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O ADVENTO DA NEUROCIÊNCIAS COGNITIVA 2 Sumário O advento da neurociência cognitiva ............................................................... 4 Breve histórico da neurociência cognitiva .................................................... 5 Desenvolvimento do cérebro...................................................................... 10 Sistemas Múltiplos de Memória .............................................................. 14 Funções Executivas ............................................................................... 15 Desenvolvimento cognitivo ........................................................................ 16 Alguns temas da neurociência cognitiva .................................................... 21 Atenção .................................................................................................. 21 Consciência ............................................................................................ 23 Tomada de decisões .............................................................................. 23 Memória.................................................................................................. 24 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 28 3 FACUMINAS A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 O advento da neurociência cognitiva Historicamente, as ciências que se devotam ao estudo do sistema nervoso abrangem diferentes disciplinas: medicina, biologia, psicologia, física, química e matemática. A revolução das neurociências ocorreu quando os cientistas perceberam que a melhor abordagem para o entendimento da função do encéfalo vinha da interdisciplinaridade, a combinação das abordagens tradicionais para produzir uma nova síntese, uma nova perspectiva. (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Frente ao panorama atual das ciências que buscam explicar o homem, é possível identificar a interseção existente entre suas fronteiras, porque os limites rígidos de seus objetos e métodos são agora transpostos. Para se compreender o fenômeno humano nenhuma ciência basta por si, pois todas são necessárias. Temos várias abordagens científicas com explicações para um mesmo fenômeno e todas estão em busca de um modelo mais próximo da realidade. Então, várias ciências se uniram a partir da década de 80 do século passado constituindo as neurociências. (BARROS, et al, 2004). Para compreender as propriedades miraculosas das funções cerebrais há que se considerar que os encéfalos humanos, na sua forma final, apareceram há somente 100.000 anos. O encéfalo dos primatas apareceu há aproximadamente 20 milhões de anos e a evolução tomou seu curso para construir o encéfalo humano de hoje, capaz de todo o tipo de façanhas maravilhosas e banais. Saber se o cérebro funciona como um todo, ou se partes dele trabalham independentemente, constituindo a mente, é o que tem alimentado muito das pesquisas modernas. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). O que chamamos comumente de mente é um grupo de funções desempenhadas pelo cérebro. As ações cerebrais são subjacentes a todo comportamento, não apenas a comportamentos motores relativamente simples, como andar e comer, mas a todas as complexas ações cognitivas que associamos ao comportamento especificamente humano, como pensar, falar, criar obras de arte. A tarefa da ciência neural é a de fornecer explicações do comportamento em termos da atividade cerebral, de explicar como milhões de células neurais individuais, no 5 cérebro, atuam para produzir o comportamento e como, por sua vez, elas são influenciadas pelo ambiente, inclusive pelo comportamento de outras pessoas. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Há que se considerar que a medicina foi pioneira nos estudos sobre como o encéfalo funciona, no entanto, os psicólogos começaram a defender que tinham condições de mensurar o comportamento e estudar a mente. Breve histórico da neurociência cognitiva As primeiras raízes da neurociência cognitiva estão na frenologia, a qual é uma teoria pseudocientífica que sustenta que a conduta pode estar determinada pela forma do couro cabeludo. Em meados do século XIX, Franz Joseph Gall e J. G. Spurzheim seguraram que o cérebro humano estava secionado em aproximadamente 35 diferentes regiões. Em seu livro, “A Anatomia e la Fisiologia do Sistema Nervoso em Geral, e do Cérebro em Particular”, Gall postulou que um bulbo maior em uma dessas áreas significava que essa parte do cérebro estava sendo usado mais frequentemente por essa pessoa. Essa teoria ganhou atenção pública significativa, levando a publicação de diários de frenologia e a criação de frenômeros, instrumentos que medem os solavancos das cabeças das pessoas. Ele propôs a teoria de que o cérebro é um campo agregado, o que significa que diferentes áreas do cérebro participam do comportamento. A neurociência cognitiva se originou de um esforço colaborativo recente, seguindo um padrão histórico de trabalho interdisciplinar nas ciências do cérebro e do comportamento. Tais esforços incluem a psicologia fisiológica do início do século XX, a neuropsicologia de meados do século passado até o presente, e o próprio termo ‘neurociências’, que apareceu nos anos 1960, denotando uma área mais ampla que a neuroanatomia e neurofisiologia. Tais esforços tentaram relacionar estudos dedicados a aspectos diversos do cérebro, e que podem ser pensados em três dimensões: a) ‘vertical’: referindo-se a níveis de organização estrutural, e respectivas funções – átomos, moléculas, 6 células, tecidos, subsistemas, redes de ampla escala; b) ‘horizontal’: referindo-se a interações entre cérebro, corpo e ambiente de organismos; c) temporal: referindo-se a processos filogenéticos e ontogenéticos que determinam estrutura e função de cérebros de organismos individuais. A neurociência moderna está construída sobre o forte fundamento de descobertas individuais, e cada uma dessas descobertas desempenhou sua função ao revelar os mistérios do cérebro e como este promove nossos pensamentos e comportamento. A visão acerca do funcionamento do cérebro mudou nos últimos 100 anos e continua a mudar. No século XIX, entre 1810 e 1819, Franz Joseph Gall, frenologista, acreditava que as saliências na superfície do crânio refletiam circunvoluções na superfície do cérebro e propôs que a propensão a certos traços de personalidade, como a generosidade, a timidez e a destrutividade podiam estar relacionada às dimensões da cabeça. Assim, funções básicas cognitivas como a linguagem e a percepção, esperança e autoestima, eram concebidas como sendo mantidas por regiões específicas do cérebro. Para sustentarsua alegação, Gall e seus seguidores coletaram e mediram cuidadosamente o crânio de centenas de pessoas representando uma variedade de tipos de personalidades, desde os mais privilegiados até os criminosos e loucos. Esta nova “ciência” de correlacionar a estrutura da cabeça com traços da personalidade foi denominada de frenologia. (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Gall propôs ainda, que o centro para cada função mental aumentaria de tamanho como resultado do uso, de forma idêntica ao aumento do tamanho de um músculo pelo exercício. Esse aumento do tamanho de uma região cerebral causaria uma distorção no crânio. Assim Gall, há 200 anos, foi o pioneiro da noção de que diferentes funções mentais são realmente localizadas em diferentes partes do cérebro – localizacionismo cerebral, porém ele estava enganado em como isso é conseguido pelo cérebro. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Mais tarde a frenologia foi rejeitada e descartada pela comunidade científica como uma forma de charlatanismo e pseudociência, tendo, portanto, uma importância histórica, sendo suplantada pelos campos em desenvolvimento da psicologia e da neurociência. Podemos, por assim dizer que os frenólogos 7 desempenharam um papel relevante, ainda que equivocado, nos primeiros avanços da neurociência moderna. Hoje, sabemos que existe uma nítida divisão de trabalho no encéfalo, com diferentes partes realizando funções bem distintas. O cientista creditado por influenciar a comunidade científica a estabelecer a localização das funções cerebrais foi o neurologista francês Paul Broca, em 1861. Broca descreveu o caso de um paciente que era capaz de entender o que se dizia a ele, mas incapaz de falar. Esse paciente não apresentava qualquer problema motor convencional em sua língua, boca ou cordas vocais passível de interferir com sua fala. Era capaz de enunciar palavras isoladas e de cantar uma melodia sem dificuldade, mas não conseguia falar gramaticalmente ou em frases completas, nem conseguia expressar seus pensamentos por escrito. O exame do cérebro desse paciente, após sua morte, revelou uma lesão na região posterior do lobo frontal esquerdo – região que, hoje, é chamada de área de Broca e baseado em estudos em oito pacientes com quadros semelhantes, concluiu que esta região do cérebro humano era especificamente responsável pelo controle da expressão motora da fala. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). O trabalho de Paul Broca estimulou a busca dos locais corticais de outras funções comportamentais específicas. Em 1870, na Alemanha, o fisiologista Gustav Fritsch e o psiquiatra Eduard Hitzig eletrizaram a comunidade científica com sua descoberta de que a estimulação elétrica de determinadas regiões do cérebro do cão produzia movimentos característicos dos membros. Essa descoberta levou os neuroanatomistas a uma análise mais detalhada do córtex cerebral e sua organização celular. Assim, no ser humano, a mão direita, usada comumente para a escrita e para os movimentos que exijam habilidades, é controlada pelo mesmo hemisfério esquerdo que controla a fala e na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é considerado como dominante (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997), responsável pelo pensamento lógico e competência comunicativa, enquanto o hemisfério direito é responsável pelo pensamento simbólico e criatividade. Nos canhotos as funções estão invertidas. O hemisfério esquerdo diz-se dominante, pois nele localiza-se a área de Broca, a área responsável pela motricidade da fala e a área de Wernicke, o córtex 8 responsável pela compreensão verbal. Carl Wernicke, em 1876, propôs uma teoria para a linguagem a partir do estudo de um caso de uma vítima de acidente vascular cerebral. Nesse trabalho Wernicke descreveu um novo tipo de afasia, relacionado ao distúrbio da compreensão e não da execução. Enquanto os pacientes de Broca podiam entender, mas não conseguiam falar, o paciente de Wernicke podia falar, mas não compreendia a fala, já que o que o paciente dizia não fazia sentido nem pra ele mesmo. Segundo Wernicke as funções mentais não estariam localizadas em regiões cerebrais específicas, mas, sim, que cada função estaria difusamente representada por todo o córtex. Baseado em seus achados e nos resultados de Broca e de Fritsch e Hitzig, Wernicke propôs que apenas as funções mentais mais básicas, as relacionadas com as atividades perceptivas e motoras simples, estariam localizadas em áreas corticais únicas, e que as funções intelectuais mais complexas resultariam das interconexões entre várias regiões funcionais. Ao colocar o princípio da localização das funções dentro do arcabouço conexivo, Wernicke admitia que os diversos componentes de um mesmo comportamento seriam processados em regiões cerebrais distintas. Wernicke formulou, assim, a primeira evidência para a idéia de processamento distribuído, que é atualmente, a idéia central para nossa compreensão do funcionamento cerebral. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Assim como a linguagem apresenta evidências anatômicas convincentes, segundo as descobertas de Michael Posner e Marcus Raichle, em 1988, as características afetivas e traços de personalidade são também anatomicamente definidos. Embora a localização do afeto (emoções) ainda não esteja mapeada de maneira precisa, as funções motoras, sensórias e cognitivas, foi demonstrada de maneira contundente. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). No entanto, a grande revolução na compreensão sobre o sistema nervoso ocorreu no final do século XIX quando Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal fizeram descrições detalhadas das células nervosas. Golgi desenvolveu uma maneira de corar os neurônios com sais de prata, visualizando no microscópio sua estrutura: um corpo celular e ramificações dendríticas de um lado e um axônio em forma de cabo do outro. Cajal conseguiu corar os neurônios separadamente, usando as técnicas de Golgi. Ele foi o primeiro a identificar não somente a natureza unitária do neurônio, 9 mas também a transmissão de informação elétrica em uma única direção, dos dendritos para a extremidade do axônio. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). No início do século XX, surgiu na Alemanha, uma nova escola de localização cortical, liderada pelo anatomista Korbinian Brodmann. Essa escola buscou diferenciar as diversas áreas funcionais do córtex cerebral com base nas diferenciações das estruturas celulares e na organização característica dessas células em camadas. Usando esse método citoarquitetônico, Brodmann distinguiu 52 áreas, funcionalmente distintas, no córtex cerebral humano (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Foi subsequentemente descoberto que muitas, porém não todas das áreas identificadas por Brodmann correspondem a áreas funcionalmente distintas e encontramos referência a áreas como BA17, que significa Área 17 de Brodmann (EYSENCK; KEANE, 2007). Assim, no começo do século XX, já existiam evidências convincentes, funcional e anatômica, para a existência de muitas áreas distintas no córtex, e para algumas delas podia ser atribuída participação específica em determinados comportamentos. No final de 1930, Edgar Adrian, na Inglaterra e Wade Marshall e Philip Bard, nos Estados Unidos, comprovaram que estímulos aplicados sobre a superfície corporal (no caso de um gato) geravam atividades elétricas em áreas específicas do córtex cerebral descritas por Brodman. No final de 1950, Wilder Penfield usou pequenos eletrodos para estimular o córtex cerebral de pacientes que, em neurocirurgias, estavam despertos e assim, conseguiu confirmar as áreas descritas por Broca e Wernicke. Mais recentemente, George Ojemann descobriu outras áreas essenciais para a linguagem, indicando que as redes neurais para a linguagem são maiores do que aquelas delimitadas por Broca e Wernicke. (TABACOW, 2006). Assim, a neurociênciacontinua a revelar a surpreendente complexidade e a especialização do córtex cerebral. A partir de 1990, ocorreu um grande avanço nos estudos sobre o cérebro, através do desenvolvimento tecnológico e uso de técnicas como a IRMf – Imagem por Ressonância Magnética Funcional e a Tomografia por Emissão de Pósitrons. Os avanços tecnológicos permitem várias maneiras de obter informações detalhadas sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro, como por exemplo, nos ajuda a ver 10 quais regiões do cérebro ficam relativamente mais ativas quando um pensamento, emoção ou comportamento correspondente acontece. Hoje, é possível estabelecer onde e quando ocorrem no cérebro os processos cognitivos específicos. Essa informação pode permitir determinar a ordem em que diferentes partes do cérebro tornam-se ativas quando alguém está realizando uma tarefa, além de permitir também se duas tarefas envolvem as mesmas partes do cérebro da mesma maneira ou se há diferenças consideráveis. (EYSENCK; KEANE, 2007). Desenvolvimento do cérebro A ideia de que a vida humana inicia-se a partir da fecundação envolvendo a participação de células germinativas, masculina e feminina, data do século XIX. Antes disso e por milhares de anos, a grande maioria das pessoas acreditava que a vida iniciava-se no nascimento e que a explicação para o fato dos filhos se parecem mais com os pais do que com outros membros do grupo a que pertenciam baseava- se na hereditariedade (Nature: natureza biológica) ou no ambiente (Nurture: criação). (PINHEIRO, 2007). A superação da questão dualista nature-nurture, ocorrida no século XIX, resultou no reconhecimento da participação tanto dos fatores hereditários quanto dos fatores ambientais na determinação das características físicas e comportamentais do ser humano, dando início ao paradigma interacionista. Desse modo, em relação a uma dada característica, por exemplo, a inteligência, admite-se que ela resulta da interação dos genes herdados com o ambiente (intra e extra-uterino) em que a criança se desenvolve. (PINHEIRO, 1996). 11 O cérebro humano é formado por quase cem bilhões de neurônios intrinsecamente conectados que permite desde a regulação de funções básicas, como a respiração, até tarefas elaboradas, tais como acreditar num conceito. (LEDOUX, 2002). Todas as condutas humanas, sejam elas explícitas ou implícitas, são possibilitadas por essas redes neurais. Pode parecer, num primeiro momento, que o desenvolvimento embrionário depende unicamente de um comando genético. Entretanto, fatores epigenéticos desempenham um papel crucial nesse processo. (LEDOUX, 2002). Por exemplo, se houver a ingestão de álcool, drogas, no período inicial da gestação, a produção neural sofre alterações e podem surgir quadros de anencefalia, espinha bífida. (LEONARDO; HEN, 2006). A antiga discussão natureza e cultura têm sido substituídas pela questão de como ambos – interagindo nas experiências do sujeito – contribuem para a formação do cérebro e para o estabelecimento de sinapses. (LEDOUX, 2002). A construção da intersubjetividade, a consciência de si e dos outros, o conhecimento social, a capacidade de entender as intenções alheias, entre tantas outras capacidades, só se constituem na interação e pela interação com os outros. Deparamo-nos assim, com o problema de explicar a grande adaptabilidade do cérebro frente aos variados ambientes sociais e culturais ao longo da história. O termo plasticidade sináptica refere-se às respostas adaptativas do sistema nervoso frente aos estímulos percebidos. A maioria dos sistemas no cérebro são plásticos, ou seja, são modificados com a experiência, o que significa que as sinapses envolvidas são alteradas por estímulos ambientais captados por alguma modalidade de percepção sensorial. O conceito de plasticidade sináptica foi definido há mais de um século pelo fisiologista Charles Sherrington e é uma propriedade essencial do desenvolvimento e uma das principais funções cerebrais. Em concordância com o conceito de plasticidade, Ledoux (2002) sustenta que o cérebro é muito sensível ao ambiente, e isso não é incompatível com um funcionamento possibilitado (mas não determinado) pelos genes. A experiência permite a aquisição de conhecimentos e de informações pelo sistema nervoso provocando alterações anatômicas em diversos locais do encéfalo e essas alterações modificam a intensidade das conexões entre as células. As modificações 12 sinápticas não se restringem a algum período do desenvolvimento e ocorrem em todos os momentos em que há aprendizagem. (KANDEL, 2000). O cérebro adulto se adapta constantemente aos estímulos e essa plasticidade não se manifesta apenas em comportamentos de aprendizagem e memória que indicam a base biológica da individualidade. Essas mudanças dinâmicas são visíveis no processamento do sistema nervoso e podem ser estudadas de forma mais consistente no principal local que envolve a troca de informações no cérebro: a sinapse. Na sinapse, um neurônio faz contato com outro neurônio, induzindo a liberação de mediadores químicos (neurotransmissores). Há também sinapses elétricas, caracterizadas pelo fluxo de correntes elétricas; e eletroquímicas, onde coexistem diversos tipos de moléculas sinalizadoras. Estima- se que cada um dos bilhões de neurônios que formam o sistema nervoso é capaz de realizar milhares de sinapses individuais, excitatórias, inibitórias ou regulatórias, aumentando a complexidade do sistema nervoso. (KANDEL, 2000). Estudos em animas e seres humanos têm atribuído ao córtex pré-frontal o desenvolvimento das funções cognitivas. (FUSTER, 2002). De acordo com Brodmann (apud FUSTER, 2002), o córtex pré-frontal constitui 3,5% da totalidade do córtex no gato, 12,5% em cães, 11,5% no macaco, 17% do chimpanzé e 29% em humanos. Indiscutivelmente, o crescimento desproporcional É uma inferência legítima que essa expansão evolutiva do córtex, está intimamente relacionado com a evolução das funções cognitivas. Tem sido discutido, com base na neuropsicologia e dados linguísticos, que o desenvolvimento cognitivo da criança está intimamente dependente do desenvolvimento de mielina cortical (GIBSON apud FUSTER, 2002), mas até a publicação de recentes estudos de neuroimagem mencionado acima, no entanto, não tinha sido imaginado que no ser humano a mielinização das áreas de maior associação, nomeadamente o córtex pré-frontal, não está completa até a terceira década de vida. Córtex do lobo frontal 13 O córtex do lobo frontal é excepcionalmente bem relacionado com outras estruturas do cérebro. As sucessivas áreas interligadas que constituem uma via cortical estão conectadas umas com as outras de acordo com os princípios de conectividade que prevalecem em todo o sistema nervoso central. Sob condições fisiológicas e anatômicas, as áreas de cada percurso é hierarquicamente organizada. A principal função e também a mais geral do córtex pré-frontal é a organização temporal de ações para objetivos biológicos ou cognitivos. (FUSTER, 1997). Esta é a essência do papel do córtex pré-frontal, em geral, a execução de todas as formas de ação (somática, movimento do olho, comportamento emocional, desempenho intelectual, etc.). Além do mais, a participação do córtex pré-frontal na escolha entre alternativas, na tomada de decisões e na execução temporalmente estruturada da ação são as razões pelas quais este córtex também foi considerado o “central-executivo”. O cérebro é o órgão mais importante do ser humano. Trata-se de um órgão extremamente complexo que desempenha um papel preponderante em todas as funções do corpo. Além disso, a ausência de atividade cerebral define a morte clínica. A maturação do cérebro, considerável antes do nascimento – com a produção de mais de 100 bilhõesde células nervosas – e ao longo dos dois primeiros anos de vida com o crescimento contínuo do volume do cérebro, constitui um período de grande vulnerabilidade. O cérebro em fase de desenvolvimento é 14 particularmente sensível às influências do ambiente, com o estresse tóxico na primeira infância. O desenvolvimento do cérebro pode ser afetado por meio dos canais sensoriais tais como som, tato, visão, olfato, comida, pensamentos, drogas, lesões, doenças e outros fatores. Ao longo do desenvolvimento, as áreas do cérebro não maturam ao mesmo tempo. Por exemplo, a percepção auditiva começa antes do nascimento. O cérebro de um recém-nascido já é capaz de reconhecer vozes e melodias familiares ouvidas no período fetal. Ao contrário, as áreas do cérebro envolvidas na memória declarativa (“as lembranças”) e a visão não estão maduras no nascimento. Para se desenvolver totalmente, esses sistemas, incluindo o córtex auditivo, precisam da estimulação que ocorre depois do nascimento. Um aspecto importante do cérebro de um recém-nascido é a sua capacidade de mudança. Com a maturação, o cérebro se torna menos plástico; por exemplo, ao final do primeiro ano de vida, as áreas do cérebro que diferenciam os sons se tornam especializadas em função da língua que o bebê ouve. Ao mesmo tempo, o cérebro já começa a perder sua capacidade de reconhecer sons que pertencem a outras línguas. Sistemas Múltiplos de Memória O cérebro humano tem uma notável plasticidade, a habilidade em ser modelado e modificado pelo crescimento de novas e mais complexas conexões entre células. Alguns neurônios desenvolvem até 50.000 conexões, um número espantoso quando consideramos que existe bilhões de neurônios no cérebro. A propriedade básica do córtex cerebral (as camadas externas nas convoluções cerebrais) é armazenar informação. Embora não entendemos exatamente como ocorre tal armazenamento, está claro que ele ocorre em múltiplas áreas corticais devotadas a diferentes tipos de memória. Algumas áreas se desenvolvem em sistemas de conhecimento que surgem das memórias linguísticas, visuo-espaciais ou motoras. Outras regiões do cérebro armazenam informações a respeito de experiências emocionais, e, para unidades de memória maiores, tais como como 15 completar um trabalho de casa, ou conseguir um emprego de professor. Portanto, aprendizado e memória não estão limitados a um único sistema neural ou processo. Existem múltiplos sistemas de memória, espalhados por diferentes áreas cerebrais, com conexões e vias que podem interconectá-las em distintos meios, variando até mesmo de individuo para individuo. Como as habilidades de aprendizado e memória não estão geralmente desenvolvidas por completo em todas essas áreas, as abordagens educacionais que usam o conceito de sistemas de memória múltipla podem levar a um conhecimento mais profundo e com maior retenção. Por exemplo, materiais didáticos que usam analogias visuais e pessoais, esquemas visuais que mostram como conceitos verbais se relacionam espacialmente uns com os outros, e atividades que implementam passos de resolução de problemas, oferecem oportunidades para o envolvimento de sistemas múltiplos de memória. Estudantes que se demonstram fracos em um fluxo de processamento de memória, podem facilmente compensar isso quando outros modos de processamento estão disponíveis. Funções Executivas Função executiva é outro conceito neuropsicológico recentemente formulado. Um executor recebe responsabilidades, tais como levantar informações, impor organização, formular planos, fixar objetivos, manter controle sobre circunstâncias cambiantes, e até mesmo antecipar numerosas possibilidades e modificar objetivos e planos de acordo com as mesmas. Em estudos neuropsicológicos, as funções executivas têm sido demonstradas como sendo muito diferentes da inteligência geral e memória. A criança pequena é um executor em floração de seu próprio conhecimento, emoções e comportamento. Aquelas áreas do cérebro que possibilitam funções executivas são as últimas a amadurecer, usualmente não antes da idade adulta jovem. Durante o desenvolvimento, as funções executivas tornam-se progressivamente mais conectadas aos domínios do conhecimento para fatos, números, palavras e imagens (os aspectos de "o que" e "onde" do conhecimento), 16 para o propósito de como, porque e quando utilizar tal conhecimento em comportamentos dirigidos a metas. Por exemplo, como eu identifico e organizo os passos para completar um projeto independente? Como eu devo verificar meu progresso, de modo a avaliar o quanto falta para fazer? Estas são questões que os educadores podem ouvir de tempos em tempos, mas elas revelam quais podem ser os processos fundamentais para a adaptação e realizações humanas - nos gerenciando como aprendizes, desenvolvendo uma consciência quanto ao nosso conhecimento, tanto como à nossa falta de conhecimento, e sabendo como conseguir realizar vários objetivos usando habilidades executivas ou metacognitivas. Uma parte substancial das funções executivas consiste em desenvolver modelos mentais destes processos de "comos", "porques" e "quandos". ] Neurociência Cognitiva A neurociência transita pela área biológica, em que algumas questões relevantes consistem no modo como os circuitos são formados e operam anatômica e fisiologicamente a fim de produzirem as funções fisiológicas, tais como os reflexos, integração dos sentidos, coordenação motora, respostas emocionais, aprendizagem e memória. Ao nível cognitivo a neurociência lida com questões 17 acerca do modo como as funções psicológicas/cognitivas são geradas pelos circuitos neuronais. A neurociência cognitiva é a ciência que busca entender como a função cerebral dá lugar às atividades mentais, tais como a percepção, a memória, a linguagem, incluindo a consciência (ALBRIGHT; KANDEL; POSNER, 2000; SIERRAFITZGERALD; MUNÉVAR, 2007), considerando aspectos da normalidade e de alteração. Desenvolvimento cognitivo Entender sobre o desenvolvimento de habilidades mentais é fundamental para compreender a organização e o funcionamento da mente humana. Uma abordagem comum em neurociência é correlacionar à maturação de funções cognitivas específicas com um estágio particular do desenvolvimento neural. Segundo Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006), a diferença existente entre as capacidades dos recém-nascidos e a dos adultos são visíveis. Recém-nascidos não caminham, não seguram objetos, não falam nem compreendem quando falamos com eles. Essas diferenças podem ser elucidadas de duas maneiras: os recém- nascidos podem ter todas as capacidades dos adultos, mas ainda não obtiveram, pela experiência, suas habilidades; e, em contraste, recém-nascidos podem diferir dos adultos em capacidades neurais e/ou cognitivas. A primeira hipótese coloca os recém-nascidos como possuidores de um circuito neural completamente formado, à espera das aferências e dos sinais do ambiente para que o desenvolvimento ocorra. A última propõe que recém-nascidos ainda não possuem estruturas neurais e cognitivas para agir como um adulto e que esse desenvolvimento abarca mudanças radicais e qualitativas. Essa visão tem sido amplamente aceita pelas teorias do desenvolvimento com base em evidências tanto neurais quanto psicológicas. Uma teoria clássica de que recém-nascidos diferem significativamente dos adultos vem do cientista suíço Jean Piaget. Piaget considerava que a aquisição do conhecimento é um processo e como tal deveria ser estudado de maneira histórica, 18 abarcando o modo como o conhecimento muda e evolui. Desse modo, define sua epistemologia genética como a disciplina que estuda os mecanismos e processos mediante os quais se passa de “[...] estados de menor conhecimento aosestados de conhecimento avançado.” (PIAGET, 1971, p.8). Para Piaget, no processo de aquisição de novos conhecimentos, o sujeito é um organismo ativo que seleciona as informações que lhe chegam do mundo exterior, filtrando-as e dando-lhes sentido. (PIAGET, 1971). Conhecer, em sua percepção, é atuar diante da realidade modificando-a por meio de ações. Nesse sentido, atuar não significa essencialmente realizar movimentos e ações externas. Esse seria o caso de crianças pequenas que precisam manipular a realidade que as envolve, para entendê-la. Na maioria dos casos, essa atividade é interna, mental, ainda que possa se basear em objetos físicos. Ao contar, comparar, classificar, embora haja imobilidade do sujeito, ele está ativo mentalmente. De acordo com Piaget, todas as crianças passam por quatro estágios cognitivos mais ou menos na mesma idade, independentemente da cultura em que vivem. Nenhum estágio pode ser omitido, uma vez que as habilidades adquiridas em estágios anteriores são essenciais para os estágios seguintes. No estágio sensório-motor a criança explora o mundo e desenvolve seus esquemas principalmente por meio de seus sentidos e atividades motoras. Vai do nascimento até o período de “linguagem significativa” (por volta de 2 anos). Durante esse estágio, as crianças têm conceitos rudimentares dos objetos de seu mundo. Um conceito adquirido durante esse estágio é o de permanência do objeto: habilidade de saber que um objeto não deixa de existir simplesmente porque saiu de nosso campo de visão. Aos quatro meses, crianças que brincam com um objeto que será depois escondido, agem como se ele jamais estivesse existido. Ao contrário, um bebê com 10 meses procura ativamente um objeto que foi escondido embaixo de um pano ou por trás de uma tela. “Ele tem a consciência de que o objeto continua existindo, mesmo quando não está visível.” (PIAGET; INHELDER, 2003, p.20). O sucesso em tarefas como essa marca o fim do estágio de inteligência sensório-motora, pois é o resultado de uma habilidade recém-desenvolvida para representar objetos e atos que não estão mais em seu campo de visão. Assim, as 19 crianças exibem a permanência de objetos quando não tem mais dificuldade de conceitualizar a presença de um objeto fora do campo de visão. Estudos sugerem que Piaget possa ter subestimado as habilidades infantis, questionando sobre a natureza limitada das capacidades de um recém-nascido no domínio da integração sensório- -motora, da integração intermodal e da percepção de objetos. Os críticos de Piaget argumentam que um recém-nascido tem alguma forma de integração de experiências sensoriais por meios das modalidades da visão, da audição e do tato. Por exemplo, crianças recém-nascidas, quando dado suporte de cabeça é adequado, podem buscar localizar, visualmente, a origem de sons emitidos no ambiente. Isso sugere uma habilidade bem-desenvolvida de integração intermodal visual e auditiva. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). Baillageron (1990) demonstrou que crianças pequenas de apenas alguns meses, normalmente percebem objetos parcialmente escondidos. Ela mostrava um objeto para as crianças e colocava-o atrás de um painel vertical que impedia sua visão. O painel era, então, derrubado, de duas formas distintas. Na primeira, o painel era derrubado e batia no objeto colocado atrás dele, como seria esperado. Na segunda, o painel era derrubado, mas o objeto havia sido removido secretamente, fazendo com que o painel caísse direto na superfície da mesa. Nestas tarefas, as crianças mostravam mais surpresa na segunda condição que na primeira. Após vários estudos em cognição, Flavell et al. (1999) assim se manifestam a respeito da teoria de Piaget, quanto aos estágios: A teoria de Piaget, entretanto, não faz afirmações apenas gerais, mas muito fortes e específicas a respeito da preponderância dos estágios da cognição em bebês, e estas afirmações não têm se sustentado em pesquisas recentes. Existem simplesmente muitos exemplos de competência mais precoce do que a esperada, muitas discrepâncias no nível de desempenho que não parecem depender dos processos construtivos de ação sobre o mundo com os quais Piaget definiu seus estágios. (FLAVELL, et al., 1999, p.64). 20 No modelo de Piaget, temos ainda três estágios que seguem o estágio de inteligência sensório-motora. No estágio pré-operacional (dos 2 aos 7 anos), a linguagem progride substancialmente e a criança começa a pensar simbolicamente, usando símbolos, tais como palavras, para representar conceitos. No entanto, a criança ainda não consegue fazer operações ou processos mentais reversíveis. Neste estágio, a criança também é egocêntrica, isto é, não consegue distinguir suas próprias perspectivas das de outras pessoas, nem consegue entender que há pontos de vista diferentes dos seus. (PIAGET, 1971). Dos 7 aos 11 anos, encontra-se o estágio de operações concretas. Nesse período, há a emergência de muitas habilidades importantes de raciocínio. O pensamento da criança, agora mais organizado, possui características de uma lógica de operações reversíveis. Entretanto, durante esse estágio, elas inicialmente podem realizar operações quantitativas somente com eventos concretos. Não é capaz de operar com hipóteses. (PIAGET, 1971). E dos 11 anos em diante, durante o estágio de operações formais, as crianças aprendem a fazer representações abstratas de relações, de acordo com Piaget. Crianças nessa idade podem generalizar relações matemáticas e manifestar pensamento hipotético-dedutivo – a habilidade de gerar e testar hipóteses sobre o 21 mundo. Piaget trouxe contribuições importantes, delimitando a linha do tempo do desenvolvimento cognitivo e tentando mostrar quando as crianças são capazes de realizar tarefas perceptivos, motoras e cognitivas complexas. O fato de que a idade exata para um processo particular possa ocorrer ser antes do que Piaget propôs, ou de que os estágios descritos por Piaget possam ser mais graduais do que os mencionados, não diminui significativamente o valor de seu conceito de desenvolvimento cognitivo. Além disso, descrever uma linha do tempo de maturação cognitiva é, com modificações adequadas, útil, porque um objetivo da neurociência cognitiva é relacionar a linha do tempo de desenvolvimento cognitivo com o desenvolvimento neural para esclarecer as bases biológicas da cognição. Alguns temas da neurociência cognitiva Atenção A atenção define-se pelo direcionamento da consciência e estado de concentração mental sobre determinado objeto. Caracteriza-se por selecionar, organizar e filtrar as informações, funcionando como uma filmadora. É um processo de extrema importância em determinadas áreas, como na educação, já que se exige, por exemplo, a um aluno que preste atenção às matérias lecionadas pelo professor, ignorando estímulos visuais, sonoros ou outros, como o que se está a passar fora da sala de aula (estando, neste caso, relacionado também com o problema da disciplina). Além da atenção concentrada, em que se selecciona e processa apenas um estímulo, também pode existir atenção dividida, em que são seleccionados e processados diversos estímulos simultaneamente - como quando se conduz um automóvel e se ouvem as notícias do rádio simultaneamente. Para que a atenção atue são necessários três fatores básicos: 22 Fator fisiológico, onde depende de condições neurológicas e também da situação contextual em que o indivíduo se encontra; Fator motivacional: depende da forma como o estímulo se apresenta e provoca interesse; Concentração: depende do grau de solicitação e atuação do estímulo, levando a uma melhor focalização da fonte de estímulo. Quanto a fonte de estímulo podemos ter estímulo visual, auditivo e sinestésico. É importante ressaltar que a atenção não é uma funçãopsíquica autônoma, visto que ela encontra-se vinculada à consciência. Por exemplo, o indivíduo que está em obnubilação geralmente se encontra com alterações ao nível da atenção, apresentando-se hipervigil. Contudo, um paciente em torpor se encontra hipovigil. Sem a atenção a atividade psíquica se processaria como um sonho vago, difuso e contínuo. Segundo Alonso Fernández, ao concentrar a atenção escolhemos um tema no campo da consciência e elevamos este ao primeiro plano da mesma, mantendo este tema rigorosamente perfilado, sem deixar-se desviar pelas influências dos setores excêntricos do campo da consciência, podendo modificar o tema escolhido com plena liberdade. Este tema poderia ser um objeto, uma ação, um lugar, uma palavra, etc. Distinguem-se duas formas de atenção: a espontânea (vigilância) e a ativa (tenacidade). No primeiro caso ela resulta de uma tendência natural da atividade psíquica orientar-se para as solicitações sensoriais e sensitivas, sem que nisso intervenha um propósito consciente. A atenção voluntária é aquela que exige certo esforço, no sentido de orientar a atividade psíquica para determinado fim. Entretanto, o grau de concentração da atenção sobre determinado objeto não depende apenas do interesse, mas do estado de ânimo e das condições gerais do psiquismo. O interesse e o pensamento são os dirigentes da atenção, sendo que a intensidade com que a efetuamos é o grau de concentração alcançado. As alterações da atenção desempenham um importante papel no processo de 23 conhecimento. Em geral estas alterações são secundárias, decorrem de perturbações de outras funções das quais depende o funcionamento normal da atenção. A fadiga, os estados tóxicos e diversos estados patológicos determinam uma incapacidade de concentrar a atenção. Consciência A consciência é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, autoconsciência, senciência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. É um assunto muito pesquisado na filosofia da mente, na psicologia, neurologia e ciência cognitiva. Alguns filósofos dividem consciência em consciência fenomenal, que é a experiência propriamente dita, e consciência de acesso, que é o processamento das coisas que vivenciamos durante a experiência (Block, 2004). Consciência fenomenal é o estado de estar ciente, tal como quando dizemos "estou ciente" e consciência de acesso se refere a estar ciente de algo ou alguma coisa, tal como quando dizemos "estou ciente destas palavras". Consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, por isso diz-se também que ela é um atributo do espírito, da mente, ou do pensamento humano. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo, para isso, a intuição, a dedução e a indução tomam parte. Tomada de decisões Tomada de decisão é um processo cognitivo que resulta na seleção de uma opção entre várias alternativas. É amplamente utilizada para incluir preferência, inferência, classificação e julgamento, quer consciente ou inconsciente. Existem duas principais teorias de tomada de decisão - teorias racionais e teorias não racionais- variando entre si num sem número de dimensões. 24 Teorias racionais são por excelência normativas, baseadas em conceitos de maximização e otimização, vendo o decisor como um ser de capacidades omniscientes e de consistência interna. Teorias não racionais, são por excelência descritivas, e têm em consideração as capacidades limitantes da mente humana em termos de conhecimento, memoria e tempo. Utilizam heurísticas como procedimento cognitivo, fornecendo uma estrutura mais realística dos processos de tomada de decisão. Memória A memória é a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar (evocar) informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória biológica), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial). Também é o armazenamento de informações e fatos obtidos através de experiências ouvidas ou vividas. Focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. É um processo que conecta pedaços de memória e conhecimentos a fim de gerar novas ideias, ajudando a tomar decisões diárias. Os neurocientistas (psiquiatras, psicólogos e neurologistas) distinguem memória declarativa de memória não-declarativa. A memória declarativa, grosso modo, armazena o saber que algo se deu, e a memória não-declarativa o como isto se deu. A memória declarativa, ou de curto prazo como o nome sugere, é aquela que pode ser declarada (fatos, nomes, acontecimentos, etc.) e é mais facilmente adquirida, mas também mais rapidamente esquecida. Para abranger os outros animais (que não falam e logo não declaram, mas obviamente lembram), essa memória também é chamada explícita. Memórias explicitas chegam ao nível consciente. Esse sistema de memória está associado com estruturas no lobo temporal medial (ex: hipocampo, amígdala). Psicólogos distinguem dois tipos de memória declarativa, a memória episódica e a memória semântica. São instâncias da memória episódica as 25 lembranças de acontecimentos específicos. São instâncias da memória semântica as lembranças de aspectos gerais. Já a memória não-declarativa, também chamada de implícita ou procedural, inclui procedimentos motores (como andar de bicicleta, desenhar com precisão ou quando nos distraímos e vamos no "piloto automático" quando dirigimos). Essa memória depende dos gânglios basais (incluindo o corpo estriado) e não atinge o nível de consciência. Ela em geral requer mais tempo para ser adquirida, mas é bastante duradoura. Memória, segundo diversos estudiosos, é a base do conhecimento. Como tal, deve ser trabalhada e estimulada. É através dela que damos significado ao cotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida. Hoje é possível afirmar que a memória não possui um único locus. Diferentes estruturas cerebrais estão envolvidas na aquisição, armazenamento e evocação das diversas informações adquiridas por aprendizagem. Memória de curto prazo Depende do sistema límbico, envolvido nos processos de retenção e consolidação de informações novas. Hoje em dia também se supõe que a consolidação temporária da informação envolve estruturas como o hipocampo, a amígdala, o córtex entorrinal e o giro para-hipocampal, sendo depois transferida para as áreas de associação do neocórtex parietal e temporal. As vias que chegam e que saem do hipocampo também são importantes para o estudo da anatomia da memória. Inputs (que chegam) são constituídos pela via fímbria-fórnix ou pela via perfurante. Importantes projecções de CA1 para os córtices subiculares adjacentes fazem parte dos outputs (que saem) do hipocampo. Existem também duas vias hipocampais responsáveis por interconexões do próprio sistema límbico, como o Circuito de Papez (hipocampo, fórnix, corpos mamilares, giro do cíngulo, giro para- hipocampal e amígdala), e a segunda via projeta-se de áreas corticais de associação, por meio do giro do cíngulo e do córtex entorrinal, para o hipocampo que, por sua vez, projeta-se através do núcleo septal e do núcleo talâmico medial para o córtex pré-frontal, havendo então o armazenamento de informações que reverberam no circuito ainda por algum tempo. 26 Memória de trabalho Compreende um sistema de controle de atenção (executiva central), auxiliado por dois sistemas de suporte (Alça Fonológica e Bloco de Notas Visuoespacial) que ajudam no armazenamento temporário e na manipulação das informações. O executivo central tem capacidade limitada e função de selecionar estratégias e planos, tendo sua atividade relacionada ao funcionamento do lobo frontal, que supervisiona as informações.Também o cerebelo está envolvido no processamento da memória operacional, atuando na catalogação e manutenção das sequências de eventos, o que é necessário em situações que requerem o ordenamento temporal de informações. O sistema de suporte vísuo-espacial tem um componente visual, relacionado à região occipital e um componente espacial, relacionado a regiões do lobo parietal. Já no sistema fonológico, a articulação subvocal auxilia na manutenção da informação; lesões nos giros supramarginal e angular do hemisfério esquerdo geram dificuldades na memória verbal auditiva de curta duração. Esse sistema está relacionado à aquisição de linguagem. Memória de longo prazo Memória explícita: Depende de estruturas do lobo temporal medial (incluindo o hipocampo, o córtex entorrinal e o córtex para-hipocampal) e do diencéfalo. Além disso, o septo e os feixes de fibras que chegam do prosencéfalo basal ao hipocampo também parecem ter importantes funções. Embora tanto a memória episódica como a semântica dependam de estruturas do lobo temporal medial, é importante destacar a relação dessas estruturas com outras. Por exemplo, pacientes idosos com disfunção dos lobos frontais têm mais dificuldades para a memória episódica do que para a memória semântica. Já lesões no lobo parietal esquerdo apresentam prejuízos na memória semântica. Memória implícita: A aprendizagem de habilidades motoras depende de aferências corticais de áreas sensoriais de associação para o corpo estriado ou para os núcleos da base. Os núcleos caudado e putâmen recebem projeções corticais e enviam-nas para o globo pálido e outras estruturas do sistema extrapiramidal, 27 constituindo uma conexão entre estímulo e resposta. O condicionamento das respostas da musculatura esquelética depende do cerebelo, enquanto o condicionamento das respostas emocionais depende da amígdala. Já foram descritas alterações no fluxo sanguíneo, aumentando o do cerebelo e reduzindo o do estriado no início do processo de aquisição de uma habilidade. Já ao longo desse processo, o fluxo do estriado é que foi aumentado. O neo-estriado e o cerebelo estão envolvidos na aquisição e no planeamento das ações, constituindo, então, através de conexões entre o cerebelo e o tálamo e entre o cerebelo e os lobos frontais, elos entre o sistema implícito e o explícito. 28 REFERÊNCIAS ALBRIGHT, T. D.; KANDEL, E. R.; POSNER, M. I. Cognitive neuroscience. Current Opinion in Neurobiology, London, n.10, v.5, p.612-624, 2000. BAILLARGEON, R. 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