atividades de p&d, um “estoque” de me- nos de 3 mil pós-graduados. E isso que, em países avan- çados como os eua, cerca de 70% dos pós-graduados em ciências duras formados ano a ano nas universidades vão envolver-se com p&d empresarial. E não poderia ser de outro modo, uma vez que, en- quanto nos eua 20% da atividade industrial se dá em seg- mentos baseados em alta tecnologia (gasto de p&d supe- rior a 4% das vendas), no Brasil esta porcentagem é de 0%, ao passo que 84% se dá em segmentos de baixa tecnolo- gia (gastos de p&d inferior a % do faturamento). E que, apesar disso, a política do cpesp costuma orientar o perfil de ensino e de pesquisa de suas instituições segundo um modelo bastante próximo ao dos países avançados. No bojo dessa transformação – e ao lado desse ator que aparece no processo de tomada de decisão buscando se erigir como demiurgo da inovação, da competitivida- de, do empreendedorismo –, o grosso da comunidade de pesquisa tende a acentuar seu caráter corporativo. Passa a defender, com ardor renovado, a ciência básica, levan- ciencia miolo final 49 6/14/07 9:04:35 AM 50 ciência e tecnologia no brasil ta a bandeira da qualidade disciplinar e, com saudade do passado, advoga a manutenção e até o fortalecimento do Modelo Ofertista Linear, para confrontar os que, dizendo- se pragmáticos, querem a privatização branca da univer- sidade. Nos institutos públicos de pesquisa subjugados pela pressão do autofinanciamento, e nos órgãos de fo- mento e planejamento enfrentados a uma diminuição do seu poder burocrático e dos recursos disponíveis (ou sub- metidos à concorrência interburocrática desatada pela Reforma do Estado), impõe-se como tábua de salvação o modelo gerencialista. Privatização, alienação de ativos adquiridos com recursos públicos para salvar as corpo- rações ou para beneficiar interesses a elas externos, nos primeiros, e processos de avaliação e controle, fomento à publicização etc., no âmbito dos segundos, entram na ordem do dia. Em suma, ainda que se possa aceitar a proposição de que a política do cpesp possa estar se reorientando numa direção semelhante àquela visualizada pelos pesquisado- res há pouco comentados, isso não se daria em função de uma maior influência dos atores que, nos países centrais, possuem um interesse nessa reorientação. Nem o Estado avaliador, nem os empresários schumpeterianos apare- cem como atores importantes no cenário da pct. O que, sim, se observa é que setores da comunidade de pesqui- sa, talvez impregnados dos valores e interesses que esses atores possuem nos países avançados, passam a defendê- los no processo de elaboração da pct. ciencia miolo final 50 6/14/07 9:04:36 AM 2 as análises sobre a participação da comunidade de pesquisa na política de c&t dos países avançados ciencia miolo final 51 6/14/07 9:04:36 AM ciencia miolo final 52 6/14/07
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