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Histórias, Culturas e Identidades Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Yvone Dias Avelino Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos A Historiografia à serviço dos Conceitos 5 • Introdução • A Historiografia à serviço dos Conceitos · Apresentar conceitos significativos do processo cultural historiográfico postos na História por meio de interpretações de pesquisas de seus mais famosos interlocutores. · Refletir sobre o processo de desenvolvimento da História; · Apresentar conceitos e exemplos de teorias da História; · Desenvolver ideias em cima de outras colocadas pela Historiografia; · Apresentar o conceito de Representação, utilizado na contemporaneidade. Caro(a) aluno(a), Nesta unidade, vamos aprender os conceitos de História das Mentalidades, Longa Duração, História Cultural e Representação. Procure fazer as leituras e desenvolver todas as atividades propostas. Procure ler com atenção o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Procure fazer as leituras e desenvolver todas as atividades propostas. Assim, certamente vai ter um excelente aproveitamento. É importante lembrar que vários recursos, como as atividades de sistematização e aprofundamento, assim como também o fórum de discussão e a aula em vídeo contribuem para o processo de aprendizagem. Após apreender todos esses recursos, registre as dúvidas e apresente-as ao professor tutor. Nota: • Para iniciar seu estudo e desenvolver o trabalho desta unidade, primeiro acesse o item Material Didático, no qual você vai encontrar o Texto Teórico, ou seja, o texto que vai servir de base para as atividades da unidade. Leia-o com atenção. • Em seguida, verifique se houve uma suficiente compreensão do conteúdo, respondendo as perguntas das Atividades de Sistematização e, posteriormente, a Avaliação. Ambas tratam das questões fundamentais sobre o assunto abordado. • Foram disponibilizados, ainda, Materiais Complementares, Apresentação Narrada e Aula em Vídeo, para aprofundar a análise do tema. • Finalmente, realize a Atividade de Aprofundamento da unidade, pois, nela, você vai encontrar dicas para saber mais sobre os assuntos apresentados. Bons estudos! A Historiografia à serviço dos Conceitos 6 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Contextualização A importância dos estudos históricos está em outros motivos, em perceber a relação que existe entre o tempo passado e o tempo presente, e como, diante das transformações, que ocorrem na vida humana, alguns aspectos residuais ainda permanecem, enquanto outros são emergentes, derivados de um determinado contexto. Para iniciarmos esta unidade, vamos apresentar uma discussão pertinente entre especialistas que nos trazem o processo de mudanças e transformações pelas quais passaram a ciência histórica. Interessa-nos, neste momento, ressaltar a ideia de Representação, no sentido de trazer para o presente o que aconteceu no passado: um ato de “re-apresentar”. A representação pode ser narrativa, pode ser oral, pictórica, teatral, literária, fotográfica etc. É a representação das práticas do imaginário. Para esclarecer essas questões, elegemos artigos e filmes extraídos dos links apontados abaixo de cada matéria. Cultura e Representações: uma Trajetória Sandra Jatahy Pesavento Neste artigo, a historiadora gaúcha Sandra Jatahy Pesavento traz uma enorme contribuição à historiografia contemporânea, ao fazer uma análise e um balanço dos caminhos percorridos pelo historiador, realizando uma verdadeira arqueologia e identificando os precursores da História e suas redercobertas, ou seja, a história e as transformações acentuadas universalmente por várias escolas do pensamento historiográfico. Explore: Esse artigo encontra-se em formato pdf em: https://goo.gl/VRQeq8 Diário de Motocicleta Para entendermos como Che Guevara mais tarde se tornou integrante da Revolução Cubana, em 1959, indicamos este filme, que nos retrata a figura de um jovem idealista. A nossa intenção é apresentar o personagem. Explore: O filme está localizado em: https://www.youtube.com/watch?v=WhGR-CEfcCA American Life Madonna Para entendermos melhor a reapresentação de Che Guevara da cantora Madonna, na crítica que faz ao governo Bush, ressaltada em nosso Material Teórico. Veja as duas versões diferentes em: Explore: https://youtu.be/sNAw3f5VXA8 e https://youtu.be/tQpgRYmiUFw Tarsila do Amaral Como tratamos e enfatizamos em nosso Texto Teórico o conceito de representação, ressaltamos agora a figura de uma personagem brasileira, Tarsila do Amaral. Desenhista e pintora, representou em suas telas o contexto social brasileiro. Escolhemos para isso a obra “Operários”, de 1933. Para conhecermos melhor sua trajetória e o motivo que a levou ao engajamento nessas veredas, indicamos o vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=XkJ6MyETi2s https://www.youtube.com/watch?v=WhGR-CEfcCA https://www.youtube.com/watch?v=XkJ6MyETi2s 7 Introdução Esperamos que este curso sobre História, Culturas e Identidades seja bastante prazeroso e incentive à leitura, reflexão, ao gosto pela história e pelo fazer dos homens que organizam a cultura e criam identidades, gerando grupos, nacionalidades e representações diferenciadas. Em primeiro lugar, queremos destacar que alguns autores discutem a ideia de que a história não é uma ciência, mas sim, por ser uma narrativa, ela se encontra mais no campo da arte. Alguns historiadores adeptos da Nova História Cultural, que despontou recentemente, a partir da perspectiva cultural da Nova História Francesa, são os que mais defendem a proximidade da história com a arte, e não com a ciência. Isso é polêmico, pois a história se aproxima do gênero literário e, por ser também narrativa, valoriza a escrita. Mas a história é concreta, é refletida, demonstrada e comprovada, enquanto a literatura fica apenas no campo ficcional por ser arte. É claro que hoje o historiador lida tranquilamente com as diferentes linguagens, as quais lhe servem de mediação e inspiração para suas pesquisas. Saiba Mais História Cultural é considerada a corrente historiográfica predominante atualmente, e que agrega amplo espectro de campos temáticos e diversidade de objetos de pesquisa. Sobre a História Cultural, “[...] é, na realidade, o empenho de historiadores e outras áreas do conhecimento em inventar e requalificar o passado, bem como imaginar e sonhar o futuro para melhor explicar e agir no presente.” Fonte: (PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org). História Cultural. Experiências de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003, p. 212.). Indicamos a leitura dessa obra para um melhor conhecimento sobre o tema. A História não se debruça na originalidade dos acontecimentos individuais, mas sim nas especificidades deles, pois a escolha de um assunto é sempre livre. Eles não existem isoladamente e, nesse sentido, o tecido da História é que se chama “trama”. Essa trama não se organiza em uma sequência cronológica, ela pode passar de um plano para outro, sendo impossível descrever a sua totalidade. Porém, dentro da temática escolhida, os fatos e suas ligações são o que são, e nada poderá mudá-los. O historiador nunca faz o levantamento do mapa factual, ele pode, no máximo, multiplicar as linhas que o atravessam. A História é um caleidoscópio, no qual a reflexão crítica nas entrelinhas é necessária e fundamental, em que os cruzamentos de itinerários possíveis são rastreados e inteligentemente recuperados, ou seja, podemos comparar as imagens geradas nesse objeto cilíndrico com as figuras da sociedade, entrelaçadas pelo poder, pelas relações humanas, pelos fatos e dar uma interpretação a estas imagens, que mudam conforme o olhar do interpretante. Para nós, neste texto, vamos ressaltar o valor da História/Ciência, que é o que ela significa e é para nós, considerando-a um vasto repertório de interpretações temporais, culturais e identitárias que, ao longo de várias épocas, foi ocupando o pensamento do homem, que é, narealidade, o sujeito da História, sendo a sociedade o seu objeto. Glossário Um caleidoscópio ou calidoscópio é um aparelho óptico formado por um pequeno tubo de cartão ou de metal, com pequenos fragmentos de vidro colorido, que, através do reflexo da luz exterior em pequenos espelhos inclinados, apresentam, a cada movimento, combinações variadas e agradáveis de efeito visual. O nome “caleidoscópio” deriva das palavras gregas καλός (kalos), “belo, bonito”, είδος (eidos), “imagem, figura”, e σκοπέω (skopeō), “olhar (para), observar”. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caleidosc%C3%B3pio https://pt.wikipedia.org/wiki/Caleidosc%C3%B3pio 8 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Para um melhor entendimento sobre a relação entre História e Ciência, precisamos chegar a uma melhor definição sobre os conceitos de História e Cultura, que vamos trazer nas discussões de três autores, relatando um pouco da obra de cada um, por meio de uma síntese crítica, procurando, na medida do possível, estabelecer um diálogo entre eles e estas definições, que são Roger Chartier, Michel Vovelle e Jacques Le Goff. Serve este texto para esquentar as reflexões, para mais adiante podermos entrar em conceitos mais detalhados, que vão alcançar a atual História Cultural, na qual costuraremos todos os conceitos apresentados. É uma trajetória interdisciplinar, que aproveita os novos caminhos percorridos pelo historiador. Glossário Interdisciplinar, Interdisciplinaridade: discussão entre vários ramos do conhecimento ou disciplinas, em que se cruzam conceitos, saberes e práticas. Ver mais em http://www.dicionarioinformal.com.br/interdisciplinar/ A Historiografia à serviço dos Conceitos O primeiro autor que queremos discutir é Roger Chartier. Historiador francês, Chartier foi o primeiro a utilizar a ideia de “representação” para entendermos as relações entre passado e presente e projeções para o futuro, ou seja, memória, presente e projeção. Escreveu o livro “A História Cultural. Entre Práticas e Representações”1, no qual não coloca palavras e noções de forma abstrata, mas recorre à história da Historiografia, à história vivida e à história pensada, trazendo um debate sobre a História e a Historiografia. Dá temporalidade à Historiografia quando afirma que a época faz parte da história vivida. O autor historiciza esses conceitos na introdução e no primeiro capítulo desse livro. A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoantes às classes sociais, ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.2 1 CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 2 Op. Cit, pp. 16-17. http://www.dicionarioinformal.com.br/interdisciplinar/ 9 Chartier estuda, nessa obra, a historiografia francesa com crítica à História e uma reflexão da influência da sociedade francesa. A História Social é diferente da História Cultural, pois possuem tendências históricas que não são iguais, apesar de serem representações múltiplas de imagens da realidade social. Segundo Chartier, a História Institucional, dominante e forte, consequência dos princípios da Revolução Francesa e da necessidade de se manter a estrutura do Estado Nacional, e a “heroicização” de seus líderes, sentiu-se culturalmente ameaçada, diante dos acontecimentos resultantes do período das grandes guerras, sendo que, no pós- guerra, a História dos Annales levou à discussão questionamentos sobre a História que era produzida, sobre sua metodologia e suas fontes. Saiba Mais Escola dos Annales é um movimento historiográfico que se formou em torno do debate de historiadores integrantes do período acadêmico francês Annales d’Histoire Économique et Sociale. Esse movimento se destacou por incorporar métodos das Ciências Sociais à História. Fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929, propunha-se a ir além da visão positivista da história, tornando-a uma ciência reflexiva, substituindo o tempo breve pela longa duração, com o objetivo de tornar inteligíveis a civilização e as mentalidades. A Escola dos Annales renovou e ampliou o quadro das pesquisas históricas ao abrir o campo da História para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas, desbloqueando- se das Ciências Sociais (História, Sociologia, Psicologia, Economia, Geografia humana e assim por diante) e privilegiando os métodos pluridisciplinares. Veja mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_dos_Annales A história oficial, apesar das severas críticas que sofre, não devia ser sentenciada e condenada, pois teve seu papel de destaque, fazendo parte integrante da historiografia, dela se retirando e utilizando a contribuição para os estudos históricos. Para Chartier, com o alargamento do campo da História, procurava-se trazer as grandes massas para a investigação. A partir da pressão exercida pelas ciências sociais, a História, preocupada por constatar o avanço das outras ciências sobre o seu campo, trilha por novos caminhos, novas histórias. A escrita positivista que amordaçava a imaginação e delimitava as fronteiras do estudo histórico deu lugar à ampliação do objeto de estudo, permitindo à História a recriação de suas abordagens. Com a História das Mentalidades, iniciando-se como Psicologia Histórica e, mais à frente, passando à História Cultural, esta procura identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler, trazendo a sensibilidade do historiador para a própria compreensão do fato/ fenômeno. Sobre o significado de História das Mentalidades, estudaremos logo mais à frente, no segundo autor trabalhado. As representações são apreensões do real, e as subjetividades são mais vulneráveis do que as objetividades das estruturas. Portanto, não há na História Cultural ruptura com a História das Mentalidades, mas acréscimos importantes na historiografia, e acúmulo de conhecimento para a disciplina histórica, pois o terreno das construções de representações é no social, e as representações do mundo social ocorrem à revelia dos atores sociais, pois são os sistemas estruturais nos fatos sociais que condicionam o comportamento. https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_dos_Annales 10 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos O conceito de “Representação” é o de “re-apresentar”, ou seja, atualizar o passado na realidade do presente, sendo, portanto, uma apresentação em uma realidade diferente, com novos significados ou não. [...] a representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por outro, a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou de alguém. No primeiro sentido, a representação é instrumento de um conhecimento mediato, que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma “imagem” capaz de reconstitui-lo em memória e de figurá-lo tal como ele é.3 Como exemplo concreto, podemos apontar a veiculação da imagem mítica de Che Guevara, o qual se tornou ídololatino-americano após sua participação na Revolução Cubana. Médico argentino que percorreu a América Latina e conheceu Fidel Castro no México, resolveu acompanhá-lo em uma embarcação com lotação acima do permitido, indo para Sierra Maestra, tornando- se herói ao lado de Fidel na Revolução Cubana em 1959. Sua figura foi disseminada em toda América Latina pela juventude dos anos 1960, em plena contracultura e em alguns países que vivenciavam a experiência de um governo militar ditatorial, sendo retratado em camisetas que eram vendidas em lojas de grandes marcas, ou lojas populares, como um símbolo de representação da liberdade e do desejo de uma América livre da influência e da exploração norteamericana. Hoje, vemos uma nova apropriação dessa imagem icônica de um líder revolucionário aplicada nas representações artísticas e políticas, como cantores, personagens de comédias televisivas e de figuras presidenciais, como é o caso das cantoras Madonna e Cher, ou no personagem Seu Madruga do programa cômico mexicano “Chaves” e, ainda, do presidente americano Barack Obama, conforme vemos ilustrados ao lado. A significação de Che Guevara como um “herói revolucionário” alcançou todo o mundo, sendo mais pontual e explorado na América Latina. Madonna, a chamada “Rainha do Pop”, tem como característica, em sua carreira, sempre mudar de imagem, reinventando-se. Em 2003, a mesma assumiu uma posição anti-Bush, presidente dos Estados Unidos na época, e, morando em Londres durante as duas gestões presidenciais desse governante, lançou o álbum “American Life”, em que, por meio de suas letras e canções, questionou o sistema de vida americano, assumindo para si, na capa do referido trabalho, a imagem do líder oposicionista aos Estados Unidos na Revolução Cubana. A artista já havia passado por diversas fases, como menina sedutora, contestadora das religiões, mulher sexual e provocadora, entre outras, e assumiu em definitivo, nesse período, o papel de artista militante, questionando os fatos acontecidos nessa gestão, provocando o Governo Bush, tendo, no videoclipe da 3 Op. Cit, p. 20. 11 canção homônima, sósias de personalidades e do próprio Bush fumando um charuto com Saddam Hussein, líder muçulmano ditatorial e terrorista, colocando-os em posição de igualdade e caráter. De acordo com o conceito de representação, o álbum de Madonna é uma reapresentação dos valores e significados atribuídos, na imaginação da mídia, sobre a revolução que participou Che Guevara, no qual a artista ressalta a posição negativa do Governo Bush, reapresentado, então, como imperialista, antidemocrático e explorador. Já a cantora Cher aparece na capa da revista Sleazenation de 2001, caracterizada também de Che Guevara, simbolizando-a como uma militante do pop, conforme entrevista no interior da revista, visto que Cher, desde muitas décadas, está no show business. Todas essas reapresentações levam a um novo significado cultural, de acordo com as intenções da mídia. No caso do personagem Seu Madruga, do seriado humorístico Chaves, a desconstrução e reconstrução de sentidos se dá por uma leva dos ontem jovens e hoje adultos que acompanharam nos anos 1970, 1980, 1990, o seriado e, saudosistas, imprimem ao personagem de caráter duvidoso, que não gostava de trabalhar e vivia de trambiques, uma significação de herói, não pelas ações praticadas pelo personagem, mas sim pela saudade que possuem dos heróis da infância, que passam a ser catalizadores das experiências e sensações vividas na época. Atualmente, podemos citar como exemplo mais marcante dessa apropriação do sentido de líder revolucionário o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, representado na capa da Revista Veja, datada de 24 de dezembro de 2014, sob o título de “O Amigo Americano”, que, travestido de Che Guevara, aparece como símbolo de fraternidade americana, num momento em que se reestabelecem relações diplomáticas, pondo fim aos desentendimentos econômicos, sociais e políticos entre seu país e Cuba, iniciados durante a Revolução de Che ao lado de Fidel, em 1959. A figura líder de Che emoldurada no rosto de Obama é marcada pelas cores do comunismo, num vermelho gritante, e pela cor acinzentada de uma democracia americanizada, ressaltando os interesses de ambos os países em uma relação mais estreita. Essas cores também aparecem, como já vimos, nas outras apropriações de Che já citadas. Nesta imagem de Obama, podemos observar duas representações de sentidos das cores: a já citada sobre a simbologia de Che, e a utilizada na campanha presidencialista de Obama, em 2008, na qual o então candidato apresentava propostas que levavam a interpretações de uma democracia economicamente forte, era o candidato da mudança. Interessante observarmos que, na imagem original de Che, em sua boina, aparece uma estrela vermelha, símbolo de uma luta libertária, e, na de Obama, há a bandeira dos Estados Unidos. O segundo autor que trazemos para este diálogo é Michel Vovelle, também historiador francês do período dos Annales. Em sua obra “Ideologias e Mentalidades”4, na Introdução e na Primeira Parte de seus escritos, reflete a forma como os anos 1980 pensaram o conceito de mentalidades. As problemáticas levantadas em sua obra centram-se em interrogar se mentalidades são exemplos de representações. 4 VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. 12 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Michel Vovelle conceitua mentalidade como o que não está organizado ou sistematizado, e afirma que o tempo da mentalidade é diferente do tempo do econômico, do político, pois é um tempo mais longo, constrói-se na longa duração. Vovelle reúne tendência historiográfica contemporânea francesa em forma de síntese: restos do positivismo, marxismo, representando a primeira geração dos Annales. Segundo o historiador, o conceito de mentalidade passou por metamorfoses, ou seja, mudanças. Passou de uma coleção de valores para uma história das atitudes e dos comportamentos, do estudo das elites para os marginalizados desviantes. Ideologia é intelectual e, mentalidade, é experiência, empirismo, prática. Segundo Ana Maria Mauad: Não é de hoje que a história proclamou sua independência dos textos escritos. A necessidade dos historiadores em problematizar temas pouco trabalhados pela historiografia tradicional levou- os a ampliar seu universo de fontes, bem como a desenvolver abordagens pouco convencionais, à medida que se aproximava das demais ciências sociais em busca de uma história total. Novos temas passaram a fazer parte do elenco de objetos do historiador, dentre eles a vida privada, o quotidiano, as relações interpessoais, etc. Uma micro-história que, para ser narrada, não necessita perder a dimensão macro, a dimensão social, totalizadora das relações sociais. Neste contexto uma história social da família, da criança, do casamento, da morte etc. passou a ser contada, demandando, para tanto, muito mais informações que os inventários, testamentos, curatela de menores, enfim, tudo o que uma documentação cartorial poderia oferecer. A tradição oral, os diários íntimos, a iconografia e a literatura apresentaram-se como fontes históricas da excelência das anteriores, mas que demandavam do historiador uma habilidade de interpretação com a qual não estava aparelhado. Tornava-se imprescindível que as antigas fronteiras e os limites tradicionais fossem superados. Exigiu-se do historiador que ele fosse também antropólogo, sociólogo, semiólogo e um excelente detetive, para aprender a relativizar, desvendar redes sociais, compreender linguagens, decodificar sistemas de signos e decifrar vestígios, sem perder, jamais, a visão do conjunto. Michel Vovelle, na primeira parte de “Ideologias e Mentalidades”, discute a relação entre iconografia e história das mentalidades, destacando a sua utilização por parte dos historiadores da Idade Média que – ao analisarem ex-votos, altares, estátuas etc.– buscaram traçar tanto uma geografia do sagrado como o perfil das sensibilidades coletivas no passado. Os problemas levantados por Vovelle convergem para uma única questão: “Pode-se, efetivamente, elaborar uma verdadeira semiologia da imagem?”.5 Com isto, a autora afirma que, para Vovelle, a História das Mentalidades não é uma história antimarxista, pois não há embate entre as duas escolas. O marxismo serve de base, de terreno para as mentalidades, sendo a longa duração uma lógica histórica inovada e interpretada em um dos estudos mais importantes sobre este conceito, que é o de Fernand Braudel, em sua Tese intitulada “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II”6. A importante figura desse historiador nos faz voltar um pouco no tempo e nos fatos para entendermos o significado de sua obra para os estudos de Vovelle. Para que possamos conhecer melhor esse personagem, trazemos alguns dados pertinentes sobre a trajetória acadêmica braudeliana. 5 MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e história interfaces. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol. I, nº 2, 1996, pp. 5-6. 6 BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II - 2 vols. Lisboa, Publicações D. Quixote. 13 No começo do século XX, a cidade de São Paulo, embora enriquecida pelo resultado da exportação do café, ainda não possuía uma universidade, possuía apenas faculdades. Em 1934, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de São Paulo, convidou Fernand Braudel e o antropólogo Claude Lévi-Strauss para ajudarem na criação de uma universidade paulistana com cunho no pensamento francês dos Annales. Era uma resposta a Getúlio Vargas, Presidente do Brasil, ao fracasso da “Revolução” Paulista de 32. Isto resultou na criação da Universidade de São Paulo, onde Braudel lecionou de 1935 a 1937. Anos depois, Braudel afirmou que esse tempo no Brasil foi “o melhor período de sua vida”. Com o surgimento da 2ª Guerra Mundial, em 1939, Braudel foi convocado para o serviço militar francês. Em campo de guerra, posteriormente, foi preso, em 1940, pelos alemães e permaneceu prisioneiro em um campo em Lübeck, na Alemanha. Foi lá que Braudel elaborou o trabalho acima citado. Não tendo acesso a seus livros ou notas, baseou-se apenas na sua grandiosa memória e numa biblioteca local, visitada anteriormente. Dentro da Escola dos Annales, Braudel tornou-se um dos principais historiadores da segunda geração de historiadores dos Annales após 1945, entre outros, como Georges Duby e Pierre Chaunu. Saiba Mais Para entendermos o processo da criação da Universidade de São Paulo e o encaixe do pensamento francês, junto aos temas estudados, vejamos o documentário da TV Cultura sobre a Criação da USP, em: https://www.youtube.com/watch?v=Etza5IiTeZY O reconhecimento acadêmico sobre os estudos de Braudel decorre em parte de sua obra, mas principalmente de seu sucesso em fazer da escola dos Annales o mais importante incentivador da pesquisa histórica, na França e em grande parte do mundo, após a década de 1950. Sendo como já afirmamos acima, o principal líder da escola historiográfica dos Annales, nas décadas de 1950 e 1960, exerceu enorme influência na escrita da História, refletindo, assim, nos trabalhos de Vovelle. Braudel é considerado um dos maiores historiadores modernos, grande crítico do papel dos fatores socioeconômicos em grande escala na pesquisa e escrita da História. Ele também é considerado um dos primeiros estudiosos da teoria dos sistemas-mundo, teoria das relações internacionais, da geoeconomia e da economia política internacional, que diz respeito ao estudo dos núcleos sociais e suas inter-relações com o avanço do capitalismo mundial como força determinante entre os vários países, sejam de pequeno ou grande porte. Para entender o que é a teoria dos sistemas-mundo, acesse: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_sistema-mundo Uma característica do trabalho do Braudel era sua atenção sempre voltada para o sofrimento dos povos marginalizados, o que Michel Vovelle também ressalta. Braudel observou que muitas das fontes históricas que permaneciam em circulação apenas valorizavam as classes ricas alfabetizadas. Valorizou a considerada vida efêmera dos escravos, servos, camponeses e dos pobres urbanos, demonstrando contribuição destes personagens para o acúmulo de riqueza e poder dos seus respectivos senhores e das sociedades. O trabalho de Braudel foi muitas vezes ilustrado com representações contemporâneas da vida cotidiana destes esquecidos pela história positivista, e raramente com imagens de nobres ou reis. Nesse sentido, podemos fazer uma conexão entre os autores com os quais estamos dialogando, ou seja, Chartier, Vovelle e Le Goff e que, inseridos dentro da Nova História, dão a ela uma nova roupagem. https://www.youtube.com/watch?v=Etza5IiTeZY https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_sistema-mundo 14 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Após nosso contato com o “pai” da história de longa duração, figura de destaque para que saibamos que os acontecimentos e as temporalidades são importantes para novas definições postas no processo da representação, voltemos à nossa proposta inicial, que é estabelecermos, entre três autores e suas respectivas obras, um diálogo entre os conceitos de cultura e representação, formulados por eles. Apresentamos, agora, nosso terceiro autor, Jacques Le Goff, com seu texto “As Mentalidades: Uma História Ambígua”7, escrito nos anos 1970, que trouxe a contribuição da História das Mentalidades para o estudo das representações. Deu esse historiador francês à Historiografia novos subsídios, pois mostrou a delimitação da História das Mentalidades e o que a mesma já vinha produzindo desde o início do Século XX. O autor não faz uma crítica à estrutura marxista, mas indica quais os pontos que estavam obscuros e que não conseguiam ser mostrados pela História oficial. [...] a história das mentalidades não se define somente pelo contato com as outras ciências humanas e pela emergência de um domínio repelido pela história tradicional. É também o lugar de encontro de exigências opostas que a dinâmica própria à pesquisa histórica atual força ao diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral.8 Outras dimensões dos fatos/fenômenos históricos dos debates dos anos 1960 no estudo das mentalidades faz surgirem agora novas abordagens. Le Goff reflete sobre a história das mentalidades, mas sem abandonar os aspectos econômicos e sociais. Mentalidades e representações podem ser repetições, e a coerência dos fatos históricos é a mistura de temporalidades e tensões existentes numa falta de linearidade e de múltiplas faces. O lugar de construção das mentalidades é sempre no coletivo, e manifesta-se de maneira impessoal, pois uma pessoa carrega as mentalidades porque ela é uma construção coletiva. A mentalidade se constrói no social, e não é um indivíduo que a constrói. Segundo Le Goff: A história das mentalidades obriga o historiador a interessar- se mais de perto por alguns fenômenos essenciais de seu domínio: as heranças, das quais o estudo ensina a continuidade, as perdas, as rupturas (de onde, de quem, de quando vem esse hábito mental, essa expressão, esse gesto?); a tradição, isto é, as maneiras pelas quais se reproduzem as sociedades, as defasagens, produto do retardamento dos espíritos em se adaptarem às mudanças e da inegável rapidez com que evoluem os diferentes setores da história. Campo de análise privilegiado para a crítica das concepções lineares a serviço histórico. A inércia, força histórica capital, mais fato referente ao espírito do que à matéria, uma vez que esta evolui frequentemente mais rápido que o primeiro. Os homens servem-se das máquinas que inventam, conservando as mentalidades anteriores a essas máquinas. Os automobilistastêm um vocabulário de cavaleiros; os operários das fábricas do Século XIX, a mentalidade de camponeses, seus pais e avós. A mentalidade é aquilo que muda mais lentamente. História das mentalidades, história da lentidão na história.9 7 LE GOFF, Jacques. As Mentalidades: Uma história ambígua, In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. 8 Op. Cit, p. 72. 9 Op. Cit, p. 72. 15 Com isso, Le Goff quer nos dizer que a ideia de coletivo é sociológica, e a sociedade é campo do coletivo, e comprova a relação da História com os outros campos de estudo, principalmente com as ciências sociais. O método utilizado pelo historiador das mentalidades é realizar um estudo arqueológico e, depois, definir um estudo psíquico, pois tudo é fonte para o estudo das mentalidades, alargando o campo da pesquisa e do estudo da História, diferentemente do que ocorria na História Oficial, que somente aceitava fontes e documentos ditos oficiais. Recuperando as ideias até agora aqui apresentadas, gostaríamos de ressaltar a importância desses avanços históricos que entrelaçam outros campos do conhecimento, onde o historiador se desbloqueia e dialoga com a música, com a literatura, com o cinema, com a fotografia, com as artes plásticas, com o teatro, com a dança etc. Esses autores, sobretudo Chartier, debruçam-se muito sobre a Literatura, campo que muito nos agrada, assim como as artes plásticas, ressaltadas, aqui, em nossa citação de Ana Maria Mauad. Um de nossos estudos sobre arte urbana e reminiscências rurais10 traz essa discussão tão bem elaborada desses autores numa análise da História por seus agentes sociais menos expressivos, exemplificados na obra da pintora e desenhista brasileira Tarsila do Amaral, que nasceu em Capivari, cidade do Estado de São Paulo, “[...] cuja obra é um verdadeiro documento/monumento da pintura moderna no Brasil, aliás, um dos mais expressivos exemplos dessa época”11. Tarsila, pela sensibilidade feminina e dotada de forte intuição e sólida educação, percebe dentro da cultura brasileira elementos que passam a ser expressos através de outras linguagens. Na obra “Operários”, de 1933 – óleo sobre tela de 150 cm por 205 cm, numa coleção do Governo do Estado de São Paulo, no Palácio Boa Vista em Campos do Jordão –, o cenário urbano está em destaque, com arranha-céus, torres e chaminés. As cores são variadas, onde se destacam argila/pele, marrons, brancos, negros, azuis, cinzas e carmim, que dão sensação de intensidade, de luz e do sombrio. A obra é totalmente marcada por rostos, que representam as etnias e as origens dos personagens, oriundos em sua grande maioria do campo, tanto europeu, africano e brasileiro, propondo uma leitura de inter-dependência campo/cidade, estabelecendo uma dinâmica de relações humanas, técnicas e econômicas. A tessitura da tela traz a identidade dos operários, nos múltiplos rostos de diversas origens étnicas, de variedade de culturas, mas com a expressão de uma mesma realidade, promovida pelo capital. 10 AVELINO, Yvone Dias, Et. Al. Arte Urbana e Reminiscências Rurais na Obra de Tarsila do Amaral. In: Revista Projeto História. Nº 19. Campo e Cidade. Programa de Estudos Pós-Graduados em História – PUC-SP. São Paulo: EDUC, 1999. 11 OP. Cit, p. 102. 16 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Operários (1933) – Tarsila do Amaral Coleção do Governo do Estado de São Paulo, no Palácio Boa Vista – Campos do Jordão. A obra é uma denúncia da massificação do mundo do trabalho, como sendo a peça de uma engrenagem. As posições dos rostos distinguem o feminino do masculino, onde as mulheres aparecem mais sofridas, e suas expressões são contraditórias, alegria/esperança, dor/tristeza, sendo mais significativas que as correspondentes masculinas. Lembremos que, no século XX, a presença da mulher na sociedade e na cultura começa a ser apresentada de forma diferente da do século XVII ou XVIII, ou seja, já é uma nova representação do feminino. Os homens, na sua maioria, são brancos, aparecendo apenas dois negros e um mulato. Curiosamente, o escritor Mário de Andrade, amigo íntimo de Tarsila, com quem travou várias trocas de correspondências ao longo do tempo, aparece pintado nesta obra. Na étnica feminina, aparece apenas uma mulata. As representações do masculino valorizam os bigodes, os cabelos curtos e penteados. O mesmo acontece com a iconografia das mulheres, destacando seus traços femininos, o que demonstra a preocupação, na época, pela higienização e assepsia do trabalhador, veiculados nos discursos médicos, sanitaristas e arquitetônicos. Podemos afirmar que Tarsila demonstra uma grande simpatia pelo movimento operário internacional e, nessa pintura, valoriza as múltiplas expressões étnicas, culturais e sexuais dessa composição. A pintora tem uma grande sensibilidade pelas questões sociológicas, antropológicas e políticas, que estão sendo objeto de outras manifestações culturais discursivas, sobretudo nas relações entre o arcaico e o moderno, a tradição e a ruptura, o popular e o erudito, o campo e a cidade. Dessa forma, encerramos aqui essas reflexões sobre História, Cultura e Representação, esperando que, com este aprendizado, possam ser captados outros elementos da História, Culturas e Identidades, por meio dos estudos da Representação e da História Cultural. 17 Material Complementar Sites: Para um melhor entendimento sobre a força e os significados da imagem icônica de Che Guevara e a sua trajetória histórica, leia o artigo que se encontra no site: https://pormaopropria.wordpress.com/2012/10/09/che-a-viagem-de-uma-imagem/, de Alberto Bonnet. Faça um texto sobre um exemplo de reapresentação de um símbolo forte imagético, de sua escolha. 18 Unidade: A Historiografia à serviço dos Conceitos Referências AVELINO, Yvone Dias. et. al. Arte Urbana e Reminiscências Rurais na Obra de Tarsila do Amaral. In: Revista Projeto História. Nº 19. Campo e Cidade. Programa de Estudos Pós- Graduados em História – PUC-SP. São Paulo: EDUC, 1999. BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II. 2 vols. Lisboa, Publicações D. Quixote. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. LE GOFF, Jacques. As Mentalidades: Uma história ambígua, In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: Novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e história interfaces, In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol. I, nº 2, 1996, pp. 5-6. VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. 19 Anotações
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