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DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL SUMÁRIO 1 VISÃO HISTÓRICA SOBRE O PAPEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DENTRO DA SOCIEDADE ....................................................................................................................................... 3 1.1 Aspectos históricos ..................................................................................................................... 3 1.2 Síntese histórica do trabalho infantil ...................................................................................... 5 1.3 A realidade brasileira .................................................................................................................. 10 1.4 Evolução histórica dos direitos egarantias constitucionais...............................................12 2 1.5 A criança e o adolescente ......................................................................................................... 16 2 PROTEÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL ........ 20 2.1 A proteção nos primeiros séculos .......................................................................................... 21 2.2 Asinstituições para a criança eoadolescente desassistidos apartir do século XX.. 24 2.3 Princípio constitucional de proteção ..................................................................................... 31 2.3.1 Direitos Fundamentais .................................................................................................................. 31 2.3.2 Direitos e garantias fundamentais ............................................................................................... 31 2.3.3 Direitos humanos ........................................................................................................................... 33 2.4 Conceito de direitos humanos ..................................................................................................... 35 3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE........................... 41 3.1 Histórico dos direitos humanos no Brasil e no mundo .................................................... 43 3.2 A história dos direitos humanos no Brasil ........................................................................... 46 3.3 O menor na sociedade brasileira e suas garantias constitucionais .............................. 50 3.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a teoria da proteção integral ....................... 54 4 TRABALHO INFANTIL ................................................................................................................ 57 4.1 Considerações iniciais ............................................................................................................... 57 4.2 Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho ................................................. 60 4.3 Normas vigentes sobre otrabalho infantil ........................................................................... 66 4.4 A eficácia das normas jurídicas sobre o trabalho infantil ................................................ 67 5 POSSIBILIDADES E DESAFIOS............................................................................................... 76 5.1 Possibilidades ............................................................................................................................... 76 5.2 Desafios ........................................................................................................................................... 79 5.3 Diretrizes fundamentais ............................................................................................................. 88 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 96 1 VISÃO HISTÓRICA SOBRE O PAPEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA SOCIEDADE Aspectos Históricos Desde a Idade Média, o estudo da história da infância leva-nos à conclusão de que, até o século XVI, o sentimento de infância era praticamente inexistente, pois adultos e crianças compartilhavam os mesmos espaços e jogos, como se, entre eles, não houvesse distinção. Nessa época, a criança era vista como um adulto em miniatura e era reconhecida como adulta muito cedo. O ano de 1693, mais do que uma data, foi o marco inicial, historicamente registrado, da primeira tentativa de providência em favor do menor desvalido da Colônia Portuguesa. A Carta Régia, datada de 12 de dezembro de 1693, ordenou que as crianças fossem alimentadas pelos bens do Conselho do Reino. A ordem não foi cumprida, pois a Câmara alegou falta de recursos. Com o aumento da exposição de crianças pelas ruas e casas de família – e a dificuldade material da Câmara em ampará-las, o governador Antônio Paes Sande enviou petição ao rei, nos anos finais do século XVII, solicitando providências contra os atos desumanos deabandonarcriançaspelasruas, ondeeramcomidas porcães, mortasdefrio,fomeesede. Mais uma data a registrar: 1734. Ignácio Manuel da Costa Mascarenhas, vigário da freguesia da Candelária, no Rio de Janeiro, requereu licença para acolher trinta órfãos e pobres, paraviverem “emclausura até tomar seu Estado”, sobo beneplácito dobispo. Masaobranão foi adiante. O governador José da Silva Paes exigiu que acasasesujeitasse à fiscalização do governador, não do bispo, com o que o vigário não concordou. Outra data de relevo: 1738, quando o padre José de Anchieta fundou a Santa Casa do Rio de Janeiro, que até hoje existe e acolhe crianças, com o fim de servir de amparo aos inocentes abandonados ao nascer pela ingratidão de quem lhes deu a existência. No século XVII, o sentimento de família foi acentuado e, gradativamente, novas regras de cuidado com a criança foram impostas e, além do aprendizado, surgiam preocupações com a escolaridade. De acordo com Josiane R. Petry Veronese, os filhos dos senhores feudais passavam por uma rígida educação católica, sendo levados ao sacramento do matrimônio em idade muito tenra – especialmente as meninas, que eram vendidas por seus pais em troca de dotes ou lotes de terra. Em contraposição, os descendentes de servos acabavam dando continuidade aos serviços prestados por seus pais ao senhor feudal. “Desde muito cedo o jovem era separado de sua família e colocado sob um sistema rígido de educação, no qual desenvolvia, por meio de exercícios coletivos, suas aptidões físicas e intelectuais para compor o corpo e alcançar o status do cidadão grego. Esta condição representava, na época, a possibilidade de participar das atividades sociais da cidade, de construir uma família e de vir a ser um mestre na arte de guerrear”.1 Com o surgimento da burguesia, a construção de uma nova estrutura familiar foi estimulada. O sentimento de infância extrapolava a nobreza e a burguesia, atingindo também a classe proletária. No século XIX, com a Revolução Industrial, houve a consolidação de um novo modelo defamília e, noquese refere àinfância, ocorreu umaregressão à Idade Média, quando a mão de obra infantil foi requisitada e surgiu certa “precocidade” na passagem para a idade adulta. Camponeses e artesãos de todas as idades foram colocados em ambientes com disciplina rígida, serviços repetitivos, trabalho ininterrupto, frio calor e muito ruído. Historicamente, desde os tempos bíblicos, crianças e adolescentes sempre trabalharam. Há relatos, inclusive, de Jesus ajudando o pai carpinteiro. Na história das civilizações, isso é mostrado não de forma imoral, mas como um processo normal do desenvolvimento do cidadão grego. Havia a prostituição masculina como meio de exploração, que se encontrava praticamente confinada ao grupo dos adolescentes, no período durante o qual pessoas dessa faixa etária eram consideradas desejáveis, objeto das experiênciaspromíscuas dos mais velhos, resultando em participação expressiva na sociedade. Para os gregos, esse tipo de prostituição masculina não era objeto de escândalo. “Apesar de denominada relação “homossexual educativa”, enaltecedora da superioridade masculina, da união dos fortes, dos hábeis com seus iguais, tal relação revelava um lado luxurioso, perverso e dominador dos mestres em relação aos seus alunos, que lhes serviam como objetos de prazer”.2 1 VERONESE, Josiane Rose Petry. Papel da criança e do adolescente no contexto social: uma reflexão necessária. [S.l.: s.n.], 2000. 2 Ibidem. Como vimos, quando falamos em trabalho infantil contra crianças e adolescentes, vem- nos à cabeça, por exemplo, o trabalho na agricultura ou nas carvoarias e acabamos nos esquecendo da prostituição infantil. No Brasil, atualmente, as crianças brasileiras são “objeto” de oferecimento no mercado nacional e internacional para a prática de atos sexuais. O Brasil – principalmente o Rio de Janeiro e o Nordeste – é mundialmente conhecido como polo de turismo sexual. “A infância tornou-se obscura e isenta de qualquer relevância no âmbito social. Era a ausência do chamado ‘sentimento da infância’, denominado por Ariès, que assim 5 o descreve: ‘O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem”.3 1.1 Síntese histórica do trabalho infantil Em épocas remotas, as crianças e os adolescentes eram considerados os trabalhadores ideais, pois, por um salário insignificante, alojamento e remuneração menor que a dos adultos, produziam igual ou mais que os adultos. No trabalho, as crianças deveriam ser rápidas, o que a sociedade considerava admirável, maravilhando-se ao ver uma criança de 6 anos ganhando a vida comoadulto. Registre-se que o trabalho do menor é muito antigo na História. O Código de Hamurabi, há dois mil anos, tinha algumas medidas de proteção aos menores aprendizes. No Egito, sob as dinastias XII a XX, todos os cidadãos, ricos ou pobres, nobres ou não, eram obrigados a trabalhar, e os menores estavam incluídos nesse regime geral, desde que tivessem relativo desenvolvimento físico. Na Grécia e em Roma, os filhos dos escravos também eram propriedade dos senhores, sendo obrigados a trabalhar para o dono ou para terceiros. Nessa hipótese, o soldo era revertido em 3 ARIÉS, Phillippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. 156 p. prol do senhor. Com o início das corporações romanas, os filhos dos trabalhadores livres laboravam como aprendizes para, no futuro, exercer o mesmo ofício paterno. Na Idade Média, com o surgimento das corporações de ofício, o menor laborava sem qualquer salário ou proteção, durante anos a fio. Já no Brasil, com o predomínio do trabalho escravo, não havia qualquer proteção legal. Os filhos dos escravos eram utilizados em atividades domésticas, agrícolas ou nas indústrias rudimentares. Na Inglaterra do século XVIII, germinaram-se as sementes da Revolução Industrial, o 6 que alterou profundamente não só o processo produtivo, como a introdução das máquinas, e, principalmente, o mercado de mão de obra. Frise-se que, no início, esse tipo de mercado foi marcado por uma concorrência acirrada, violenta até, entre trabalhadores adultos do sexo masculino. A evolução tecnológica crescente possibilitou a introdução de novas máquinas no mercado produtivo e, consequentemente, a dispensa em massa de operários. Cresceu, então, o número de marginalizados e excluídos, com o aproveitamento e a exploração do trabalho de crianças e adolescentes. Poucos abusos dos direitos humanos eram tão universalmente praticados como o trabalho infantil. Destacam-se: França. Inicia a assistência à infância, com as Leis de 1.841 e 1.848, assegurando aos menores trabalhadores, com a lei datada de 19/03/1874, a idade de admissão ao emprego, o tempo máximo da duração do trabalho, a proibição do serviço noturno e nas minas subterrâneas. Bélgica. Lei datada de 28/05/1888 registra um conjunto de medidas protetoras. Inglaterra. Desde 1802, por iniciativa de Roberto Peel, existia uma lei de proteção aos menores trabalhadores nas indústrias têxteis. Alemanha. Em 1891, expedia um Código Industrial (Gewerbeordnung), incluindo proteção aos menores trabalhadores. A Suíça teve uma lei em 1877, a Áustria em 1855, a Holanda em 1889, Portugal em 1891 e a Rússia, em 01/07/1881, expedia sua primeira lei de proteção aos menores. Segundo Mario de la Cueva, a proteção aos menores é o ato inicial do direito do trabalho, pois foi o Moral and Health Act, expedido por Robert Peel, em 1802, a primeira disposição concreta que corresponde à ideia contemporânea do direito do trabalho. Ao manifesto de Peel, traduzido no protesto “Salvemos os menores”, lema de campanha pela proteção legal, culminou a redução da jornada diária de trabalho do menor para 12 horas. Também na Inglaterra, com a ajuda de Robert Owen, foi aprovada lei, em 1819, tornando ilegal o emprego de menores de 9 anos e restringindo o horário de trabalho dos adolescentes com menos de 16 anos para 12 horas diárias, nas atividades algodoeiras. Na Inglaterra, em 1833, provocada pela Comissão Sadler, uma lei proibiu o emprego de menores de 9 anos e limitou a jornada dos menores de 13 anos em nove horas, além de vedar o trabalho noturno. Na França, em 1813, proibiu-se o trabalho de menores em minas; em 1841, vetou-se o emprego de menores de 8 anos e foi fixada em oito horas a jornada máxima dos menores de 12 anos e, em 12 horas, a dos menores de 16 anos. Já na Alemanha, em 1839, foi votada lei que proibia o trabalho de menores de 9 anos e restringia a 10 horas a duração do trabalho dos menores de 16 anos. A lei industrial de 1869 fixou a idade mínima de admissão em 12 anos. Em 1886, na Itália, foi aprovada a lei que fixou em 9 anos a idade mínima para o emprego e proibiu certos tipos de trabalho para o menor. A partir disso, a legislação trabalhista protege o menor ao fixar normas tutelares proibitivas destinadas à idade mínima para seu trabalho, com relação aos ambientes que possam prejudicar sua saúde, integridade física e formação moral e a valorizar diretrizes voltadas para a sua educação e qualificação profissional. O governo federal brasileiro, por intermédio do Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1890, fixou uma série de restrições ao trabalho do menor nas fábricas do Distrito Federal, as quais não foram aplicadas. Houve várias tentativas: o Decreto Municipal nº 1.801, de 11 de agosto de 1917; o Decreto nº 16.300, de 1923, o qual aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, dispondo que os menores de 18 anos não poderiam trabalhar mais deseis horas em um período de 24 horas; essa proibição foi reproduzida na Lei nº 5.083, de 1º de dezembro de 1926. Em 12 de outubro de 1927, com o Decreto nº 17.943-A foi aprovado o Código de Menores, constando das seguintes proibições: a) trabalho para o menor de 12 anos; b) trabalho noturno aos menores de 18 anos; c) exercício de emprego, para os menores de 14 anos, na praça pública. O Decreto nº 22.042, de 3 denovembrode 1932, traçou as regras quanto aotrabalho domenor naindústria, sendoaidade mínima de 14 anos, além deserobrigatória aexibição de documentos para a admissão: certidão de idade; autorização dos pais ou responsáveis; atestado médico, de capacidade física e mental; prova de saber ler, escrever e contar. 7 Tornou-se obrigatória a apresentação de uma relação de empregados menores. Aos analfabetos, assegurou-se o tempo necessário para a escola. Proibiu-se o trabalho nas minas para os menores de 16 anos. O Decreto-Lei nº 1.238, de 2 de maio de 1939 (regulamentado peloDecreto nº 6.029, de 26 de julho de 1940), instituiu os cursos de aperfeiçoamento profissional, e proporcionou aos menores trabalhadores o direito à frequência. Com a educação profissional dos 18 aos 21 anos, o Decreto-Lei nº 2.548 permitiu a redução do salário. O Decreto-Lei nº 3.616, de 13 de setembro de 1941, para Segadas Vianna, foi a verdadeira lei de redenção do menor trabalhador. Mantidas as disposições das leis anteriores, foram elas aprimoradas. Assim, por exemplo, dispunha o art. 4º: “Quando o menor de 18 anos for empregado em mais de um estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão totalizadas”. Por esse decreto-lei, foi, ainda, instituída a carteira de trabalho do menor. No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), houve uma série de convenções sobre o trabalho do menor. São elas: a) nº 5, de 1919, revista pela de nº 59, de 1937, idade mínima de 14 anos para admissão em trabalhos industriais; b) nº 6, de 1919, o trabalho noturno na indústria; c) nº 7, de 1920, idade mínima de 14 anos para admissão no trabalho marítimo, sendo revista em 1936; d) nº 10, de 1921, idade mínima de admissão nos trabalhos agrícolas, vedando ocupá-los durante o horário de estudo nas escolas; e) nº 15, de 1921, idade de 18 anos para admissão como paioleiros ou foguistas; f) nº 16, de 1921, os menores de 18 anos deveriam ser submetidos a exame médico antes de ingressar em empregos a bordo, com novo exame a cada ano; g) nº 33, de 1932, a idade mínima de 15 anos para admissão nos trabalhos nãoindustriais; h) nº 77, de 1946, a obrigação do exame médico para admissão de emprego na indústria; i) nº 79, de 1946, a limitação do trabalho noturno em atividades não industriais; j) nº 87, de 1949, orientação profissional; l) nº 96, admissão nos trabalhos subterrâneos das minas de carvão; m) nº 112, de 1959, idade mínima para o trabalho na pesca. As Convenções da OIT, relativas à idade mínima para o trabalho em várias atividades, foram englobadas pela Convenção nº 138, de 1973, a qual, em seu art. 1º enuncia: “Todo País-Membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem. A idade mínima é de 15 anos (art. 2º, § 3º), admitindo, em caráter excepcional, a fixação da idade em 14 anos (art. 2º, § 4º)”. A Convenção nº 182, de 1997, aborda pormenores sobre as piores formas do trabalho infantil, vedando-as e solicitando medidas para a sua eliminação: “Entre as piores formas de trabalho infantil, compreensivas de crianças com até 18 anos, incluem-se a escravidão e práticas análogas, como a venda e tráfico de crianças, o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive em conflitos armados, o recrutamento para a prostituição ou práticas pornográficas, para produção e tráfico de entorpecentes, o trabalho que possa causar danos à saúde, à segurança ou à moralidade das crianças. O Estado, as organizações de trabalhadores e empregadores, conjuntamente, devem definir os tipos que se designarão de piores formas de trabalho, revisando-os periodicamente, e localizar onde ocorre a prática a ser abolida. A educação é, declaradamente, o antídoto a ser ministrado pelo Estado, com políticas públicas efetivas e com um plano de ação para eliminar, como medida prioritária, essas modalidades detrabalho.4 Apontamos a “Declaração dos Direitos da Criança”, assinada em Genebra em 1924, que, mais tarde, foi acatada pela “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 10/12/1948. As Convenções de número 5 e 6, de Washington (1935), fixaram em 14 anos a idade para o ingresso do menor no mercado de trabalho, bem como estabeleceram a proibição de trabalhos considerados prejudiciais à saúde física e mental, à moralidade e à perspectiva educacional da criança. No plano nacional, as normas jurídicas que tutelaram o trabalho da criança e do adolescente têm marco inicial relevante o Decreto nº 432, de 12/11/1935, que recepcionou os princípios das mencionadas convenções. Observando a recente história da civilização, percebemos que dirigentes e representantes de nações têm-se reunido em encontros internacionais, manifestando preocupações com o problema da criança, que, pela sua gravidade, envergonha o adulto e fere a consciência do homem de bem. Apesar de convenções, tratados, declarações, convênios e tantos outros documentos, nesse segmento, a humanidade ainda não saiu do campo das intenções relativamente à exploração do trabalho infanto-juvenil. Nesse quadro triste, emoldurado pela fome, as crianças são incorporadas no mercado produtivo a baixos custos. Envenenado pela cobiça, atacado pela febre do ouro, o empresário no início da Revolução Industrial, aviltando os salários, criou em torno de si um exército de miseráveis.5 Àquela época da Revolução Industrial, a jornada de trabalho alcançava o limite de 18 horas diárias nos subsolos das minas, onde as condições higiênicas eram deploráveis, 4 TEIXEIRA FILHO, João de Lima et al,,op. cit., 1007 p. 5 OLIVEIRA, Dris. O trabalho infanto-juvenil no direito brasileiro. OIT, 193. 16 p. proporcionando o surgimento de doenças com deformações físicas, em operários adultos e em crianças que só se diferenciavam pelo salário recebido. Apesar de absorver as ideias liberais que animaram as revoluções americana, de 1776, e francesa, de 1789, a vida prática mostrava exemplos de leis que não expressavam o sentimento de direito e de justiça, inscrito na consciência dos homens de bem, visto que a evolução moral do homem não acompanha na mesma velocidade, sua evoluçãointelectual. A Europa toda escureceu e não foi apenas pela fumaça liberada por suas chaminés, mas principalmente pelo pensamento obscurecido dos homens fascinados pelo ouro, que não hesitaram em submeter crianças de até 7 anos a uma vergonhosa escravidão, somente para garantir a edificação de fortunas que em tempo algum jamais foram garantidoras de paz e da felicidade pessoal.6 A humanização do trabalho foi ganhando força, conquistando espaço nos parlamentos e nos gabinetes. A lucidez de sindicalistas, juristas e economistas comprometidos com a causa popular contagiaram governantes e patrões que passaram a contribuir para geração do direito da criança. O neoliberalismo, até nos países altamente industrializados, tem sido causador de um crescente desemprego, configurando-se numa política econômica que concentra renda, abaixa salários e desagrega a família. A ameaça do recurso ao trabalho da criança e do adolescente é então uma tentação por parte das empresas menos competitivas e estruturadas financeiramente. 1.2 A realidade brasileira Qual é a realidade vivida? Costuma-se dizer que as crianças e os adolescentes que trabalham são prisioneiros de seu ambiente, com a pior qualidade de vida no trabalho possível, pois as necessidades e aspirações desses trabalhadores não são consideradas, como, por 6 DERRIEN, Jean-Maurice. Trabalho infantil: a fiscalização do trabalho infantil. OIT, 1993. 11 p. 10 exemplo, o ambiente social, familiar, de trabalho, os valores culturais, condições de vida da família, etc. Partindo da cultura grega, passando por diferentes períodos, como a Idade Média, a Renascença, o pós-Renascimento e, finalmente, a Idade Moderna, observam-se algumas mudanças. De acordo com as palavras de Veronese: “O trabalho escravo a que osdonos das minas de carvão da Inglaterra, no século XVIII, submetiam crianças com até 5 anos de idade apresenta alguma diferença em relação ao trabalho escravo praticado no Brasil, neste final de século, em que crianças com idades entre 5 e 14 anos trabalham na lavoura, no corte da cana-de- 11 açúcar, nas minas de extração de minérios,nos serviços em olarias.”5 A diferença reside no fato de que a sociedade brasileira estava marcada tanto pela variação etária como pelo acentuado desnível social.6 O patrão de hoje, seja usineiro, o dono de olarias, o produtor de carvão vegetal, em relação à criança e ao adolescente, parece ter-se inspirado nos abastados patrões da Europa do Estado Liberal do século XVIII. Não nos esqueçamos que o século XIX também foi cenário de verdadeira era da escravidão de crianças e mulheres, coma submissão a trabalhos no interiorda minas de carvãoe na indústria têxtil. Na cidade e no meio rural, mostrar os problemas da infância e da juventude desassistidas, pequenos seres sem perspectivas, cujo número populacional aumenta ao longo do tempo, implica basicamente tratar do destino do país e de seus percalços na ordem econômica internacional. Mesmo sendo proibido em vários países, no Brasil o trabalho infantil conta com mais de três milhões de crianças e adolescentes menores de 14 anos, os quais, em vez de participar de atividades de socialização, de brincadeiras e de ter tempo para o estudo e outras atividades inerentes às crianças, passam o dia laborando para garantir seu sustento e/ou o de sua família, e esse fato traz consequências danosas paraseudesenvolvimento físico e psicológico. Uma sociedade que exclui suas crianças do convívio familiar e comunitário e impede o acesso a seus direitos fundamentais está plantando a violência que colherá mais tarde, criando, assim, um círculo vicioso com graves consequências sociais. A situação em questão decorre, em parte, da baixa renda de muitas famílias, para as quais o trabalho infantil é uma questão de sobrevivência. Os organismos sindicais se omitem por se tratar de setores não-organizados da economia. E, muitas vezes, os próprios pais ou responsáveis consideram o trabalho preferível à 5 VERONESE, op. cit. 6 Ibidem. escolarização, por ser mais “educativo e rentável”. Primeiro, a sociedade dita organizada e legal escreve uma Constituição e uma lei específica que não cumpre. Pelo que examinamos da Lei 8.069/90, está-se cumprindo tão-somente a parte em que os deveres das crianças são cobrados. Segundo Siro Darlan, ex-juiz da Vara da Infância e da Juventude, o diretor da Biblioteca Nacional assiste diuturnamente, do alto de seu gabinete, ao desfile de crianças, sem teto, sem escola, sem alimentação, cheirando cola para matar a fome. Podia fazer algo para mudar essa situação, mas nada faz. Poderia ter aberto um espaço na Biblioteca Nacional para realizar com elas um trabalho de escolarização. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, “a criança e o adolescente não podem esperar. Eles só têm uma única oportunidade de crescimento e desenvolvimento, ou seja: eles têm direito à infância”. 1.3 Evolução histórica dos direitos e garantias constitucionais No Brasil, é possível dividir a evolução histórica dos direitos das crianças e dos adolescentesemquatrograndesperíodos, dosquaissedestacamalgunsfatosmarcantes: Período religioso (1500-1889) Durante esse período, qualquer tipo de assistência dada às crianças órfãs ou expostas ocorria como prática da piedade católico-cristã. Em 14 de janeiro de 1738, no Rio de Janeiro, foi fundada por Romão de Mattos Duarte a primeira Casa dos Expostos do Brasil, uma instituição em que eram acolhidas as crianças abandonadas por seus pais (os quais permaneciam no anonimato). Com a Constituinte de 1823, José Bonifácio defendeu um projeto em que a escrava, após o terceiro mês de gravidez, não poderia trabalhar e, após o parto, teria um mês de convalescença; passado este, durante um ano, não poderia trabalhar longe de seu filho. Apesar deter sido outorgada em 25 demarço de 1824, a primeira Constituição do Brasil, promulgada por Dom Pedro I, não trazia qualquer menção, em seu texto, à criança e ao adolescente. Em 1830, o Código Penal Imperial do Brasil estabeleceu que os menores infratores entre 14 e 18 anos deveriam ser considerados criminosos, tendo, no entanto, a pena atenuada. Em relação aos menores infratores abaixo de 14 anos, estes deveriam ser considerados inimputáveis; contudo, se fosse constatado terem agido com discernimento na prática do ato criminoso, seriam encaminhados pelo juiz a tratamento nas Casas de Correção, não ultrapassando a idade de 16 anos. Predominava, neste caso, a teoria da ação, na qual a imputabilidade se baseia na condição pessoal de maturidade do agente frente ao ato ilícito praticado. O Senado, em 12 de julho de 1862, aprovou a Lei de Silveira da Mota, que proibia a venda de escravos sob pregão e exposição pública, bem como a proibição de, em qualquer venda, separar o filho do pai e o marido, da mulher. Em 28 de setembro de 1871, a Princesa Isabel aprovou a Lei do Ventre Livre, que concedia liberdade às crianças nascidas de mães escravas. Contudo, havia restrições legais: o menor deveria permanecer sob a autoridade do proprietário de escravos e de sua mãe, que, juntos, deveriam educá-lo até os oito anos de idade. Completado este período, o proprietário da escrava-mãe teria duas opções: poderia receber uma indenização estatal de 600 mil réis pagos em títulos do governo, no prazo de trinta anos, ou se utilizar dos serviços do menor até que este completasse 21 anos. Período filantrópico (1889-1964) Durante esse período predominou a assistência à infância órfã, abandonada e delinquente, com base na racionalidade científica, em que o método, a sistematização e a disciplina têm prioridade sobre a piedade católica-cristã. Surge o primeiro Código Penal republicano do Brasil, no qual os menores de 9 anos eram absolutamente inimputáveis, bem como os menores entre 9 e 14 anos que agissem sem discernimento. Dentro dessa faixa etária, os menores que agissem com discernimento seriam internados em estabelecimentos correcionais disciplinares, até a idade de 17 anos. Aos maiores de 14 e aos menores de 16 anos, imputavam-se penas atenuadas. Ainda aqui, prevalece a teoria da ação com discernimento. Em 1896, foi fundada em São Paulo a versão paulista da Casa dos Expostos. Ocorreu, assim, em todo o Brasil, um aumento considerável de orfanatos, fato decorrente da urbanização aliada à imigração europeia, incentivada pelo governo para substituir a mão de obra escrava. Em 1° de janeiro de 1916 entrou em vigor o Código Civil Brasileiro, no qual, por influência do Direito romano, o homem é colocado como o centro da família, tendo sua mulher e seusfilhossubordinados àsuafigura. Em 1921, entrouemvigora Lein° 4.242, queafastavaa 13 teoria da ação com discernimento, declarando o menor infrator inimputável. A idade penal é fixada em 14 anos. Em 1924, começou a funcionar no Rio de Janeiro o primeiro Juizado de Menores do Brasil, graças ao esforço do jurista e legislador Mello de Mattos. Em 1927, o Decreto n° 17.943-A criou o primeiro Código de Menores do Brasil e da América Latina, de autoria do jurista Cândido Albuquerque de Mello Mattos. Este código conseguiu corporificar leis e decretos, desde 1902, que se propunham a provar um mecanismo legal que concedesse relevo à questão dos menores. A concepção do código pôs em evidência questões controversas em relação à legislação civil em vigor. Assim, o pátrio poder foi transformado em pátrio dever, pois ao Estado era permitido intervir na relação pai/filho, ou mesmo substituir a autoridade paterna, caso esta não tivesse condições ou se recusasse a dar ao filho uma educação regular, caso em que o menor seria recolhido a um internato. No ano de 1934, foi promulgada a segunda Constituição Federal da República. Trata- se da primeira Constituição brasileira que menciona questões vinculadas à infância e à juventude: “Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:amparar a maternidade e a infância e proteger a juventude contra toda exploração, bem como abandono físico, moral e intelectual” (art. 138, letras c e d). Em 7 de setembro de 1940 entrou em vigor o Código Penal Brasileiro, com a fixação da idade penal em 18 anos, segundo o art. 23 do Decreto-Lei n° 2.848/40. Em 1° de maio de 1943 passou a vigorar a Consolidação das Leis do Trabalho, que abrangia a regulação do trabalho dos menores que se situassem na faixa de 14 e 18 anos. Período militar (1964-1988) Nesse período, predomina uma visão de que a questão do menor abandonado ou infrator seria da esfera da segurança nacional, e que o Estado deveria buscar disciplinar, reprimir, reeducar, para que futuramente a criança não se tornasse um instrumento de oposição ao sistema democrático capitalista. Em 1964 foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), seguindo a linha pedagógica de internação e implantando em seu Programa Nacional de Bem-Estar do Menor o apoio doutrinário e logístico da Escola Superior de Guerra. Foi instituído, em 1979, com o advento da Lei n° 6.697, o Código de Menores, que trouxe para o ordenamento uma nova categoria: “menor em situação irregular”, isto é, o menor 14 de 18 anos abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta ou autor de infração penal. Este código, apesar de ter sido considerado um avanço em relação ao anterior, apresentava alguns aspectos controversos, como as características inquisitoriais do processo envolvendo crianças e adolescentes, quando a própria Constituição garantia ampla defesa ao maior de 18 anos. O referido código não dispunha acerca do princípio do contraditório. Outro fato que pode exemplificar tal distorção é a existência de “prisão cautelar” para os menores de 18 anos, pois, caso lhes fosse atribuída a autoria de uma infração penal, poderiam ser presos para fins de 15 verificação, o que constituía uma verdadeira afronta aos direitos da criança.7 Período democrático (1988 até os dias atuais) Nesse período predomina uma grande mobilização da sociedade civil na tentativa de contribuir para inserir na Constituição Federal (1988) os direitos humanos da infância e da juventude, bem como materializar uma legislação especial que trate da criança e do adolescente abandonado e infrator como sujeito de direitos, sendo o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (ECA/90) fruto dessa aspiração social.8 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 significou um grande avanço nos direitos sociais, beneficiando, entre outros, a criança e o adolescente. Em 13 de julho de 1990 entrou em vigor a Lei n° 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90). Baseado na Doutrina da Proteção Integral, esse diploma legal veio pôr fim a situações repressivas do Código de Menores de 1979 e a políticas da Funabem, além de tantas outras que ameaçavam os direitos das crianças e dos adolescentes. O Estatuto apresenta uma nova postura a ser tomada tanto pela família, pela escola e pelas entidades de atendimento como pela sociedade e pelo Estado, objetivando resguardar os direitos das crianças e dos adolescentes. Esse instituto será melhor examinado mais adiante. Dessa forma, com uma análise sucinta da evolução histórica dos direitos das crianças e dos adolescentes na estrutura brasileira, percebe-se que, ao longo dos anos, assiste-se a um quadro de profundas desigualdades, que, apesar de diversos instrumentos criados no intuito de minorá-las, somente tornou-se ainda mais complexo e diferenciado. As próprias decisões 7 MENDES, Emílio Garcia e COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Das necessidades aos direitos. São Paulo: Malheiros, 1994, 127 p. 8 Idem, 132 p. políticas (instrumentos criados), que deveriam atuar sobre a problemática, apenas resultaram em uma cristalização ainda maior dessas desigualdades sociais. 1.4 A criança e o adolescente Entende-se por direito da criança e do adolescente o conjunto sistemático de normas coercitivas que regulam a conduta do homem, do Estado e da sociedade face à sua população menor de 18 anos, qualquer que seja a faixa social ou econômica. Muita gente não sabe diferenciar criança de adolescente. Assim, podemos dizer que a criança é aquela que tem até 12 (doze) anos incompletos e adolescentes é a pessoa que tem entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. É proibido ao adolescente qualquer tipo de trabalho a menores de 14 (quatorze) anos, a não ser como aprendiz, que é aquele que aprende uma profissão, dentro das normas da legislação sobre educação. Essa preparação do adolescente para uma profissão, que é a formação técnico- profissional, não pode prejudicar a obrigação do adolescente de estudar em sua escola regular. Além disso, o adolescente deve ter uma atividade técnico-profissional que não prejudique seu desenvolvimento e um horário especial. Com a edição da Lei 8.069/90 (ECA), de 13/07/90, a qual entrou em vigor em 12/10/90, o Brasil mostra maturidade legislativa na questão da dignificação da pessoa humana desde a tenra idade, com a valorização do ser, em condição peculiar de desenvolvimento, marco para a construção de uma sociedade organizada, mais justa e capacitada a vencer os entraves discriminatórios e de violência que ainda estão expostas as crianças e adolescentes. A interpretação do Estatuto leva em conta os “fins sociais a que se dirige”: • Exigências do bem comum; • Direitos e deveres individuais e coletivos; 16 • Condição peculiar da criança e do jovem em desenvolvimento. O Estatuto da Criança edo Adolescente adotou omesmosistema do art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil. Mas acrescentou, no art. 6o (que também deve ser considerado pelo juiz), os direitos e deveres individuais e coletivos → na condição da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Adapta também os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Infância à realidade brasileira e regulamenta o artigo 227 da Constituição, que dispõe acerca dos direitos da criança e do adolescente. Ao adotar a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, mudou radicalmente a orientação ao atendimento à população infanto-juvenil, estendido, hoje, a todas as crianças e adolescentes do país, que é o respeito à dignidade da pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas Leis. Como vimos, o direito da criança e do adolescente guarda relação intrínseca com outros ramos do Direito, como, por exemplo, afinidade com o Direito Internacional Público e Privado, pois se baseou em Tratados e Convenções Internacionais. Também está presente afinidade com o Direito Constitucional, porquanto nossa Lei Maior, de maneira inédita, proclama uma série de direitos específicos da infanto-adolescência. Igualmente, há reflexos dos direitos civis (adoção, maioridade, poder familiar, etc), penais (imputabilidade, crimes em espécie, etc) e trabalhista (contrato de trabalho, direitos trabalhistas, etc). No que tange às leis extravagantes, destaca-se a lei da ação civil pública, imprescindível em se tratando da tutela dos interesses difusos. Verifica-se, ainda, o vínculo com outras ciências não jurídicas, como, por exemplo, Sociologia e Psicologia. A criança e o adolescente: um dos assuntos mais polêmicos na atualidade. Pelo menos desde meados do século XIX, esse sempre foi um verdadeiro problema, o modo como eram tratadas as crianças. Do final do século XIX até 1945, muitos países industrializados lutaram para limitar ou impedir o trabalho infantil, além de garantir as mínimas condições de escolaridade e atendimento médico. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, teve início uma conscientização,em nível mundial, de proteção às crianças. 17 Em 1946, a Assembleia Geral da ONU criou a Organização das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), iniciando um amplo programa de auxílio aos novos países. A mesma Assembleia, já em 1948, inseriu na Declaração Universal de Direitos Humanos, a garantia à educação, à saúde e à limitação do trabalho. Esses princípios, embora com algum atraso, estão presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente. Será que, algum dia, os adultos compreenderão a importância de dar amor, carinho, compreensão e apoio às crianças e aos adolescentes? Infelizmente não podemos responder a essas perguntas com certeza, mas esperamos sinceramente que sim, pois essa é uma tarefa muito importante e – por que não? – até vital. O direito da criança e do adolescente situa-se na esfera do direito público, uma vez que o Estado tem como missão precípua a proteção e a reeducação (em caso de desvio) dos futuros cidadãos. A função estatal, portanto, é protecionista e ordenadora. Consigna-se que, seguindo a distinção romana, as normas do ECA constituem ius cogens (direito ou norma cogente = de observância obrigatória. Por exemplo, a adoção somente pode ser obtida mediante sentença judicial), ao contrário das normas de direito privado em geral, as denominadas ius dispositivum (direito ou norma dispositiva = que fixa regra jurídica sem coagir. Por exemplo: via de regra, não há impedimento a que alguém faça uma doação). Portanto, a normatização do direito da criança e do adolescente tem por objeto considerá-los sujeitos de direito e afirmar sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, sendo esta a essência do ECA, haja vista que o legislador preocupou-se sobremaneira em não permitir ofensas a essa característica, de modo a evitar prejuízo ao futuro de cada um (art. 69.I e art. 71, ECA). Para isso é preciso seguir alguns princípios básicos, tais como: • Universalização São sujeitos de direito perante o ECA todo e qualquer menor, independentemente de faixa social ou econômica. Abandonou-se, assim, a distinção que fazia o Código de Menores, voltado basicamente para aqueles que se encontrassem em situação irregular. • Humanização 18 O art. 5° do ECA dispõe que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência/discriminação/exploração/violência/crueldade e opressão, sujeito a punição qualquer atentado de tais direitos, em outras palavras, humanizou o tratamento aos menores. • Desjudicialização Para a administração da justiça de menores dispõe que deve-se procurar o tratamento adequado ao infrator menor, sem recorrer ao processo judicial. • Despolicialização Emregra, problemas de menores não é casode polícia, mas sim questão social. Por isso, antes de qualquer envolvimento policial, deve-se procurar resolver por intermédio de Conselhosda Criança, Conselho Tutelar, Comissário dacriançaedoadolescenteeoutros. • Participação coletiva É dever da família/comunidade/sociedade em geral e do Estado assegurar; com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais da C. A. 19 2 PROTEÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL Para uma análise mais profunda do problema da infância carente no Brasil, torna-se necessário recorrermos a subsídios anteriores à nossa colonização, pois a situação da família, e consequentemente dos filhos, é digna de atenção desde quinze ou vinte séculos antes de Cristo e já aparece nas civilizações romana e helênica. Anísio Garcia Martins, ao buscar informações na Cidade antiga, de Fustel de Coulanges, esclarece que: “Desde aquelas duas antigas civilizações que herdamos, no mundo ocidental, as mais importantes instituições políticas, jurídicas e sociais, a família e os filhos já tinham, como proteção especial, as normas instituidoras, como uma necessidade do culto familiar para preservação dos ritos de “Lares Manes”, ou deuses domésticos, na concepção de que este culto familiar lhes preservaria a imortalidade, pois os pais e os avós mortos tornavam-se deuses domésticos, e a continuidade da família pertencia aos filhos, especialmente do ramo masculino”.1 Outras obras relativamente recentes têm fornecido subsídios acerca da relação familiar ao longo da história.2 Sem dúvida foi a partir do século XVIII que surgiram na Europa mudanças radicais que influíram na história da criança. Levantamentos demográficos realizados naquele período levaram a considerar as crianças abandonadas e as prostitutas como forças de produção potenciais, visando, sobretudo, à promoção de colônias. Chamousset esclarece que “as crianças abandonadas não conhecem outra mãe senão a pátria; daí a importância do Estado em conservá-las”.3 1 MARTINS, Anísio Garcia. Direito do menor. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1988, 26 p. 2 ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. SHORTER, E. La naissance de la famile modeme. Paris: Seuil, 1977. 3 CHAMOUSSET, H. apud BADINTER, Elizabeth. Um amorconquistado – o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 12 e ss. 20 Elucida ainda que o Estado deve esforçar-se para manter vivas essas crianças abandonadas, cuidar de sua higiene e do aleitamento artificial para que sobrevivam. Seria inclusive isenta do serviço militar a aldeia que quisesse cuidar dessas crianças até que entrassem para o exército, quando seriam obrigadas a servir até 25 ou 30 anos, substituindo o marinheiro e o soldado, que custavam mais para o Estado do que o custo anual de uma criança. Como se vê, a criança era um valor mercantil em potencial.4 O discurso da igualdade e da felicidade de Rousseau, nessa época, ressaltava a preocupação em relação à criança e ao poder dos pais, a partir da ideia da família como única sociedade natural. Já Voltaire demonstrava o interesse do homem pela felicidade; não se esgotava como uma questão individual, mas diante da possibilidade de vivê-la na coletividade. Nesse passo, todas essas ideias – consideradas num apanhado superficial – impuseram modificações políticas e sociais consideráveis na Europa daquele período. 2.1 A Proteção nos Primeiros Séculos As ideias do século XVIII só chegaram efetivamente ao Brasil no final do século XIX e no início do século XX. Até então, o pobre era prioridade exclusiva da Igreja Católica e um de seus instrumentos de poder. Arthur Moncorvo Filho, em obra exemplar sobre a proteção da infância no Brasil, nos primeiros séculos que se seguiram à colonização, ressalta alguns aspectos importantes: “Na história do período colonial surgem, com algumas ideias adiantadas destoando da absoluta apatia pela sorte da criança, os vultos memoráveis de Nóbrega, Anchieta e tantos outros discípulos de Loyola, na esforçada empreitada de catequese dos selvagens, tão criticada por Oliveira Martins e vários outros escritores. Fundando, no entanto, em nosso território as primeiras escolas e empenhando-se na civilização das populações embrutecidas, a catequese foi obra de caridade dos jesuítas. Meio século ainda não se havia passado da chegada ao Brasil da missão apostólica de Anchieta e já quase todo o litoral, desde Pernambuco até São Vicente, estava povoado por índios domesticados e convertidos, já havendo sacerdotes convertidos, deles, mais de cem mil. Eram criadas aldeias e nelas se ensinava as crianças a ler e escrever, assim se multiplicando asescolas [. ]. Reza a história queaosjesuítas se deve a criação e, por espaço de dois séculos, quase exclusivamente, a manutenção do ensino público no Brasil [. ]. Seu primeiro ato, ao aportar às nossas plagas, foi, como se sabe, fundar em 1549, na Bahia, um colégio. Em 1551, esse colégio já funcionava com 20 4 Ibidem. 21meninos. Foi aí que, em 1622, recebeu instrução o notável Padre Antônio Vieira [...]. Segundo dizem os historiadores, as congregações religiosas se constituíram as grandes promotoras da instrução da mocidade e da educação da infância desvalida. Nesse intuito colaboraram os lazaristas, jesuítas, salesianos e redentoristas, e os Claustros de São Bento, dando ao Brasil uma plêiade de homens eminentes, de mestres em ciência e artes, graças à educação e instrução ali recebidas [...]. Sob o manto do catolicismo continuava a desenvolver-se a beneficência, fundando-se instituições que acolhiam os peregrinos e, como as antigas albergarias, protegiam os pobres, curavam os doentes, enterravam os mortos, adotavam e ensinavam os órfãos desvalidos, etc. À custa de piedosas esmolas, imploradas de porta em porta, instalavam os seminários dos órgãos da Bahia e de Itu, seguidos dos de Jacuecanga e do Caraça”.5 O ano de 1693 foi marcado pela demonstração oficial de proteção direta à infância. Floro de Araújo Melo lembra este fato ao ressaltar que “O governador Antônio Paes de Sande informara ao rei sobre o estado em que ficavam os enjeitados na cidade do Rio de Janeiro, morrendo ao abandono. O rei determinou providência à Câmara, a qual, alegando falta de recursos, apelou à Santa Casa, que, já então, atendia aos que eram deixados à sua porta ou eram órfãos de falecidos nas enfermarias”.6 O mesmo autor destaca, ainda: “Em 1734, Ignácio da Costa Mascarenhas, vigário colado na freguesia da Candelária do Rio, desejando ‘aliviar este drama’, solicitou licença para o acolhimento de trinta órfãos e pobres para viverem em clausura até tomar o estado sob o beneplácito do bispo. Como o governador José da Silva Paes exigiu que a Casa ficasse sujeita à fiscalização do governador, não do bispo – com o que não concordou o vigário – a ideia não foi adiante”.7 As mudanças estruturais a partir do final do século XIX 5 MONCORVO FILHO, Arthur. Histórico da proteção da infância no Brasil. 1550/1922. Rio de Janeiro: Empresa Gráfica Editora. 1923, p. 26-31. 6 MELO, Floro de Araújo. A história da história do menor no Brasil. [editora particular], 1986, 27 p. 7 Idem. 22 Irmã Rizzini, em recente e esplêndido trabalho de pesquisa, A assistência à infância na passagem para o século XX – da expressão à educação, focaliza, sobretudo, o conflito entre as forças da caridade e da filantropia como uma disputa econômica e política pela dominação sobre o pobre. Ela diz: “A filantropia surge como um modelo assistencial que se apresenta capacitado para substituir o modelo representado pela caridade. Fundamentada pela ciência, a filantropia atribuiu-se a tarefa de organizar aassistência nosentido dedirecioná-laàs novasexigências 23 sociais, políticas, econômicas e morais que nascem juntamente com a República”.8 Os grupos comprometidos com as ideias filantrópicas acusam a caridade pela falta de organização, de método de trabalho e de ordem nas iniciativas. A filantropia surge para dar continuidade à obra de caridade, mas sob uma nova concepção de assistência. Não mais a esmola que humilha, mas a reintegração social daqueles que seriam os eternos clientes da caridade: os desajustados. A caridade vai reagir à crescente tendência filantrópica da assistência, acusando as instituições de se distanciarem da palavra cristã.9 Segundo a referida autora, no início do século XX o Estado passa a intervir no espaço social por meio do policiamento de tudo que seja causador da desordem física e moral e pela ordenação desta sob uma nova ordem. Assinala Irma Rizzini: “Para tanto, importam-se novas teorias e se produzem novas técnicas, as quais serviram de subsídio para a criação de projetos, leis e instituições que integrem um projeto de assistência social, ainda não organizado em termos de uma política social a ser seguida em nível nacional”.10 A infância pobre tornou-se alvo não só de atenção e de cuidados, mas também de receios. Denunciou-se a situação da infância no país: nas famílias, nas ruas ou nos asilos, o consenso é geral: a infância está em perigo. Mas há outro lado da questão, constantemente lembrado pelos meios médico e jurídico: a infância “moralmente abandonada” é potencialmente perigosa, já que, devido às condições de extrema pobreza, baixa moralidade, doenças, etc. de seus progenitores, não recebe a educação considerada adequada pelos especialistas: educação física, moral, institucional e profissional. 8 RIZZINI, Irma. A assistência à infância na passagem para o século XX – da repressão à reeducação. Revista Fórum Educacional, 02/90. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 80 p. 9 Idem. 10 Ibidem. Ciências como a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuíram com teorias e técnicas para a formação de uma nova mentalidade de atendimento ao menor. A mentalidade repressora começou a ceder espaço para uma concepção de reeducação, de tratamento na assistência ao menor. Verificou-se o surgimento de um novo modelo de assistência à infância, fundado não mais somente nas palavras da fé, mas também nas da ciência, basicamente médica, jurídica e pedagógica. A assistência caritativa e religiosa deu espaço ao desenvolvimento de um modelo de assistênciacalçadona racionalidade científica, emqueométodo, asistematização eadisciplina têm prioridade sobre a piedade e o amor cristãos.11 Conclui Irmã Rizzini que “a luta de forças entre a caridade e a filantropia foi antes de tudo uma disputa política e econômica pela dominação sobre o pobre. Este, até o século XIX, pertencia ao domínio absoluto da Igreja. A preocupação com a pobreza por parte das ciências, como a medicina, a economia, a sociologia, a pedagogia e outras, permitiu tomarem para si diversos aspectos de pauperismos como objetos de estudo. Dessa forma, forneceram às elites sociais e políticas os instrumentos que possibilitavam a elas reclamarem entre si do domínio de uma situação que as ameaçaria diretamente e que a Igreja mostrava-se incapaz de controlar”.12 2.2 As Instituições para a Criança e o Adolescente Desassistidos a Partir do Século XX Estudos revelam que, até 1930, as instituições educacionais tinham sua preocupação voltada ao caráter moral e religioso. Mais uma vez, Irmã Rizzini, reportando-se aos ensinamentos de Moncorvo Filho, lembra que os asilos “mantidos pela caridade religiosa e, em menor escala, pelo Estado” passaram a sofrer críticas negativas ligadas à mortalidade infantil em tais instituições, à educação “quase que exclusivamente religiosa, o tratamento repressivo e não especializado dos menores e o não-respeito aos preceitos da higiene”.13 11 Ibidem. 12 Ibidem. 13RIZZINI,op. cit.,84p. 24 Em sua análise sobre instituições caritativas do século XIX, a referida autora constata “a existência de uma preocupação com a formação de mão de obra, como era o caso do preparo para o trabalho doméstico nos asilos para meninas e o preparo de artesãos nos asilos para meninos. No entanto, o objetivo era, antes, impedir a deterioração moral destes indivíduos, do que profissionalizá-los”.14 Pelo exposto, nota-se que o objetivo moral se sobrepõe ao econômico. E Rizzini continua: “No século seguinte, percebe-se o crescimento em importância das perspectivas econômica e política da assistência, muito embora a justificativa moral se mantivesse”.15 A religiosa destaca o Instituto João Pinheiro, colônia agrícola em Minas Gerais, como um exemplo de crença dominante no início do século na superioridade da vida do campo sobre a vida da cidade. Conclui seu trabalho observando que, na passagem do século, “Os novos especialistas da infância, como os filantropos, as autoridades públicas e científicas, almejam transformar os antigos asilos considerados ineficazes, desorganizadose corruptores, em instituições disciplinadas e disciplinadoras. Nestas, os preceitos da higiene médica são obedecidos. A educação é dirigida para o trabalho e o poder disciplinar atinge o efeito moral desejado da introjeção da vigilância pelos internos. Tais técnicas de sujeição têm por objetivo devolver à sociedade indivíduos produtivos, cientes de seus direitos e deveres. A educação é concedida como o melhor instrumento para alcançar a tão desejada adaptação do indivíduo ao meio social. Preparação do corpo pela educação física; da mente pela educação moral; do intelecto pela educação instrucional e o trabalho pela educação profissional.16 Merece destaque também, como modelo de inúmeras instituições em todo o Brasil, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, criado por Moncorvo Filho, que consistiu emum projeto social voltadoà infânciapobre, a partir da perspectiva “a grandezada Pátria depende do preparo de uma gente sadia”. 25 Proteção jurídica da criança e do adolescente a partir das primeiras décadas do século XX Embora pretendamos, neste item, manter a mesma linha de divisão histórica, ou seja, uma análise do amparo e da assistência à criança sob o prisma da população desassistida pelas instituições e pelo Estado, cabe abrir parênteses para elucidar alguns aspectos da lei civil em relação à família e à criança no período em análise. O Código Civil, que entrou em vigor em 1917, era fruto de uma realidade social e jurídica do final do século XIX, influenciada pelas modificações estruturais introduzidas pelo Código de Napoleão na França e em toda a Europa no início do mesmo século. Assim, também a lei civil sofreu, naquela época, mudanças estruturais, modificando fundamentalmente a tutela do Estado em relação àfamília. Ao classificar e distinguir os filhos como naturais, adulterinos e incestuosos, adotados, legítimos e ilegítimos, e valorizar sobremaneira o pai ou o marido, ao outorgar a essa figura total poder de decisão na família e na vida de seus membros, o Código Civil já apontava para algumas situações que demonstravam o interesse da sociedade em resguardar as relações familiares contra a violência. Assim, a punição no caso de abuso do pátrio poder, as limitações legais, as atribuições do tutor, a fixação de obrigação dos pais para com a família e a possibilidade de propor investigação de paternidade são algumas conquistas que demonstraram um grande avanço para a época. Porém, em 1917, a nova lei civil destinava-se a uma classe de cidadãos de certa camada social. Na prática, a tutela jurídica não atingia as famílias dos “mendigos”, dos “vagabundos”, das “prostitutas”, dos negros recém-libertados. Os índios foram considerados por essa lei relativamente incapazes, equiparados aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos, às mulheres casadas e aos pródigos. Clóvis Beviláqua, comentando o art. 69 do Código Civil, refere-se ao Marquês de Pombal, como quem primeiro reagiu diante das variedades de tratamentos destinados aos índios: “Ora os considerava à escravidão, ora lhes reconhecia o direito de liberdade [...]. Na discussão do Código civil em 1913, retomando a criação de José Bonifácio, a Câmara enfrentou o problema de incorporação definitiva dos aborígines na sociedade brasileira [...], eram parte integrante, mas de cujo convívio, não obstante, se 26 achavam afastados por circunstâncias, que era ocioso naquele momento recordar”.17 Em 1916, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído, em 1967, pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Efetivamente, a sociedade de então valorizava a família legítima, distinguindo-a, sobretudo, nos direitos patrimoniais, e o restante considerado como enjeitados ou “párias” desta sociedade. “Perfilhar” um filho ilegítimo ou mesmo promover geralmente uma adoção era privilégio jurídico de poucos. Outros aspectos legais relativos à criança merecem igual análise, haja vista as 27 conquistas constitucionais a partir da independência e, posteriormente, a partir de 1943, a tematização da proteção do trabalho infanto-juvenil. Optamos por limitar este trabalho a uma visão histórica de nossa legislação relativa à tutela da infância e da adolescência, em especial aos “desassistidos” e “abandonados” e aqueles considerados “infratores”. Marcelo Gantus Jasmim lembra que: “Tanto o Código Penal de 1830, promulgado pelo Império, quanto o Código Penal de 1890, o primeiro da República, continham medidas especiais prescritas para aqueles que, apesar de não terem atingido a maioridade, tivessem praticado atos que fossem considerados criminais. Os cânones informadores de ambos os códigos, naquilo que diz respeito especificamente ao tratamento do menor, parecem- se bastante, deixando-nos perceber apenas diferenças na concepção que define as diversas idades da infância. O que organizava estes códigos era uma “Teoria da Ação com Discernimento”, que imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa de sua consciência em relação à prática da ação criminosa”.18 Código Mello Mattos de 1927 (Decreto 17.943-A de 12/10/1927) Como reconhecimento ao autor do projeto que estabeleceu suas bases, o Código Mello Mattos – como ficou conhecido – representou o primeiro Código Sistemático de Menores do País e da América Latina. José Cândido de Albuquerque Mello Mattos foi o primeiro juiz de menores do Rio de Janeiro, destacando-se, na época, ainda, como professor do Colégio Pedro II eda Faculdadede Direito, comodeputadofederalediretordo Instituto Benjamim Constant. 17 BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado. Rio de Janeiro: Rio, 1975. 192 p. 18 JASMIM, Marcelo Gantus. Para uma história de legislação sobre o menor. Revista de Psicologia, 4 (2), jul/dez 1986, 81 p. Considerado como o “Apóstolo da Infância Abandonada”, deixou também um grande acervo bibliográfico, além de ter criado alguns estabelecimentos de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente.19 Tal código representou uma iniciativa precursora dentro da legislação brasileira, destacando-se pela assistência aos menores de 18 anos. Ao definir, no Capítulo 1, o objeto e a finalidade da lei, o Código de Menores de 1927 teve uma visão correspondente aos conceitos então vigentes, abrangendo em um mesmo entendimento o “menor abandonado” e o “menor delinquente”, embora pretendendo oferecer a um e a outro “assistênciaeproteção”. No art. 26, agrupou em oito situações os menores abandonados com 28 menos de 18 anos. Ao atentar para as situações da criança de menos de dois anos “entregue para criar fora da casa dos pais”, e dos menores “expostos até sete anos de idade em estado de abandono”, apresentou uma primeira perspectiva de integração e acalentou o propósito de evitar o abandono pela mãe, mediante conselho e, ao mesmo tempo, o sigilo que deveria revestir o processo de recolhimento. Além disso, ao voltar suas vistas para os menores abandonados (arts. 53 e seguintes), o Código Mello Mattos estabeleceu medidas relativas a seu recolhimento e seu encaminhamento a um lar, seja o dos pais, seja o de pessoa encarregada de sua guarda. No que se refere ao menor delinquente (arts. 68 e seguintes) na faixa etária de 14 anos, proibiu que fosse submetido a processo penal de qualquer espécie. Em um avanço para a sua época, mandou que se tivesse em vista o estado físico, moral e mental da criança, bem como a situação social, moral e econômica dos pais. Legislou a propósito da “liberdade vigiada” (art. 92), que tinha em vista os casos de menores delinquentes, que deveriam permanecer sempre em companhia dos pais, tutor ou curador, ou ainda aos cuidados de um patronato, mas sob a vigilância do juiz. Ao dispensar a “pesquisa de discernimento” da legislação penal anterior, em seu artigo 69, §2°, estabeleceu que, se o menornão fosse abandonado, nem pervertido, nem estivesse em perigo de ser, a autoridade o recolheria a uma escola de reforma pelo prazo de um a cinco anos. Em caso afirmativo, ou seja, se fosse abandonado, pervertido ou estivesse em perigo de ser (art. 69, §3°), a internação seria por “todo o tempo necessário à sua educação entre três a sete anos”. Portanto, ser abandonado ainda representava um agravamento da pena, impondo, ao adolescente, até sete anos de reformatório. 19 GUSMÃO, Saul de. Assistência a menores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. p. 208-14. Sem descer às minúcias de cada caso, pode-se falar que o Código Mello Mattos representou a abertura de uma visão legislativa sobre o problema da criança e do adolescente em todos os seus aspectos. Antecedente das grandes medidas tomadas pelos Organismos Internacionais, não obstante os defeitos naturais em um diploma pioneiro, é lícito apontá-lo como código precursor, o qual colocou o Brasil na vanguarda dos países latino-americanos e preparou- o para enfrentar a questão da infância desassistida, agravada pela problemática social, neste último meio século. Após a promulgação do Código Mello Mattos, inúmeros decretos e decretos-lei se seguiram visando à proteção especialmente do “menor infrator”, e já aparecem leis especiais de proteção ao trabalho na infância e na adolescência. Nesse momento, vale abrir parênteses para complementar o que foi dito anteriormente: normalmente a legislação especial da época em relação ao “menor infrator” o confundia com os menores abandonados em geral, a exemplo do Decreto-lei 6.026, de 24 de novembro de 1943. Tal consideração decorria simplesmente da inadaptação ou do desajuste social. Francisco Pereira Bulhões de Carvalho, ao comentar o referido Decreto-lei, observa que: “São três os defeitos apresentados neste sistema legal: a) classifica os ‘menores’ conforme tenham ou não praticado infração penal, quando os deveria distinguir apenas quanto ao grau de desajuste; b) não coloca os infratores sem temibilidade entre os menores abandonados; c) não inclui entre os menores que carecem de medidas especiais de reeducação os gravemente desajustados, ainda que não infratores”.20 Também a preocupação com o trabalho do menor já aparecera no Código Mello Mattos, limitando a idade mínima de trabalho aos doze anos, além de proibir o trabalho noturno aos menores de 18 anos. O Decreto-lei n° 5.452, de 19 de maio de 1943, que aprovou a CLT, nela incluiu as normas de proteção ao trabalho do menor. O Decreto-lei n° 31.546, de 06 de outubro de 1952, mudou especialmente o conceito do empregado aprendiz. Data de 5 de novembro de 1941 o Decreto n° 3.779, que criou o Serviço de Assistência a Menores (SAM), em substituição ao Instituto Sete de Setembro, com atribuição de prestar, em todo o território nacional, amparo social aos “menores desvalidos e infratores”. Por seus métodos inadequados de atendimento e estrutura sem autonomia, o SAM ficou marcado como um sistema caracterizado também pela repressão institucional. Diante do clamor público, em 1964 foi criada a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem), pela Lei n° 4.513, de 19 de dezembro de 1964, com o objetivo de fixar as 29 diretrizes fundamentais da política nacional do bem-estar do menor. O novo sistema, subordinado moralmente à presidência da República, propunha substituir a repressão e a segregação por programas educacionais. Fundada como uma entidade normativa previa ramificações nos estados e municípios por meio das Febem’s. Em 1974, com o advento do Decreto n° 74.000, de 1° de maio de 1974, vinculou-se ao Ministério da Previdência e Assistência Social. Escapando, porém, das propostas originalmente previstas, outras agravantes, decorrentes da política administrativa e social, levaram a Funabem a atuar diretamente, como agente, desviando-se das políticas de atendimento inicialmente previstas. Comaentradaemvigordo Estatutoda Criançaedo Adolescente, em 12 deoutubrode 1990 (Lei n° 8.069/90), a Funabem foi transformada em Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (FCBIA). Código de Menores de 1979 O Código de Menores de 1979 (Lei 6.667, de 10 de outubro de 1979) adotou a doutrina jurídica de proteção do “menor em situação irregular”, que abrange os casos de abandono, prática de infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou representação legal, entre outros. Vale lembrar que a lei de menores era instrumento de controle social da infância e do adolescente, vítimas de omissões da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. O Código de Menores não se dirigia à prevenção; cuidava do conflito instalado. Por sua vez, o juiz de menores atuava diretamente na prevenção de segundo grau, por meio da política de costumes, proibição de frequência em determinados lugares, casas de jogos, etc. Paulo Lúcio Nogueira esclarece, comentando o art. 2° – que classifica em seis categorias a “situação irregular” –, que “se trata de situações de perigo que poderão levar o menor a uma marginalização mais ampla, pois o abandono material ou moral é um passo para a criminalidade”. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que, em alguns casos, a situação do menor é decorrente da própria situação familiar, seja pelo estado de pauperismo (abandono material), seja em virtude de riqueza (desvio de conduta).21 Pormais de dez anos em vigor, o Código de Menores procurou atender à situação da época da forma mais condizente possível com a Lei Maior. 30 2.3 Princípio constitucional de proteção 2.3.1 Direitos Fundamentais Entre os chamados direitos humanos fundamentais, encontram previsão legal nos arts. 1º e 55 da Carta das Nações Unidas os princípios da autodeterminação dos povos, da não-discriminação e da promoção da igualdade. De acordo com o primeiro deles, a autodeterminação dos povos, o direito dos povos à livre determinação, é um requisito prévio para o exercício de todos os direitos humanos fundamentais. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a criança assume importância especial junto à nossa sociedade, a Constituição Federal no seu artigo 227, e dispõe o seguinte: “É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito àvida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 2.3.2 Direitos e garantias fundamentais Os direitos e garantias individuais foram ganhando cada vez mais espaço desde a Revolução Francesa. Como dito anteriormente, o art. XVI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trazendo um freio ao poder absolutista do Estado, trouxe a previsão de que “qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”. Os primeiros a surgir foram os relacionados às liberdades básicas, como o direito à vidaeodireitodeirevir, quesãoosdireitosdeprimeirageração, ou deprimeiradimensão. Os direitos de primeira geração exigem principalmente atitudes negativas do Estado, um não fazer, uma abstenção (status negativus). Não se pode, por exemplo, punir um criminoso com a pena de 31 32 morte porque estaria ferindo o direito básico da vida. Esses direitos são os direitos civis e políticos. Logo após esse primeiro movimento, com a emergência de revoltas sociais dos trabalhadores, surgiram os direitos sociais, econômicos e culturais, que são os direitos de segunda geração, ou de segunda dimensão. Tais direitos, ao contrário dos primeiros, exigem uma prestação positiva doEstado, um fazer, uma ação. Por fim, com o fortalecimento das instituições democráticas e da sociedade sugiram os direitos relativos a um meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida, à paz e outros interesses difusos que são os de terceira geração, ou seja, direitos pertencentes à sociedade como um todo (direitos coletivos em sentido lato). Para fins didáticos, as três gerações de direitos e garantias fundamentais podem ser relacionadas, respectivamente, com os três direitos reivindicados pela Revolução Francesa: Liberdade - 1ª geração, Igualdade - 2ª geração e Fraternidade - 3° geração. Para alguns, os direitos de quarta geração seriam aqueles relacionados à engenharia genética e aos seus avanços. Para outros, esses direitos seriam os nascidos com a globalização. Por fim, parte da doutrina identifica nos direitos de quarta geração, direitos republicanos, que traduzem a capacidade de o indivíduo atuar de forma ativa na construção das políticas públicas, por meio, por exemplo, dos conselhos. Em suma, o artigo 5° da Constituição Federal e outros, como, por exemplo, o artigo 227, diz que a criança e o adolescente devem receber um tratamento especial e prioritário, até chegar aos 18 anos, com socorro em primeiro lugar, ser atendido primeiro pelos órgãos públicos de qualquer poder. Ela fala em absoluta prioridade. Claro, o direito penal não podia ficar de fora; trata-se de um direito que surge quando se faz necessária uma maior proteção a bens jurídicos que são importantes para viver em sociedade. Entre estes bens jurídicos temos a vida, o patrimônio e, atendendo ao preceito constitucional, a criança e o adolescente, que merece receber proteção: a tutela do direito penal. Ou seja, é um bem tão importante que não só a Constituição Federal dedica um artigo e impõe a absoluta prioridade, mas o direito penal é chamado para intervir no sentido de dar a essa criança ou adolescente uma proteção mais efetiva, mais eficaz. Como vocês sabem, o direito penal não atua onde não se faz necessário, e é claro que se viu a necessidade de reforço à criança e ao adolescente. No ponto de vista da sua integridade física, moral, da honra, da saúde, no ponto de vista dos seus bens mais importantes. O princípio da não discriminação, por sua vez, determina que o pleno exercício de todos os direitos e garantias fundamentais pertence a todas as pessoas, independentemente de raça, sexo, cor, condição social, genealogia, credo, convicção política, filosófica ou qualquer outro elemento arbitrariamente diferenciador. Para Flávia Piovesan: “Discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade”.22 Conforme determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qualquer espécie de discriminação deve ser destruída, extirpada, de modo a assegurar, a todos os seres humanos, o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Até mesmo nossa Magna Carta, em seu art. 5º, inciso XLI, determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. 2.3.3 Direitos humanos A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque, sem eles, a pessoa não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter assegurado, desde o nascimento, as mínimas condições necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a oportunidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais dos seres humanos à capacidade natural de cada pessoa poder valer-se como resultado da organização social. É a esse conjunto de valores que se dá o nome de direitos humanos. Para entendermos, com facilidade, o que significam tais direitos, basta dizer que correspondem a necessidades essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa 22 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. [S.l.: s.n.], [20--]. 33 possa viver com dignidade. Assim, por exemplo, a vida é um direito humano fundamental, porque, sem ela, a pessoa não existe. Então, a preservação da vida é uma necessidade de todas as pessoas humanas. Mas, observando como são e como vivem os seres humanos, percebe-se a existência de outras necessidades que são também fundamentais, como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação e tantas outras coisas. Todas as pessoas nascem essencialmente iguais e, portanto, com direitos iguais. Porém, ao mesmo tempo em que nascem iguais todas as pessoas nascem também livres. Essa liberdade está dentro delas, com sua inteligência e sua consciência. É evidente que todos os 34 seres humanos acabarão sofrendo a influência da educação que receberem e do meio social em que viverem, mas isso não elimina sua liberdade essencial. É por isso que muitas vezes uma pessoa mantém um modo de vida até certa idade e depois o transforma completamente, mudando consciente e livremente o rumo de sua vida. Os direitos humanos fundamentais independem de sexo, local de nascimento, cor da pele, classe social e econômica, como também não consideram o nome de família, a profissão, a preferência política ou a crença religiosa: foram feitos para todos os seres humanos. E esses direitos continuam existindo mesmo para aqueles que cometeram ou praticam atos que prejudiquem as pessoas ou a sociedade. Nesses casos, aquele que perpetrou o ato contrário ao bem da humanidade deve sofrer a punição prevista em uma lei já existente, que respeita os direitos da pessoa humana. Não pode haver coisa mais valiosa do que o ser humano. Por suas características naturais, e por serem mais do que uma simples porção de matéria viva, as pessoas são dotadas de inteligência, consciência e vontade, e sua dignidade as coloca acima de todas as coisas da natureza. Mesmo as teorias chamadas materialistas, que não aceitam a espiritualidade da pessoa humana, sempre foram forçadas a reconhecer que existe em todos os seres humanos uma parte não-material, uma dignidade inerente à condição humana, e a preservação dessa dignidade faz parte dos direitos humanos. O crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem obtidos à custa de ofensas à dignidade de seres humanos. O sucesso político ou militar de uma pessoa ou de um povo, bem como o prestígio social ou a conquista de riquezas, nada disso é válido ou merecedor de respeito se for alcançado mediante afronta à dignidade e aos direitos fundamentais dos seres humanos. No ano de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz, em seu artigo 1°, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito”. Além disso, segundo essa Declaração, todos devem agir, em relação uns aos outros, “com espírito de fraternidade”. A pessoa consciente do que é e do que os outros são, a pessoa que usa sua inteligência para perceber a realidade, sabe que não teria nascido e sobrevivido sem o amparo e a ajuda de muitos. E todos, mesmo os adultos saudáveis e muito ricos, podem facilmente perceber que não podem dispensar a ajuda constante de muitas pessoas para conseguirem satisfazer às suas necessidades básicas. Existe, portanto, uma solidariedade natural, que decorre da fragilidade
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