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0 1 Disciplina: Fundamentos Teóricos e Metodológicos da História Autores: D.ra Adriane de Quadros Sobanski Revisão de Conteúdos: D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd Designer Instrucional: Esp. Raphael Pereira Nunes de Souza Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2021 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Adriane de Quadros Sobanski Fundamentos Teóricos e Metodológicos da História 1ª Edição 2021 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Rosi Terezinha Ferrarine Gevaerd Designer Instrucional Raphael Pereira Nunes de Souza Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério Desenvolvimento da Capa Carolyne Eliz de Lima FICHA CATALOGRÁFICA SOBANSKI, Adriane de Quadros. Fundamentos Teóricos e Metodológicos da História / Adriane de Quadros Sobanski. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2021. 88 p. ISBN: 978-65-5944-051-1 1.História. 2. Metodologia. 3. Ensino. Material didático da disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos da História – Faculdade UNINA, 2021. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – A história do ensino de História ...................................................... 09 Apresentação da Aula 1 ............................................................................. 09 1.1 – A influência europeia ................................................................... 10 1.2 – E agora, o que ensinar? ............................................................... 12 Conclusão da Aula 1 ................................................................................... 16 Aula 2 – A disciplina escolar: formação de professores e ensino de História 17 Apresentação da Aula 2 .............................................................................. 17 2.1 – O ensino de História no Brasil ...................................................... 17 2.1.1 – Mas a sombra dos Estudos Sociais já se anunciava ................. 22 2.2 – Cursos superiores no Brasil ......................................................... 22 2.3 – A Licenciatura e a formação de professores ................................ 25 2.3.1 – Os primeiros cursos superiores de História ............................... 27 Conclusão da Aula 2 ................................................................................... 28 Aula 3 – As teorias da História e o Ensino Positivista ................................... 29 Apresentação da Aula 3 .............................................................................. 29 3.1 – A História Tradicional, Positivista ou Metódica ............................. 29 3.2 – O Positivismo e o ensino de História ............................................ 32 3.3 – Um método tradicional ................................................................. 35 Conclusão da Aula 3 ................................................................................... 37 Aula 4 – Novas teorias, novas metodologias ............................................... 38 Apresentação da Aula 4 .............................................................................. 38 4.1 – O Marxismo e a História ............................................................... 38 4.1.1 – A metodologia marxista no ensino de História .......................... 41 4.2 – Novos olhares sobre a História: a Escola dos Annales ................ 42 4.2.1 – Uma nova metodologia em sala de aula ................................... 44 Conclusão da Aula 4 ................................................................................... 46 Aula 5 – Conteúdos históricos na sala de aula ............................................. 47 Apresentação da Aula 5 .............................................................................. 47 5.1 – O currículo escolar ....................................................................... 47 5.2 – Transposição didática ou não? .................................................... 48 5.3 – A História como disciplina escolar ................................................ 50 5.3.1 – A História na escola de nível secundário ................................... 52 5.4 – A História nos currículos escolares do século XX ........................ 53 6 5.5 – A História se reinventa! ................................................................ 55 Conclusão da Aula 5 ................................................................................... 57 Aula 6 – Que ensino de História teremos no século XXI? ............................ 58 Apresentação da Aula 6 .............................................................................. 58 6.1 – A redemocratização e o ensino de História .................................. 58 6.1.1 – A transposição política .............................................................. 59 6.2 – Um novo ensino de História? ....................................................... 60 6.3 – A Legislação e o ensino de História ............................................. 62 6.3.1 – Novos desafios: História da África e cultura afro-brasileira e indígena ...................................................................................................... 63 6.4 – A Base Nacional Comum Curricular e o ensino de História .......... 65 Conclusão da Aula 6 ................................................................................... 66 Aula 7 – Professores pesquisadores e a produção do conhecimento .......... 67 Apresentação da Aula 7 .............................................................................. 67 7.1 – Professores pesquisadores, sim! .................................................67 7.2 – A importância da pesquisa para a produção do conhecimento ... 69 7.2.1 – Onde e como pesquisar? .......................................................... 70 7.3 – As fontes históricas ...................................................................... 74 Conclusão da Aula 7 ................................................................................... 75 Aula 8 – Linguagens e metodologias no ensino e aprendizagem histórica... 76 Apresentação da Aula 8 .............................................................................. 76 8.1 – Definindo as fontes históricas ...................................................... 76 8.2 – O trabalho com as fontes históricas nas séries iniciais ................. 78 8.2.1 – As novas linguagens no ensino de História ............................... 80 Conclusão da Aula 8 ................................................................................... 83 Índice Remissivo ......................................................................................... 84 Referências ................................................................................................. 86 7 Prefácio O poeta brasileiro Ferreira Gullar, em um de seus poemas, afirmou que é preciso prestar atenção na História, nessa “matéria humilde e humilhada”. Ao fazer essa afirmação, o poeta se referia à forma como essa disciplina vem sendo encarada desde sua introdução nos currículos escolares até a atualidade. Em diferentes momentos da história do Brasil, o ensino de História foi incluído, servindo a determinados interesses. Em outros, sua exclusão também aconteceu porque não representava os interesses políticos daquele contexto. Para compreender o conceito de História e seu papel enquanto disciplina escolar, é fundamental conhecer sua origem e as formas pelas quais foi entendida e estudada ao longo do tempo. Desde a Antiguidade, a História percorreu um longo caminho até ser incluída nos currículos escolares. Heródoto e Tucídides, na Grécia antiga, acerca de 5 mil anos, procuravam dar voz aos grandes personagens das guerras e aos acontecimentos que consideravam mais importantes. Os historiadores romanos seguiam o mesmo caminho, buscando descrever, em detalhes, os aspectos psicológicos dos sujeitos das suas narrativas. Para esses historiadores da Antiguidade, essa narrativa não tinha uma função explicativa, mas somente a tentativa de relatar as coisas como acreditavam que tinham acontecido. Na Idade Média, com a supremacia do Cristianismo na sociedade europeia, a vida dos santos e anjos, assim como a dos cavaleiros, ganhou espaço nessas narrativas históricas. No entanto, a partir do século XIV, com o surgimento e desenvolvimento do Renascimento e a valorização do individualismo, a História passou a ser responsável pelo surgimento das biografias. Foi assim que essas biografias dos heróis medievais foram sendo substituídas a partir do século XVIII pela história de outros sujeitos considerados como importantes para a sociedade. A partir do século XIX, as biografias passaram a ter grande importância para a construção da ideia de nação. Ao imortalizar sujeitos considerados responsáveis pela consolidação do país príncipes, reis, generais eram destacados como “heróis”. A principal função da biografia era exaltar as glórias nacionais, no cenário de uma história que embelezava o acontecimento, o fato. 8 É nesse contexto que a História, enquanto disciplina, passa a fazer parte do currículo escolar brasileiro. Diante da necessidade de fortalecer a identidade nacional, a disciplina de História tinha o objetivo de divulgar os nomes e os feitos dos “grandes brasileiros”. A narrativa histórica seguia uma linha cronológica e linear rumo à ideia de progresso. Percebe-se, desse modo, que a compreensão sobre a História, seu conceito e ensino sempre estiveram relacionados com os interesses políticos de cada tempo histórico. No Brasil, no entanto, em diferentes momentos a presença da História nos currículos escolares tem sido ameaçada, como na época da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), quando dividiu espaço com a Geografia a partir da criação da disciplina de Estudos Sociais. Atualmente a História tem seu lugar na Educação Básica questionado não só no Brasil, sobretudo em outros países, num processo que procura questionar a necessidade de se estudar os feitos humanos no decorrer do tempo. A partir dessa breve contextualização teremos condições de entender como a História foi inserida no contexto escolar, refletir sobre as diferentes possibilidades de ensino e dialogar com as metodologias para podermos produzir aulas que permitam atribuição de sentido para os estudantes das mais diferentes idades. 9 Aula 1 – A história do ensino de História Apresentação da aula No final do século XIX, com a estruturação das escolas e o surgimento das disciplinas escolares, a História também ganhou espaço. Naquele século, na Europa, o conhecimento das mais diversas áreas passava por um processo de cientificização, ou seja, os conhecimentos passaram a ser entendidos e estudados como científicos. Para isso, todas as áreas do conhecimento, como a Medicina, a Sociologia, a Psicologia, a Geografia, a História, entre outros, passaram a usar métodos e técnicas próprias de investigação. Enquanto ciência, a História passou a incorporar não apenas métodos e técnicas de investigação, como metodologias de ensino. Na Europa, onde o conhecimento histórico primeiro recebeu esse olhar científico, discutiam-se as formações das nações, sobretudo da França e da Alemanha. Nesses países se discutia a forma de olhar e lidar com o passado, com os arquivos e as fontes históricas, assim como deveria ser o trabalho dos historiadores. A História da humanidade tinha como ponto de partida a Europa, local do início da civilização e importante centro cultural do mundo, numa clara visão eurocêntrica! Os conteúdos escolares seguiam essa preocupação de valorizar as nações e os “grandes personagens” da História europeia. Mas o que ensinar em História? É importante perceber que ao entrar no mundo científico a História, enquanto disciplina escolar, também acompanhará aquele contexto político. Assim, a seleção dos conteúdos a serem estudados nas aulas de História terá forte relação com o próprio momento histórico. Vocabulário Eurocentrismo: visão de mundo que coloca a Europa como o centro da cultura mundial e, portanto, região fundamental da sociedade moderna. 10 No Brasil, muitas mudanças também foram vistas ao longo do século XIX: da proclamação da independência e do governo imperial, o país chega, em 1889, ao regime republicano. É nesse contexto de mudanças que as ideias chegadas da Europa vêm se alojar no Brasil. Assim como na Europa, a História era utilizada para auxiliar no fortalecimento dos laços com a identidade nacional e os primeiros passos da História como disciplina escolar seguirão o modelo francês. O ensino de História, portanto, inicia seu caminho tendo em vista a necessidade de celebrar os grandes personagens e a eles atribuir a condição dos “heróis”, responsáveis pelos grandes feitos e acontecimentos. Veremos agora, com maiores detalhes, todo esse processo de construção da História enquanto disciplina escolar. 1.1 A influência europeia É no contexto do século XIX que várias ciências passaram a ser sistematizadas a partir da utilização de procedimentos metodológicos e formas de investigação. Na Europa, particularmente na França e na Alemanha, se desenvolveram os procedimentos que garantiam o status de ciência à História. Com histórias muito particulares, esses países viam a necessidade de contar o seu passado de uma forma mais sistemática. A França, que havia passado pela Revoluçãode 1789, possuía enormes arquivos onde guardava vasta documentação. A questão recaia sobre quem lidaria com esses documentos e que forma empregaria para dar voz aos atores do passado. Depois de viver durante séculos num território dividido, a Alemanha tinha acabado de passar pela unificação, em 1871. O jovem país precisava contar sua história e lidar com esse passado também exigia organização. A História foi dividida em quatro grandes períodos, delimitados por fatos considerados importantes para a História europeia. A História Quadripartite é dividida em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Esse modelo foi estendido para outras partes do mundo, inclusive para o Brasil e permanece bastante enraizado nos cursos superiores de História, assim como nas escolas brasileiras. 11 A partir dessa divisão, que tem a Europa como centro de todos os acontecimentos, a História da América, assim como a História do Brasil, só passam a existir a partir da chegada dos europeus. Em outras palavras, essa visão histórica é linear, segue uma cronologia que vem da Antiguidade até o mundo atual e tem, como objetivo, apontar a “evolução” e o “progresso” da humanidade. Essa organização do passado foi fundamental para que os países europeus, principalmente a França e a Alemanha, se afirmassem como nação. Com o surgimento da disciplina de História, essa preocupação será estendida à escola. Os jovens estudantes do século XIX passavam a olhar para o passado tendo em vista a formação de suas nações a partir da realização de grandes personagens vistos como os heróis que garantiram sua cidadania. Nas primeiras escolas brasileiras, será incluído o ensino de História e a influência francesa, quadripartite, será grande. O modelo de História que se ensinava no Brasil ficava a cargo da produção intelectual do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838 e que tinha, como principal objetivo, a organização de uma história verdadeiramente nacional. De acordo com o IHGB, a História do Brasil era resultado natural da colonização portuguesa, o que promovia um processo seletivo ao olhar para o nosso passado. Enquanto determinados acontecimentos e personagens da história brasileira eram excluídos, como a escravidão e os conflitos sociais do período colonial, outros eram valorizados, como os momentos decisivos da independência, a herança cultural branca e a ação evangelizadora da Igreja. Com a constituição do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e o Regulamento de 1838 efetivando um currículo moldado a partir da concepção francesa, era formalizada a introdução dos estudos históricos já a partir da sexta série. É importante ressaltar que esses estudos históricos se referiam ao ensino de História centrado na historiografia francesa e na perspectiva eurocêntrica da civilização mundial. A maioria dos professores que atuavam no Colégio Pedro II eram integrantes do IHGB e colaboraram na elaboração dos programas escolares, dos manuais didáticos e nas orientações dos conteúdos a serem ensinados. 12 Curiosidade O Colégio Pedro II foi fundado em 1837, durante o império, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Ainda em atividade, o colégio integra a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Atualmente, o Colégio possui cerca de 13 mil alunos divididos em 14 campi e em um Centro de Educação Infantil. Assim, a história enquanto disciplina escolar que começava a ser ensinada no Brasil era a História da Europa, apresentada como a única e verdadeira História universal. A História do Brasil, por sua vez, era abordada somente nas séries finais, com poucas horas de estudo e tendo, como objetivo, narrar as biografias de homens “importantes”, datas e acontecimentos considerados relevantes. Homens, sim! Não havia espaço para as mulheres! Somente eles eram os sujeitos da História! Com a proclamação da República, em 1889, a relação com a história europeia foi ainda mais aprofundada. Em 1892, na Câmara dos Deputados de São Paulo, se discutia a manutenção de uma narrativa que ensinasse a importância dos grandes acontecimentos europeus, assim como da biografia de europeus considerados notáveis. Vemos, portanto, que o objetivo do ensino de História era narrar uma verdade pronta e acabada a partir da visão eurocêntrica, cronológica e linear. Reflita A visão eurocêntrica, cronológica e linear ainda está presente na forma de ensinar História? Você percebe isso? Como? 1.2 E agora, o que ensinar? Como o Brasil sempre seguiu as tendências europeias, com a organização das escolas, a elaboração das disciplinas e a seleção dos conteúdos não foi diferente. Mas como isso seria possível? Sabemos que o 13 Brasil é um país formado por povos de diferentes origens e condições: indígenas, europeus e africanos. Com a proclamação da República, em 1889, todos os símbolos que faziam referência ao Império foram eliminados e, em seu lugar, foram eleitos outros, que retratavam essa nação moderna. Nomes de ruas e praças foram modificados. Monumentos e bustos foram edificados em homenagem aos novos “heróis”. Saiba mais A construção da memória nacional: os heróis no panteão da pátria. Disponível em: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/4163 Embora a formação do povo brasileiro seja resultante de intensa miscigenação, a proposta de trabalho a ser realizado pela escola procurava acentuar a ideia de uma identidade comum, ignorando as diferenças e, sobretudo, as divergências. Havia uma clara tendência em negar que o Brasil tenha sido colonizado. Pelo contrário, apresentava-se uma ideia de que a formação do país aconteceu devido ao caráter civilizatório europeu, numa clara aceitação do eurocentrismo. A narrativa sobre o processo histórico que promoveu o surgimento e desenvolvimento do Brasil foi centralizada no papel do colonizador português e, a seguir, no imigrante europeu. Houve, claramente, a eliminação do papel dos Indígenas e africanos na formação da sociedade brasileira. Além da presença europeia, com todas as suas características civilizacionais, acrescentava-se – embora de maneira secundária – a presença dos indígenas e africanos. Nada existia no passado que demonstrasse a exploração e a escravização desses povos. Pelo contrário, se exaltava uma relação amistosa entre eles e os europeus, naquilo que ficou conhecido como “mito da democracia racial”. Como a escola era o local onde se pretendia legitimar conceitos como nação, cidadão e pátria, a seleção dos conteúdos ensinados nas aulas de História deveria estar de acordo com a perspectiva de uma sociedade homogênea e harmoniosa. Formava-se, desse modo, o que podemos denominar http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/4163 http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/4163/construcao_memoria_2010.pdf?sequence=1 http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/4163/construcao_memoria_2010.pdf?sequence=1 14 de uma “memória oficial”, uma única versão considerada como a verdadeira e que supostamente, refletia a História brasileira. Apesar da suposta harmonia entre europeus, indígenas e africanos, os conteúdos de história não abriam espaço para que uma cultura, que não fosse a europeia, entrasse no espaço escolar. Não havia, portanto, nenhuma referência à história, cultura, personagens ou resistência dos povos indígenas ou dos africanos escravizados e trazidos à força ao Brasil. A partir de 1930, com Getúlio Vargas, um discurso de valorização da educação como principal meio de incentivo à cidadania foi ainda mais reforçado. Nessa data é criado o criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, foi implantada a Reforma Francisco Campos, que tinha como objetivo a organização tanto do Ensino Secundário quanto do Ensino Superior no Brasil. Em 1931, com a ReformaFrancisco Campos, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública definindo programas e métodos de ensino. Com a Constituição de 1934, a educação passou a ser considerada direito de todos os brasileiros, sendo considerada responsabilidade do Estado e da família. Em 1937, uma nova Constituição, outorgada por Vargas e, no contexto das reformas trabalhistas, a educação foi reorganizada de acordo com dois públicos bem distintos: de um lado, uma educação voltada para a formação da classe trabalhadora; de outro, uma educação adequada aos filhos da elite, destinada a formar os líderes políticos. Em 1942, com a Reforma Gustavo Capanema, a História do Brasil foi formalizada como disciplina independente, tendo como objetivo uma formação moral e patriótica. O currículo de História, mais uma vez, tinha como objetivo garantir uma narrativa que destacasse os “heróis” e uma suposta tradição que promoveu a nação brasileira. Essa tendência, no que se refere aos conteúdos históricos, será uma vez mais reforçada no período da ditadura civil-militar (1964-1985). Durante o período marcado pelo domínio dos militares no Brasil, a censura e a ausência de liberdades democráticas acentuaram as pressões econômicas e político- ideológicas, o que pode ser observado de forma consistente na maneira de pensar o ensino de História. 15 Importante Durante a Ditadura civil-militar a Educação Básica, sob a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 5692 de 11 de setembro de 1971, a História permaneceu apenas como disciplina destinada ao então Segundo Grau, atual Ensino Médio. Para o Primeiro Grau, agora Ensino Fundamental, foi criada a disciplina de Estudos Sociais, a qual englobava os conteúdos de História e de Geografia, porém com a quantidade de aulas e abordagens diminuídas. Logo no início do ano de 1969, houve a instalação das chamadas licenciaturas curtas, com a formação de professores em cursos rápidos. Denominado de Estudos Sociais, o curso de licenciatura curta tinha, em seu currículo, as disciplinas de História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ciência Política e OSPB (Organização Social e Política do Brasil). Os Estudos Sociais também ofereciam as disciplinas obrigatórias para todos os cursos: Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB), Educação Física e as disciplinas da área pedagógica. Os conteúdos dos Estudos Sociais afastavam-se da concepção científica da História e tinham como objetivo um modelo educacional propagandístico e cívico. Aos estudantes cabia memorizar as datas, nomes e acontecimentos considerados significativos para a exaltação do civismo, seguindo a concepção eurocêntrica, linear e cronológica. As fontes históricas utilizadas eram “as oficiais”, ou seja, aquelas que o governo militar considerava como as verdadeiras. Divulgava-se uma narrativa do passado em que somente os personagens “mais importantes” eram estudados e criava-se uma memória histórica de exaltação da pátria. Novamente, a função dessa disciplina estava voltada ao reconhecimento dos “heróis” da nação, das principais datas e acontecimentos do passado. Os cursos superiores de Estudos Sociais, implantados nacionalmente, foram definitivamente encerrados somente na década de 1990 e formaram uma grande geração de professores polivalentes, com habilitação para ministrar aulas de História, Geografia e Educação Moral e Cívica. 16 Figura 1 – Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes Fonte: https://s2.glbimg.com/9qSVUarSXwU5WIDJ4OC77NOkc1g=/e.glbimg.com/og/ed/f/orig inal/2020/04/21/tiradentes1.png Curiosidade Você já percebeu que, de modo geral, os heróis na História do Brasil não são índios, negros ou mulheres? Com a Ditadura Civil-militar figuras como D. Pedro I, Princesa Isabel, Duque de Caxias e Tiradentes receberam destaque especial na construção da história do Brasil, sendo considerados como heróis da nação. Saiba mais Para mais informações, ler o artigo: ORIÁ, Ricardo. Construindo o Panteão dos Heróis Nacionais: monumentos à República, rituais cívicos e o ensino de História. Revista História Hoje, v. 3, nº 6, 2014. p. 43-66. Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/137/106 Conclusão da aula Até agora, você ficou sabendo que o ensino de História se iniciou no século XIX ao mesmo tempo em que diversas áreas do conhecimento passavam a ser tratadas como ciência. Além disso, aprendeu que foi na Europa que essa cientificidade ganhou espaço e se expandiu, inclusive até o Brasil. https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/137/106 17 Aqui, no século XIX, o país passava por uma importante transição política: da monarquia, passávamos a ser uma jovem República. O ensino de História nas escolas brasileiras terá grande influência europeia e irá se adaptar de acordo com as mudanças políticas ao longo das décadas. Atividade de aprendizagem 1. De acordo com o que você estudou até agora, é possível identificar a influência europeia no ensino de História? Explique. 2. De que maneira a criação da disciplina de Estudos Sociais, em substituição da História, atendia os interesses da Ditadura Civil-militar? Aula 2 – A disciplina escolar: formação de professores e ensino de História Apresentação da aula É interessante perceber que a própria História tem história, não é mesmo? E essa história é permeada de muitos acontecimentos que são de extrema importância para entendermos sua existência, a forma como entrou no ambiente escolar e, principalmente, como ela é apresentada no processo de ensino- aprendizagem. Vamos retomar essa construção histórica da disciplina e as formas de se ensinar! 2.1 O ensino de História no Brasil Para iniciar qualquer discussão sobre o ensino de História no Brasil, é fundamental haver uma referência ao Regulamento de 1838, do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, que determinou a inserção da História como conteúdo no currículo escolar. Instituída como disciplina autônoma, a concepção de História estava atrelada aos acontecimentos recentes europeus, como a Revolução Francesa e a unificação de países como a Itália e a Alemanha. Era papel da História fortalecer uma identidade nacional e, assim, os conteúdos escolarizados 18 estavam voltados para a valorização dos grandes personagens, “heróis nacionais” e os acontecimentos que comprovavam suas ações. Os estudos dos clássicos e literários como Ovídio, César, Cícero, Horácio, Homero, entre outros, tinham a função de formar na juventude as virtudes liberais e os sentimentos patrióticos, versando sobre os deveres dos grandes homens e sobre suas ações dantescas. Criada sob a tutela do modelo francês, o ensino de história nos trópicos carrega o estigma de pertencer à civilização ocidental e marcadamente cristã. LIMA, Guilherme Pontieri de. O ensino de História no Brasil: da “História natural” à História naturalizada. Campinas: UNICAMP, 2011. p. 61. Dissertação de Mestrado. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/251116/1/Lima_Guilhe rmePontieride_M.pdf - Acesso em 12 de julho de 2020. Foi assim que a disciplina de História foi incluída nos currículos escolares brasileiros. Havia a concepção de que a História europeia, notadamente a francesa, representava uma História universal, de onde partiram os principais acontecimentos da humanidade. Os episódios da História brasileira, desse modo, eram mencionados como apêndices desses acontecimentos gerais. Para entender melhor, o ensino de História nesse período foi marcado por uma “História Universal” que se baseava no eurocentrismo e na perspectiva de atingir o progresso e a civilização. Nesse caso, a ideia era a de que a América deveria estudar e se desenvolver para atingir a civilização representada pela Europa! Com a Proclamação da República,em 1889, se acentuou a necessidade de efetivar uma identidade nacional, ou seja, os brasileiros precisavam se pensar como brasileiros e se identificar com a nação. E como fazer isso? O hino nacional, composto em 1831, se mantinha firme como um dos principais símbolos dessa identidade. A bandeira do Brasil foi adaptada. Os elementos da monarquia foram retirados e símbolos que identificavam o momento da Proclamação da República foram incorporados. http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/251116/1/Lima_GuilhermePontieride_M.pdf http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/251116/1/Lima_GuilhermePontieride_M.pdf 19 Reflita Você já percebeu momentos em que os brasileiros se identificam com o país por meio do hino e da bandeira? Mas além da simbologia, era preciso encontrar uma forma mais consistente para formar a identidade nacional. E foi na escola que se encontrou a opção mais adequada. Ensinar as novas gerações, desde cedo, a ver o país da forma que se pretendia era um objetivo muito claro. E foi assim que, mais uma vez, a História foi entendida como a disciplina que poderia exercer essa função. A ideia era projetar e desenvolver um cidadão brasileiro a partir do conhecimento da história nacional. Mas atenção: que História era essa? Era aquela que promovia e exaltava os grandes personagens políticos, as lideranças regionais, os “heróis” da pátria brasileira. Uma História que se dedicava a apresentar um passado glorioso, sem conflitos ou reações, em que indígenas e africanos não tinham destaque, não tinham participação na construção da identidade nacional. Importante A estrutura da disciplina de História foi organizada de acordo com uma periodização que obedecia aos marcos políticos, dando ênfase a uma história oficial em que os sujeitos destacados representavam a elite e o Estado. Essa perspectiva foi construída a partir do século XIX e ampliada com a chegada de Getúlio Vargas à presidência em 1930. Nesse período, em particular, se apresentava uma proposta de valorização da educação pública e da formação e professores. É inegável que o período foi muito importante para a educação brasileira, sobretudo com relação aos investimentos na área da educação pública a partir da criação do Ministério da Educação e de Saúde. Nesse período, um número maior de brasileiros terá acesso à educação formal. 20 Sob a tutela do Ministro Francisco Campos, o Ministério da Educação e de Saúde promove uma verdadeira revolução com uma reforma educacional, em 1931. Com a reforma Francisco Campos, houve uma organização sistemática do ensino brasileiro nos níveis secundário, comercial e superior. A educação básica foi estruturada para que os estudantes passassem por dois diferentes ciclos: um fundamental, com duração de cinco anos, e outro complementar, com dois anos. A estrutura curricular nesses níveis de educação passou a ser organizada por séries, característica que marcou a educação brasileira até 2007, quando foi instituído o ensino fundamental de 09 anos. LEI nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º (VETADO) Art. 2º (VETADO) Art. 3º O art. 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: ..................................................................................." (NR) Art. 4º O § 2º e o inciso I do § 3º do art. 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 87 ................................................................................... ................................................................................... § 2º O poder público deverá recensear os educandos no ensino fundamental, com especial atenção para o grupo de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos de idade e de 15 (quinze) a 16 (dezesseis) anos de idade. § 3º ................................................................................... 21 I – matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental; a) (Revogado) b) (Revogado) c) (Revogado) ..................................................................................." (NR) Art. 5º Os Municípios, os Estados e o Distrito Federal terão prazo até 2010 para implementar a obrigatoriedade para o ensino fundamental disposto no art. 3º desta Lei e a abrangência da pré-escola de que trata o art. 2º desta Lei. Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 6 de fevereiro de 2006; 185º da Independência e 118º da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11274.htm#:~:text=Altera%20a%20reda%C3%A7%C3%A3o%20dos %20arts,(seis)%20anos%20de%20idade. A História era oficializada como disciplina autônoma no currículo escolar e tinha a finalidade de formar os cidadãos brasileiros. Influenciada pelo educador norte-americano John Dewey, a educação brasileira e, por consequência, o ensino de História, privilegiava os aspectos econômicos e éticos, com o estudo sobre a vida de grandes “heróis” da sociedade brasileira. O pensamento de John Dewey está presente nos ideais de reforma educacional no Brasil na década de 1930. Na compreensão de Francisco Campos e Anísio Teixeira está a proposta deweyana de organizar a escola de acordo com a sociedade, e, em sintonia com ela. Nas palavras de Dewey, a escola organizada como “sociedade em miniatura” (DEWEY, 1959). SOUZA, R. A. de; MARTINELI, T. A. P. Considerações históricas sobre a influência de John Dewey no pensamento pedagógico brasileiro. Revista HISTEDBR On- line, Campinas, SP, v. 9, n. 35, 2012. p. 160–172. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639620 Acesso em: 7 dez. 2020. 22 Saiba mais Reforma Francisco Campos – Decreto N. 21.241 de 4 de abril de 1932. http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/de creto%2021.241-1932%20reforma%20francisco%20campos.htm Acesso em 20 de julho de 2020. 2.1.1 Mas a sombra dos Estudos Sociais já se anunciava! Com a Ditadura Civil-militar, a História perde sua autonomia enquanto disciplina escolarizada e, com a Lei n. 5.692, de 1971, passa a dividir espaço com a Geografia a partir da criação de uma nova disciplina, os Estudos Sociais. De influência norte-americana, a disciplina de Estudos Sociais se baseava na interdisciplinaridade e na organização curricular a partir dos chamados “círculos concêntricos”. Basicamente, essa concepção parte da ideia de educação a partir do mais próximo para o mais distante. Assim se ensinava conteúdos relacionados à criança, depois à família e, assim, sucessivamente. Tendo em vista o contexto de uma Ditadura, o ensino de História esteve voltado aos interesses daquele regime político, numa clara intenção de legitimar as ideias do governo. Assim, o ensino de História esteve voltado a promover os nomes dos “heróis nacionais” e à identificação com valores como a pátria e a nação, sem autonomia e desenvolvimento de um pensamento crítico. Com a redemocratização do país no final da década de 1980 e a volta da História como disciplina autônoma, as discussões sobre o seu ensino e o papel dos professores foram acentuados. 2.2Cursos superiores no Brasil Foram os jesuítas que iniciaram o processo de escolarização no Brasil, ainda no século XVI. E foram eles, também, que criaram os primeiros cursos superiores. Dentro de uma grande área chamada de Humanidades, eles ofereciam cursos de Artes, também chamado de Ciências Naturais ou Filosofia; http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decreto%2021.241-1932%20reforma%20francisco%20campos.htm http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decreto%2021.241-1932%20reforma%20francisco%20campos.htm 23 e o curso de Teologia. Com o curso de Artes, com duração de três anos, se obtinha os graus de Bacharelado e de Licenciatura. Já com o curso de Teologia, com duração de quatro anos, a graduação obtida era a de doutor. Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, houve reformulações no Ensino Superior no Brasil e novos cursos foram criados, como Medicina, Engenharia e Direito. Importante Preste atenção! Como chegava uma elite ao Brasil era preciso formar os filhos dessas pessoas que seriam, mais tarde, aqueles que iriam dominar a política e a vida pública! Essa situação persistiu até a Proclamação da República, em 1889. Em 1891, o Brasil teve sua primeira Constituição da República e o ensino superior passou a ser considerado responsabilidade do Governo Federal, mas não com exclusividade. Em 1911, com a Reforma Rivadávia, é instituída a “desoficialização” do ensino, o que gerou condições para o surgimento de novas universidades e a transferência dessa iniciativa, provisoriamente, do Governo Federal para os estados. Assim, ainda em 1909, por iniciativa de grupos ligados à exploração da borracha, foi criada a Universidade de Manaus. Entre 1911 e 1917, em São Paulo, também como resultado de grupos privados, foi criada e mantida a Universidade de São Paulo e, em 1912, por iniciativa estadual, foi criada a Universidade Federal do Paraná. Em 07 de setembro de 1920, através do Decreto 14.343, o Governo Federal criou sua primeira universidade, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ). Mais tarde, em 05 de julho de 1937, pela Lei nº. 452 ela passou a ser chamada de Universidade do Brasil (UB). 24 Figura 2 – Fachada do segundo prédio da Universidade de Manáos, na Avenida Joaquim Nabuco. Fonte: Jornal O Tempo (https://idd.org.br/acervo/universidade-de-manaos/) Saiba mais Para mais informações ler o artigo: Fávero, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. Educar, Curitiba, n. 28, p. 17-36, 2006. Editora UFPR. p. 17-36. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/er/n28/a03n28 - Acesso em 22/07/2020. A partir de 1930, com Getúlio Vargas na presidência, a preocupação com a educação pública é ampliada, tanto que é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Sob a direção de Francisco Campos, várias reformas são feitas na educação que, pela primeira vez na História do país, atingia todos os níveis do ensino brasileiro. A Reforma Francisco Campos trouxe nova proposta com relação ao Ensino Superior no Brasil. Um projeto, organizado em três partes, definia uma atenção específica com relação ao ensino superior, outra a respeito da reorganização da Universidade do Rio de Janeiro, a qual serviria de modelo aos outros institutos isolados que pretendessem adotar o novo Estatuto, e a terceira, que criou o Conselho Nacional de Educação, definindo competências e composição. https://idd.org.br/acervo/universidade-de-manaos/ https://www.scielo.br/pdf/er/n28/a03n28%20-%20Acesso%20em%2022/07/2020 https://www.scielo.br/pdf/er/n28/a03n28%20-%20Acesso%20em%2022/07/2020 25 Com o Estatuto das Universidades Brasileiras, instituído pelo Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, Francisco Campos pretendia organizar o sistema educacional promovendo os professores secundários a partir de sua formação obrigatória na recém-criada Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Até aquele momento, pode-se afirmar que os professores secundários tinham uma formação quase autodidata e, com a criação da Faculdade de Educação, oficializava-se o Magistério, concedendo-lhe um caráter mais científico e, portanto, mais compatível com a produção do conhecimento e com a prática da pesquisa. A Faculdade de Educação, Ciências e Letras não chegou a ser instalada, cabendo às faculdades de Filosofia ou de Filosofia, Ciências e Letras a formação dos futuros professores. Nesse período foram criadas, em 1934, a Universidade de São Paulo (USP) e, em 1935, a Universidade do Distrito Federal (UDF). A partir da década de 1950, sobretudo com as discussões referentes ao projeto de Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, são criadas as primeiras Universidades federais em todo o Brasil, tendo seu auge com a Universidade de Brasília (UnB) em 1961. 2.3 A Licenciatura e a formação de professores Vimos até agora como o ensino se estabeleceu no Brasil e o processo de criação dos cursos superiores. Mas e a formação de professores? Foi na passagem do século XIX para o século XX que aconteceram as primeiras discussões sobre a necessidade de universalizar o acesso à educação e, principalmente, de realizar a formação de professores. Até aquele momento se pensava em preparar professores capacitados para dar aula para crianças, nas escolas primárias. Assim, acreditava-se que a formação desses professores deveria estar voltada para o domínio de conteúdos para que pudessem transmitir os conhecimentos, ou seja, quanto mais o professor soubesse, mais poderia ensinar! Nos anos 1930, no entanto, um grupo de educadores influenciados pelas ideias do educador norte americano John Dewey se organiza como um grupo denominado de Escola Nova. Esses educadores passam a defender a ideia de que a função dos professores não deveria ser a de apenas “transmitir 26 conteúdos”, mas eles deveriam pesquisar e produzir o conhecimento a ser ensinado. Foi assim que promoveram a criação dos primeiros Institutos de Educação em 1932, em Brasília, a partir da iniciativa de Anísio Teixeira, e em 1933, em São Paulo, por iniciativa de Fernando de Azevedo. Vocabulário Escola Nova: Movimento de renovação educacional surgido na passagem do século XIX para o século XX. A grande novidade dos Institutos de Educação era a maneira como entendiam a formação de professores. Ensinar era um processo que deveria envolver o conhecimento científico e, somente com uma preparação adequada, seria possível atender a essa exigência pedagógica! Como a ideia de formar professores era uma coisa muito séria, esses institutos acabaram sendo responsáveis pela formação de professores também em nível superior. Assim, o Instituto de Educação de São Paulo foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934, e o Instituto de Educação do Rio de Janeiro incorporado à Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em abril de 1935. No seu primeiro ano de funcionamento, a UDF inaugurou os primeiros cursos de formação de professores e de especialização em diversas disciplinas. A organização dos cursos de formação de professores para as escolas secundárias em todo o país foi instituída por meio do Decreto-Lei n. 1.190, de 04 de abril de 1939/43, bem como a criação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Na formação dos professores havia a diferenciação entre a Licenciatura e a Pedagogia: aquela formaria os professores para as várias disciplinas que compunham os currículos das escolas secundárias, enquanto que esta era voltada para a formação dos professores que atuariam nas Escolas Normais. Em ambos os casos vigorava o mesmo esquema, isto é, três anos para o estudo das disciplinas específicas e um ano para a formação didática. 27 2.3.1 Os primeiros cursossuperiores de História Voltados à formação de professores que atuariam nas escolas secundárias, os primeiros cursos superiores de História surgem junto com as primeiras Faculdades brasileiras. Curiosidade Os primeiros cursos superiores de História eram ofertados junto com Geografia e tinham a duração de 3 anos. Os estudantes que concluíam o curso eram diplomados bacharéis e só teriam a Licenciatura se fizessem mais um ano de estudos cursando a disciplina de Didática. Essa sistematização que unificava História e Geografia em curso único. O curso de História só se tornou independente a partir de 1955 com a Lei 2.5945! Quadro 1.1 – Primeiros Cursos Superiores de História no Brasil Instituição Estado Início de funcionamento UFRJ USP UDF UFPR PUC-RS PUC-RJ UFBA UERJ PUC - Campinas PUC - Minas Gerais UFRGS UEPG Rio de Janeiro São Paulo Rio de Janeiro Paraná Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Bahia Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais Rio Grande do Sul Paraná 11/04/1931 25/01/1934 04/04/1935 01/10/1938 26/03/1940 01/03/1941 06/03/1941 13/05/1941 02/03/1942 14/01/1943 01/01/1943 01/03/1950 Fonte: Elaborada pela autora a partir de informações obtidas no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP. (2017). Mas essa independência do curso superior de História não durou muito tempo. Com a instalação da Ditadura Civil-militar (1964 a 1985), o ensino de História foi tomado como alvo pelo poder político dominante, o qual procurou 28 adequá-lo às suas necessidades de afirmação. Essas estratégias foram acompanhadas de um forte ataque à formação de professores. No início de 1969, com amparo legal no Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, o Governo Militar, por meio do decreto-lei 547, de 18 de abril de 1969, com a Reforma Universitária, autorizou a criação de cursos de licenciatura de curta duração. Denominado de Estudos Sociais, o curso de licenciatura curta com duração de apenas três anos tinha, em seu currículo, as disciplinas de História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ciência Política, OSPB (Organização Social e Política do Brasil). Os Estudos Sociais também ofereciam as disciplinas obrigatórias para todos os cursos: EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros), Educação Física e as disciplinas da área pedagógica. Os cursos superiores de Estudos Sociais, implantados nacionalmente, foram definitivamente encerrados somente na década de 1990 e formaram uma grande geração de professores polivalentes, com habilitação para ministrar aulas de História, Geografia e Educação Moral e Cívica. Tiveram, como grande característica, a desvalorização das ciências humanas como um campo autônomo e com referencial teórico específico. Conclusão da aula Você deve ter percebido ao longo desta aula que a disciplina de História tem uma trajetória, na educação brasileira, atrelada aos interesses políticos. Como disciplina escolar a História foi sendo moldada de acordo com os interesses de cada período. No entanto, fica claro que a construção dessa disciplina resultou da influência europeia, com características muito específicas na ênfase em uma suposta “História Universal” que tem, no continente europeu, o ponto de partida. Essa estrutura ainda é presente nas grades curriculares de Cursos superiores e, consequentemente, também na educação básica. Com relação aos cursos superiores, uma etapa da educação que, por muito tempo foi privilégio da elite brasileira, vimos que a criação e organização dos Cursos superiores de História aconteceram somente no século XIX e, desde então, tem passado por várias adaptações. Uma dessas adaptações foi a 29 supressão da disciplina no então primeiro grau para a incorporação dos Estudos Sociais, o que promoveu a criação desse curso superior de Licenciatura curta. Somente na década de 1990 os Cursos de Estudos Sociais foram encerrados e a História voltou a ser uma disciplina autônoma nos currículos da Educação Básica. Atividade de aprendizagem 1. Por que é importante que haja um Curso superior específico de História? 2. Leia o documento com a Lei 5692/71 e identifique a abordagem dada a História na Educação básica. Aula 3 - As teorias da História e o Ensino Positivista Apresentação da aula Em nossa primeira aula, estudamos como a História surgiu enquanto disciplina escolar e como isso tem relação com as intenções políticas de cada contexto. Agora vamos aprender como essa disciplina foi se formando a partir das ideias históricas que se desenvolviam. Você vai perceber que conforme a historiografia ia se desenvolvendo, a maneira de olhar para o passado, o jeito de narrar os acontecimentos e ações das pessoas também se alterava. Compreender como a História enquanto ciência foi se desenvolvendo, ajuda-nos a compreender como a disciplina escolar foi sendo organizada e ensinada nas escolas brasileiras. 3.1 A História Tradicional, Positivista ou Metódica É importante lembrar que, no século XIX, várias áreas do conhecimento começam a ser entendidas enquanto ciências, ou seja, entendia-se que todas possuíam metodologias de pesquisa próprias, adequadas com sua área. A Física e a Química, por exemplo, renasceram como disciplinas exatas, mas o caso mais destacado desse processo de construção de conhecimento é a 30 transformação que ocorreu nas chamadas disciplinas humanistas, como a Sociologia e a História. Foi a partir do século XIX, portanto, que a História conhecida desde a Antiguidade, também passou a ser estudada de acordo com métodos e técnicas específicas, garantindo a ela a condição da cientificidade. Nessa mesma época houve a profissionalização dos historiadores, pois passaram a realizar seu trabalho de investigação sobre o passado a partir da utilização desses métodos e técnicas específicos. Já estudamos que tudo isso tem, como ponto de partida, o continente europeu, por isso a França e a Alemanha serão pioneiras nessa valorização da ciência histórica, dando origem ao que se denominou de Escola Metódica ou Positivista. A História positivista é representada por duas importantes obras francesas: a Revista Histórica, fundada em 1876 por Gabriel Monod e o manual Introdução aos estudos históricos, de 1898, elaborado por Langlois e Seignobos. Fustel de Coulanges (1830-1889) foi outro importante representante do positivismo francês. Em todos os casos se acreditava na neutralidade dos historiadores diante das informações apresentadas pelas fontes históricas, ou seja, os historiadores deveriam relatar o passado exatamente como era descrito pelos documentos, sem emitir qualquer opinião. De acordo com os historiadores positivistas, os documentos escritos eram sinônimos de fontes históricas, sendo muito importantes para o estudo do passado. Somente eles poderiam contar como as coisas, de fato, aconteceram. Por esse motivo era muito importante reunir um número grande de documentos escritos e registrar os fatos históricos. Os positivistas acreditavam numa neutralidade do historiador ao lidar com os documentos do passado e afirmavam que ao realizar suas pesquisas deveria manter distanciamento de sua obra. Esta, por sua vez, seria o resultado de uma descrição exata, sem interpretações, já que os fatos falavam por si. 31 Importante Não havia nenhum interesse em realizar análises teóricas mais profundas porque, de acordo com o positivismo, tudo o que está registrado nos documentos é verdadeiro e, portanto, eles “falam” por si. Para ser considerados fontes históricas, esses documentos deveriam ser utilizados exatamente de acordo como haviam sido escritos, sem nenhum questionamento ao seu conteúdo ou objetivo. Além disso, era preciso comprovar que esses documentos eram legítimos. Tinham que ser originais,possuir assinaturas, selos ou timbres que comprovassem sua autenticidade. Figura 3 – Documentos escritos. Fonte: Shutterstock (https://image.shutterstock.com/image-photo/magic-scrolls-books- medieval-library-260nw-1618590166.jpg) Para você entender melhor, esses documentos escritos seriam aqueles produzidos pelos governantes, como legislações estabelecidas por reis e rainhas, cartas oficiais trocadas entre reinos, planos de guerras ou tratados de paz. Além dos documentos “oficiais”, também eram consideradas fontes históricas os objetos encontrados em sítios arqueológicos, edificações arquitetônicas, como pirâmides, aquedutos e estátuas, assim como objetos colecionados e apresentados em museus, como moedas, selos e medalhas. Além disso, os historiadores positivistas também acreditavam que, observando o passado, a humanidade tinha uma tendência a se desenvolver e atingir o progresso. Essa ideia de progresso estava, normalmente, relacionada aos avanços tecnológicos e ao conjunto das explicações científicas para os diversos fenômenos naturais e sociais. 32 Assim, com essa visão histórica, havia a crença em diferentes “estágios da civilização” entre as civilizações. A Europa, dentro de uma hierarquia de desenvolvimento, era tratada como aquela que estava no topo, fortalecendo a concepção eurocêntrica. Curiosidade Você já esteve em um museu? Observou como ele é organizado? Os museus, normalmente, são organizados de acordo com uma concepção positivista, com os objetos acompanhados de fichas contendo informações para que o visitante conheça aspectos relacionados à sua história. Dessa forma, o museu faz com que as peças “falem por si só”, pois o visitante obtém “todas” as informações do próprio objeto e da ficha que o acompanha. 3.2 O Positivismo e o ensino de História A escola, do modo como a conhecemos, surgiu entre os séculos XV e XVIII na Europa Ocidental, num período de grande efervescência política. Nesse contexto, os pensadores do Iluminismo, como o francês Rousseau, deixaram de considerar as crianças como miniaturas de adultos e passaram a determinar que a infância era uma fase específica da vida do ser humano. Outro importante pensador foi o alemão Emanuel Kant, para quem a educação das crianças, de maneira integral, deveria ser a principal responsável pelo desenvolvimento da sociedade. Após a Revolução Francesa, em 1789, o povo exigia uma educação igualitária para todas as classes sociais que atendesse as necessidades principalmente da classe operária. Na prática, o que se viu foi o desenvolvimento de uma educação voltada para as classes mais ricas e a escola pública atendendo aos interesses da burguesia. O modelo de educação positivista, surgido nesse contexto, pretendia mostrar às crianças que a sociedade deve se manter estável, sem grandes mudanças sociais. 33 Podemos afirmar que o pensamento positivista influenciou um modelo de educação em que a sociedade prepararia as crianças para que elas fossem condicionadas a saber que, em sua vida adulta, deveriam se submeter, de forma acrítica, às exigências do mundo do trabalho burguês. Para consolidar os ideais burgueses, o positivismo estabeleceu o lema da “ordem e progresso”, que podemos perceber foi muito bem aceito no Brasil, já que está presente em nossa bandeira desde a Proclamação da República, em 1889. Ao ser incorporada ao currículo escolar, a disciplina de História seguia o mesmo caminho de utilizar apenas os documentos oficiais em suas aulas, portanto, reforçava a ideia de uma narrativa pronta e acabada sobre o passado. No Brasil, o Positivismo foi muito bem recebido, tanto na historiografia quanto no espaço escolar. Aqui, é importante lembrar que quem iniciou o processo de educação formal no Brasil foram os padres Jesuítas, ainda em 1549. A educação brasileira, portanto, foi dominada pelos preceitos religiosos durante séculos. A própria História era estudada apenas do ponto de vista religioso, abordando a vida de santos e personagens bíblicos. No século XIX, com o advento das ciências e da historiografia positivista, há um rompimento com essa visão religiosa. A presença do positivismo nas escolas brasileiras foi vista, portanto, como algo muito importante para o lançamento de novas ideias que contribuíam para o ensino das ciências em oposição ao ensino religioso. Os ideais positivistas chegaram ao Brasil por volta do ano de 1850 e influenciaram a Proclamação da República em 1889. É importante lembrar que, durante os primeiros anos da República, o Brasil foi governado pelos militares, os quais seguiam as ideias positivistas. Nessa época, o Brasil ainda era um país em que a maioria da população brasileira, analfabeta, vivia na zona rural. De acordo com os ideais republicanos, era necessário que essa população participasse da vida política, porém, a Constituição de 1891 estabelecia o direito à cidadania somente aos alfabetizados. A escolarização, portanto, era fundamental! O ensino primário seria responsabilidade dos governos estaduais e o ensino secundário, assim como o superior, ficava a cargo do governo federal. Estava instalada uma educação nos moldes positivistas que tinha, como 34 objetivo, fazer de cada brasileiro um cidadão consciente de seus deveres cívicos, saber valorizar a família e a pátria para construir o caráter e o sentimento nacional da população brasileira. Quando Getúlio Vargas chega ao poder em 1930, o Estado ficou mais centralizado. Vargas rompeu com a tradição da política do Café com leite, em vigor desde a Proclamação da República e concentrava o poder nas mãos do Governo Federal. Importante Entre a Proclamação da República (1889) e 1930, o Brasil foi governado pelas oligarquias. Inicialmente, o país teve dois presidentes militares e, na sequência, todos os outros representantes dos fazendeiros. Nesse período, esses presidentes fizeram um acordo político de revezamento no poder em que paulistas e mineiros escolhiam os candidatos que chegariam à presidência. Era a política do café-com-leite. Ao assumir o poder, Vargas anunciava a modernização do país e o ensino de História, nesse contexto, devia estar voltado à formação de estudantes que entendessem a necessidade de promover o desenvolvimento do país. Por esse motivo, o ensino de História se tornou importante aliado da ideologia de Vargas, ou seja, com a modernização do país seria possível romper com os problemas que, tradicionalmente, atrasavam o Brasil. E como fazer com que os estudantes compreendessem a necessidade do desenvolvimento? O ensino de História se voltou para a valorização dos heróis nacionais com o objetivo de reconstruir uma identidade de unidade nacional sem desigualdades étnicas, sociais e econômicas. Com o método positivista, somente as fontes “oficiais” eram utilizadas, colocando os estudantes em contato somente com informações referentes aos acontecimentos políticos de acordo com a concepção ideológica vigente. A História regional também não tinha espaço. Não se estudava o local, os acontecimentos e pessoas comuns de espaços que não representassem a nação. 35 Com a implantação da ditadura Civil-militar, em 1964, a escola também foi vista como espaço privilegiado de divulgação da ideologia militar. Houve a valorização de uma educação tecnicista, ou seja, uma educação voltada para a formação de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho. Durante esse período, a História deixou de ser uma disciplina autônoma, inclusive sendo retirada do currículo no primeiro grau, com a introdução dos Estudos Sociais. Somente numa única série do segundo grau a História era obrigatória. Sua função? Formar indivíduos obedientes e ordeiros que fossem patriotas e que reproduzissem a moral estabelecida pela ideologia dos militares. 3.3 Um método tradicional O métodopositivista, também chamado de tradicional, foi incorporado pelas escolas, as quais organizaram um currículo voltado para a memorização, a repetição, o tecnicismo e o autoritarismo dos professores. Você, provavelmente, já conheceu alguém que afirma não gostar de História. E por qual motivo? De modo geral, as pessoas mais velhas, que frequentaram as escolas entre as décadas de 1970 e 1990, tiveram uma relação muito distante com a História. É provável que tenham sido “vítimas” de um ensino de História no qual a sua única obrigação era decorar nomes e datas e, como avaliação, deveriam realizar a memorização para poder tirar uma boa nota nas avaliações. Em sua memória escolar devem ter ficado nomes como Pedro Álvares Cabral, Tiradentes, D. Pedro I, D. Pedro II, Princesa Isabel e tantos outros. E o significado desses sujeitos? Qual sua relação com o tempo presente? Qual a sua utilidade em sua vida prática? Reflita Será que essas pessoas que estudaram História na perspectiva positivista tiveram uma boa impressão dessa disciplina escolar? Por quê? Outra característica que pode ter trazido péssimas impressões a quem estudou a partir de uma concepção positivista da História é o fato dessa 36 disciplina se voltar, quase exclusivamente, para conteúdos relativos à política. Era preciso, por exemplo, conhecer e decorar os nomes de todos os presidentes do Brasil, assim como suas principais realizações. Nomes de reis, rainhas, faraós e generais faziam parte dos conteúdos de História. Além de acreditar na importância da memorização de datas e nomes, a escola positivista não via os estudantes como pessoas com conhecimentos prévios. Nessa concepção de ensino, os estudantes chegavam à escola sem conhecimento algum. Os professores, esses sim, dominavam todos os conhecimentos científicos e sua função era repassar aos alunos os conteúdos considerados como “verdades absolutas”. As aulas de História eram, portanto, marcadas pelas exposições orais dos professores, sem nenhuma participação dos estudantes. Além do quadro de giz, o único material que servia de apoio ao professor era o livro-didático. Utilizados pelas escolas brasileiras desde o final do século XIX, os livros- didáticos vão ganhar muita importância nessa educação tradicional. Acreditava- se que os textos ali apresentados e escritos por historiadores representavam uma verdade inquestionável! E o professor? Este fazia seu papel de transmitir essas verdades em aulas expositivas nas quais os estudantes não tinham espaço para questionar ou problematizar. Acreditava-se que, quanto mais conhecimentos uma pessoa era capaz de absorver, mais sua educação tinha qualidade e mais culta ela era. De acordo com uma perspectiva eurocêntrica, os conteúdos de História seguiam a velha linha do tempo, com uma sucessão regular de acontecimentos que vinham desde a Antiguidade até o tempo presente. Esses acontecimentos, no entanto, nunca eram relacionados com o tempo presente, muito menos com um exercício de buscar perspectivas com relação ao futuro. O próprio recorte temporal acontece a partir de eventos importantes para a sociedade europeia, como a Revolução Francesa (1789), que define a separação entre a Idade Moderna e a Idade Contemporânea. Não há referências a outras Histórias, como da África, da Índia ou da China. Se o positivismo pretendia manter a sociedade tal como ela era, sem confrontos entre as diferentes classes, o ensino de História era realizado a partir da visão de que existia uma cultura dominante, a qual era apresentada como a 37 condutora do processo histórico. Na concepção positivista, a Europa era o local de onde saia essa cultura dominante. Nenhum apontamento sobre diferenças culturais ou sobre relações de poder era estabelecido. Tomemos como exemplo a concepção clássica sobre o “Descobrimento do Brasil”. Na visão positivista, o Brasil só passou a existir a partir do momento em que os portugueses aqui chegaram em 1500. A existência das populações indígenas, sua história e cultura eram completamente ignoradas. Saiba mais FERREIRA, Evaldo A. M. ET alli. O Positivismo e a educação brasileira na 1ª República. Educar em Revista. v. 1, n. 1 (1977). p. 70-108. https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/35196/21851 Conclusão da aula Vimos nesta aula que as concepções teóricas sobre a própria História afetaram a forma como a disciplina escolar foi organizada e instituída no Brasil. A História Positivista teve forte influência sobre a organização da disciplina no Brasil. Foi essa concepção de História que dominou por mais tempo os currículos escolares, formando gerações de estudantes com base num método que privilegiava as fontes oficiais, a memorização e a passividade dos alunos. Atividade de aprendizagem 1) De que maneira o Positivismo teve influência sobre o modo como a História, enquanto disciplina escolar, é compreendida por muitas pessoas? 2) Pesquise a relação do lema positivista “Ordem e Progresso” com a Proclamação da República e a bandeira do Brasil. https://revistas.ufpr.br/educar/issue/view/1555 https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/35196/21851 38 Aula 4 – Novas teorias, novas metodologias Apresentação da aula Após estudarmos o Positivismo e sua influência sobre o ensino de História, é fundamental conhecer as outras duas correntes historiográficas que exerceram acentuada presença no ensino de História: o Marxismo e a Escola dos Annales. O Positivismo, baseado em análises de documentos oficiais e que defendia os heróis nacionais, viu, no Marxismo, uma grande oposição, pois neste a história é narrada a partir da visão dos trabalhadores. No Brasil, a pedagogia histórico-crítica procurou romper com essa visão dos grandes heróis e levar os estudantes a estudar a História a partir das ações de pessoas simples, trabalhadoras. No início do século XX, outra corrente historiográfica, a Escola dos Annales, também afirmava que os sujeitos históricos não eram somente os homens ricos e poderosos. Além disso, a forma de estudar o passado desses sujeitos ganhou novas possibilidades com a ampliação do conceito de fontes históricas. Nesta aula, além de conhecer essas correntes historiográficas veremos como elas foram incorporadas ao ensino de História. 4.1 O Marxismo e a História De todas as formas de pensar a História, o Materialismo Histórico ou Marxismo foi, com certeza, o mais ousado e, também, o mais polêmico devido às críticas e propostas que fazia. Vamos voltar um pouco no tempo para que você entenda a origem do marxismo. No século XVIII, a Europa viveu o início do processo de industrialização. Apesar de ser revolucionária devido ao surgimento das fábricas e ao aumento de produção, essa industrialização também foi responsável por uma profunda divisão de classes sociais. De um lado ficavam os burgueses, donos das fábricas e dos meios de produção, vivendo de maneira muito confortável por causa dos lucros; de outro, os proletários, assalariados que tinham seu trabalho explorado 39 e viviam em péssimas condições. Foi nesse contexto que, na Alemanha, nasceram Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Figura 4 – Escultura de Karl Marx e Friedrich Engels Fonte: Shutterstock (https://image.shutterstock.com/image-photo/monument-karl-marx- friedrich-engels-600w-1070997650.jpg) Engels era filho de um rico industrial e trabalhou nas empresas do pai, testemunhando as péssimas condições de trabalho, miséria e exploração em que viviam os operários. Ao escrever vários artigos em que denunciava essa situação conheceu diversos pensadores, como Karl Marx, advogado recém- formado, com quem escreveu várias obras. O ano de 1848, na Europa, foi bastante movimentado por causa de revoltas e manifestações populares que procuravam combater a exploração dos trabalhadores.Aproveitando esse momento, Marx e Engels lançaram uma pequena, mas muito importante obra, que procura orientar a organizar os trabalhadores, chamada Manifesto Comunista. O objetivo dessa obra era conscientizar os trabalhadores da necessidade de união para combater a exploração de que eram vítimas. Curiosidade O Manifesto Comunista foi, inicialmente, lançado como um panfleto, com uma linguagem clara e de fácil compreensão. Somente algum tempo depois ele se tornou um livro, organizado com uma breve introdução, três capítulos e uma conclusão. 40 Você lembra aquela ideia de uma narrativa histórica cronológica e linear rumo ao progresso? Pois bem, até então a História era vista apenas como uma sucessão de fatos e eventos sem relação entre si. Marx e Engels, por sua vez, afirmavam que as alterações sociais ao longo do tempo aconteciam devido aos modos de produção e não devido às ideias e pensamentos. A história humana, portanto, sempre se desenvolveu a partir da exploração de um grupo sobre o outro. Para compreender melhor, vamos observar alguns exemplos: no Egito antigo, o faraó e a nobreza egípcia exploravam o trabalho dos camponeses e artesãos; na Idade Média o senhor feudal, a nobreza e o clero exploravam o trabalho dos servos; com a revolução industrial a burguesia explorava os operários. Pronto! Por essa lógica, a História vinha se construindo, sempre, a partir da oposição entre dois grupos, um dominante e o outro, dominado. Marx e Engels, então, elaboraram uma teoria segundo a qual durante todo o processo histórico da humanidade as classes subalternas foram vítimas do discurso da classe dominante, acreditando que a exploração a que eram submetidas era um fenômeno natural. A desigualdade social se mantinha justificada, sendo a classe dominante a única a se beneficiar com essa exploração e divisão social do trabalho. A teoria marxista, também chamada de materialismo histórico acredita, portanto, que é a partir dos confrontos entre as diferentes classes sociais que a História acontece. De todas as sociedades estudadas, aquela do século XIX, capitalista, foi a que recebeu maior atenção. Para Marx, ao enfrentar a burguesia, a classe operária pode ser revolucionária, porque possui a capacidade de transformar a sociedade a partir de novas relações de produção. Com essa atitude revolucionária haveria uma verdadeira libertação humana e o fim da divisão de classes, de exploração e de dominação. 41 Mídias Assista ao filme “O jovem Karl Marx” (2006), com direção de Raoul Peck. Link: https://www.youtube.com/watch?v=2M5vo2n6G7Y 4.1.1 A metodologia marxista no ensino de História De acordo com o método tradicional de ensino de História, como os acontecimentos são vistos de forma cronológica e linear, tendo como objetivo a busca pelo progresso, percebemos que a História é estudada tendo o passado como ponto de partida. Já na perspectiva marxista, a ideia é olhar primeiro para o presente, para os problemas sociais do presente para, a partir dele, olhar para o passado. Podemos afirmar que essa corrente historiográfica acreditava em uma história-problema, ou seja, que o estudo do passado deveria analisar o passado a partir dos problemas vividos por uma determinada sociedade. Nessa perspectiva, é possível compreender que a História humana está sempre em movimento, o que rompe com a ideia de que o passado foi igual para todos ao mesmo tempo. As investigações sobre o passado devem acontecer levando em consideração a luta de classes e os modos de produção. Ao contrário do positivismo, que via os grandes homens e seus feitos como os principais sujeitos, no marxismo são os trabalhadores os sujeitos mais atuantes da História. Essa teoria, portanto, ao ser relacionada com o ensino, coloca os próprios estudantes como sujeitos históricos. No Brasil a teoria marxista teve grande destaque a partir de 1980, com a Pedagogia histórico-critica, criada pelo pedagogo brasileiro Dermeval Saviani. Esse método de ensino tem, como objetivo, a interpretação da realidade; a visão de mundo; a relação entre a teoria e a prática; a organização das pessoas em https://www.youtube.com/watch?v=2M5vo2n6G7Y 42 sociedade e a forma como as sociedades constroem sua sociedade através dos tempos. De acordo com essa concepção de ensino, o conhecimento se constrói a partir da ideia de que, ao longo da História, devem ser observadas a existência de continuidades, rupturas, permanências e avanços, o que nos mostra uma grande diferença com relação à visão positivista. 4.2 Novos olhares sobre a História: a Escola dos Annales Durante a primeira metade do século XX, na França, um grupo de historiadores também passou a pensar a História de forma diferente da Escola Positivista, dando início a uma corrente historiográfica conhecida como Escola dos Annales. A principal proposta desse grupo era propor uma nova concepção de História, para confrontar a visão positivista que vinha dominando desde o final do século XIX. Como substituição, pretendia realizar análises de processos de longa duração para permitir uma melhor compreensão das “mentalidades”. Com essa nova concepção, a chamada História Nova deixava de ver a História a partir de uma sequência linear de acontecimentos. Segundo os historiadores dessa corrente, o tempo histórico apresenta ritmos diferentes para os acontecimentos. Para lidar com o passado de acordo com essa nova perspectiva, foram incluídos os domínios dos fatores econômicos, da organização social e da psicologia das mentalidades. Ao contrário da História Positivista, para quem os documentos por si próprios mostram todos os fatos sobre o passado, a Escola dos Annales acreditava que os historiadores deveriam fazer perguntas às fontes para obrigá- las a dar o maior número possível de informações. Resumindo: não basta ler um documento escrito. É preciso tirar dele as informações que estão nas entrelinhas! Outra mudança que vai ser promovida pelos Annales se refere aos sujeitos históricos. Se até o momento a História se interessava somente por homens importantes do passado, normalmente relacionados a situações políticas e religiosas, a Escola dos Annales vai afirmar que todas as pessoas são importantes para se conhecer o passado. A intenção agora era dar voz às pessoas comuns: as mulheres da antiguidade e sua forma de pensar e agir, as 43 crianças operárias durante a industrialização no século XVIII, as relações homossexuais em diferentes épocas e locais, o imaginário dos marinheiros durante as grandes navegações, a vida dos negros escravizados no Brasil, entre várias outras possibilidades. Os sujeitos históricos não são mais apenas os homens, muito menos os homens poderosos! Mídias Assista ao filme “Uma cidade sem passado” (1990) Link: https://www.youtube.com/watch?v=kKiykbMCtRM Para conhecer o passado dessas pessoas comuns também era preciso das fontes históricas. Só que agora, era necessário ampliar a concepção de fonte histórica, pois apenas os documentos oficiais, escritos, não eram suficientes. Assim, as fontes históricas foram diferenciadas em dois tipos: material ou imaterial. As fontes materiais se referem a documentos como diários, cartas, fotografias, filmes ou achados arqueológicos como esqueletos, vasos de cerâmicas, pinturas rupestres. Já as fontes imateriais dizem respeito às festas, receitas culinárias, danças, entre outros. Além de aumentar as possibilidades de estudos históricos com a utilização de novas e diferentes fontes históricas, também foram ampliadas as pesquisas sobre o passado das pessoas a partir de aspectos relativos à existência e tratamento de doenças, mentalidades com relação à existência de epidemias, relação com a morte, religiosidade, características da alimentação, festas típicas,
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