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Nefrolitíase A nefrolitíase, ou doença calculosa renal ou litíase renal, é uma condição comum, dolorosa e de alto custo. Pode ser definida como uma concentração de cristais que se formam no trato urinário e causam sintomas apenas quando o tamanho atinge o suficiente para serem vistas no exame de imagem, onde se chama de cálculo. A maioria dos especialistas concorda com o fato de que a recidiva da maioria dos tipos de cálculos, se não a sua totalidade, pode ser evitada por meio de cuidadosa avaliação e recomendações específicas. Existem vários tipos de cálculos renais. É clinicamente importante identificar o tipo de cálculo, que fornece o prognóstico e possibilita a seleção do esquema preventivo ideal. Os cálculos de oxalato de cálcio são os mais comuns (cerca de 75%); seguem-se, por ordem decrescente, os cálculos de fosfato de cálcio (cerca de 15%), ácido úrico (cerca de 8%), estruvita (cerca de 1%) e cistina (<1%). Muitos cálculos consistem em uma mistura de tipos de cristais. Classificação dos cálculos Os cálculos renais podem ser classificados conforme tamanho do cálculo, localização, características radiográficas, etiologia da formação do cálculo, composição (mineralogia) e grupo de risco para formação recorrente de cálculos. Fatores gerais - Início da urolitíase em idade precoce (especialmente em crianças e adolescentes) - História familiar de litíase urinária - Cálculos de bruxita (hidrogenofosfato de cálcio; CaHPO4.2H2O) - Cálculos de ácido úrico e cálculos com urato - Cálculos de infecção - Rim único (o rim único, por si só, não acarreta um risco aumentado de formação de cálculos, mas a prevenção da recorrência é mais importante) - Doenças associadas com a formação de cálculos - Hiperparatireoidismo - Nefrocalcinose - Doenças ou distúrbios gastrointestinais (como bypass jejuno-ileal, ressecção intestinal, doença de Crohn, condições associadas a má-absorção intestinal, hiperoxalúria entérica pós-derivação urinária) - Sarcoidose Drogas associadas à formação de cálculos urinários • Indinavir • Aciclovir • Sulfadiazina Epidemiologia A litíase renal apresenta importante causa de morbidade. Nos países mais desenvolvidos, a nefrolitíase ocorre mais em adultos, nas vidas urinárias superiores e na forma de cálculo de cálcio. Já nos países em desenvolvimento, acomete mais crianças, manifestando-se inicialmente na forma de cálculos vesicais compostos de ácido úrico. Essa diferença relaciona-se, principalmente, às mudanças dietéticas. Os cálculos renais acometem mais os homens do que mulheres, sendo duas a três vezes mais comuns nos primeiros, e, além disso, a aparição é rara em afro-americanos e asiáticos. Entre homens brancos, a incidência anual máxima é de cerca de 3,5 casos/1.000 aos 40 anos de idade, com declínio para cerca de 2 casos/1.000 aos 70 anos. Entre mulheres brancas na quarta década de vida, a incidência anual é de cerca de 2,5 casos/1.000, com declínio para cerca de 1,5/1.000 a partir dos 50 anos. Além dos custos médicos associados à nefrolitíase, essa condição também apresenta impacto econômico substancial, visto que os indivíduos acometidos frequentemente estão em uma idade ativa. Quando um indivíduo desenvolve um cálculo, a prevenção da recidiva é essencial. Fisiopatologia Na análise dos processos envolvidos na formação de cristais, é conveniente considerar a urina como uma solução complexa. Um conceito clinicamente útil é a supersaturação da urina (o ponto a partir do qual a concentração do produto ultrapassa a sua solubilidade). Entretanto, embora a urina na maioria dos indivíduos esteja supersaturada com um ou mais tipos de cristais, a presença de inibidores da cristalização impede a formação contínua de cálculos na maior parte da população. O inibidor de cálculos que contém cálcio mais importante clinicamente é o citrato urinário. Embora a supersaturação seja um valor calculado (e não um valor diretamente medido) e não tenha a capacidade de prever de maneira acurada a formação de cálculos, trata-se de um guia útil, uma vez que integra os múltiplos fatores medidos em uma coleta de urina de 24 horas. As biópsias renais de indivíduos que formam cálculos revelaram a presença de fosfato de cálcio no interstício renal. Foi formulada a hipótese de que esse fosfato de cálcio se estende até a papila e provoca erosão do epitélio papilar, onde fornece um local para o depósito de cristais de oxalato de cálcio e de fosfato de cálcio. A maioria dos cálculos de oxalato de cálcio cresce sobre o fosfato de cálcio na extremidade da papila renal (placa de Randall). Por conseguinte, o processo de formação de cálculos pode começar vários anos antes da identificação de um cálculo clinicamente detectável. Assim, a supersaturação urinária contendo componentes insolúveis devido ao baixo volume de urina, excreção excessiva ou insuficiente de certos compostos ou fatores adversos que diminuem a solubilidade, como a redução do pH urinário. Após a supersaturação da urina, ocorre a nucleação, ou seja, a agregação de cristais, que culminam no crescimento do cálculo. A maioria dos cálculos é formada de oxalato de cálcio, associando-se, geralmente à hipercalciúria que ocorre em casos de dieta muito rica em sódio, uso de diuréticos de alça, acidose tubular renal distal, sarcoidose, síndrome de Cushing, excesso de aldosterona ou distúrbios associados a hipercalcemia e/ou hiperoxalúria. A hiperoxalúria é observada em síndromes de má absorção intestinal, com secreção intestinal reduzida de oxalato ou ligação de cálcio intestinal pelos ácidos graxos existentes no lúmen intestinal, com absorção aumentada de oxalato livre e hiperoxalúria. Além dessas causas, os cálculos de oxalato de cálcio podem se formar devido a deficiência de citrato urinário, inibidor da formação de cálculos (o citrato é excretado insuficientemente na acidose metabólica) e hiperuricosúria. Cálculos de fosfato de cálcio aparecem menos frequentemente e acontecem em contexto de pH urinário anormalmente alto, entre 7 e 8, geralmente associada a acidose tubular renal distal. Os cálculos de estruvita, também relacionados a um pH urinário alcalino, desenvolvem-se no sistema coletor quando há infecção por microrganismos produtores de uréase. Esse tipo de cálculo é o mais comum na formação dos cálculos coraliformes, que são extensos, se ramificam e se moldam aos contornos do sistema coletor; os principais fatores de risco para formação de cálculos de estruvita são ITU prévia, nefrolitíase prévia, cateteres urinários e bexiga neurogênica. Já os cálculos de ácido úrico formam-se quando a urina está com excesso de ácido úrico, apresentando pH urinário ácido (entre 5 e 5,4), geralmente os pacientes apresentam-se com síndrome metabólica e resistência à insulina em geral com gota de aparência clínica. Cálculos de cistina são decorrentes de um defeito hereditário raro no transporte renal e intestinal de aminoácidos dibásicos, a excreção excessiva de cistina, composto insolúvel, leva a litíase renal. Esses cálculos se formam mais frequentemente em urina de pH ácido. Fatores de risco • Sexo (masculino mais comum) • Idade (20 a 40 anos) • Alterações anatômicas do trato urinário (duplicidade pielocalicial, rins policísticos, rim em ferradura, rim espôngiomedular) • Fatores ambientais (clima quente, exposição ao calor ou ar condicionado no trabalho, dieta com maior consumo de proteína animal e sal, sedentarismo) Fatores genéticos/familiares: - Distúrbios metabólicos; - Doenças endócrinas que interferem sobre o metabolismo de cálcio - Alterações do pH urinário - Redução do volume urinário - Imobilização prolongada - Uso de drogas litogênicas Quadro clínico • Cólica renal (principal sintoma), surgede forma súbita e torna-se insuportável em pouco tempo - não desaparece por completo; na verdade, ela varia na sua intensidade; • Náuseas e vômito; • Hematúria macroscópica indolor; • A dor segue o trajeto da litíase até a bexiga, começando no flanco e irradiando para virilha; • A intensidade da dor pode aumentar rapidamente e não existem fatores que produzam alívio; Quando o cálculo se aloja na parte superior do ureter, a dor pode irradiar-se anteriormente; se o cálculo estiver na parte inferior do ureter, a dor pode irradiar-se para o testículo ipsilateral dos homens ou para o lábio ipsilateral nas mulheres. Diagnóstico O diagnóstico começa a partir de uma boa anamnese e exame físico. As manifestações clínicas da cólica renal e o trajeto da dor são muito sugestivos da nefrolitíase. Os achados da bioquímica do soro costumam ser normais, porém a contagem de leucócitos pode estar elevada. Em pacientes com litíase no serviço de urgência, pode-se realizar: sumário de Urina, sedimento urinário/ fitas reagentes para: hemácias/ leucócitos/ nitrito/ pH, urocultura com microscopia urinária, creatinina, ácido úrico, cálcio iônico, sódio, potássio, hemograma proteína C-reativa. Se houver probabilidade ou planejamento de intervenção solicita-se exames de coagulação (TTP e INR). Os exames de sódio, potássio, PCR e tempo de coagulação podem não ser realizados em pacientes com cálculo sem emergência de tratamento. O sumário de urina pode evidenciar presença de hemácias, leucócitos e em alguns casos, cristais. A ausência de hematúria não descarta a possibilidade de cálculo, sobretudo quando o fluxo urinário está totalmente obstruído por um cálculo. Para fechar o diagnóstico, devem ser realizados exames de imagens. A partir da radiografia, alguns tipos de cálculos podem ser visualizados e o aspecto radiográfico também pode determinar o tipo de cálculo. Os cálculos de fosfato de cálcio e de oxalato de cálcio são radiodensos, a estruvita (fosfato de magnésio e amônio) podem ser vistos quando formam complexos com carbono ou fosfato de cálcio, cálculos de cistina não são bem visualizados e os de ácido úrico são radiotransparentes, sendo necessária realização de tomografia computadorizada (TC) ou ultrassonografia para detectá-los. A radiografia abdominal não deve ser realizada se a tomografia computadorizada sem contraste - TCSC - for considerada; no entanto, esse método é útil ao diferenciar cálculos radiopacos e radiotransparentes, bem como para comparações durante o seguimento. A tomografia computadorizada sem contraste (TCSC) é o padrão de exame diagnóstico em dor lombar aguda e tem maior sensibilidade e especificidade do que a UIV (urografia excretora). A ultrassonografia tem menor sensibilidade do que a tomografia porque é capaz de visualizar apenas os cálculos extensos e não delineia o local da obstrução. Outros métodos de análise também podem ser realizados, como a urografia intravenosa que é muito útil para definir grau e extensão da obstrução, porém deve-se tomar cuidados nos pacientes com insuficiência renal, devido ao uso do contraste. A pielografia retrógrada que permite a visualização do trato urinário sem necessitar de contraste intravenoso. A análise da composição dos cálculos deve ser realizada em: • Todos os indivíduos no primeiro episódio de formação de cálculo – e repetida no caso de: o Recidiva em pacientes que estão recebendo prevenção farmacológica o Recidiva precoce após tratamento intervencionista com a remoção completa do cálculo o Recidiva tardia após um período prolongado sem cálculos Tratamento - Analgesia na cólica renal; Na cólica renal pode-se fazer analgesia, administrar anti-inflamatórios não esteroidais, bloqueadores alfa-l-adrenérgicos para relaxar a musculatura lisa ureteral. - Hidratação - Intervenções cirúrgicas ou não cirúrgicas para eliminação dos cálculos. Pacientes apresentando rim obstruído e com infecção é uma emergência urológica, sendo indicado descompressão imediata do sistema coletor através de drenagem percutânea ou cateterização uretral. Para os pacientes com cálculos ureterais que aguardam a eliminação espontânea, comprimidos ou supositórios de AINEs (por exemplo, diclofenaco sódio 100-150mg, durante 3-10 dias) podem auxiliar a reduzir a inflamação e o risco de dor recidivante. Os agentes alfa-bloqueadores, administrados diariamente também reduzem o número de cólicas recidivantes. Tansulosina foi o agente alfabloqueador mais comumente utilizado nos estudos, com melhores resultados. A tansulosina é indicada para cálculos >5 e ≤10 mm, na dose de 0,4mg , via oral, uma vez ao dia, até a passagem do cálculo ou durante 4 semanas. Geralmente cálculos com diâmetro ≤5 mm passam espontaneamente. Para cálculos com mais de 4 mm de diâmetro, há uma diminuição progressiva da taxa de passagem espontânea, sendo improvável a passagem espontânea de cálculos com diâmetro ≥ 10 mm. Cálculos no ureteral proximal também são menos propensos a passar espontaneamente. Já na intervenção urológica com cálculos menores do que 10 mm que possuem chances de serem eliminados espontaneamente, não há necessidade de terapia intervencionista. Os cálculos de ácido úrico podem ser dissolvidos com terapia clínica. A litotripsia com ondas de choque extracorpórea (LOCE) é mais indicada quando existe cálculo de ácido úrico ou estruvita na junção ureteropélvica. Um cateter é introduzido até o ureter, deslocando o cálculo e então as ondas são aplicadas. Essa intervenção é contraindicada em caso de gravidez, aneurisma aórtico ou de artéria renal, hipertensão grave, uso de marca- - passo e cálculos coraliformes. A cistoureteroscopia com ureteroscopia rígida é usado para retirar cálculos no ureter distal, com semirrígida é indicada para retirar cálculos no ureter médio e flexível para retirar cálculos no ureter proximal e na pelve renal. A nefrolitotomia percutânea está indicada para os cálculos maiores do que 2 cm, coraliformes, localizados no polo renal inferior e refratários à LOCE. É guiada por ultrassom e um nefroscópio é introduzido com fórceps e instrumentação para litotripsia intracorpórea. A nefrolitotomia aberta é realizada em pacientes refratários aos métodos não invasivos ou em casos de cálculos de difícil acesso ou muito extensos. No tratamento da nefrolitíase complicada, ou seja, aquela associada com infecção renal (pielonefrite) ou que causa obstrução ureteral total bilateral ou unilateral em caso de rim único, a primeira intervenção deve ser a da retirada dos cálculos, evitando perda irreversível do parênquima renal e, após isso, trata-se a complicação do quadro. Como medidas gerais para evitar novas crises o aumento da ingestão hídrica com pelo menos 30 mL/kg peso corpóreo é imprescindível. O estímulo à atividade física e orientação dietética com adequação da dieta de acordo com o distúrbio metabólico e ingestões de cálcio e oxalato balanceadas evitando restrição importante de cálcio, também são muito importantes. No tratamento medicamentoso visando a prevenção da recorrência dos cálculos depende do distúrbio metabólico evidenciado. Os mais utilizados e as principais indicações são: - Tiazídicos: em casos de Hipercalciúria Inibidor da Xantina-Oxidase (Allopurinol): Hiperuricosúria - Citrato de Potássio: em casos de Hipocitratúria, Hiperuricosúria, Acidose Tubular Renal, podendo também ser utilizado em casos de Hipercalciúria. Está contraindicado em caso de infecção urinária associada. Com a observação que todas as medicações devem ser utilizadas as menores dose possíveis necessárias para o controle das alterações metabólicas, com o mínimo de efeitos colaterais.