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OPERACIONALIZAÇÃO DO TRÂNSITO NO ÂMBITO MUNICIPAL E ESTADUAL AULA 5 Profª Luiza Simonelli 2 CONVERSA INICIAL Objetivos desta aula: Reconhecer a importância da participação popular nas decisões que afetam a mobilidade de pedestre e ciclistas; Reconhecer a importância da arquitetura de construções aprazíveis e convidativas ao bem viver; Reconhecer a importância da arborização nos centros urbanos; Identificar calçadões como inovações que estimulam a convivência e o desenvolvimento do comércio local; Identificar a redução de velocidade como um dos efeitos da diminuição de mortes e feridos em centros urbanos. TEMA 1 – IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS DECISÕES QUE AFETAM A MOBILIDADE DE PEDESTRE E CICLISTAS Nesta aula trataremos da tendência do resgate das cidades para as pessoas, e não somente para as máquinas. Cite-se, desde já, o exemplo da maior cidade do Brasil, São Paulo, que instituiu o Estatuto do Pedestre, por meio da Lei n. 16.673/2017. A Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Brasil, 2012) teve como principal objetivo contribuir para o acesso universal das pessoas à cidade, além do fomento e da concretização de condições que contribuam para a efetivação dos princípios e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. Com o advento da referida norma, o Ministério das Cidades elaborou o PlanMob, um caderno de referências para auxiliar as cidades brasileiras, com mais de 100 mil habitantes a criar planos de transporte e trânsito, por entender que a mobilidade é atributo das cidades, englobando o deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, utilizando-se de veículos e de toda a infraestrutura local. A iniciativa justifica-se também pelo fato de cidades com até 100 mil pessoas serem alvos de reorientações nos planos de urbanização, com inclusão social, sustentabilidade, gestão participativa e democratização de espaços públicos. Saliente-se que a elaboração de planos urbanos deve sempre contar 3 com a participação popular, ainda que muitas questões técnicas sejam prioritárias; a manifestação de moradores e comerciantes é essencial para a compreensão das questões locais. A participação das pessoas na construção de conceitos sobre cidades é amplamente reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, e pode ocorrer de diversas formas, sendo uma delas as audiências públicas, por exemplo pela ocasião da elaboração das Leis Orçamentárias, previstas na Constituição Federal do Brasil, em seu art. 165: (I) o plano plurianual, (II) as diretrizes orçamentárias e (III) os orçamentos anuais (Brasil, 1988). Ao nosso ver, as audiências públicas são instrumentos reconhecidos pelo Estado Democrático de Direito, de caráter consultivo ou deliberativo, e legitimam a participação popular em decisões que afetam a coletividade. A participação popular nas decisões que afetam as políticas para pedestres e ciclistas é essencial no atual cenário urbano. Afinal, a vontade popular pode ser expressada de várias formas, que perpassam a escolha dos representantes da população em cargos eletivos, assim como a destinação de recursos públicos para a implantação de rotas seguras e saudáveis, como ciclovias, vias calmas, áreas calmas e calçadas de qualidade, convidativas aos deslocamentos a pé. A cidade precisa ter prioridades focadas no bem coletivo, na segurança, no bem-estar dos cidadãos e no equilíbrio ambiental: esses são ditames do Estatuto das Cidades (Brasil, 2000). Dentre eles, um dos mais importantes é aquele contido no inciso II do art. 2º, da Lei n. 10.257/2000 (Brasil, 2000): Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; Andrade e Linke (2017) afirmam que há mais de 60 anos as políticas de investimentos em infraestrutura para carros levaram à destruição da importância atribuída às calçadas em projetos de infraestrutura urbana. Essa postura conjunta do poder público e da sociedade eleva as ocorrências de trânsito, com números extraordinários de mortos e feridos. Assim, a manifestação das pessoas em busca de outros modelos é essencial, pois essa característica, de cris Highlight 4 favorecer os carros, não é privilégio somente dos países em desenvolvimento, mas também de países ricos. São as leis orçamentárias que definem em que os valores recolhidos, por meio de tributos, devem ser investidos; são nestes momentos que a administração municipal ouve as prioridades do cidadão em todas as áreas, sobretudo com relação ao destino dos recursos para a política urbana. A Lei de Responsabilidade Fiscal – LC n. 101/2000, em seu art. 48, inciso I, determina o incentivo da participação popular, em audiências públicas, para que as pessoas tenham conhecimento e discutam com as autoridades a destinação dos recursos. Da mesma forma, a Lei n. 10.257/2001, que instituiu o Estatuto das Cidades, destaca a necessária gestão democrática, contemplando a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, com vistas a tratativas da administração municipal nos programas de desenvolvimento urbano. A Constituição Federal, ao tratar especificamente da política de desenvolvimento urbano, em seus art. 182 e 183, destacou que o Poder Municipal deve ordenar o desenvolvimento da cidade, sobretudo pelas funções sociais e pela garantia do bem-estar das pessoas. O instrumento apontado para se garantir tais funções foi previsto, na Carta da República, como sendo o Plano Diretor, que deve ser aprovado pela Câmara de Vereadores, mas não antes de ser debatido amplamente com a comunidade, em audiências públicas. Segundo Nakamori (2016), somente em 1997, por meio das normas do CTB, foram instituídas regras claras para favorecer o uso da bicicleta, como sinalização, condução e limitações aos veículos motorizados. Certamente, muito antes grupos de ciclistas já vinham pautando o tema, e tais manifestações foram essenciais para que o Código de Trânsito Brasileiro trouxesse em seu bojo a bicicleta com status de modal de transporte, e não como aparato de diversão ou lazer. Com advento do Ministério das Cidades, a bicicleta também tomou corpo e importância no cenário de políticas urbanas, tanto que o referido Ministério editou a Portaria MCid n. 399/2004, criando o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta. Segundo Nakamori (2016), as Conferências das Cidades contataram muitas pessoas que se deslocavam de bicicletas, e pouca infraestrutura, sublinhando também a grave crise do transporte público e o aumento expressivo de veículos particulares circulando em vias de todo o país. cris Highlight 5 Um grupo de estudiosos, dentre eles, João Carlos Assunção Belotto, Silvana Nakamori e Antonio Gonçalves de Oliveira, estudam os efeitos da ciclomobilidade há muitos anos; como resultado, publicaram a obra Diretrizes para a Elaboração de Política Pública de Ciclomobilidade, em 2016, pela UFPR. Este trabalho é muito interessante, pois traduz todos os caminhos a serem percorridos para que estados e municípios implantem políticas em prol da bicicleta. TEMA 2 – ARQUITETURA E BEM VIVER É obrigação do gestor municipal divulgar a importância da elaboração do plano diretor da cidade, pois todas as questões e regras ligadas ao desenvolvimento local serão respaldados pela referida lei, afetando, além da setorização e da classificação das vias, áreas residenciaise comerciais. Acalmar pontos da cidade, reduzir velocidade, definir áreas e arquitetura das construções para se tornem aprazíveis e seguras para o incentivo ao uso de bicicletas e à caminhabilidade – são questões que podem ser contempladas como diretrizes em planos diretores. A legislação municipal também deve prever a participação popular no planejamento urbano, por meio dos representantes eleitos para a Câmara Municipal de Vereadores, prevista no art. 29 da Constituição Federal. A representação popular pode trazer consigo a bandeira das causas do bem viver, das cidades plurais e dos espaços públicos, que garantam sociabilidade e trocas de experiências. O município deverá legislar sobre a sua Lei Orgânica e respaldar a participação das pessoas e a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, bem como reconhecer projetos de lei de iniciativa popular nos termos legais. Pois bem, alinhando bem viver e função legislativa, temos um exemplo. Tramita na Câmara Municipal de Curitiba o Projeto de Lei que institui o Estatuto do Pedestre; dentre outros pontos, define edificações permeáveis e de fácil acesso como essenciais para o bem viver das pessoas. 6 TEMA 3 – CENTROS URBANOS ARBORIZADOS: SAÚDE Com temperaturas cada vez mais altas, os centros urbanos ficam mais perigosos para a circulação de pedestres e ciclistas. Dessa forma, é preciso pensar em cidades arborizadas, com vegetação adequada aos espaços públicos, garantindo sombra e ar fresco, evitando, assim, o comprometendo da visibilidade entre os modais, sobretudo que de modo a não ofuscar a presença de pedestres e ciclistas. A Constituição do Brasil também atribuiu como necessária a participação popular para tratar de assuntos relativos à saúde; o inciso III do art. 198 destaca a comunidade como parte integrante do organismo, importante em ações e serviços. Desta forma, ao deliberar sobre questões de saúde, a população pode trazer à baila os grandiosos gastos no Sistema Único de Saúde – SUS para tratamento de feridos em ocorrências de trânsito, propondo medidas preventivas. TEMA 4 – CALÇADÕES: CONVIVÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO Em 1972, o então prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, implantou o primeiro calçadão, transformando uma das principais vias públicas da cidade em rua para pedestres. Certamente, houve reações negativas, mas hoje não é possível imaginar a capital do Paraná sem o Calçadão da XV. As pessoas caminham, contemplam as flores, as vitrines, os artistas; sem dúvidas a decisão foi inovadora. Percebe-se que há, literalmente, um caminho a ser percorrido pela sociedade para que ela perceba a razão dos espaços públicos, o que se contempla nesses espaços – a razão da cidade, a plenitude do ser. Pessoas são protagonistas nos meios em que vivem, sejam como pedestres ou porque fazem uso de outros modais, como a bicicleta. Em 2016, a prefeitura de Curitiba inaugurou outro calçadão, em um dos bairros mais populosos da cidade, com recursos da medida compensatória de um empreendimento instalado nas adjacências. 7 TEMA 5 – A REDUÇÃO DE VELOCIDADE COMO UM DOS EFEITOS DA DIMINUIÇÃO DE MORTES E FERIDOS EM CENTROS URBANOS Pergunta-se para que vias, para o ir e vir de veículos ou pessoas? Para que milhões de recursos públicos gastos em pavimentar vias para garantir estacionamentos públicos, para os veículos repousarem sem nenhum tipo de aborrecimento? E as calçadas não recebem o mesmo nível de importância, quanto ao dinheiro voltado ao bem-estar das pessoas, da mesma forma que o estacionamento para carros? Notadamente, o veículo particular surge como alternativa de conforto e comodidade. Maricato (2010) afirma que o automóvel é o mais forte elemento que influencia a maneira como as pessoas vivem nas cidades, especialmente no período da industrialização, pois ali ele passou de aparato tecnológico a premente necessidade, para todos. A afirmação de Ermínia Maricato (2010) nos compele a reflexões sobre as condições atuais das cidades. Qual é a qualidade de vida das pessoas? O que os longos tempos em deslocamento, durante anos, podem causar à vida humana? O uso de veículo particular diminui a atividade física, restringe a interação social, gera estresse, e leva a perdas de horas de trabalho e de lazer. Dados da Organização Mundial da Saúde informam que o meio de transporte é um determinante social da saúde, mas não é levado em conta nos planejamentos de políticas de transporte na grande maioria das cidades da América Latina. De tudo que tratamos sobre veículos e cidades, fica evidente que as cidades devem contemplar as pessoas e suas prioridades. O veículo é um bem de consumo com certo nível de importância de mercado, mas não pode se sobrepor ao humano. Assim, os gestores que enfrentam a necessária redução de velocidade dos centros urbanos geralmente são taxados de impopulares, pois retiram das pessoas seu status. Há vários exemplos de redução de velocidade em centros urbanos, como é o caso de Curitiba, que implantou vias calmas e a área calma, reduzindo desse modo em 40% o número de óbitos. Em 2015, por ocasião da Segunda Conferência Global de Alto Nível, realizada no Brasil, 170 países foram signatários da Declaração de Brasília, na qual recomendou-se a redução da velocidade em centros urbanos, por conta dos cris Highlight 8 altos índices de óbitos, além dos custos das ocorrências para a saúde pública e para o sistema previdenciário. NA PRÁTICA Coordenação dos modais não motorizados: por que criar? Projeto Bike nas Escolas, Ciclolazer e Conselho Municipal de Pedestres. FINALIZANDO Abordamos aqui os seguintes tópicos: A participação popular nas decisões que afetam a mobilidade de pedestre e ciclistas; Arquitetura e bem viver, arquitetura das construções para que se tornem aprazíveis e seguras para o incentivo do uso de bicicletas e a caminhabilidade; Desenvolver cidades arborizadas, e que a vegetação seja adequada aos espaços públicos, garantindo sombra e ar fresco, não comprometendo a visibilidade entre os modais, sobretudo que não se ofusque a presença de pedestres e ciclistas; Calçadões como inovações que estimulam a convivência e o desenvolvimento do comércio local; Redução de velocidade para diminuir o número de mortes e feridos em centros urbanos. 9 REFERÊNCIAS ANDRADE, V.; LINKE, C. (Org.). Cidades de pedestres: a caminhabilidade no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Babilônia Cultura Editorial, 2017. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. _____. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. _____. Lei n. 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 4 jan. 2012. MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. NAKAMORI, S. Diretrizes para elaboração de política de ciclomobilidade: experiências do Programa Ciclovida da UFPR. Curitiba: PROEC/UFPR, 2016.
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