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História da África: Questões Gerais Introdutórias Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura Revisão Textual: Profa. Ms. Rosemary Toffoli A África Independente e o Contexto Mundial 5 • Introdução • Conflitos e tensões • A nova África do Sul • As transformações econômicas e sociais • África, diamantes e os senhores da guerra • A China negra • De escravos a cobaias · Entender a África independente dentro do contexto do capitalismo global, a relação com os organismos internacionais, os grandes desafios e dilemas para o desenvolvimento da África. Caro(a) aluno(a), Leia atentamente o conteúdo desta Unidade, que lhe possibilitará conhecer as dimensões econômica, social e política do processo de independência nas nações do Continente Africano e suas relações mundiais. Você também encontrará atividade composta por questões de múltipla escolha, relacionada ao conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater questões no fórum de discussão. É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações, possibilitando-lhe o aprofundamento de seus estudos sobre este assunto. Bons estudos! A África Independente e o Contexto Mundial 6 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial Contextualização Para iniciar esta Unidade, com base na ilustração abaixo, reflita sobre a partilha da África entre as nações europeias. Trata-se de uma representação dos interesses da Europa em relação à África, grande fornecedora de mão de obra escrava, usada especialmente na exploração do Novo Mundo, a América, entre os séculos XVI e XIX. A figura mostra a partilha da África pela Europa. África 1937 - 1945 África ocidental francesa Argélia Líbia Egíto Nigéria Costa do OuroLibéria Camarões Angola Madagascar Sudão anglo-egípcio Quênia Uganda Marrocos Território controlado pela União Sul-Africana Inglês Francês Português Belga Espanhol Itáliano Rio do Ouro Marrocos Espanhol Guiné espanhola Guiné portuguesa Oceano Atlântico Oceano Índico União Sul-africana Sudoeste africano Rodésia do norte Somálilândia África Oriental Italiana Tanganica Congo belga Somália britânica Rodésia do sulBechuana lândia Áf ric a e qu ato ria l fr an ce sa Colônias - Territórios - Protetorados Estados independentes 7 Introdução A luta pela soberania das colônias da África governadas por potências europeias não termina com a independência política dos países desse continente. Torna-se determinante que esses novos países consigam agora suas independências econômicas, sociais e políticas. Além de se inserirem no mapa mundial e descobrir qual foi o efeito gerado e produzido pela África sobre os países e potências do Ocidente, em um movimento contrário – uma vez que são conhecidos os resultados da influência europeia na África entre os séculos XVI e XIX. Ao combater pela conquista de sua própria independência, a África contribuiu também para modificar o curso da história europeia, inclusive, mundial. Evidentemente, desde 1935, e especialmente no período pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a África foi incorporada e participou mais estreitamente do que nunca do sistema mundial, sendo importante ressaltar que ela não era simplesmente um continente passivo submetido às ações dos demais. As próprias ações da África igualmente contribuíram para transformar os destinos de outros. Se é verdade que a África foi, como continente, submetida pela Europa, pelo conflito que a forçou a se reconhecer a si própria; por sua vez, a Europa foi forçada, em certa medida, a assimilar a lição de responsabilidade internacional e de humildade democrática que o desafio africano lhe impunha. Toda a história da descolonização no século XX também deve ser vista como um processo pelo qual os oprimidos acabaram por compreender plenamente quem são eles na realidade, ao passo que os opressores começavam a aprender sobre a humildade inerente ao sentimento de ter que prestar contas ao mundo inteiro, em matéria de humanidade. A história da África desde 1935 deve ser recolocada no contexto dessas contradições maiores. (MAZRUI, 2010, p. 10). 8 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial Conflitos e tensões A ordenação da economia mundial construída nos séculos XIX e XX não mudou substancialmente. A exploração continua em menor ou maior grau, em quase todos os países africanos, que não conseguiram consolidar a sua soberania política como uma verdadeira independência econômica. Após meio século de formação política, da maioria dos novos estados do continente, a África ainda tem como problema estrutural aqueles herdados do colonialismo e do imperialismo, segundo os quais as diferentes formas de organização permanecem atrelados ao jogo neocolonial (ANJOS, 2006, p.77). Percebe-se que a abundância de recursos minerais, objetos de cobiça e exploração de séculos da África, continua sendo, sem dúvida, a questão estrutural dos conflitos políticos, já que o continente possui taxas significativas dessas riquezas no cenário global. Riquezas Enterradas Da África · 80% das jazidas de diamante conhecidas. · 60% do ouro do mundo ocidental. · 30% do alumínio mundial está na África. · 35% das reservas de zinco do ocidente. · As maiores reservas de cobre estão na Zâmbia e na República Democrática do Congo. · 50% dos depósitos de fosfato estão no Marrocos. FONTE: Educação, Africanidades, Brasil, 2006. Os demais conflitos existentes entre as nações africanas estão ligados às heranças coloniais que ainda não foram rompidas; às desavenças oriundas de grupos étnicos africanos causadores de extensos movimentos migratórios e pelos questionamento das fronteiras históricas dos antigos reinos em relação aos limites retilíneos impostos pelos estados europeus. África - Conflitos Político-Territoriais - anos 80 Fonte: ANJOS, R.S.A. Projeto retratos da África. Revista Humanidades Ano VI – Editora UnB, Brasília MALIMARITÂNIA COSTA DO MARFIM NIGER NIGÉRIA CHADE ÁFRICA CENTRAL CAMARÕES RUANDA ZAIRE GABÃO CONGO UGANDA ARGÉLIA MARROCOS SAARA OCIDENTAL SENEGAL LÍBIA TUNÍSIA EGÍTO SUDÃO ERITRÉIA ETIÓPIA SOMÁLIA MADAGASCAR LESOTHO ÁFRICA DO SUL NAMÍBIA BOTSUANA ANGOLA ZÂMBIA ZIMBABUE MOÇAMBIQUE TANZÂNIA SUAZILÂNDIA QUÊNIA Base militar britânica Território invadido pelo Marrocos Países da “Linha de frente” Território em crise aguda Base militar francesa Incidente de fronteira Base militar americana Território em tensão Território ocupado ilegalmente pela África do Sul 0 500 1000 1500 Km 9 A nova África do Sul A possível dissolução da aliança entre racismo e capitalismo na África do Sul apresenta-se como a característica central do período atual. Capitalismo e apartheid: estariam eles em vias de tornarem-se incompatíveis? Embora o apartheid possa não derivar da ruptura da sua aliança, o capitalismo na África do Sul é perfeitamente capaz, por sua vez, de manter-se intacto, uma vez terminada a luta. O reino político provavelmente não conheceria o socialismo. Glossário Apartheid: termo empregado para designar a separação racial imposta aos negros pela maioria branca na África do Sul Pode-se observar que, em 1980, na África do Sul, teve início os primeiros sinais dessa evolução do nascimento de um novo país. Os otimistas não hesitarão em destacar semelhanças com a revolução etíope de 1974 ou com a revolução iraniana de 1979, ambas iniciadas por meio de manifestações de rua e desenvolvidas até o sucesso total. O Irã e a Etiópia pré-revolucionários viviam, um à imagem do outro, sob a égide de uma aliançaentre um regime interno feudal e o capitalismo internacional. Embora os dois regimes vigentes no Irã e na Etiópia estivessem estabelecidos há séculos e mais séculos, eles foram, todavia, derrubados após poucos meses de manifestações. (MAZRUI, 2006, p.145) A aliança entre o feudalismo interior e o capitalismo internacional esvair-se-ia rapidamente. O apartheid certamente resistiria durante período maior, comparativamente aos regimes do xá e de Haïlé Sélassié, mas a supremacia racial tampouco. Esse sistema seria derrubado, desta feita, não sob a pressão das ruas ou pela intervenção externa de exércitos africanos. Somente uma luta internamente organizada poria termo ao apartheid. Os exércitos africanos, susceptíveis de intervirem do exterior, qualificam-se indubitavelmente pela organização, entretanto, por definição, eles não fundariam sua ação com base no interior. As manifestações de rua nas cidades da África do Sul, por sua vez, ainda não constituem uma forma de luta organizada. Estados africanos podem apoiar, alimentar e armar os membros de uma frente interna de libertação, todavia, na ausência de uma guerrilha interna organizada, com os seus combatentes e sabotadores, a vitória não seria conquistada. Sanções econômicas internacionais poderiam provocar a mudança decisiva? Falta-nos distinguir as sanções ou o boicote de natureza expressiva e as sanções ou o boicote de caráter instrumental. O boicote expressivo é um julgamento moral; o boicote instrumental pretende-se uma ferramenta política. As sanções internacionais não se desdobrariam, isoladamente, no estabelecimento de um sistema ancorado no sufrágio universal. Os boicotes expressivos tendem a elevar o moral dos oprimidos, os boicotes instrumentais do Ocidente podem incitar o regime a liberalizar-se, mas não a ponto de instaurar um sistema realmente democrático. Conduzida internamente, a luta armada é, portanto, convocada a compor o núcleo da revolução. (MAZRUI, 2006, p.146) Outra questão paira sobre as armas nucleares da África do Sul, que poderiam ser usadas para manter o apartheid. Há um quarto de século, Kwame Nkrumah advertia a África sobre duas espadas de Damoclès, suspensas sobre a sua cabeça: o racismo, por um lado, e a arma nuclear em mãos hostis, por outro. À época, os franceses testavam as suas armas nucleares no Saara. O norte da África sofria, portanto, uma profanação nuclear e o sul, uma violação racial. 10 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial Posteriormente, a França ajudou Israel a dominar os seus próprios meios nucleares, em Demona, e Israel, por sua vez colaborou para dotar a África do Sul da arma nuclear. Mas o armamento nuclear disponível ao regime poderia mudar algo quanto ao futuro reservado ao apartheid? A resposta é: “Não” ou, mais precisamente: “Não, ao menos, com relevância.” (MAZRUI, 2006, p.146) A África do Sul pode utilizar seu estatuto de potência nuclear para intimidar Estados vizinhos ou dissuadir países como a Nigéria, mas ela não pode empregar as suas armas nucleares nas ruas de Soweto. No momento em que o racismo desfavorece em demasia o funcionamento das leis da oferta e da procura e quando o racismo econômico perde a sua eficácia, o capitalismo tende a se sentir traído. Foi o que aconteceu na época do tráfico dos escravos. Durante certo tempo, o capitalismo assentou a sua prosperidade sobre a escravatura, em seguida, concomitantemente ao aumento da eficácia das técnicas, o recurso a uma mão de obra servil justificou-se de menos em menos em relação ao trabalho assalariado. (MAZRUI, 2006, p.147) A Grã-Bretanha, de principal potência escravista no século XVIII, tornou-se a principal potência abolicionista do século XIX. Outrossim, a aliança entre o capitalismo e o apartheid justificara-se − embora de forma míope – no plano econômico, inclusive, atualmente. Se hoje ela se encontra comprometida, é porque o capitalismo poderia tirar proveito da abolição do apartheid: 1 O poder de compra dos negros poderia doravante elevar-se em proporções espetaculares, caso o sistema se tornasse, por pouco que fosse, mais equitativo. 2 O nível de competência dos negros melhorou, permitindo, dessa forma, o emprego das forças produtivas com mais eficácia que outrora. 3 Uma melhoria do sistema de educação e de formação dos negros poderia transformar, em pouco tempo, a África do Sul em uma espécie de Austrália negra − um país rico e fortemente industrializado. 4 A oposição ao apartheid cria atualmente uma atmosfera de instabilidade malsã e inapropriada para o capitalismo. 5 Finalmente, a instabilidade, por sua vez, engendra a incerteza; assim, o investimento capitalista exige uma relativa previsibilidade do porvir. Ademais, a escalada da repressão na África do Sul escandaliza importantes frações da opinião pública ocidental, desencadeando a pressão destes grupos sobre as empresas comerciais e as redes de lojas. Entre as grandes sociedades ocidentais que retiraram os seus investimentos figuram notadamente: a IBM, a General Motors, o Barclays Bank, a Coca-Cola e a Kodak. Anteriormente a elas, numerosas instituições haviam fechado as suas contas no Barclays Bank seguindo, nesta ocorrência, o exemplo oferecido pela Nigéria há alguns anos. Enfim, os meios empresariais receiam que uma luta prolongada contra o racismo degenere em um combate contra o capitalismo, em consequência de uma radicalização do movimento ativista (à imagem do ocorrido em Angola, em Moçambique e, em certa medida, no Zimbábue). 11 Cedo ou tarde, o capitalismo deverá reduzir as suas perdas − e romper os seus elos com o apartheid. Em situação de plena evolução, ele deve proteger os seus interesses. (MAZRUI, 2006, p.147). Em nenhum outro lugar da África, o reino político pode receber tanto em troca quanto na África do Sul. A potente industrialização criada pela mão de obra negra e pela técnica ocidental, as enormes reservas minerais reservadas ao país pela natureza, a disciplina forjada na longa luta dos africanos pela justiça e as novas vantagens que lhe conferem o estatuto de potência nuclear constituem, com efeito, fatores que reforçam consideravelmente o significado de um reino político sul-africano, cujo futuro estaria em mãos da maioria antes do final deste século. O dia em que toda a riqueza da África estiver efetivamente sob a autoridade soberana da África − da Cidade do Cabo ao Cairo, de Dar es-Salaam a Dakar − poder- se- á, enfim, julgar com todo rigor a exortação imperecível de Kwame Nkrumah: “Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado em suplemento.” (MAZRUI, 2006, p.149) 12 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial As transformações econômicas e sociais Ao longo dos anos 1945-1948, a aspiração por uma vida melhor e distinta manifestou- se de modo por vezes explosivo, em razão do regime político-econômico imposto durante a guerra. Os excessos do “esforço de guerra”− trabalhos forçados e confisco de produtos −, a penúria e as vertiginosas altas nos preços criaram um mercado negro e, em combinação com bloqueios salariais e métodos autoritários da chefaria e das autoridades coloniais, produziram, em conjunto, uma situação que se tornou insuportável quando a paz foi restabelecida. Nesse contexto, a aspiração das elites em verem reconhecidos os seus direitos e a sua vocação em desempenhar um papel político-econômico apoiar-se-á sobre um profundo movimento popular, no qual as reivindicações econômicas estão estreitamente associadas às reivindicações anticoloniais, tais como a abolição do trabalho forçado e da discriminação racial e a concessão de direitos políticos. Essa unanimidade esconde divergências que aparecem desde o fim dos anos 1940 e, sobretudo, apos as independências. No que diz respeito a certos setores burgueses, o objetivo limita-se a ocupar o lugar dos europeus;quanto às massas, a aspiração pela libertação nacional está indissociavelmente ligada a um projeto de libertação social. Certos líderes originários da elite (dentre os quais uma minoria de formação escolar baseada no tipo europeu) transformam-se em porta-vozes destes anseios populares; prosseguir este caminho até as últimas consequências supõe a aceitação, por parte destas camadas sociais, do “seu suicídio como classe”, para retomar uma célebre fórmula de Amilcar Cabral, este itinerário não foi o mais frequente. (MAZRUI, 2006, p.193) Nos anos pós a Segunda Guerra, a penúria se manteve e os primeiros “planos” implementados nas colônias visavam reforçar o papel dessas últimas como fornecedoras de matérias-primas. Posteriormente, esses objetivos seriam um pouco modificados, guardando, contudo, o seu foco no desenvolvimento de produções primárias e nos investimentos orientados essencialmente para equipamentos indispensáveis, como portos, aeroportos, estradas e centrais elétricas. As necessidades de otimizar o emprego na economia de mão de obra suficientemente qualificada e em boas condições de saúde, conjugadas com as aspirações da população, tiveram como efeito incitar as autoridades coloniais em fazer um esforço nos setores da saúde, da educação, entre outros. (MAZRUI, 2010, p. 193) Já o atraso econômico da África Ocidental − onde persiste a “economia de tráfico” −, agravado pelos anos de guerra, tornou indispensável uma participação dos Estados coloniais nos investimentos de além-mar, o que fora geralmente excluído no pré-guerra. O vocábulo e o mito da “ajuda” terão o seu surgimento. No quadro dessa economia de tráfico, até o fim dos anos 1950, as produções agrícolas para exportação se desenvolvem, mas também as indústrias de extração, praticamente ausentes no domínio francês antes de 1949-1951, alcançam certo ímpeto. As indústrias de transformação começam a ganhar força, essencialmente nas capitais-porto, sob a forma de indústria de “substituição das importações” ou da primeira transformação, beneficiamento, de produtos exportáveis. (MAZRUI, 2006, p.194) 13 No plano social, esse período proporciona a criação de novas escolas primárias, enquanto colégios universitários são abertos em Ibardan, na Nigéria, e em Legon, na Costa do Ouro (atual Gana). Após a guerra, a urbanização também apresenta um grande impulso, pois os jovens desempregados, tendo deixado a escola, abandonam em número cada vez mais elevado os campos, para buscar nas cidades emprego e distração. Além disso e, ao mesmo tempo, africanos ocidentais, tendo recebido no estrangeiro uma educação e uma formação de advogados, médicos ou engenheiros (sobretudo, advogados) começam a retornar ao país, em número cada vez maior, principalmente na África Ocidental Britânica (MAZRUI, 2006, p.194) Todas essas transformações provocam um constante aumento, por um lado, no número dos membros da burguesia no conjunto das profissões liberais, − advogados, médicos, universitários, funcionários públicos, bem como nos meios pequeno-burgueses africanos dos homens de negócio − e, por outro lado, no peso social da classe laboral formada por professores, mecânicos, motoristas, mineiros, ferroviários, comerciários e pequenos comerciantes africanos. Tais transformações desembocam, sobretudo, em uma cada vez maior concentração de desempregados, tendo abandonado a escola em algumas cidades, ora capitais, ora centros administrativos ou mineiros. Nas zonas rurais, onde continua a viver grande parte da população africana, assiste-se também a um crescimento regular no número de cultivadores de cacau, de plantadores de amendoim, de produtores de café e de trabalhadores rurais, sobretudo na Costa do Ouro, na Nigéria e na Costa do Marfim. As quatro colônias britânicas são sensivelmente desenvolvidas, comparativamente aos limítrofes e circundantes territórios francês e português. No plano econômico, elas têm uma rede ferroviária mais ramificada e a sua produção agrícola e mineral é muito maior. No plano sociocultural, a Nigéria, cuja população supera em número o total de habitantes das colônias francesas, pode se gabar da existência, já secular, de uma elite anglicizada (advogados, pastores, professores) e de uma imprensa africana também quase secular. (MAZRUI, 2006, p.194) Não se pode deixar de notar as mudanças ocorridas na África Ocidental durante a década posterior à Segunda Guerra Mundial. Se foi necessário às potências imperialistas europeias, cerca de vinte anos, a partir de 1880, dividirem e ocuparem a África, a maioria dos Estados africanos, por sua vez, foi necessário, aproximadamente, o mesmo tempo para alcançarem a sua independência e soberania política após a guerra. (MAZRUI, 2006, p.195) Nas quinze colônias da África Ocidental, onze haviam reconquistado sua soberania política desde 1960, o seu número não atingira menos de nove somente no ano de 1960; houve, ainda, nessa região a ocorrência de duas outras reconquistas de soberania, entre 1961 e 1965; e, finalmente, ainda duas últimas conquistaram a sua independência, em 1973 e 1974. Quatro dessas colônias eram britânicas − a Nigéria, a Costa do Ouro (atual Gana), a Serra Leoa e a Gâmbia − e nove francesas − o Daomé (atual Benin), a Guiné, a Costa do Marfim, o Sudão (atual Mali), a Mauritânia, o Níger, o Senegal, o Togo e o Alto Volta (atual Burkina Faso); as outras eram portuguesas: o Cabo Verde e a Guiné Bissau. A Costa do Ouro foi a primeira dentre as colônias britânicas a ganhar a sua batalha pela derrubada do colonialismo; a ela seguiu-se a Nigéria, em seguida a Serra Leoa e, enfim, a Gâmbia. Entre as colônias francesas, a Guiné foi a primeira a emancipar-se, em 1958, seguida pelas outras que, em sua totalidade, reconquistaram a sua soberania no desenrolar do único ano de 1960. As últimas colônias da África Ocidental a rejeitar o colonialismo foram as colônias portuguesas do Cabo Verde e da Guiné Bissau. 14 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial África, diamantes e os senhores da guerra Nesse contexto, pode-se perceber que, nas vitrines reais ou nas das lojas virtuais da internet, os produtos mais procurados e expostos são os que levam algum tipo de tecnologia eletrônica. São verdadeiros objetos de desejo de milhares e milhões de pessoas (diga-se, consumidores) espalhadas pelo mundo. E que, a cada dia, ganham mais divulgação nas diversas mídias existentes na atualidade. No entanto, por trás de muitos desses produtos há muito mais que tecnologia: há uma história que leva ao continente africano. Uma cadeia de negócios que envolvem as guerras e os conflitos internos daquela região. (CAMPOS, CLARO, DOLHNIKOFF, 2012, p.343) Como registrado na unidade anterior (A Luta pela Soberania Política na África), o continente africano responde por 80% das reservas de coltan (columbita-tantalita, ou apenas “coltan”, essencial para as indústrias de eletrônicos), que estão localizadas na República Democrática do Congo. Computadores, telefones celulares, aparelhos de DVD, videogames e câmeras digitais usam essa liga metálica em suas linhas de produção. No entanto, para sair dessas minas e até chegar aos celulares, por exemplo, percorrem um caminho marcado por guerras e mortes. “Sua exploração é apontada como um dos principais combustíveis que alimenta a guerra civil no país. Mas há outros: reservas de diamantes, cobaltos e cobre. Uma rede que envolve governo, grupos armados, empresas multinacionais, indústria armamentista e exploração do trabalho infantil. Um comércio que já deixou um saldo de mais de 3 milhões de mortos” (CAMPOS, CLARO, DOLHNIKOFF, 2012, p.343.) Outra importante fonte de cobiça para os mercadores consumidores de todo o mundo são as pedras preciosas, em especial, o diamante, considerado a “pedra rei”, símbolo de poder e riqueza. Porém, por ser o mineral mais resistente,tem importância para a indústria, uma vez que é usado para cortar, tornear, polir e furar outros materiais. A África, mais uma vez, é o continente em que as jazidas de diamante estão presentes em 17 dos seus 53 países. O continente o responsável pela produção de 60% das pedras consumidas no mundo, um mercado que movimenta bilhões de dólares por ano. Países como Angola e Serra Leoa têm o controle de seus recursos naturais disputados pelo Estado e grupos armados. As mineradoras e seus intermediários são responsáveis pelo estímulo à guerra, fornecendo armas e soldados, realidade bem retratada no filme “Diamante de Sangue” (Edward Zwick, 2006, Warner Bros. Pictures). Glossário Diamante de Sangue: O título do filme refere-se a diamantes extraídos em zonas de guerra e vendidos para financiar conflitos e, assim, gera o lucro dos senhores da guerra e empresas de diamantes em todo o mundo. Ambientado durante a Guerra Civil de Serra Leoa, em 1996- 2001, o filme retrata um país dilacerado pela luta entre partidários do governo e forças insurgentes. Além de retratar atrocidades dessa guerra, incluindo amputação pelos rebeldes de mãos de pessoas para desencorajá-los de votar nas próximas eleições. Capa do livro do jornalista e antropólogo Rafael Marques, “Diamantes de Sangue” Editora Tinta da China 15 Já na Angola, país rico em diamante e petróleo, o conflito envolve duas organizações armadas, que disputam o poder desde a independência do país, em 1975: o MPLA (Movimento Para a Libertação de Angola), atualmente no governo e que controla as reservas petrolíferas; e a Unita (União para a Independência Total de Angola), controladora do mercado de diamantes, que são vendidos e trocados por armamentos usados no enfrentamento ao governo. Mesmo com o fim do confronto, em 2002, essa guerra deixou um rastro mortal: cerca de 10 milhões de minas terrestres ainda estão espalhadas pelo país, colocando em risco grande parte da população, que já possui milhares de mutilados (CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, 2012, p.344) Continente Africano Guerrilha - Guerra Civil - Conflitos Internacionais - 2003 Fonte: Atlas Des 193 Étatus du Monde – Edition Quest – France. 2003 MALIMAURITÂNIA COSTA DO MARFIM NIGER NIGÉRIA CHADE ÁFRICA CENTRAL REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO CAMARÕES GABÃO CONGO UGANDA BURUNDI ARGÉLIA MARROCOS SAARA OCIDENTAL SENEGAL LÍBIA TUNÍSIA EGÍTO SUDÃO ERITRÉIA ETIÓPIA SOMÁLIA MADAGASCAR LESOTHO ÁFRICA DO SUL NAMÍBIA TANZÂNIA SUAZILÂNDIA QUÊNIA ANGOLA BOTSUANA ZÂMBIA ZIMBABUE MOÇAMBIQUE Países com con�ito interno (Guerra Civil) Países com tensão interna (Guerrilha) Países com con�ito internacional 0 500 1000 1500 Km 16 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial A China negra O forte crescimento econômico da China é um dos motivos por se interessar pelo continente africano. Uma vez que existe grande demanda por matéria prima. Os chineses estão na África em busca de petróleo, já que possuem dificuldades de acesso à produção do Oriente Médio – controlado, em sua grande parte, pelos Estados Unidos e países europeus, concorrentes diretos da produção chinesa. Sudão, Nigéria, Guiné-Bissau, Congo-Brazaville e Gabão são os principais fornecedores de petróleo para a China. Além do petróleo, as importações da China incluem algodão do Congo, minério de ferro e platina da Zâmbia e madeira do Gabão, Camarões e Congo-Brazzaville (CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, 2012, p.345). Em contrapartida, os investidores chineses investem em infraestrutura, como a reconstrução de linhas de trem em Angola e projetos de barragens no Sudão, Etiópia e Zâmbia. Sem contar que os produtos chineses chegam aos mercados de toda a África. Ressalte-se que, apenas na Etiópia, 90% dos produtos comercializados são de origem chinesa. Atualmente, cerca de 80 mil chineses trabalham e vivem na África, fato que barateia ainda mais a produção dos equipamentos vendidos em todo o mundo. (CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, 2012, p.345) 17 De Escravos a Cobaias Se os recursos naturais do continente africano são cobiçados por nações da própria região e de países da Europa e América, pode-se dizer que os próprios africanos também são desejados por outro tipo de empresários: os donos das empresas farmacêuticas. Escravizados durante quatro séculos, agora os africanos servem de cobaias para teste de novos medicamentos feitos pelos laboratórios farmacêuticos. Uma das desculpas para “ocupar” a África com as indústrias de medicamentos está na Aids, onde a epidemia da doença fez suas maiores vítimas. Na África subsaariana, o número de portadores do vírus HIV superou a marca de 25 milhões infectados pela doença. De posse desses números, e do conhecimento da instabilidade política e falência econômica de muitos países africanos, a indústria farmacêutica tem feito da região o cenário perfeito para os testes de novos medicamentos, uma vez que o custo deles é até cinco vezes menos que nos ditos países desenvolvidos. Um dos exemplos é a empresa Gilead Laboratorie, cujas pesquisas são financiadas pelo governo dos Estados Unidos e por instituições beneficentes. Os testes acontecem, especialmente, em países como Botsuana, Malavi e Gana. (CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, 2012, p.345) Glossário Giled Laboratorie: indústria de laboratório de pesquisa farmacêutica, criada em 1987, que atende aos mercados da América do Norte, América do Sul (inclusive com escritório em São Paulo, Brasil), Europa, Ásia-Pacífico. Segundo a Giled, é uma empresa biofarmacêutica que descobre, desenvolve e comercializa terapias inovadoras em áreas da medicina com necessidades não atendidas, cuja missão é promover o tratamento de pacientes que sofrem com enfermidades potencialmente fatais em todo o mundo. A África continua, mesmo no século XXI, sofrendo as consequências da exploração de que tem sido vítima durante muitos séculos. Por trás das justificativas políticas, étnicas ou religiosas para os diversos conflitos que assolam o continente africano, há um elemento decisivo que direciona os massacres noticiados todos os dias pela imprensa no mundo todo: o domínio dos seus recursos naturais e das suas riquezas. (CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, 2012, p.345). Com um cenário tão contraditório, se faz necessário refletir sobre as ideias e mentalidades que ainda envolvem o negro africano que foi escravizado e, por séculos, reduzido à mercadoria. E que ainda necessita provar a todo instante que é um povo provido de conhecimentos, riquezas e elementos culturais. E desfazer o conceito e o preconceito que se perfazem há anos: “O termo africano ganha um significado preciso: negro. Ao qual se atribui um amplo espectro de significações negativas: como frouxo, fleumático, indolente e incapaz. Todas elas convergindo por uma imagem de inferioridade, primitivismo (...) E pela ocultação da complexidade da dinâmica cultural da própria África. Considera- se que o continente não tem povo, não tem nação ou Estado. Não tem passado. Logo, não tem História”(HERNANDEZ, 2005, p.19). Glossário Fleumático: que é insensível ao sofrimento e à dor. Indolente: que não possui força para fazer alguma coisa; que age com preguiça; preguiçoso. Que não se dedica naquilo que realiza; que não tem cuidado; desleixado. 18 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial Material Complementar Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia as seguintes obras: Livros: A África na sala de aula, de Leila Leite Hernandes. Estrutura Espacial do Imperialismo, a independência política no século XX e o contexto geopolítico contemporâneo, de Rafael Sanzio Araújo Anjos. Ambos enriquecerão sua compreensão sobre os aspectos da descolonização e os processos de independênciada África. 19 Referências ANJOS, Rafael Sanzio Araújo. Estrutura Espacial do Imperialismo, a independência política no século XX e o contexto geopolítico contemporâneo.In: Educação, Africanidades, Brasil. Brasília: UnB, 2006. CAMPOS, F; CLARO, R; DOLHNIKOFF, M. História nos dias de hoje. São Paulo: Leya, 2012. HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula. Visita à história contemporânea. São Paulo: Editora Summus, 2005. MAZRUI, Ali A. WONDI, Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010. 20 Unidade: A África Independente e o Contexto Mundial Anotações
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