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82 Unidade II Unidade II 5 AS PRIMEIRAS DÉCADAS DA REPÚBLICA 5.1 Iniciativas oficiais e a experiência anarquista No dia 15 de novembro de 1889, 18 meses após a abolição da escravidão, foi proclamada a República. A partir desse momento, após diversos pontos de crise da monarquia com os diferentes setores da sociedade brasileira, finalmente a elite econômica nacional passava a ocupar o poder diretamente, e a construção de nosso futuro parecia ter cortado a ligação com a antiga metrópole. Sucederam‑se no poder durante o período chamado de República Velha: Deodoro da Fonseca (1889 a 1891), Floriano Peixoto (1891 a 1894), Prudente de Morais (1894 a 1898), Campos Sales (1898 a 1902), Rodrigues Alves (1902 a 1906), Afonso Pena (1906 a 1909), Nilo Peçanha (1909 a 1910), Hermes da Fonseca (1910 a 1914), Wenceslau Braz (1914 a 1918), Delfim Moreira (1918 a 1919), Epitácio Pessoa (1919 a 1922), Arthur Bernardes (1922 a 1926) e Washington Luís (1926 a 1930), último presidente desse período, sucedido pelo golpe de estado, a chamada Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder. Os dois primeiros presidentes eram militares e se ocuparam em seus governos em consolidar, muitas vezes à força, o novo regime político, mas após esse período os civis passaram a ocupar a cadeira presidencial, com preferência por políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais. No entanto, o novo regime não acabaria com as permanências de nosso passado colonial. A produção agrícola em latifúndios voltada para a exportação continuaria a ser nossa base econômica. Por essa escolha econômica muitas outras condições desfavoráveis à vida da população foram geradas. Ainda em 1959 essa situação era muito perceptível, quando o economista Antônio Delfim Neto, que depois atuaria como ministro da Economia durante o Regime Militar Brasileiro, escreveu um livro cujo título, O problema do café no Brasil, era provocativo, já que tratava do principal produto exportado pelo país como um “problema”. O motivo de o café ser um problema é assim explicado pelo autor ao longo da obra: se todas as terras e mão de obra do campo praticamente estavam empregadas apenas para a produção do café, restando pouco espaço à produção de gêneros alimentícios, isso fazia que fossem produzidos poucos alimentos; todo mundo precisa de alimentação para manter a própria sobrevivência, inclusive os trabalhadores e seus familiares, mas a falta de sua oferta encarecia os preços de produtos essenciais, o que tinha consequências para a manutenção da mão de obra. Ou seja, a escolha pela manutenção do modelo antigo de produção, ainda que o trabalho não fosse mais fruto de mão de obra escravizada, trazia uma série de implicações para a organização da vida social e política do Brasil. Ainda que em alguns momentos a industrialização tenha sido incentivada e a economia tenha se diversificado ao longo das décadas, a “vocação agrária” se manteria e as transformações na construção dessa nova nação não seriam rápidas, nem pacíficas, nem lineares. 83 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Ainda assim, buscava‑se construir um país novo, mas restavam muitas das velhas heranças. O Império tinha sido responsável por garantir a formação de um Estado Nacional unificado, incorporando todos os territórios da antiga colônia portuguesa ao novo Brasil independente. Diferentemente do que ocorreu nas antigas colônias espanholas, não houve fragmentação, ainda que houvesse ao menos dois grandes blocos que compunham os territórios coloniais lusitanos, um ao Norte‑Nordeste e outro ao Sul (incorporando províncias do Sul, Sudeste e Centro‑Oeste). Não foi uma unidade colonial que simplesmente se manteve, houve o esforço de reprimir movimentos separatistas, o que garantiu as dimensões continentais de nosso país. Antes da Proclamação da República, as elites locais apoiavam a monarquia constitucional, porque isso parecia garantir a ordem necessária aos seus interesses. Ainda que o discurso político oficial se inspirasse no liberalismo europeu, os latifundiários ainda conseguiam “adaptar” a teoria liberal que era contrária à escravidão ao não tratar os escravizados como pessoas de fato, pois antes de tudo eram considerados propriedade de seus senhores e instrumentos animados do trabalho. A oligarquia paulista cafeicultora mantinha seu apoio à monarquia, porque esta não se opunha ao sistema escravista. Com o fim da escravidão, esse apoio foi retirado por esses grupos, que passaram a apoiar os militares responsáveis pelo golpe de Estado que proclamou a República. Após dois governos de militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a oligarquia efetivamente assumiu a cadeira da presidência da República, no conhecido período da República Café‑com‑Leite. Os projetos de país se multiplicariam, alguns mais vitoriosos que outros, mas uma série de influências foram costuradas para que tivéssemos o contexto político e educacional em que nos encontramos. Sobre esses temas trataremos a partir de agora. Todos esses caminhos percorridos pela história do Brasil teriam, necessariamente, ressonância sobre os projetos de organização da educação no país. O exército teve seu papel e importância bastante acrescidos após a Guerra do Paraguai (1864‑1870) e, além de ter atuado como protagonistas na Proclamação da República, também seria um dos canais de entrada de uma das correntes filosóficas de destaque nas primeiras décadas da República: o positivismo. 84 Unidade II Figura 9 – Cartão impresso utilizado na campanha de Arthur Bernardes à presidência, em 1921; o texto e a imagem deixam clara a política do Café‑com‑Leite, de aliança e alternância no poder dos representantes das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais no governo federal Fonte: Sant’Anna (2019a, p. 13). Saiba mais A Guerra do Paraguai teve grande influência em questões fundamentais da passagem do Império para a República. Sobre esse conflito sugerimos o seguinte episódio da série documental Guerras do Brasil.doc: A GUERRA do Paraguai. In: GUERRAS do Brasil.doc. Direção: Luis Bolognesi. Brasil: Buriti Filmes, 2019. 26 min. Também sugerimos como referência a representação em novela do Rio de Janeiro da Primeira República: LADO a lado. Direção: Cristiano Marques e André Câmara. Brasil: Rede Globo de Televisão, 2012. 50 min. (154 episódios). O positivismo foi uma filosofia da história desenvolvida na França por Auguste Comte (1798‑1857) e chegou ao Brasil inicialmente por militares, médicos e engenheiros formados nesse país. É uma filosofia da História, ou ainda uma teoria da história, porque apresenta uma explicação sobre o processo de transformação das sociedades ao longo do tempo, indicando estágios diferentes para caracterizar as sociedades. Além disso, aponta para fase vindoura de maior desenvolvimento devido à superação de 85 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO problemas inerentes às comunidades humanas através dos usos da racionalidade e do desenvolvimento científico. As transformações tecnológicas ocorridas nesse período davam aos europeus uma visão muito otimista do futuro. O positivismo considerava que havia três estágios pelos quais a humanidade passaria, sempre considerando uma divisão entre o poder espiritual e o temporal. A primeiro seria a fase teológica‑militar, em que o poder espiritual estaria nas mãos dos religiosos e o poder temporal, sob os militares. A segunda fase seria a metafísica, em que o poder espiritual seria dos filósofos e o temporal, dos legistas, configurando governos democráticos. As sociedades europeias de seu tempo estariam nessa segunda fase. A terceira fase, ainda por vir, seria a fase positivista, em que os sociólogos‑sacerdotes positivistas controlariam o poder espiritual, e o poder material seria controlado pela burguesia, configurando ditaduras republicanas, cuja principal tarefa seria garantir liberdade espiritual e incorporar o proletariado à sociedade (CARVALHO, 2009). Em 1876, no Rio de Janeiro, foi criada a Sociedade de Simpatizantes do Positivismo.Esse primeiro grupo aderiu à vertente que aceitava o pensamento de Comte anterior à criação de uma religião positivista. Em 1877, Miguel Lemos e Teixeira Mendes aderem ao positivismo religioso quando estavam na França. Em 1881, ao retornar o Brasil, Miguel Lemos assumiu a direção da Sociedade Positivista e a transforma na Igreja Positivista do Brasil. Todos os que discordaram da nova postura foram excluídos (CARVALHO, 2009). A religião positivista teve pouca influência na França, mas foi muito bem‑sucedida no Brasil, onde teve maior número de adeptos e enorme influência política, com dois focos principais de seguidores dessa filosofia no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, particularmente entre os anos de 1880 e 1930. Entre os ensinamentos de Comte que deveriam ser seguidos pelos participantes da igreja, seus membros não poderiam aceitar cargos públicos, inclusive em escolas de ensino superior. No bairro da Glória, no Rio de Janeiro, o Templo da Humanidade, inaugurado em 1897, trazia em sua fachada a inscrição “Igreja Pozitivista do Brazil” (a grafia com z fazia referência à proposta de reforma ortográfica pretendida pelos positivistas). Também se podia ler na fachada a frase de Comte “O Amor por princípio e a Ordem por base, o Progresso por fim”. Essa frase seria incorporada à bandeira nacional após a Proclamação da República, mantendo as cores da família imperial (CARVALHO, 2009). A religião positivista não cultuava divindades, mas a própria humanidade e seus feitos. No interior do Templo da Humanidade, nas laterais, ao invés das antigas estátuas dos santos (a inspiração desse edifício em muitos aspectos tinha base nas igrejas católicas) estavam representadas figuras importantes da humanidade. Esses homens que tinham contribuído com o desenvolvimento humano é que deveriam ser cultuados. Os positivistas brasileiros elegeram as figuras históricas brasileiras que deveriam ser recordadas e cultuadas, especialmente aquelas que contribuíram ou lutaram por ideais republicanos – dentre eles o mais célebre foi Tiradentes, que nesse período passou a ser considerado um herói nacional. 86 Unidade II No altar do Templo da Humanidade havia o quadro de Décio Vilares: mulher com o filho no colo, que era a representação da Humanidade. Mas, para os positivistas, a imagem da mulher não era meramente ilustrativa, havia de fato uma valorização das características femininas nessa corrente de pensamento, o que era ainda pouco comum no momento. Segundo esse pensamento, a mulher representava o amor, e por isso era superior ao homem, pois esse sentimento deveria ser mais valorizado do que a ação e a razão masculina: “O amor por princípio”. Inclusive, foi através de uma mulher que Comte teve algum contato com o Brasil. Em 1851, Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810‑1885), pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, assistiu a uma conferência de Comte em Paris que lhe impressionou muito pela importância dada por ele às mulheres. Nísia Floresta foi a primeira educadora feminista do Brasil e trocou muitas cartas com Comte. Ela foi uma das quatro mulheres que acompanharam o enterro desse filósofo. Muitas das ações propostas pelos positivistas naquele momento divergiam da agenda das elites agrárias. Por exemplo, fizeram campanhas pela abolição da escravidão e pela proteção dos indígenas brasileiros. Também fizeram campanha pela Proclamação da República, mas não eram favoráveis a revoluções ou qualquer tipo de solução armada para conflitos, inclusive em questões envolvendo outros países, sempre buscando as soluções diplomáticas. Por isso tentavam convencer o próprio dom Pedro II a se tornar um ditador republicano. Por essa postura acabaram excluídos do movimento que efetivamente proclamou a República no dia 15 de novembro de 1889, mas ainda assim aderiram aos republicanos muito rapidamente, realizando o desenho da bandeira nacional, executado por Décio Vilares, o mesmo que havia pintado o quadro do altar no Templo da Humanidade. A outra proposta de bandeira, que fora vencida, apresentava uma cópia da bandeira norte‑americana. No caso específico do Brasil, eles também interpretavam a intenção de Comte sobre a fase positivista dever incorporar o proletariado à sociedade moderna com a necessidade de incorporação dos libertos, garantindo a eles trabalho e dignidade. Por isso, eram contrários às políticas de incentivo à vinda de imigrantes para formarem a classe trabalhadora brasileira. Defendiam o direito à greve em caso de insensibilidade do patrão e a criação de uma legislação trabalhista, com jornada de sete horas, salário justo, descanso semanal, férias, aposentadoria. Quando a legislação trabalhista foi finalmente introduzida no Brasil depois da Revolução de 1930, o próprio ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, atribuiu ao positivismo a influência em sua criação. Também combatiam a lei de repressão à vadiagem que fora introduzida na República, sendo que o general Manuel Rabelo, que era positivista e se tornou interventor em São Paulo em 1930, fez um decreto obrigando que os mendigos fossem tratados como cidadãos, o que lhe garantiu o apelido de “cidadão mendigo”. Ainda em concordância com os ideais e posturas apresentados anteriormente, os positivistas defendiam a educação pública apenas no ensino básico, tinham uma postura de defesa radical da natureza, com inspiração em São Francisco de Assis, e uma ideia também radical de República, em que o interesse coletivo deveria predominar sobre o individual. A questão da separação entre Estado e Igreja, com um governo laico, também era central para o positivismo. Por isso, a escola também deveria ser laica e o conteúdo religioso no ensino deveria ser substituído pela educação moral e cívica, que deveria perpassar os conteúdos de todas as disciplinas 87 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO estudadas. Essa postura se afastava da herança colonial e imperial, em que monarquia e Igreja católica estavam unidas no poder e o ensino em grande medida era realizado por grupos religiosos católicos, primeiramente os jesuítas. Com a Proclamação da República, houve a separação desses poderes e a laicização da vida política, com a liberdade de culto garantida, a secularização dos cemitérios públicos, entre tantas outras medidas, que recebiam apoio não apenas dos positivistas, mas também de grupos religiosos, como os protestantes que viviam no Brasil, além dos maçons (SILVA, 2018). Ainda assim, a questão do ensino religioso nas escolas públicas esteve presente ao longo das próximas décadas, sendo retomado em muitos momentos. Nas propostas positivistas de educação, as disciplinas científicas deveriam fazer parte do ensino básico, como Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Moral. Perceba que essas disciplinas já nos parecem muito mais familiares se compararmos com os conteúdos que atualmente se estudam na escola. O desenvolvimento nos estudantes de valores nacionalistas, patriotismo e cidadania também era um objetivo da escola. Além disso, a vida prática das pessoas deveria estar no horizonte do ensino público, que deveria ser voltado a todos, ricos, pobres, trabalhadores rurais, proletariado, elites agrárias, crianças, adultos etc. E o que se ensinava na escola deveria ser útil ao exercício tanto da cidadania quanto das diferentes profissões. Nas palavras de Silva (2018, p. 972): “A filosofia comtiana idealizava um homem prático, empírico e empreendedor mediante à valorização de uma educação utilitarista”. Teixeira Mendes e Miguel Lemos, membros da Igreja positivista mencionados anteriormente, chegaram a apresentar propostas educacionais. Segundo eles, o ensino tradicional não era adequado, pois não se dirigia à massa social (o proletariado) e era retrógrado. Por isso era preciso fundar uma nova educação, verdadeiramente nacional, não apenas voltada às elites. Essa nova educação deveria compreender todas as ciências e deveria formar o cidadão para conhecer seus deveres e as funções que deveriamdesempenhar na sociedade. O foco dessa concepção de cidadania não está nos direitos, mas no cidadão responsável por construir a nação, em fazer parte do progresso do país. Por isso, a educação deveria atender a todos os grupos sociais (SILVA, 2018). Essa era uma perspectiva muito otimista em relação aos efeitos que a educação poderia causar no futuro do país, pois era o instrumento através do qual a sabedoria e a razão poderiam permitir que a humanidade se transformasse. Essa visão era partilhada por outros intelectuais da época, que observavam o contexto nacional, com crescimento da população urbana e industrialização e se incomodavam com as taxas de analfabetismo, considerando‑o um dos entraves da modernização e do desenvolvimento. Era preciso preparar os trabalhadores para a indústria e para a vida urbana. Silva ainda nos apresenta as seguintes considerações: A ideia de educação estava relacionada à questão de capacitação e da formação de novas gerações no sentido de mudança de determinados valores, crenças, tradições e práticas sociais e exigiam a substituição de um conteúdo da superstição por um conteúdo carregado de exaltação cívica. Organizar a instrução pública consistia em organizar uma nova ordem social, econômica e política, isto é, um projeto de nação. Tratava‑se de uma escolarização, como instrumento de institucionalização do social, calcada em uma ideologia da unidade nacional (SILVA, 2018, p. 973). 88 Unidade II Mas, efetivamente, como essa valorização e a preocupação em relação à educação influenciaram as políticas públicas dessas primeiras décadas republicanas? Muitas reformas foram realizadas entre 1890 e 1930, algumas contradizendo ou anulando resoluções de suas antecessoras, outras avançando na construção da escola pública desse momento. Antes mesmo da Proclamação da República, algumas ideias positivistas seriam aplicadas na criação das Escolas Normais, que surgiram inicialmente no período imperial, mas de forma bastante frágil, com existência intermitente e efeitos ainda bastante limitados. Como a instrução básica havia sido confiada às províncias, em alguns casos os recursos locais eram escassos, o que impedia que a educação básica se expandisse. Mesmo para garantir o ensino de leitura, escrita e cálculo muitas eram as dificuldades. Comumente os professores da educação primária não tinham formação adequada e não tinham muito prestígio social. Para tentar reverter esse quadro, foram criadas as primeiras Escolas Normais, sendo a primeira em Niterói, em 1835, seguida pela da Bahia, em 1836, e no Ceará, em 1845, com o objetivo de formar professores primários. Essas primeiras escolas ainda tinham uma organização precária e acabaram por não sobreviver por muito tempo (ACCÁCIO, 2006). Em São Paulo a Escola Normal também tem existência intermitente. É criada em 1846, destinada apenas a homens. Sua atuação é bastante limitada, tendo formado cerca de 40 professores ao longo de seus 20 primeiros anos de existência ininterruptos, desaparecendo em 1867. Em 1874 é reaberta em São Paulo, funcionando por mais quatro ano, até 1878; depois é reaberta em 1880. Segundo Accácio (2006), essas primeiras escolas não prosperaram porque “improvisavam” a formação de professores, recebendo estudantes que não tinham conseguido atuar em outras profissões de maior prestígio. As mulheres quase não podiam ingressar nessas primeiras Escolas Normais, porque o ensino era noturno, considerado muito demorado e podia ser impróprio e nocivo às mulheres. Durante o século XIX as mulheres das classes mais altas tinham passado a receber uma educação um pouco mais cuidada de suas famílias, quase sempre em ambiente doméstico, mas existiam também escolas voltadas para a educação feminina. No entanto, o positivismo e sua postura em relação às mulheres e a valorização de suas características de cuidadoras afetivas, mães zelosas que poderiam contribuir para a formação de uma sociedade mais solidária e fraterna, fez com que a mulher passasse a ser vista como a educadora primária por excelência. Nesse sentido, o ensino primário seria um desdobramento da atividade materna. Em 1874, foi criada no Rio de Janeiro uma Escola Normal que recebia estudantes de ambos os sexos, preparando‑os para o magistério para a instrução primária em um curso de duração de três anos. Embora fosse particular, o curso era gratuito, funcionando com autorização e subsídios do governo, recebendo logo no primeiro ano de funcionamento 104 alunos. Em 1880 foi criada uma Escola Normal pública no município da corte, inaugurada com a presença do próprio Imperador, funcionando inicialmente dentro do edifício do Externato do Colégio Pedro II. Era destinada a ambos os sexos, mas que frequentavam o curso em salas separadas. As acompanhantes das mulheres (sim, as mulheres não podiam sair sozinhas de casa, nem para estudar) podiam assistir às aulas ou esperar em outra sala. 89 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO O curso era gratuito e era dirigido pelo positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836‑1891), que orientou a formação dos futuros educadores a partir dos princípios de Comte. Tinha duração de quatro anos e tinha currículo extenso, enciclopédico, com apenas uma cadeira referente especificamente ao ensino, de Pedagogia e Metodologia, que aparecia na segunda série como Pedagogia e Metodologia Elementar e na quarta série como Pedagogia e Metodologia Geral. Nessas aulas se estudava sobre educação desde seus aspectos mais filosóficos (finalidade da educação e sua importância, a missão do professor), até aspectos práticos da profissão. Em outros países, como os Estados Unidos, as escolas de formação de professores primários tinham recebido maior atenção ao longo do século XIX e a educação de crianças passava a ser uma grande preocupação de pensadores como Johan Heinrich Pestalozzi (1746‑1827), que depois iria influenciar Maria Montessori (1870‑1952) e Johann Friedrich Herbart (1776‑1841). Nos Estados Unidos mais de 200 Escolas Normais funcionavam em fins do século XIX, inspiradas nesses dois pensadores, questionando o ensino tradicional de memorização de conteúdos (ACCÁCIO, 2006). As elites brasileiras já estavam atentas às inovações na pedagogia que circulavam na Europa e nos Estados Unidos desde o período imperial. A influência desses pedagogos se sentiria primeiro na valorização das ações na educação infantil das elites. Com a intenção de usufruir dos avanços científicos e pedagógicos de sua época, foi fundado em 1875, no Rio de Janeiro, Corte Imperial, o primeiro jardim de infância, idealizado pelo médico e educador Joaquim José Menezes Vieira. Esse jardim de infância era privado, voltado para a elite e apenas para os meninos de 3 a 7 anos. Nessa instituição era utilizado o método intuitivo, que desenvolvia percepção direta e experimental das crianças. A inspiração para essa iniciativa vinha de Johann H. Pestalozzi (1746‑1827), Friedrich Froebel (1782‑1852) e Marie Pape‑Carpantier (1815‑1878). Suas atividades deveriam incluir ginástica, pintura, desenho, exercícios de linguagem e de cálculo, escrita, leitura, história, geografia e religião (FILIPIM; ROSSI; ROGRIGUES, 2017). Com a urbanização e a industrialização, a questão do ensino infantil também precisou ser pensada no campo dos direitos dos trabalhadores e como uma necessidade social das mães pobres que precisavam trabalhar fora de casa. Leôncio de Carvalho, responsável por fazer a reforma do ensino na corte, estabeleceu a obrigatoriedade da frequência às escolas primárias a partir dos 7 anos e a criação de jardins de infância em cada distrito do município da corte, para atendimento das crianças de 3 a 7 anos. Ainda não havia, porém, uma instituição pensada para o cuidado dos menores de 3 anos de idade. Só em 1889 surgiu a primeira creche, criada para atender aos filhos dos trabalhadores de uma fábrica, a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, no Rio de Janeiro. Diferente dos jardins de infância, que tinham primordialmentefunção educativa, de desenvolver a criança, as creches tinham a principal função de cuidar das crianças pequenas fora do ambiente familiar e se destinavam ao auxílio das mães pobres que precisavam trabalhar. Assim foram criadas as primeiras creches, escolas maternais e jardins de infância, por um lado para dar acesso à melhor formação possível aos filhos da elite, por outro, como auxílio necessário para as mães trabalhadoras que viviam nas cidades. Muitas creches foram criadas no Brasil durante as primeiras décadas do século XX vinculadas a indústrias. Ainda assim, essa não era a solução mais comum das famílias na época, sobretudo porque a maior parte da população vivia no campo, educando as crianças junto com a família. 90 Unidade II Observação O termo jardim de infância aparece em 1840 na obra de Froebel e era uma instituição voltada para a educação de crianças a partir dos 4 anos em um ambiente livre para aprender. Entre 1890 e 1900, Benjamin Constant, que havia participado da Proclamação da República e era também ministro da Guerra, assumiu a chefia da Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Ocupando essa função ele realizou o primeiro conjunto de reformas educacionais do novo regime. A educação estava na mesma pasta que as comunicações, isso é interessante de se notar. Na Constituição de 1891 é apresentado que o ensino seria leigo, reforçando o ideal de superação do ensino religioso da tradição colonial brasileira. Figura 10 – Fachada do Colégio Pedro II na década de 1920 Fonte: Sant’Anna (2019d, p. 39). Segundo o Decreto n. 981, de 8 de novembro de 1890, Benjamin Constant determinava uma série de diretrizes que organizariam todos os níveis de ensino. Estabeleceu o Ginásio Nacional (antigo Colégio Pedro II, que voltaria a ter esse nome a partir de 1911), que seria o modelo para o ensino secundário a ser ministrado em todo o país. Para atestar a conclusão do ensino secundário foram criados os exames de madureza, que eram obrigatórios e necessários para a candidatura ao ensino superior. Os estados, que substituíam as antigas províncias na organização política do Brasil Republicano, 91 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO deveriam organizar as escolas secundárias que criassem a partir do plano de ensino seguido pelo Ginásio Nacional e, quando assim o fizessem, seus exames de madureza poderiam dar acesso direto ao ensino superior. Essa medida indicava que a organização do ensino secundário estava pensada como uma preparação para o ensino superior. Além disso, ajudava a mudar o perfil do alunado das escolas públicas urbanas, que durante o período imperial eram frequentadas pelas classes médias, enquanto a elite tinha professores e preceptores para seus filhos em educação domiciliar, ou os enviavam a escolas particulares (ABREU; BOMENY, 2015). Segundo essa reforma, o ensino passava a ser organizado em séries e as disciplinas científicas, com um caráter enciclopédico, substituíam o caráter literário e acadêmico do ensino anterior, sobretudo de tradição jesuítica. Por nove anos essa reforma foi adiada e alterada a partir desse plano original. O curso da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1890, passou a ser de cinco anos e a cadeira de Pedagogia desapareceu do currículo, mas surgiu a Escola de Aplicação, na qual os alunos e alunas aprovados nas duas primeiras séries do curso praticavam o ensino. A Escola de Aplicação continuaria a existir por muito tempo, mas a parte teórica diretamente relacionada ao ensino, que seria desenvolvida na cadeira de Pedagogia, existiu de forma intermitente. A partir de 1893, a idade mínima para o ingresso no curso era de 15 anos, sendo exigido o certificado de estudos primário ou uma prova de admissão aos que não o tivessem. Em 1897 a cadeira de Pedagogia voltou a existir, e passou a ser obrigatório o estágio de seis meses em escolas primárias (ACCÁCIO, 2006). Em 1901, Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1865‑1942), então ministro da Justiça e Negócios Interiores do Governo Campos Sales (1898‑1902), que passava a cuidar nesta pasta dos serviços de educação e saúde pública desde 1892, tentou concretizar o plano para a educação pública iniciado por Benjamin Constant. Em suas ações buscava privilegiar a educação secundária, que até aquele momento não exigia frequência obrigatória para que os alunos tivessem seus certificados de conclusão, apenas sendo necessário estar aprovado nos exames preparatórios. Ou seja, os alunos não precisavam necessariamente frequentar a escola, poderiam combinar os estudos escolares com aulas complementares, ou realizar todo o ensino fora dessas instituições. Epitácio Pessoa reinstituiu o exame de madureza proposto por Benjamin Constant, justificando que era necessário para elevar a qualidade do ensino. Além disso, equiparava ao Ginásio Nacional todos os liceus e demais instituições de ensino secundário, fossem estaduais, municipais ou particulares. Em 1901 também houve uma mudança no perfil de ingressantes da Escola Normal do Distrito Federal, que passou a ser exclusivamente voltada para as moças. A partir desse momento, a profissão do magistério primário passou a ser predominantemente feminina, o que estava em consonância com os preceitos positivistas (ACCÁCIO, 2006). Durante a Primeira República vemos surgir no Brasil, em consonância com o que já acontecia na Europa, o início da luta das mulheres por igualdade e liberdade. Havia um ideal modernizador na mudança de regime, na busca pela superação do passado colonial/imperial, rural e escravocrata, ainda que efetivamente fosse muito difícil transpor essas heranças. Nas cidades que se modernizavam e industrializavam nesse momento, novas relações produtivas e sociais implicariam mudanças nas relações entre homens e mulheres. Nos ambientes rurais essas transformações demorariam mais a 92 Unidade II acontecer. Na cidade, os homens (mesmo das camadas médias e mais baixas) podiam encontrar profissões mais rentáveis e prestigiosas do que o magistério primário, ainda que o discurso político mostrasse preocupação em promover o letramento da população como condição para o progresso do país. As mulheres, então, passariam a se ocupar profissionalmente dessa primeira fase do ensino. Essa era uma das primeiras áreas profissionais que se abriam à presença feminina. Com as transformações ocorridas nas Escolas Normais na Primeira República, ia‑se de fato construindo a profissão do professor primário, não mais improvisando a atuação daqueles que iriam para essas escolas de primeiras instruções. Ao buscar construir uma nova sociedade e um novo conjunto de cidadãos, os positivistas colocariam a mulher no papel de educadora da primeira infância. A Escola Normal passava a ser vista como um ambiente que não mais podia trazer prejuízos à mulher, pois, ao se dedicar à alfabetização e primeira instrução, estaria prolongando o trabalho que era feito pelas mães em casa. Segundo a visão tradicional da sociedade da época, a mulher tinha características que a tornavam muito adequadas a esse trabalho, como a disponibilidade, a afetividade, a humildade e a submissão, além da postura de abnegação e sacrifício esperada pelas mães (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019). A valorização da inserção feminina na educação não era unânime, existindo aqueles que argumentavam contrariamente, pois as mulheres eram consideradas despreparadas e infantilizadas, não devendo ser a elas confiada tarefa central para o futuro do país como era a educação das crianças. Além disso, a mulher era considerada frágil e deveria ser protegida e controlada, mantendo‑se no ambiente doméstico, ocupada com os deveres do lar, da família e da maternidade. Mesmo as normalistas que iriam atuar fora de casa deveriam ser monitoradas e a ocupação como professora deveria ser passageira, pois, assim que deixasse de ser compatível com os deveres de esposa e mãe, estas deveriam abandonar o trabalho fora de casa para dedicarem‑se ao que era efetivamentesua obrigação (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019). O fato de a instrução primária ser trabalho de apenas um turno ajudava a ser compatível com as obrigações domésticas – ou seja, mais um argumento para que fosse um trabalho secundário, que não deveria interferir naquilo que era a verdadeira obrigação da mulher. Ainda, por ser um trabalho secundário, ou complementar, as remunerações baixas ficavam justificadas. Nesse momento, a educação primária (das primeiras letras, ou elementar), que no período imperial estava sob responsabilidade sobretudo das famílias, passaria a receber maior atenção do Poder Público, especialmente pelos governos estaduais e municipais. Já o governo federal se preocuparia com o ensino superior e secundário, em alguns momentos atuando de forma mais efetiva na promoção e no controle da qualidade dessas etapas, em outros deixando enorme liberdade às instituições de ensino, especialmente as particulares. Nesse contexto dos desdobramentos da tentativa de reforma de Benjamin Constant e das iniciativas de Epitácio Pessoa, o escritor Olavo Bilac (1865‑1918) publicou crônicas entre 1900 e 1906, no jornal Gazeta de Notícias, em que apresentava muitas discussões sobre a educação nacional, especialmente tratando do caso do Rio de Janeiro. Suas palavras contribuem para nossa compreensão sobre como alguns intelectuais da época percebiam a efetividade dessas medidas e a 93 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO importância do investimento público na educação. Bilac atuou como inspetor de instrução pública do Rio de Janeiro, além de ter demonstrado interesse em publicações educacionais, com livros infantis e manuais voltados à educação. Em suas crônicas a educação era tratada como uma das ferramentas fundamentais para a modernização do país, sendo que, por isso, a instrução deveria ser obrigatória, assim como o saneamento, o embelezamento da capital e a vacinação. Todas essas ações foram tomadas nas primeiras décadas da República. Mesmo após muitos efeitos negativos dessas políticas, que foram implantadas de forma autoritária e geraram revoltas populares, tais efeitos colaterais (revolta da vacina, demolição do casario colonial, deslocamento da população mais pobre aos morros do Rio de Janeiro…) foram minimizados por Bilac (BARCHI; CUNHA, 2021). O analfabetismo era o principal inimigo nacional, as escolas fechavam por falta de frequência e era preciso tornar a instrução obrigatória para as crianças. Essa situação, segundo Bilac, impedia que a obra da abolição da escravidão fosse efetivada e que a população se tornasse verdadeiramente livre, capaz de ler as notícias de jornal e as revistas. Ainda segundo o autor, a situação de São Paulo era melhor que a do restante do país, pois havia passado por reformas em 1893 e tinha criado Escolas Normais para a formação de professores, passo fundamental para a criação de uma escola que pudesse formar cidadãos republicanos. Porém, era caro para o Estado manter escolas para os estudantes e para a formação de professores, por isso foram criadas Escolas Normais oficiais apenas em cidades importantes, e a Escola Normal Caetano de Campos, localizada na praça da República da capital paulista, era a referência para a formação de professores em todo o estado de São Paulo. Para ajudar nessa situação, foram criados de forma paliativa, a partir de 1895, os cursos complementares para formação de professores, mais curtos, de quatro anos. Então, havia os professores normalistas e os complementaristas. Também foram criados os grupos escolares, com a reunião de 4 a 10 escolas que antes estavam isoladas, o que ajudava na organização e no planejamento do trabalho (FIORAVANTI, 2015). Em São Paulo, o próprio escritório Ramos de Azevedo, o mais importante do momento, responsável pelo Theatro Municipal de São Paulo, entre muitas outras obras de destaque, tinha um departamento voltado para a construção de escolas públicas (FIORAVANTI, 2015), dada a preocupação em criar nesses edifícios uma imagem ligada aos esforços da República em garantir o progresso social pela educação. Muitas escolas eram monumentais em seus edifícios, construídas, sobretudo, com linguagem eclética, dois ou três pavimentos, com muitas janelas para garantir boa ventilação e insolação, o que gerava um ambiente saudável e em conformidade com o higienismo e sanitarismo do momento. Esse modelo estava presente em São Paulo e em outros estados da República. 94 Unidade II Figura 11 – Fachada do Grupo Escolar Dr. Delfim Moreira, em Santa Rita do Sapucaí (MG), criado em 1908‑1909 Fonte: Sant’Anna (2019f, p. 47). Outra questão importante levantada por Bilac em suas crônicas era a questão da língua como elemento fundamental da cultura de um povo e, consequentemente, da construção da nacionalidade. A imprensa da época tratava de forma bastante sensacionalista a proliferação de escolas internacionais no Brasil, alemãs, americanas, francesas etc. Esse era mais um dos motivos‑chave para o letramento obrigatório na língua nacional. Lembrete O analfabetismo como um entrave ao desenvolvimento que deve ser superado e uma educação que prepare para a cidadania, para a liberdade, para a superação do escravismo e para o trabalho seriam a base das preocupações e objetivos educacionais das iniciativas públicas durante a Primeira República. Além disso, a educação também tinha um aspecto prático, de preparar para a ação, para a luta, para que os cidadãos pudessem utilizar suas capacidades em proveito da coletividade. Os exemplos da Europa estavam sempre na mente do escritor quando fazia suas críticas, fosse a Suíça, que tinha o ensino obrigatório, fosse o caso francês que tinha tornado a escola laica (1880), com ensino primário gratuito (1881) e com obrigatoriedade decretada (1882), formando o que seria a base da escola pública francesa: laica, gratuita e obrigatória. 95 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO As matrículas nas escolas municipais do Rio de Janeiro, bem conhecidas de Bilac, tinham aumentado consideravelmente de 1893 a 1903, passando de 11.099 alunos para 26.707. Ao tratar desse assunto, Bilac ponderava a dificuldade dos pais das crianças, em grande medida analfabetos, em compreenderem a necessidade de dar educação aos filhos, e ainda valorizava o trabalho das professoras, que, além das atividades em sala de aula, buscavam alunos e faziam propaganda da instrução no contraturno de trabalho. Falava ainda do preconceito das famílias ricas ao considerar o que era gratuito como de má qualidade – o que estava sendo ultrapassado, com os esforços em relação à construção das escolas públicas naquele momento e com a matrícula de estudantes provenientes dos grupos mais abastados. Apesar do discurso da formação de cidadãos pela educação, as políticas dos primeiros governos republicanos muitas vezes foram extremamente autoritárias com a população, especialmente em relação aos mais pobres, como foi o caso da reforma urbana do Rio de Janeiro, realizada durante o governo do prefeito Pereira Passos a partir de 1903 (inspirada na reforma da cidade de Paris, realizada entre 1853 e 1870) e a Revolta da Vacina (1904). Esses dois eventos estavam interligados, pois nas reformas não se pretendia apenas deixar a cidade mais bela – era fundamental que ela se tornasse também mais sadia. O Rio de Janeiro, assim como muitas cidades do momento, especialmente as litorâneas e que estavam em crescimento, como Santos, padeciam com frequentes doenças, pela proliferação de mosquitos e pela falta de saneamento básico. Os cortiços foram os primeiros alvos dos reformadores, e muitos deles tinham donos ilustres que lucravam com a miséria da população, como o conde d’Eu, marido da princesa Isabel, que era proprietário do maior cortiço carioca, o Cabeça de Porco. A população que ficava desabrigada com as destruições dos cortiços passava a viver nos morros, processo que deu origem às favelas, que era o nome de uma planta leguminosa muito comum nos locais onde as tropas brasileiras acampavamdurante as campanhas para destruir o Arraial de Canudos. Muitos dos antigos combatentes, ao voltarem ao Rio de Janeiro, viviam em habitações precárias e ajudaram a compor os primeiros grupos a ocupar os morros cariocas. Da mesma forma autoritária que se controlava a salubridade dos cortiços era feita a vacinação obrigatória para controlar a varíola (SEVCENKO, 2010). Tais medidas eram necessárias, tanto as reformas, com fechamento de casas em péssimas condições sanitárias, quanto a vacinação, já que o Rio de Janeiro chegou a ser conhecido como “o cemitério dos viajantes”, pois aqueles que precisavam aportar ali tinham medo das doenças tão comuns na cidade. Mas a maneira como foram realizadas, expulsando as pessoas de suas casas, utilizando força e violência na execução dos mandatos, sem diálogo, sem explicações sobre as políticas adotadas, gerou uma enorme revolta, provavelmente mais um estopim de inconformismo com o governo que não os considerava efetivamente cidadãos, já que a maioria das pessoas pobres não podia votar, pois o voto era condicionado ao letramento (tinham direito ao voto todos os homens maiores de 21 anos alfabetizados – ou seja, mulheres não podiam votar, analfabetos também não). 96 Unidade II Figura 12 – Charge de Leonidas Freire sobre a Revolta da Vacina, publicada na revista O Malho, em 1904 Fonte: Sant’Anna (2019e, p. 22). Além disso, vão surgir no século XIX correntes de pensamento baseadas em novidades científicas, como a psicologia, a puericultura e o higienismo, ao qual estão ligadas as iniciativas das remodelações urbanas e vacinação obrigatória, que seriam adequadas à realidade brasileira a partir da atuação feminina no ensino primário. A psiquiatria e a psicologia estariam cada vez mais presentes na vida das pessoas e nas políticas públicas, seja na medicalização das doenças mentais e na criação dos hospícios, seja na psicologia, ao tratar das fases de desenvolvimento do cérebro, que teriam enorme impacto nos estudos e nas práticas relativas à educação. Sobre a puericultura, que trata especificamente da saúde de crianças e adolescentes e seu acompanhamento, uma série de ensinamentos deveria ser acessível às mães e às professoras para que pudessem acompanhar o desenvolvimento de filhos e alunos. O mesmo se deu com o higienismo – as professoras deveriam ser as principais promotoras dos conhecimentos e práticas higienistas, visando à promoção da saúde de todos (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019). Retomando as reformas oficiais, nem sempre os sucessores mantinham as políticas anteriores. As ações de Benjamin Constant e Epitácio Pessoa foram revogadas formalmente em 1911, pela Reforma de Rivadávia da Cunha Correia (1866‑1920), ministro da Justiça do governo Hermes da Fonseca (1910‑1914), por meio da Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental. Foi eliminado o exame de madureza e a equiparação das instituições de ensino secundário de todo o país ao Colégio Pedro II (que voltava a ter o mesmo nome do período imperial). A partir dessa lei o Estado deixava de interferir no setor educacional: não havia mais reconhecimento oficial dos certificados de cursos das escolas secundárias, não havia mais exames preparatórios parcelados, que até então também eram utilizados 97 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO para atestar a conclusão do ensino secundário, ficando então desobrigados os alunos de atestar a realização dos estudos secundários. As universidades passavam a realizar exames de admissão próprios para selecionar seus alunos, criando a prática do vestibular. Essa reforma teve resultados bastante preocupantes, segundo Barreto e Filgueiras: Ela possibilitou o aparecimento das formas mais ignóbeis de exploração comercial em nome do ensino. Uma delas era a Universidade Escolar Internacional, do Rio de Janeiro, que, depois de um curso de direito, medicina ou engenharia por correspondência, vendia diplomas de bacharel ou doutor a 60 mil‑réis a unidade (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007, p. 1788). Os efeitos dessa reforma foram combatidos por uma nova reforma em 1915, por Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (1873‑1960), ministro da Justiça do Governo Venceslau Brás (1914‑1918). Nesse momento foram restaurados os certificados do curso secundário expedidos pelo Colégio Pedro II no Rio de Janeiro; a possível equiparação das escolas públicas secundárias com o Colégio Pedro II; foram reinstituídos os exames preparatórios parcelados, os estudantes não matriculados em escolas oficiais poderiam obter certificados de estudos secundários se aprovados nesses exames. Com isso era reestabelecido o controle estatal sobre o ensino (ABREU; BOMENY, 2015). Além da preocupação com o ensino secundário, no artigo 6º dessa reforma ficava indicada a intenção de o governo federal reunir, em momento oportuno (ou seja, sem indicar um prazo para a efetivação da proposta), as Escolas Politécnicas e de Medicina do Rio de Janeiro, além das Faculdades Livres de Direito, criando assim uma universidade pública, o que seria concretizado em 1920, durante o Governo Epitácio Pessoa, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro, que passaria a se chamar Universidade do Brasil, em 1937, e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir de 1965 (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007). Além das reformas em âmbito federal, os estados também passaram a tentar organizar e incentivar a escolarização. Em São Paulo, em 1920, ocorreu a Reforma Sampaio Dória, que tentava suprir a falta de escola frente à enorme demanda de vagas, buscando assim reduzir o analfabetismo que ainda era alarmante. Nessa reforma o ensino escolar obrigatório passava dos 7 aos 9 anos de idade dos alunos, reduzindo o período em que os estudantes permaneciam na escola e possibilitando, dessa maneira, realocar vagas existentes para tentar atender a mais estudantes e democratizar o ensino. As crianças deveriam ser alfabetizadas em apenas dois anos, com duas horas e meia de aulas diárias. Os resultados das medidas não foram positivos. O Rio de Janeiro, entre 1922 e 1926, recebeu a Reforma de Carneiro Leão (1887‑1966), que era um intelectual e autor de livros sobre educação da época e que foi autor de reformas educacionais no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Carneiro Leão criticava a situação das escolas naquele momento, cuja educação primária era destinada às classes populares (responsabilidade de estados e municípios), que não era de qualidade, enquanto o ensino secundário e superior, que recebiam patrocínio do governo federal, voltavam‑se às elites. Para ele, as novas necessidades da sociedade deveriam ser pensadas através de políticas educacionais voltadas para a formação profissional (agrícola, comercial e industrial), além da educação moral e cívica. Também valorizava a educação física, para trabalhos manuais e a formação de professores. 98 Unidade II Observação Em 1926, passou a vigorar o Código de Menores, ou Código Mello Mattos, primeira lei nacional a proteger as crianças. Nas reformas estaduais de ensino, homens diretamente envolvidos com a educação passaram a atuar nas propostas. No Ceará, o educador paulista Lourenço Filho, professor de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba, foi chamado para reformar o ensino estadual, que se encontrava em difícil situação, desde a formação dos professores até a falta de escolas e grandes taxas de analfabetismo. Sua atuação intentou organizar escolas rurais, reformou o curso normal e criou mecanismos de verificação e controle da qualidade, como inspeções escolares e testes de inteligência para avaliar alunos (ABREU; BOMENY, 2015). A ênfase na psicologia para pensar nas melhores soluções estaria na base de suas ações, o que seria também fundamental para outras propostas educativas que trataremos mais adiante. Na Bahia também ocorreu uma reforma em 1925, durante o Governo Francisco Marques de Góis Calmon, que tinha Anísio Teixeira como diretor geral do ensino. A reforma indicava que o ensino deveria ser gratuito e obrigatório,com ênfase na educação física, intelectual e moral dos estudantes. Voltando ao âmbito nacional, em 1925, durante o Governo Arthur Bernardes, houve mais uma reforma, realizada pelo professor da Faculdade de Medicina Rocha Vaz e executada pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores João Luís Alves. Nessa reforma foi criada a disciplina de Educação Moral e Cívica. O Colégio Pedro II estava equiparado apenas às escolas de ensino secundário, e os colégios particulares deveriam instituir juntas examinadoras para a realização de exames equivalentes ao do Colégio Pedro II. Os exames preparatórios parcelados foram extintos, e passava a ser obrigatório o curso ginasial de seis anos, seriado e com frequência obrigatória. Era preciso ser aprovado na série anterior para ingressar na subsequente. Algumas questões chamam nossa atenção nas reformas intentadas durante as primeiras décadas da República. Primeiramente, não existia um ministério específico para a educação. Muito frequentemente, o ministro da Justiça e Negócios Interiores se ocupava das questões relacionadas à promoção e organização da instrução pública no país. Além disso, a maior ou menor intervenção do Estado no ensino secundário costumava ser um dos focos das reformas. A obrigatoriedade da frequência no ensino secundário era uma questão, sobretudo às elites, que muitas vezes não queriam frequentar as escolas públicas juntamente com as camadas médias. Os exames e os certificados de conclusão do ensino secundário também estavam em discussão. O ensino primário e a alfabetização, que estavam a cargo dos estados e municípios, não aparecem diretamente nas iniciativas federais, ainda que o analfabetismo fosse tratado pela opinião pública como um grande problema nacional. Além das iniciativas oficiais dos diferentes governos, a construção da educação nacional era debatida por diversos grupos na sociedade, que tinham propostas e ações próprias, relacionadas às particularidades e necessidades específicas daquele contexto histórico. 99 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Nesse novo Brasil, a cidade era o cenário da modernidade, assim como a indústria, ainda que o principal produto exportador fosse o café. Ao abolir a escravidão, os trabalhos no campo e na cidade passaram a ser realizados progressivamente pelos imigrantes europeus, cuja vinda ao Brasil foi incentivada e muitas vezes até financiada pelo Estado. Essa postura marcava uma postura racista do governo, que, além de não incorporar os ex‑escravizados e seus descendentes à sociedade, buscava apagar a memória da escravidão, “embranquecendo‑a”. A partir do século XIX passam a surgir na Europa teorias racistas para justificar as ações dos europeus na África, que fora partida em territórios explorados pelos diferentes países do Velho Mundo como se fosse terra de ninguém, livre para ser tomada pelos desejos imperialistas das potências que vinham se industrializando e buscavam novos mercados fornecedores de matérias‑primas e consumidores de seus produtos. Essas teorias distorciam o pensamento de Charles Darwin (1809‑1882) deslocando a evolução das espécies para a evolução das sociedades. Obviamente, o modelo de civilização desenvolvida e mais evoluída era a Europa, e tudo o que se distanciava desse modelo era tomado como mais atrasado, por isso cabia ao homem europeu levar a civilização ao mundo. Essas teorias já estavam em voga no Brasil nesses anos, mas tomariam ainda mais corpo e influência no governo a partir da década de 1930, por isso trataremos desse assunto de maneira mais detalhada no próximo tópico desta unidade. Mas importa saber, nesse momento, que havia o desejo de “branquear” a população brasileira, por isso foram abertas as portas para os imigrantes, que vieram sobretudo de Portugal, Itália, Espanha, Alemanha e Japão. Também vieram para cá sírios e libaneses, que faziam parte do Império Turco‑Otomano naquele momento. Entre 1881 e 1885, estima‑se que chegaram 133.400 imigrantes, quando se iniciou de modo mais intenso esse processo. Entre 1886 e 1890, esse número mais que dobrou, com 391.600 imigrantes. Logo após a abolição, esse número passou a 659.000 entre 1891 e 1895. As imigrações continuaram volumosas até a década de 1930 (NAPOLITANO, 2018). Parte desses imigrantes passaram a trabalhar no campo, em especial no plantio de café, alguns passaram progressivamente a adquirir pequenas propriedades rurais no sul do país, permanecendo no campo. Outra parcela se dirigiu às cidades, para trabalhar nas indústrias, especialmente voltadas para gêneros de primeira necessidade, como sabonetes, macarrões, beneficiamento de grãos etc. Esses indivíduos que passavam a compor o proletariado brasileiro tiveram uma concepção própria de quais rumos a educação deveria tomar no país, fortemente influenciada pelo anarquismo. O anarquismo era uma postura crítica aos governos republicanos e democráticos que vinham se organizando na Europa e na América ao longo do século XIX e XX e que estavam voltados à defesa dos interesses das elites capitalistas, fossem industriais, agrárias ou comerciais. Por isso, fazia parte das intenções dos grupos anarquistas mudar a consciência da população em geral, discutir os valores tradicionais da sociedade que se mantinham independentemente da reflexão das pessoas sobre o significado e as implicações desses valores. Por isso, pensavam em uma ação educativa voltada à transformação das relações sociais e econômicas, que ocorriam para além das escolas, desdobrando‑se na criação de jornais, espetáculos teatrais e palestras (MARTINS, 2006). 100 Unidade II A pedagogia difundida nas escolas com inspiração anarquista era chamada de pedagogia racional libertária, porque a razão possibilita ao ser humano seu desenvolvimento pessoal e o questionamento das estruturas que o controlam, permitindo assim que tome atitudes para se tornar livre (MARTINS, 2006). Eles desejavam uma sociedade sem hierarquias, em que todos fossem iguais e tivessem o mesmo poder, de forma ampla. Essa sociedade não teria, portanto, governantes destacados de seu povo, seria autogestionária, impedindo assim que houvesse a exploração do ser humano. Para promover essa nova sociedade era preciso desenvolver uma nova escola, que não estivesse centrada nas formas tradicionais e autoritárias de ensino, mas que incentivasse a reflexão, a espontaneidade e a liberdade. Martins (2006), ao analisar algumas publicações anarquistas, nos apresenta importantes aspectos do que era desejado por eles no que diz respeito à educação. Por exemplo, no jornal anarquista português O Metalúrgico, de 1904, era apresentada uma crítica à educação tradicional, indicando que o professor era uma figura autoritária, que nesse modelo se ensinava a obedecer, mas não se ofereciam instrumentos para que os alunos compreendessem (e lutassem por, poderíamos acrescentar) seus direitos. A nova escola a ser criada precisava se afastar dessa tradição, baseando‑se na racionalidade e na liberdade que produziria novos indivíduos autônomos, livres pensadores, preparados para se libertarem do dogmatismo. No que diz respeito à racionalidade, sobre a qual se fundava essa renovação no ensino, era preciso valorizar o trabalho científico, o uso de métodos para explicar a realidade, além de compreender o psiquismo dos educandos (esse aspecto aparecerá em outras propostas de renovação da educação dessas primeiras décadas) e criar um ambiente propício à educação. No que diz respeito à liberdade, também era necessário valorizar a espontaneidade, a criatividade, a observação dos alunos e os métodos ativos de ensino (o que hoje está bastante em pauta nas discussões metodológicas). Partia‑se da concepção de que as crianças nascem sem preconceitos e estão abertas a construir um conhecimento verdadeiro e positivo a partir da razão. A ciência seria patrimônio de todos, e meninos e meninas deveriam ser introduzidos na compreensão de seus avanços, com o estímulo ao pensamento racional e científico desde a primeirainfância. A partir disso, os alunos deveriam ser incentivados a agir e criar. Razão e ciência, aliadas à liberdade, produziriam uma nova realidade social por meio da educação. Com base nesses pressupostos são criadas as Escolas Modernas no Brasil, pautadas na pedagogia racional libertária, que, segundo Martins (2006, p. 8), “deveriam respeitar a liberdade da criança, seu movimento natural, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo e espírito crítico”. A primeira Escola Moderna criada em São Paulo, em 1912, foi construída pelo anarquista João Penteado, que era admirador do espanhol Ferrer Y Guardia, um dos principais responsáveis por defender a educação racional libertária. Segundo o periódico A Plebe, em publicação de 1917, também estudado por Martins (2006), essa escola oferecia três cursos – primário, médio e adiantado –, que funcionavam no período diurno, das 11h30 às 16h30, e no período noturno, das 19h às 21h. 101 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO No curso primário se aprendia aritmética, caligrafia, desenho e rudimentos de português. No curso médio os estudos centravam‑se em gramática, aritmética, geografia, caligrafia, desenho e princípios de ciência. Por fim, no curso adiantado, se acrescentavam os estudos de noções de ciências físicas e naturais, história, geometria, além de gramática, aritmética, geografia, caligrafia, desenho e datilografia. As meninas também aprendiam costura e bordado. Ainda, os alunos eram incentivados à leitura e produção escrita (produziam o periódico O Início), além de se prepararem para o trabalho e para a militância social. Havia outros espaços culturais em que se promovia a educação racional libertária, como centros culturais, onde podiam ler e discutir jornais. Em 1915, outra Escola Moderna foi criada em São Paulo. Destinada à instrução de meninos e meninas, ela contava com os mesmos três cursos, mas com disciplinas mais abrangentes. Também reivindicavam acesso à educação as mulheres feministas que passavam a se organizar no início da República brasileira. Em 1919, surgiu a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, fundada por Bertha Maria Júlia Lutz (1894‑1976) e Maria Lacerda de Moura (1887‑1945). A partir dessa liga foi criada, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que desejava promover a educação das mulheres, o direito ao voto e à escolha profissional (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019). Este seria um ano de grande ebulição cultural e política no Brasil, pois se comemorava o primeiro centenário da Independência, o que motivou a criação de uma Exposição Universal no Rio de Janeiro para propagandear os avanços ocorridos no Brasil. Em São Paulo, a renovação nas artes foi apresentada na Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro Municipal, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922. Este também foi o ano de criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nesse período, os países viviam as consequências do final da Primeira Guerra Mundial, ainda chamada de A Grande Guerra, que tinha representado um momento de reflexão sobre o otimismo da passagem do século XIX para o XX. Todos os avanços e invenções tecnológicas desencadearam uma disputa europeia por territórios na África e na Ásia, que, junto ao armamentismo e ao sentimento nacionalista, contribuiria para o envolvimento dos países europeus, suas colônias e seus aliados em uma guerra generalizada. A inteligência, a razão e a ciência presentes nos países europeus não tinham sido capazes de solucionar as tensões e as disputas sem gerar uma enorme devastação. Uma geração inteira de homens jovens, de todas as classes sociais, morreu ou voltou da guerra incapacitado de ter uma vida compatível com suas potencialidades, desejos e esperanças anteriores. Desse contexto surgiria uma nova revolução com a queda da monarquia na Rússia, em fevereiro de 1917, e posterior desdobramento em outubro do mesmo ano, com inspiração no pensamento de Karl Marx (1818‑1883), o que colocaria o comunismo como inimigo a ser combatido pelos demais países europeus e, depois, por parte considerável dos países ocidentais do mundo. 102 Unidade II Saiba mais Para compreender o contexto em que se inseriam essas transformações na educação sugerimos um documentário e um filme baseado em uma biografia. O documentário brasileiro apresenta as inovações e as profundas transformações que ocorreram na cultura, política, tecnologia, costumes etc. no início do século XX. Já o filme, dirigido James Kent, trata do clima de otimismo que precedeu a Primeira Guerra Mundial e como esse sentimento se transformou ao longo do conflito. NÓS que aqui estamos por vós esperamos. Direção: Marcelo Masagão. Brasil: Agência Observatório, 1999. 73 min. JUVENTUDES roubadas. Direção: James Kent. Reino Unido/Dinamarca: BBC Films, BFI Film Fund e Heyday Films, 2014. 129 min. Parte do movimento feminista, especialmente com a atuação de Maria Lacerda de Moura, abraçaria uma luta mais ampla, aproximando‑se das classes populares e do movimento anarquista no Brasil. Bertha Lutz, por outro lado, tinha uma postura distinta em relação à luta dos direitos das mulheres, reivindicando a ampliação dos direitos políticos e legais, mas sem abraçar outras causas sociais. Essas divergências, embora não tenham causado uma ruptura pessoal entre essas duas importantes figuras, fez com que trilhassem caminhos diferentes, o que pode ser compreendido também pelo fato de ambas terem origens sociais muito distintas. Bertha Lutz era filha de Adolfo Lutz (1855‑1940), médico e cientista brasileiro, pioneiro em medicina tropical. Estudou Biologia na Universidade de Paris; posteriormente atuou como secretária e depois pesquisadora do Museu Nacional. Também foi professora da UFRJ, além de muitas outras atividades. Já Maria Lacerda de Moura vinha de uma família que não tinha como arcar com seus estudos, por isso iniciou seus estudos ingressando em uma escola gratuita ligada à Igreja católica. Seu pai, que era espírita, depois decidiu retirá‑la da escola por questões religiosas e por sua postura anticlerical. Ainda devido à gratuidade, continuou seus estudos na Escola Normal de Barbacena, onde também iniciou sua atividade como professora, responsável pela cadeira de Pedagogia. Casou‑se no mesmo ano em que tinha se formado professora, mas pouco tempo depois acabou se divorciando. Em 1915, ela foi responsável por criar a Liga Barbacenense Contra o Analfabetismo. Sua aproximação com o anarquismo demonstrava uma postura crítica sobre o primeiro movimento feminista brasileiro, que seria muito burguês em suas reivindicações, sem gerar uma mudança profunda e efetiva da sociedade. Para ela, o voto feminino não garantia a cidadania de fato, já que as mulheres não podiam ocupar cargos de poder e legislar ou atuar em defesa de suas pautas. Sua atividade como escritora se voltava a valorizar e propagandear os avanços femininos no mundo, como nos seis números publicados da Revista Pétala, em parceria com algumas alunas (todas escrevendo com pseudônimos). 103 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Como uma intelectual de sua época, Maria Lacerda discutia com autores que tentavam justificar a posição da mulher no mundo com argumentos que a colocavam como inferior, sobretudo em relação ao seu desenvolvimento cerebral. Um desses embates se deu com o médico brasileiro Tito Lívio de Castro, que escreveu A mulher e o sociogenia, em que dizia que a mulher tinha um cérebro infantil, por isso era inferior. Na contra‑argumentação de Maria Lacerda de Moura, ela relembra que as mulheres, por muito tempo, não tiveram acesso à educação, ou tiveram apenas uma instrução superficial. Para ela o cérebro precisava do fermento da educação para evoluir, que era uma questão de tempo para que pudessem alcançar os homens, o que seria conseguido apenas se as mulheres lutassem por seus interesses (GUIMARÃES, 2020). Nesse momento, as medições de cérebro eram uma das atividades realizadas para averiguar diferençasentre os seres humanos que pudessem justificar a desigualdade entre os homens. Mediam cérebros dos africanos para validar a exploração da África do neocolonialismo, ainda que as medições não chegassem à conclusão alguma. Mediam cérebros de criminosos para justificar a prisão dos mais pobres e excluídos da sociedade como naturalmente maus. Maria Lacerda já questionava esse método. Sobre as mulheres, especificamente, ela indicava que a principal razão daqueles discursos estava na manutenção do poder masculino e a exclusão da mulher dos espaços em que os homens se julgavam os detentores únicos de direitos em ali permanecer, discutir e agir (GUIMARÃES, 2020). Além das posturas mais revolucionárias e libertárias que colocavam a questão da educação feminina em debate nesse momento, a mulher também era incorporada aos projetos relacionados ao poder instituído, como foi a sua inserção na profissão de professoras do ensino primário por influência do pensamento positivista. A partir do governo de Getúlio Vargas, o papel da mulher aliado ao pensamento higienista seria ainda mais reforçado em suas atividades como mãe e como professora. Trataremos dessa questão e de outros aspectos da educação nesse período de nossa história a seguir. 5.2 A Era Vargas e as reformas do ensino Na década de 1920 o governo oligárquico brasileiro entra em crise, com diferentes grupos sociais reivindicando participação política e que seus interesses fizessem parte das agendas governamentais. Alguns grupos dentro do exército, a classe operária, as elites dos estados do Norte e do Sul do país não se sentiam representados pela alternância de presidentes de São Paulo e Minas Gerais. A convulsão política fez com que o governo de Arthur Bernardes fosse concluído sob estado de sítio, de julho de 1924 a dezembro de 1926. Nesse contexto, foi criada em São Paulo uma delegacia para repressão política (Dops). Muitos operários foram perseguidos e presos nesse momento por questionarem o poder. Foram criadas colônias penais na Amazônia para envio de presos políticos. O mineiro Arthur Bernardes foi sucedido pelo paulista Washington Luís, que tentou retomar a estabilidade política, tendo mantido a postura de repressão aos operários que podiam ser simpatizantes do comunismo. Porém, ao indicar apoio a outro paulista para sucedê‑lo na presidência, Júlio Prestes, ao invés de manter a política de alternância com um candidato mineiro, fez a crise se desdobrar em uma ruptura democrática. 104 Unidade II Em 1929 foi criada a Aliança Liberal, reunindo políticos gaúchos e mineiros que se sentiram traídos por Washington Luís. Esse grupo formou a chapa para concorrer às eleições com Getúlio Vargas para presidente e João Pessoa como vice. Na propaganda política da Aliança Liberal temas novos e não contemplados pelos paulistas estavam no centro das promessas, com destaque para a questão do trabalho, o desenvolvimento econômico promovido pela educação e pela industrialização, além da moralidade das eleições, que facilmente podiam ser questionadas naquele momento. Com a quebra da Bolsa de Nova York (1929) e a desvalorização do café, as propostas de diversificação da economia se tornariam ainda mais interessantes. Apesar do apoio recebido pela Aliança Liberal, Júlio Prestes venceu as eleições. Os tenentes, que já haviam se revoltado contra o poder central e que tinham retornado do exílio naquele momento, deram apoio a Getúlio, juntamente com outros políticos mineiros e gaúchos, aproveitando também o clima de maior tensão após o assassinato de João Pessoa para tomar o poder. Assim, Getúlio Vargas assumia a presidência na Revolução de 1930. Não nos interessa aprofundar todas as questões políticas envolvidas nessa mudança, mas indicar que esse novo governo representava uma importante ruptura na organização do poder anteriormente estabelecido na Primeira República. Inicialmente foi criado um governo provisório até que fosse elaborada uma nova constituição. O Congresso Nacional foi dissolvido e foram nomeados interventores em todos os estados. Uma das primeiras atitudes do governo provisório foi a criação do Ministério do Trabalho. Essa atitude pretendia, entre outras finalidades, lidar com as insatisfações da classe operária, que, ainda que muito reprimida, representava um fator de tensão para o governo, que tentava lidar com a situação promovendo melhorias nas leis trabalhistas, o que seria umas das principais marcas do Governo Vargas. Não satisfeitos com a demora em se apresentar uma nova constituição que organizaria a vida dos brasileiros, e ainda em resposta à derrota sofrida com a ascensão de Vargas, os paulistas iniciaram um movimento armado contrário ao governo, conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932, que foi derrotada após três meses de conflito. Vargas preferiu não retaliar São Paulo para que pudesse ter maior sucesso em suas ações como governante, já que o estado era importante econômica e politicamente para garantir o futuro. Como um momento de ruptura com a ordem anterior, resultado das transformações sociais e econômicas traduzidas em críticas políticas, após a tomada de poder pelo novo grupo, vozes diversas tentaram assumir protagonismo, ou ao menos conseguir um espaço na nova organização política. Entre esses grupos estavam os tenentistas, que em parte foram incorporados ao governo ocupando cargos políticos. Alguns tenentistas passaram a ocupar grupos políticos e ideológicos antagônicos, alguns em associações de esquerda (PCB e Aliança Nacional Libertadora – ANL) e em grupos de direita (Ação Integralista Brasileira), que surgiram entre 1932 e 1935. Segundo Napolitano (2018), nos anos 1930, tanto comunistas como fascistas criticavam o governo liberal, desejando um poder centralizado e forte para resolver os problemas de seu tempo. Em suas palavras: 105 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO A política liberal, baseada na representação parlamentar escolhida pelo voto dos cidadãos e na separação entre Estado e sociedade civil, era considerada incapaz de absorver os conflitos de classe das sociedades industriais e urbanas. Os princípios liberais clássicos, enfatizando os direitos individuais, a premência dos contratos privados e o livre mercado, pareciam condenados diante da nova realidade social e geopolítica do mundo. A crise de 1929 tinha sido a prova de uma ineficácia no campo da economia, pois fora provocada, em grande parte, pela concorrência sem regras entre os grandes grupos industriais que dominavam os mercados. Fascistas e comunistas, a partir de motivos, métodos e caminhos diferentes, defendiam um Estado forte e tutelar que controlasse a vida dos indivíduos e das massas, além de regulamentar a economia, afastando‑se do liberalismo político e econômico. O Brasil não ficou imune a esse debate internacional (NAPOLITANO, 2018, p. 100‑101). Em nosso país, essas duas tendências políticas pressionavam o Governo Vargas. Por parte dos fascistas, esperava‑se que o governo assumisse uma postura corporativista, que consistia na organização da sociedade “na forma de corporações profissionais que reunissem empresários e trabalhadores” (NAPOLITANO, 2018, p. 101). O Estado tomaria para si, então, a responsabilidade de intermediar, ou tutelar, os conflitos de interesses desses dois grupos, o que costumava ser desfavorável aos trabalhadores, já que os empresários possuíam maior poder de pressão sobre o governo. Além disso, seria papel do Estado planejar as atividades econômicas visando ao desenvolvimento nacional, cujos eventuais conflitos de interesses seriam tutelados pela burocracia central de maneira a planejar as atividades econômicas em nome do desenvolvimento e harmonia nacionais. Ou seja, o Estado passaria a se colocar de forma muito mais ativa e presente na vida econômica nacional e na regulação das relações trabalhistas. Em 1932, foi lançado um novo Código Eleitoral que trazia muitas mudanças em relação ao período anterior. O voto passava a ser secreto, as mulherespassariam a ter direito ao voto e haveria uma justiça eleitoral independente para monitorar os resultados do processo eleitoral. Na primeira eleição convocada seriam escolhidos os membros da Assembleia Constituinte, ou seja, os representantes do povo que iriam preparar a nova constituição. O governo provisório tinha escrito uma proposta de constituição que necessariamente deveria ser a base sobre a qual trabalhariam os constituintes, fazendo correções e emendas, mas não redigindo um documento novo. Segundo as resoluções dessa assembleia, o voto passaria a ser obrigatório, mas vedado aos analfabetos. Seria criada a Justiça do Trabalho, o salário mínimo, a jornada de oito horas diárias de trabalho, férias anuais e a pluralidade sindical. O governo queria um único sindicato por categoria, conseguindo assim ter maior controle sobre as associações de trabalhadores. A primeira eleição para presidente após a Assembleia Constituinte deveria ser indireta. Após o final do primeiro mandato presidencial desse novo período, as eleições se tornariam diretas. Vargas venceu essa primeira eleição indireta. Mesmo após a promulgação da Constituição em 1934 e a eleição indireta de Vargas, ainda havia opositores políticos ao governo, especialmente dos grupos reunidos na ANL, que reunia diversos grupos de esquerda e questionava as posturas do poder e conseguia mobilizar grandes manifestações populares nas ruas. Entre os principais nomes da ANL estavam Luís Carlos Prestes (1898‑1990) e Olga Benário (1908‑1942). Em 1935, Prestes escreveu um manifesto pedindo o fim do Governo Vargas, o que motivou 106 Unidade II a decisão do presidente em suspender as atividades da ANL, que passou a ser reprimida pelo regime. Vários grupos ligados à ANL, mesmo na ilegalidade, passaram a organizar um grande levante comunista em 1935. Foi declarado estado de sítio e os direitos dos cidadãos presentes na constituição foram suspensos. Prestes e Olga foram presos, sendo que ela foi deportada para Alemanha, levada grávida a um campo de concentração, onde foi assassinada, em 1942. A família de Prestes conseguiu trazer a filha do casal ao Brasil. Prestes ficou preso até 1945. A partir desse momento, a ameaça comunista fez com que diversos grupos que não necessariamente concordavam com o Governo Vargas passassem a se subordinar ao seu poder, que foi bastante acrescido após a desarticulação desse levante. O PCB estava desorganizado e com seus líderes presos, mas uma nova ameaça foi utilizada como justificativa para que Vargas concentrasse ainda mais os poderes em suas mãos, o que culminaria no autogolpe de 1937, em que é instaurado o Estado Novo, uma ditadura centrada no poder pessoal do líder de Estado, que duraria até 1945. Segundo o Dicionário de política de Norberto Bobbio: Com a palavra ditadura, tende‑se a designar toda classe dos regimes não democráticos especificamente modernos […]. São três, a meu ver, essas características [de regimes não democráticos modernos]: a concentração e o caráter ilimitado do poder; as condições políticas ambientais, constituídas pela entrada de largos estratos da população na política e pelo princípio da soberania popular; a precariedade das regras de sucessão ao poder (BOBBIO, 2010, p. 373). Esse não seria o último momento em nossa história republicana em que o poder se concentraria nas mãos de uma pessoa, ou de um grupo, que se colocava acima das leis, sem os limites constitucionais, respondendo a um período abalado por profundas transformações econômicas e sociais que fariam com que grupos diferentes reivindicassem participação política, sem garantir a sucessão do poder pelas vias estabelecidas, como é explicado no verbete sobre ditadura do dicionário citado. Vinha do período anterior à Revolução de 1930 uma determinada postura sobre a educação que se relacionava ao grupo representado pela Liga Brasileira da Higiene Mental. Esse grupo era formado por membro da sociedade civil, fundado em 1923 por Gustavo Riedel, no Rio de Janeiro, que buscava definir posturas concordantes com as doutrinas eugenistas e uma educação higiênica para a população. Faziam parte dessa liga nomes como Henrique Roxo, Juliano Moreira, Renato Kehl, Júlio Porto Carrero, que se inspiravam nos eugenistas e na psiquiatria alemães. Essa liga mantinha a postura iniciada pelos positivistas, ao colocar a mulher como grande promotora da educação para as crianças; a mãe, na educação doméstica, deveria ensinar as regras morais, e as professoras, na escola, deveriam ensinar as normas e disciplinas. A mulher era vista como naturalmente destinada a essa função segundo seu gênero (usavam o termo sexo na época), que eram o cuidado da família e a maternidade – segundo esta perspectiva, a função sexual da mulher só se completa com a maternidade. Os conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil passavam a ser importantes, nesse momento, para o exercício profissional das professoras, para que pudessem observar as crianças e cuidar de seu crescimento e saúde, com campanhas educativas sobre o higienismo que deveriam ser realizadas nas escolas primárias 107 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO e secundárias. Essa liga funcionou até 1947, ou seja, era ativa e influente durante todo o Governo Vargas e cobrava atitudes patrióticas das mulheres, desenvolvendo essa função na educação infantil (em casa e na escola) na criação de cidadãos adequados aos ideais modernizadores da República (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019). Essas ideias teriam grande aceitação nesse período. Desde o século XIX teorias que tentavam explicar as diferenças entre as populações humanas, sobretudo justificando posturas imperialistas a partir de uma avaliação negativa sobre outros povos, difundiam‑se pelo mundo ocidental. Essas teses também eram utilizadas para construir a identidade dos países, eram parte dos discursos nacionalistas. Em 1805, o conde Joseph Arthur de Gobineau (1816‑1882) escreveu o livro Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, obra que defendia a superioridade dos brancos em relação às demais raças e, por isso, condenava a miscigenação entre os povos. No ano seguinte a essa obra é publicado o livro mais importante de Charles Darwin (1809‑1882), A origem das espécies, em que desenvolve a teoria da evolução, segundo a qual os indivíduos lutam pela sobrevivência na natureza, e os mais aptos sobrevivem e se reproduzem. Apesar de na teoria não haver um juízo de valor sobre as espécies e as características que se perpetuam no tempo, suas formulações foram desdobradas para o campo social por diferentes autores, criando teorias sobre a evolução das sociedades, o darwinismo social. Porém, o aspecto da transmissão de características de uma geração a outra de indivíduos esboçadas no pensamento de Darwin teria ainda maior impacto em políticas educacionais entre fins do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Alguns autores passaram a discutir sobre a possibilidade de promover de modo intencional um aprimoramento biológico da humanidade, perseguindo uma condição de perfeição humana, selecionando as melhores qualidades para serem perpetuadas nas populações. Um dos autores fundamentais nesse sentido, e que empregaria o termo eugenia pela primeira vez para tratar o assunto, foi Francis Galton (1822‑1911), que era parente de Darwin e escreveu obra O gênio hereditário (em inglês, Hereditary Genius). Se a humanidade estava em constante evolução, seria possível acelerar esse processo criando humanos superiores, por meio de políticas públicas e da ciência. Essas teorias passaram a ganhar maior peso com a publicação das leis de Gregor Mendel (1822‑1884) em 1900, que foram desenvolvidas anteriormente, mas passaram a ser difundidas nesse momento, e que são a base para se compreenderem os mecanismos de transmissão de certas características aos descendentes de reprodução sexuada. Esse conhecimento seria a base para se pensar em políticas públicas que promoveriam esse melhoramento biológico dos seres