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Natalia Quintino Dias Doença diverticular dos cólons É uma doença frequente, na qual os divertículos ocorrem ao longo das paredes dos cólons, mais comumente no cólon sigmoide, ou no cólon direito. Um divertículo é uma projeção sacular na parede do órgão. Ele pode ser um divertículo verdadeiro, contendo todas as camadas da parede do órgão ou, no caso dos divertículos do intestino grosso, pseudodivertículos, contendo apenas as camadas mucosa e submucosa, projetando-se através de falhas musculares, por onde penetram as artérias locais e, então, encontrando a serosa. São divertículos de pulsão através de uma área de fraqueza. Doença diverticular ≠ diverticulite Doença diverticular = ter divertículos. Diverticulite aguda = complicação inflamatória numa área de divertículos. Epidemiologia A maioria dos pacientes é assintomática e, portanto, sua real frequência na população é subdimensionada. Estima-se que até 20% da população adulta tenha doença diverticular, e essa prevalência pode aumentar para 50% da população idosa. Tipicamente, os divertículos localizam-se no sigmoide (mais frequente), embora possam existir em qualquer segmento cólico. Fatores de risco - Avançar da idade (principal); - Hábitos alimentares ocidentais (dieta pobre em fibras, rica em gorduras e ingesta frequente de carne vermelha); - Constipação intestinal; - Obesidade; - Sedentarismo. Manifestações clínicas A maioria dos pacientes é assintomática. Quando sintomática, prevalece 2 formas de manifestação: → inflamatória – diverticulite aguda; → e a hemorrágica – hemorragia digestiva baixa. Paciente assintomático O diagnóstico da doença diverticular num paciente assintomático em geral é feito num exame realizado por outra indicação. Por exemplo: uma colonoscopia de rastreio para câncer colorretal ou uma tomografia realizada por um cálculo urinário. O paciente assintomático é tratado com orientações e com medidas comportamentais. É importante aumentar a ingesta hídrica e ter uma dieta rica em fibras, como práticas anticonstipantes, assim como adquirir hábitos alimentares saudáveis (sem abuso de carne vermelha, embutidos, defumados, enlatados e ultraprocessados) e vencer o sedentarismo. O combate à obesidade reduz a constipação de forma associada e também reduz a frequência e a gravidade dos episódios de diverticulite aguda. Não é necessário no paciente portador de doença diverticular alterar a estratégia colonoscópica do rastreio de câncer colorretal. Diverticulite aguda A diverticulite aguda é a complicação inflamatória de uma doença diverticular. A diverticulite aguda é uma doença inflamatória/infecciosa cólica, que se manifesta como um abdome agudo inflamatório. Fisiopatologia A diverticulite aguda é desencadeada pela obstrução do lúmen do divertículo seguida de sua perfuração. Geralmente está associado a fecalitos e fezes endurecidas. Essa obstrução em alça fechada, na parede frágil do (pseudo) divertículo, promove uma micro ou macroperfuração. Em geral, é uma microperfuração, responsável pelo quadro da diverticulite aguda não complicada. Porém, não raro, perfurações mais importantes acontecem, levando à diverticulite aguda complicada. Diverticulite aguda não complicada Quadro clínico: o quadro clínico é de uma “apendicite à esquerda”. O paciente apresenta-se Natalia Quintino Dias inicialmente com uma dor hipogástrica inespecífica, que depois migra e se intensifica na fossa ilíaca esquerda, acompanhada de náusea, vômitos, hiporexia, febre, leucocitose e alteração do hábito intestinal (mais frequentemente, diarreia). Não há sinais francos de peritonite. Quando há gravidade (mau estado geral, hipotensão, sepse, disfunções orgânicas etc.) ou o paciente apresenta peritonite ao exame físico, deve-se suspeitar de uma diverticulite complicada. Diagnóstico: Em um paciente sabidamente portador de doença diverticular, que se apresenta com história típica de um abdome agudo inflamatório, com dor em fossa ilíaca esquerda, o diagnóstico é firmado pela clínica apenas. Caso o paciente não seja portador da doença diverticular ou não seja típico -> deve-se realizar a TC de abdome. Manejo: tratada de forma conservadora, com antimicrobianos (deve cobrir gram-negativos e anaeróbicos). Ciprofloxacino + metronidazol Inicialmente EV, seguido de terapia oral após a alta. Outros esquemas incluem ceftriaxona + metronidazol, piperacilina + tazobactam, dentre outros. Tratamento cirúrgico: apenas se 1 Na urgência, caso o paciente seja refratário e não responda ao tratamento antimicrobiano clínico. 2 De forma eletiva, caso o paciente tenha episódios recorrentes de diverticulite aguda (controverso na literatura, visto que casos recorrentes costumam ser leves). A cirurgia é a retossigmoidectomia. Na urgência, ou em pacientes mais graves, ainda que eletivos, evita-se a anastomose e faz-se uma retossigmoidectomia à Hartmann, com sepultamento do reto e colostomia terminal do cólon descendente. Na cirurgia eletiva de um paciente não grave, promove-se a anastomose colorretal primária (Dixon). Na vigência do episódio agudo, não se estabelecem outras medidas além do antimicrobiano. Após 3-4 semanas do quadro agudo, com o paciente já fora do estado infeccioso, ele recebe o manejo do paciente assintomático (aumento da ingesta hídrica, dieta rica em fibras e pobre em industrializados) e, a partir daí, programa-se uma colonoscopia para se afastar a possibilidadade de câncer colorretal. Diverticulite aguda complicada A diverticulite aguda pode complicar com perfurações de maior importância e repercussão. Com uma perfuração maior, passa a ter contaminação fecal do território adjacente, causando um abscesso pericólico. Essa contaminação pode gerar um abscesso mais adiante, na pelve. Por fim, na evolução desfavorável, pode haver peritonite purulenta difusa ou, no caso mais grave, extravasamento e peritonite fecal difusa. Hinchey 0: diverticulite aguda não complicada. Hinchey IA: flegmão pericólico, não puncionável. Hinchey IB: abcesso pericólico ou mesentérico clássico, puncionável. Quadro clínico: quadro semelhante à diverticulite aguda não complicada, inicialmente sintomas inespecíficos, que migram para FIE. Com diferença no estado geral (queda) e presença de peritonite. Manejo: deve-se confirmar o diagnóstico com uma TC de abdome (fornece o diagnóstico e classifica o paciente, para então tratar). Hinchey I: terapia antimicrobiana. Pode-se considerar drenagem percutânea de abscessos grandes (>4 cm) ou nos casos refratários. E, caso seja a diverticulite reincidente, pode-se considerar um tratamento eletivo, fora do episódio agudo. A cirurgia eletiva é considerada nos casos reincidentes. Hinchey II: drenagem percutânea ou transvaginal como estratégia para evitar a cirurgia de urgência. Drenado o abscesso, o paciente é mantido sob terapia antimicrobiana. Após resolvido o caso agudo, a cirurgia eletiva é indicada, haja vista a complicação importante com necessidade de intervenção prévia. Natalia Quintino Dias Hinchey III e IV: abordagem cirúrgica de urgência, laparotomia exploradora e retossigmoidectomia à Hartmann. Complicações tardias da diverticulite aguda Após um episódio de diverticulite aguda, deve-se realizar colonoscopia em 3-4 semanas. 2 principais complicações: fístulas e estenoses. As fístulas podem ocorrer, estabelecendo trajetos fistulosos para órgãos vizinhos, o que vai determinar a clínica. O paciente pode manifestar pneumatúria, fecalúria, piúria e infecção do trato urinário de repetição nas fístulas colovesicais. Já nas fístulas colovaginais e colouterinas, os pacientes podem manifestar perda de fezes pela vagina e corrimento patológico. O diagnóstico é mais bem estabelecidopor imagem: tomografia de abdome e pelve com contraste endoluminal e/ou ressonância magnética da pelve. O tratamento de escolha é o reparo cirúrgico, envolvendo a ressecção do retossigmoide e o fechamento da fístula no órgão-destino. Estenoses pós-diverticulite: Geralmente a estenose cólica é oligossintomática, mas pode haver clínica de suboclusão cólica. O tratamento é também, em geral, conservador (tempo e medidas anticonstipantes). O diagnóstico da estenose vem por uma tomografia com contraste endoluminal e/ou de uma colonoscopia. É importante diferenciar, com colonoscopia, essa estenose cicatricial de uma estenose maligna. Quando não há resposta ao tratamento conservador, pode-se lançar mão da dilatação colonoscópica (eficácia relativa, risco de perfuração) ou da retossigmoidectomia (melhor tratamento, mas cirúrgico) Hemorragia digestiva baixa É o sangramento intraluminal distal ao ângulo de Treitz. Manifesta-se com melena (fezes escurecidas por “sangue digerido”, “velho”), enterorragia (diarreia sanguinolenta) ou hematoquezia (presença de sangue vivo junto às fezes). Quando ocorre sangramento secundário à doença diverticular, o local de acometimento mais comum é o cólon direito. Fisiopatologia: A HDB vem do sangramento das arteríolas murais dos cólons, junto aos divertículos. Pseudodivertículo = não tem a camada muscular → geralmente ocorrem no ponto em que a camada muscular é “perfurada” pela artéria que irriga aquele segmento. Manejo: monitorização, compensação clínica com reanimação volêmica e a obtenção de hemoglobina, hematócrito, plaquetas e coagulograma. De acordo com a gravidade do sangramento, podem ser necessárias drogas vasoativas e hemotransfusão. Depois, é realizada uma endoscopia digestiva alta para afastar uma hemorragia digestiva alta maciça como fonte dos sintomas. Com o paciente já estável, por fim, realiza-se uma colonoscopia, que terá função diagnóstica e/ou terapêutica. Segmento específico = colectomia segmentar. Doença diverticular difusa = colectomia subtotal.