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Brasília-DF. Cuidados Paliativos no iníCio da vida Elaboração Wellington Luiz de Lima Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE ÚNICA ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA .......................................................................... 9 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA E EPIDEMIOLOGIA ..................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 ABORDAGEM DOS CUIDADOS PALIATIVOS E SUA QUALIDADE DE VIDA .................................... 32 CAPÍTULO 3 FORMA DE ATUAÇÃO DO PACIENTE FRENTE À MORTE ............................................................ 50 PARA (NÃO) FINALIZAR ..................................................................................................................... 93 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 94 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico- tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 6 Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução O tema “Cuidados Paliativos no Início da Vida” tem como objetivo auxiliar os profissionais enfermeiros nos cuidados voltados a crianças e recém-nascidos em doenças graves e incuráveis na infância, além de trabalhar os aspectos emocionais e psicológicos com familiares e pais. Além disso, tenta ajudar esses profissionais a lidar com a espiritualidade nesse período de dor. O enfermeiro tem por obrigação ter habilidades e conhecimentos científicos para trabalhar com esses pacientes, pois além de serem crianças e ainda frágeis, são pacientes que se encontram em muitos casos em fase terminal da vida. Objetivos » Acrescentar ao pós graduando conhecimento necessário voltado aos cuidados paliativos no início da vida, objetivando cuidados específicos e contínuos a crianças em fase final da vida. » Apontar tópicos importantes referentes a situações graves, como atuar mediante a dor da criança, alimentação e qualidade de vida do paciente e seus familiares diante do estresse por causa da doença. 8 9 UNIDADE ÚNICA ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA CAPÍTULO 1 História e epidemiologia História Segundo Pessini (2004) a palavra “paliativa” deriva do vocábulo latino pallium, que tem o significado “manta” ou “coberta”. Assim, quando a causa não pode ter cura, os sintomas são “tapados” ou “cobertos” com tratamentos terapêuticos direcionados, por exemplo, analgésicos. O uso dos cuidados paliativos vem do modelo de assistência inglesa que se criavam nos antigos hospices medievais, instituições que habitavam e hospedavam os monges e peregrinos, portanto, a palavra hospice significa hospedagem. Hospice, não significa um local, mas uma filosofia que reconhece e presta cuidados com respeito dos sofrimentos globais, isto é, do corpo, da mente e do espírito. (CONSELHO REGIONAL MEDICINA- PB. 2015). O primeiro hospice criado especificamente para os doentes terminais foi provavelmente o de Lyon, em 1842. Depois de visitar pacientes com câncer que morriam em suas casas, Madame Jeanne Garnie abriu o que ela chamou hospice. Neste mesmo período foram abertos em Londres outros hospices, entre eles o St. Columba (1885) e o St. Luke’s (1893), o único fundado por um médico, o Dr. Howard Barret, para acolher pobres moribundos. (PESSINI 2004). Pessini (2004) explica que: Em 1967 surge na Inglaterra o St. Christopher Hospice fundado por Cicely Saunders, uma assistente social que cuidava das necessidades dos pacientes em fase final no hospital St. Thomas, em Londres. Seu 10 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA interesse teve início em 1948, a partir de um encontro com Davide Tasma, um judeu refugiado da Polônia, que estava morrendo de câncer. Juntos tinham discutido sobre o tipo de instituição que melhor poderia atender suas necessidades. Além do alívio da dor, ele desejava a “presença de alguém que o tratasse como pessoa”. O percurso de 1948 até 1967, quando abre o St. Christopher Hospice foi prolongado e muito difícil. Cicely Saunderstrabalhou pelas tardes como enfermeira voluntária na casa St. Lukes durante sete anos. (PESSINI, 2004). Criou novos aspectos de como lidar com os sintomas e começou o seu projeto próprio de hospice em 1967, o St. Christopher Hospice, no sul de Londres, local que se transformou em um modelo de assistência, ensino e pesquisa no cuidado dos pacientes terminais e de suas famílias. (PESSINI, 2004). O primeiro passo dado pela da Dra. Saunders gerou muito entusiasmo também no exterior. A iniciativa logo se transformou num ponto de encontro de um movimento de protesto que reivindicava um tratamento melhor para os pacientes terminais rechaçados pelo sistema de saúde, que em meados do século XX tinha se deixado seduzir progressivamente pelo glamour das terapias curativas e pelo esplendor da alta tecnologia. (PESSINI, 2004). O grupo foi crescendo e em 1985 foi criada a Associação de Medicina Paliativa da Grã- Bretanha e Irlanda, e em 1987 o Reino Unido foi o pioneiro a reconhecer a medicina paliativa como uma especialidade médica. (PESSINI. 2004). A partir desse período os cursos de enfermagem e medicina começaram a incluir nos seus currículos o estudo dos cuidados paliativos. Desde então estabeleceram-se programas de pós-graduação em cuidados paliativos entre várias outras alternativas na área da educação e na área da saúde. É claro que muitas barreiras foram encontradas. (PESSINI,2004). Pessini (2004) esclarece que até pouco tempo, os hospices ingleses ainda precisavam da caridade pública para sua viabilização e pertenciam majoritariamente (75%) a uma rede não governamental de instituições destinadas ao controle do câncer, a National Society for Cancer Relief. Hoje o sistema nacional de saúde inglês passou a incorporar oficialmente o atendimento hospice e a financiá-lo, destinado leitos a portadores de outras doenças que não o câncer, dentre elas como a Aids, por exemplo. A filosofia de hospice está sendo criada praticamente em todo o mundo, dentre eles no Brasil, onde já temos algumas iniciativas. Desde meados dos anos 1980 o movimento 11 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I conta com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS) sob a liderança do Dr. Jan Sternsward, responsável na organização pelo programa de câncer. A OMS estimulou os países membros a criar programas de controle de câncer que acrescentem a prevenção, detecção precoce, tratamento curativo, alívio da dor e cuidados paliativos. (PESSINI, 2004). Figura 1. História dos cuidados paliativos, Fonte: <http://www.campusdigital.uag.mx/academia/27/dolor/gal_condiciones.htm> Epidemiologia De acordo com Fonseca (2004) o Cuidado Paliativo em pediatria deve ser considerado para uma série de doenças que evoluem com condições graves crônicas, as quais as complexas são definidas como uma condição médica que apresenta ao menos 12 meses de sobrevivida e envolve o acometimento de um ou mais sistemas de órgãos que precisam do atendimento pediátrico especializado. Linder (1998) ressalta que: Segundo dados levantados no Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo (PROAIM), as causas de morte por condições clínicas complexas de 0 a 19 anos têm a seguinte apresentação por ordem de incidência: doenças cardiovasculares (DCV), neurodegenerativas e oncológicas. Diversas são as condições em pediatria que podem se acrescentar do Cuidado Paliativo, como doenças congênitas incompatíveis com a vida, metabólicas, desordens cromossômicas, condições cardíacas complexas e doenças neuromusculares. Doenças 12 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA oncológicas e AIDS podem se beneficiar de intervenções paliativas precoces. Precisamos, porém, lembrar que as mortes relacionadas com o câncer têm incidência menor do que as mortes por outras condições não malignas (FONSECA, 2004). Franco (2008) relaciona quatro condições de progressão de doença para a qual os Cuidados Paliativos estão indicados, sendo elas: condições nas quais o tratamento potencialmente curativo falhou (doenças oncológicas e cardíacas congênitas graves ou doenças cardíacas adquiridas graves); ondições nas quais o tratamento intensivo em longo prazo pode se prolongar, mas a morte prematura é esperada: fibrose cística, infecção por HIV, desordens gástricas graves ou malformações, como gastroquise, epidermólise bolhosa grave, insuficiência renal em que a diálise e o transplante não são possíveis ou não são indicados, imunodeficiências graves e distrofia muscular; condições progressivas nas quais o tratamento é quase exclusivamente paliativo, mas pode se estender por muitos anos: doenças neurodegenerativas, doenças metabólicas progressivas, anormalidades cromossômicas como as trissomias do 13 ou do 18 e formas graves de osteogênese imperfeita; condições neurológicas não progressivas que resultam em alta suscetibilidade às complicações e morte prematura: prematuridade extrema, sequelas neurológicas importantes ou de doenças infecciosas, lesões cerebrais hipóxicas”. A doença grave e incurável na infância Piva, Garcia, Lago (2011) explicam que: A evolução da medicina nos últimos 50 anos modificou o prognóstico e sobrevida de inúmeras doenças. A incorporação de novas tecnologias, o emprego de tratamentos cada vez mais eficazes, o desenvolvimento das diversas sub especialidades pediátricas aliadas à proliferação das unidades de tratamento intensivo pediátrico (UTIP) e neonatal (UTIN), permitiram a sobrevivência de crianças que até pouco tempo eram consideradas inviáveis e morriam precocemente. 13 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Várias dessas crianças acabam precisando de forma repetida de internações hospitalares, inclusive na fase de desfecho da doença que antecede o óbito terminal. Algumas etapas são importante para a elaboração, planejamento e instituição de cuidados paliativos em pediatria no “final de vida”, “cuidados paliativos”, “morte” e “doença terminal”. (PIVA, GARCIA, LAGO. 2011). Quase todos os óbitos hospitalares em pediatria ocorre na UTIP ou UTIN, seguidamente em menor escala pelo centro cirúrgico, unidade de oncologia, sala de emergência e enfermarias pediátricas. (EINLOFT et al, 2002; NAMACHIVAYAM et al, 2010). A grande maioria dos óbitos que ocorrem em UTIP canadenses, europeias e norte americanas, apresenta algum tipo de limitação de suporte vital (retirada ou não oferta de tratamento excepcional ou ainda, não reanimação), compreendendo ser uma morte esperada e atribuída ao curso natural do estado terminal de enfermidade refratária ao tratamento. (DEVICTOR ; NGUYEN, 2004; TRUOG; MEYER; BURNS, 2006). Essa dimensão de limitação de suporte vital em UTIP brasileiras tem movido entre 35 e 55%.(KIPPER et al, 2005). Por outro lado, têm sido demonstrado que crianças em fase final da doença irreversível quando internadas em UTIP acabam recebendo um tratamento centralizado na cura (que nesse caso é inalcançável), não considerando os cuidados paliativos e as reais necessidades nos momentos que antecedem o final de vida. (DEVICTOR; LATOUR; TISSIÉRS, 2008). Lago et al (2008) afirma que essa dificuldade no manejo de crianças em fase terminal da vida é ainda mais acentuada em nosso meio, tendo como principais justificativas: a) a falta de ensino e treinamento (tanto na graduação como na residência médica) para lidar com os aspectos que envolvem o final de vida, tais como: - fundamentos bioéticos; - habilidades de comunicação; - estratégias assistenciais. b) apesar dos cuidados paliativos terem sido eleitos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma prioridade há mais de uma década, (World Health Organization, 1998) a sua definição como área de atuação para diversas especialidades médicas brasileiras (geriatria, oncologia, clinica médica, pediatria entre outros), apenas agora vem sendo discutida. 14 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOSNA INFÂNCIA Consequentemente, pediatras, neonatologistas e intensivistas pediátricos ressentem-se da falta desse treinamento, mantendo sua atuação no extremo da medicina curativa mesmo naqueles casos onde essa prática mostra-se ineficaz; c) por desconhecimento, ainda hoje, alguns médicos questionam o amparo ético e legal de prover cuidados paliativos e limitação de tratamento em pacientes em fase final de doença”. O novo conceito de cuidados paliativos segundo a OMS é “uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A ação busca a prevenção e o alívio do sofrimento desse paciente, através do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual”. O paciente necessita sentir confiança na equipe e saber que todos estão ali para ajudá-lo no que for preciso (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1998). Contudo, no que diz respeito aos cuidados paliativos para crianças portadoras de doenças crônicas e suas famílias a OMS friza que deve ser oferecido um cuidado ativo total para o corpo, mente e espírito, assim como o apoio para a família. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1998). Deve ser iniciado quando a doença crônica é diagnosticada, e incrementada a medida que o quadro progride sendo concomitante com o tratamento curativo. “Os profissionais da saúde devem avaliar e aliviar o estresse físico, psíquico e social da criança, exigindo uma abordagem multidisciplinar que inclui a família e inclusive a utilização dos recursos disponíveis na comunidade.” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1998). Um aspecto determinante na concepção dos cuidados paliativos pediátricos é que a criança tem inúmeras diferenças em relação ao adulto, tais como American Academy of Pediatrics (2000) e Vadeboncoeur (2010): a) apresentar doenças diferentes, peculiares de cada faixa etária e, consequentemente com necessidades específicas; b) a grande dependência afetiva aliada a uma personalidade ainda imatura para enfrentar as consequências de uma doença grave, limitante e fatal; c) os mecanismos fisiológicos de compensação ainda em fase de desenvolvimento; 15 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I d) a forma diversa de reagir à dor e ansiedade; e) as necessidades metabólicas e a farmacocinética específica de cada estágio de desenvolvimento, entre outras. Contudo, o uso das mesmas diretrizes de cuidados paliativos para adultos não são aplicáveis e tampouco atendem as necessidades pediátricas, ressalta American Academy of Pediatrics (2000) e Vadeboncoeur (2010). Até pouco tempo atrás se entendia que o emprego de medidas paliativas somente era considerado nos momentos eminentes que antecediam a morte. (CARTER et al, 2004; PIERUCCI; KIRBY; LEUTHNER, 2001; PIVA; CARVALHO, 1993). Dessa forma, o tratamento curativo e os cuidados paliativos situavam-se em polos opostos e excludentes. A partir do momento que ganhamos conhecimento e familiaridade com o atendimento de crianças com dependência tecnológica, portadoras de doenças debilitantes e progressivas, assim como nos casos agudos, mas refratários à terapêutica, aprendemos que esses tratamentos são complementares e integrados a esse paciente. (DEVICTOR; LATOUR, TISSIÈRES, 2008). Tem sido demonstrado que os cuidados paliativos, mesmo em países desenvolvidos, são solicitados tardiamente e para uma pequena parcela de candidatos. (DEVICTOR, LATOUR, TISSIÈRES. 2008). De acordo com World Health Organization (1998) a Academia Americana de Pediatria e a OMS propõem que o modelo a ser aplicado em crianças adote simultaneamente a administração de cuidados curativos e paliativos, com uma preocupação nos aspectos físicos, psíquicos e espirituais. Este cuidado engloba o atendimento multidisciplinar que inclui: » médicos; » enfermeiros; » assistentes sociais; » capelães; » fisioterapeuta; » terapeuta ocupacional. O objetivo é oferecer a melhor qualidade de vida para pacientes e suas famílias, consistente com o melhor que a medicina possa oferecer para atender também aos seus valores e necessidades. (MEYER; RITHOLZ; BURNS; TRUOG, 2006). 16 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Deve-se lembrar, ainda que os cuidados paliativos se estendam além do momento óbito da criança. Pois essa família nos dias e meses que se seguem ao óbito de seu filho, vai necessitar de um grande apoio. (MEYER; RITHOLZ; BURNS; TRUOG, 2006). Figura 2. Doença incurável na infância. Fonte: <http://www.bispasonia.com.br/noticias2.php?id=45> O amparo ético para limitação de esforços terapêuticos em pacientes em fase terminal de doença irreversível Ainda hoje alguns médicos mostram seus temores e fantasias em relação à legitimidade e ao amparo legal para limitar oferta de terapêutica curativa em pacientes em fase final de doença que não tem possibilidade de cura e progressiva. (SOARES; TERZI; PIVA, 2007). Contudo, entendem de que a limitação de esforço terapêutico nesse grupo de pacientes poderia configurar infração a alguns artigos do código de ética médica (1988) e mantidos no código atual (2010), tais como, explicam Soares, Terzi e Piva (2007): Artigo 1o (É vedado ao médico causar dano ao paciente por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência), Artigo 32 (É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente). (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. 2007). 17 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Evidentemente que ‘em favor do paciente’ descrito no artigo 32 se refere às intervenções benéficas para aquele paciente naquele estágio da doença e não um ato compulsório de oferecer tudo que está disponível. O atual código de ética médica brasileiro (2010) tornou evidente em vários artigos e incisos a necessidade e o dever ético do médico de promover cuidados paliativos para pacientes vítimas de doença de impossibilidade de cura e doença terminal, tais como, explicam Soares, Terzi, Piva (2007). capítulo 1 ─ Inciso XXII (Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados); Artigo 36 parágrafo 2o (que veda ao médico abandonar pacientes sob seus cuidados ─ Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos); Artigo 41, quando enfatiza que é vedado ao médico ‘Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal’. Mas, ressalta no parágrafo único que “Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. 2007). Conclui-se, portanto, que ao atender pacientes em terminal de doença grave e irreversível é um dever do médico, enfermeiro e de toda equipe multidisciplinar ali envolvida no processo terapêutico da criança e evitar a resistência terapêutica assim como prover a oferta de cuidados paliativos. Por outro lado, o descumprimento dessas diretrizes nessa situação é que representa falta ética. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2007). Deve-se ressaltar ainda que, tanto no art. 41 citado acima, como em vários outros (arts 24 e 34; Inciso XXI) do atual código médico é colocado que essa é uma decisão compartilhada com o paciente e família (como no caso de crianças epacientes com impossibilidade de cura), sendo expressamente vedadas as decisões centradas exclusivamente na opinião da equipe médica. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2007). 18 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Tais decisões devem ser devidamente registradas de forma clara e objetiva no prontuário médico do paciente. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2007). Planejando e definindo os cuidados paliativos em pediatria Os cuidados paliativos em pediatria são implementados progressivamente e ajustados às necessidades impostas pela doença e seu tratamento terapêutico (evolução, complicações, limitações), devendo ser individualizada àquela criança (ajustada pelos valores e anseios daquele binômio família/criança). (PIVA; GARCIA; LAGO, 2011). No planejamento e instituição de cuidados paliativos pediátricos, algumas etapas fundamentais devem ser adequadamente ultrapassadas para que se obtenha o pleno sucesso, dentre as quais ressaltamos (PIVA; GARCIA; LAGO, 2011). a. O entendimento da doença O tratamento disponível e as possíveis limitações, entretanto, não tem especificidade (segurança) quando aplicados em apenas um indivíduo, ressalvam, Lago, Devictor, Piva, Bergounioux (2005) e Baker (2008). O grau de reversibilidade de uma doença é baseado em dados objetivos (p.ex.: Tomografia computadorizada, exame anatomopatológico etc.) e em aspectos subjetivos (resposta ao tratamento, estadiamento clínico, experiência prévia, índices prognósticos e relatos de casos semelhantes na literatura). (LAGO; DEVICTOR; PIVA; BERGOUNIOUX, 2007; MORITZ,et al, 2009). O consenso sobre a irreversibilidade é, muitas vezes, um processo lento de ser alcançado dentro da própria equipe multidisciplinar. Informações antagônicas e perspectivas conflitantes por parte de membros da equipe médica em relação às possibilidades terapêuticas pode ser um fator desagregador e causador de muita ansiedade que influenciará todo o longo caminho que virá posteriormente. (LAGO; DEVICTOR;PIVA, BERGOUNIOUX (2007) ; MORITZ et al (2009). Portanto, antes de obter-se o consenso na equipe médica, enfermeiros e demais profissionais, esse ambiente de incerteza não deveria ser estendido à família. (LAGO; DEVICTOR; PIVA; BERGOUNIOUX (2007); MORITZ et al (2009). À medida que o consenso se estabelece dentro da equipe, a família é progressivamente envolvida no processo decisório dentro da equipe multidisciplinar, através de discussão 19 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I franca, objetiva e serena, aumento o laço de confiança aos membros da família. (LAGO; DEVICTOR; PIVA; BERGOUNIOUX (2007), MORITZ et al (2009). Independente do grau de instrução, os familiares desejam ser ouvidos, entender e participar nas decisões relacionadas ao final de vida de seu filho. (LAGO; DEVICTOR; PIVA; BERGOUNIOUX (2007); MORIT, et al , 2009). Entretanto, a família necessita de tempo e provas concretas para convencer-se que o quadro é irreversível, não responsivo ao tratamento ou em fase terminal de doença. Para conduzir esse processo, a equipe médica deve manter um ambiente de confiança, respeito, solidariedade e propício para o entendimento. (LAGO, DEVICTOR, PIVA, BERGOUNIOUX, 2007; MORITZ, et al, 2009). É o momento de escutar muito, responder de forma objetiva, direta e o mais simples possível aos questionamentos, evitando o jargão técnico e a imprecisão estatística que não contribui em nada nesse momento. LAGO, DEVICTOR, PIVA, BERGOUNIOUX, 2007; MORITZ, et al , 2009. Deve-se ter bem claro que cada pessoa (ou família) tem o seu tempo de convencimento. (Contro, Larson, Scofield, Sourkes, Cohen. 2002). O conflito nessa hora é quase que a regra. Não surpreende que a raiva e a desolação sejam dirigidas ao portador da má notícia. Esse sentimento é transitório e fugaz, podendo prolongar-se no caso da equipe médica responder com agressividade ou distanciamento a uma possível mudança de comportamento por parte dos familiares. (HALAL, 2010; NELSON et al, 2010; INWALD, 2008). Para vencer esse momento crucial e delicado, a equipe deve mostrar-se cordial e solidária, evitar responder a provocações, mantendo o foco da discussão sempre “na busca do melhor a ser feito para atender às necessidades daquela criança naquela situação”. (HALAL, 2010; NELSON et al, 2010; INWALD, 2008) À medida que família percebe que esse é o objetivo e a motivação que move a equipe multidisciplinar e enfermeiros em relação ao atendimento de seu filho, o relacionamento muda progressivamente para um ambiente de confiança e cumplicidade. (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). É aceitável e previsível que ocorram avanços e retrocessos no entendimento por parte da família quanto à irreversibilidade da doença. A evolução é lenta, sendo necessário demonstrar inúmeras vezes através de exames ou provas clínicas que o estágio de doença é aquele. (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). 20 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Enquanto não houver esse entendimento, não há como evoluir na discussão para o estágio de definição de prioridades de tratamento (curativas e paliativas). (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). b. Definição dos objetivos e intervenções médicas Obviamente, a família encontra-se desolada frente à irreversibilidade da doença e à morte eminente de seu filho. É evidente que necessitarão de muito apoio e ajuda na discussão da terapêutica (curativa e paliativa) a ser ofertado a partir dessa nova realidade. (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). Um erro frequente, é a decisão de limitação de suporte vital ser adotada de forma unilateral pela equipe médica, sem o envolvimento da família no processo decisório. (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). A imensa maioria das famílias deseja muito ser ouvida (“ter direito a voz”), mas de forma alguma pretende ter controle da situação e ser a responsável pela definição final em relação a cada medida terapêutica. (MEYER, 2006). A habilidade da equipe médica em conduzir essa discussão pode representar a diferença entre a paz de espírito da família (por entender que o melhor a seu alcance foi ofertado nos últimos momentos de vida de seu filho) ou a culpa permanente (por sentir-se responsável pelo sofrimento e morte de seu ente querido). (MORITZ et al (2009); INWALD (2008). Cabe à equipe médica conduzir a discussão por meio de um diálogo franco em um clima de confiança, solidariedade e compreensão onde são apresentadas as vantagens e desvantagens de cada opção terapêutica. (MORITZ et al, 2009; INWALD, 2008). É fundamental que a equipe médica escute e identifique valores e prioridades que aquela família possui e adota (consciente ou inconscientemente) para guiar e motivar suas decisões. De posse dessas informações poderá eleger e sugerir as opções terapêuticas mais apropriadas que atendam às necessidades daquele binômio família/criança. A partir desse momento, inicia-se a transição e complementação do tratamento curativo e os cuidados paliativos. (INWAL, 2008; CARLET, et al, 2004). c. Prover as necessidades individualizadas e antecipar eventos Levando em consideração o estagio da doença (evolução, possíveis complicações, prognóstico a curto e médio prazo) ajustada às expectativas e valores da família/criança, os cuidados paliativos são instituídos visando atender às seguintes prioridades: 21 » Identificar e excluir intervenções fúteis. São aquelas intervenções que não contribuem no controle da doença e tampouco para a melhora na qualidade de vida do paciente. (GARROS; ROSUCHUK; COX , 2003; GAVRIN, 2007). » Prioridades terapêuticas. Definir as intervenções terapêuticas (curativas e paliativas) realmente apropriadas a cada caso. Em um determinado paciente pode ser prioritário indicar uma traqueostomia precoce para evitar o prolongamento do uso de tubo traqueal e necessidade de sedação excessiva. Não existe uma definição prévia de qual medida é eficaz ou fútil. Essa definição é feita de forma individualizadaem cada caso, considerando todos os fatores relacionados à doença (estágio e o benefício daquela intervenção em termos de cura, retardo da evolução ou impacto na qualidade de vida) aliada às expectativas da família/criança. À medida que “o cuidar” passa a ser a prioridade é evidente que a analgesia e a sedação ganham uma atenção especial. GAVRIN, 2007; ANAND et al (2010). Nos casos mais graves, a analgesia pode ser mantida com administração intermitente ou infusão contínua de opióides (morfina, fentanil) associada a analgésicos não opióides (dipirona, acetominofen, ibuprofeno). GAVRIN (2007); ANAND, et al (2010). Ao realizar alguma intervenção que promova dor (p.ex.: trocas de drenos/sondas, mudança de decúbito, aspiração traqueal) uma dose suplementar de outro analgésico de curta duração pode ser adicionado (p.ex.: cetamina). (GAVRIN, 2007; ANAND et al, 2010). Algumas doenças em fase avançada (p.ex.: tumores com metástases ósseas), geram necessidades crescentes de analgesia. Do ponto de vista ético, moral e legal, não há como aceitar que o receio de efeitos colaterais impeça o uso de doses crescentes de opióides nessa situação. (ZAWISTOWSKI; DEVITA, 2004; HEWITT et al, 2008). Muitas vezes, em função do uso prolongado de opi0ides, mesmo crianças pequenas não obtêm sedação adequada (levando a deprivação de sono) ou ainda apresentam quadro de agitação psicomotora. (HEWITT et al, 2008); KERSUN, 2007; BAKER, 2008). No sentido de obter sedação adequada pode-se utilizar sedativos leves (diazepínicos, hidrato de cloral, prometazina), antipsicóticos (haloperidol e/ou resperidona), ou ainda a infusão contínua de dexmedetomidina. (HEWITT et al, 2008; KERSUN, 2007). 22 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Decisões antecipadas de final de vida e possíveis intercorrências Médicos com alguma experiência no atendimento de crianças gravemente doentes conseguem antever complicações ou manifestações da própria evolução do quadro. É um dever discutir previamente com a família a conduta a ser adotada nessas eventualidades, registrar esse plano terapêutico no prontuário, assim como, combinar com o médico de plantão o seu manejo em situações, tais como Ullrich, Mayer (2007) e Wusthoff, Shellhaas, Licht (2007): a. ocorrência de crise convulsiva; b. piora do quadro respiratório e/ou apnéia ou; c. sangramento digestivo etc. Por tratar-se de uma recomendação que consta no código de ética médica as diretivas de final de vida (ordem de não reanimar, não instituição de determinado tratamento) devem estar adequadamente registradas no prontuário. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010). Da mesma forma devem ser registradas no prontuário as medidas a serem adotadas em substituição a esses procedimentos [p.ex.: no caso de piora da dispneia, instalar ventilação não invasiva (com uma definição prévia em relação ao ajuste dos respectivos parâmetros) associados ao aumento na dose de opioides visando diminuir o desconforto e facilitar a ciclagem da ventilação não invasiva. (MUNSON, 2007). Mudanças no ambiente É evidente que esse é um momento de muito estresse para a criança, família e toda equipe envolvida no atendimento. Manter essa família em um quarto com maior privacidade, com possibilidade de iluminação e ventilação natural, longe dos ruídos da UTIP e de seus equipamentos é uma prioridade. (KERSUN, 2007). Viabilizar a entrada de objetos valorizados pela criança (p.ex.: videogames, computador com internet, aparelho portátil de som), assim como estimular as visitas e a interação com os familiares mantendo-a fora da cama são medidas altamente valorizadas pelo binômio família/criança. (KERSUN, 2007); MCSHERRY, 2007). 23 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Envolvimento da equipe multidisciplinar Os cuidados paliativos baseiam-se na presença ativa de uma equipe multidisciplinar que será maior ou menor de acordo a cada local e situação. (GARROS, 2003; BAKER,et al, 2008). Entretanto, além do(s) médico(s) e enfermeiro(s) que prestam atendimento á criança, é necessária a participação ativa de assistente social, serviço de apoio psicológico e/ ou psiquiátrico, suporte espiritual (grupos de ajuda, padre, capelão, rabino), terapeuta ocupacional, educadora (musicoterapia, recreacionista), entre outros. (MCSHERRY, 2007). Com o passar do tempo, a equipe multidisciplinar torna-se parte da “grande família”, portanto suas visitas de solidariedade e apoio à família/criança assumem enorme importância e são aguardadas com ansiedade. (MCSHERRY, 2007). Cada um dos integrantes da equipe multidisciplinar deve ter a exata noção de que qualquer pequeno gesto nesse momento age como fonte de energia para essa família/ criança e será eternamente lembrado. (GAVRIN, 2007). Diagnóstico e prognóstico O principal objetivo do Cuidado Paliativo é “o restabelecimento da qualidade de vida de pacientes e familiares” e é realizado através “da profilaxia antecipada do alívio de sofrimento físico, social, psíquico e espiritual”. Dessa forma, um diagnóstico adequado do sofrimento e suas causas são imprescindíveis para o adequado manejo no Cuidado Paliativo. (SAPORETTI; ANDRADE; SACHS; GUIMARÃES, 2012). Mesmo profissionais treinados e capacitados na área percebem a dificuldade de abordar, analisar e integrar as diferentes facetas do ser humano, em especial diante da limitação. Considerando a complexidade das demandas apresentadas por pacientes e familiares em situações de pacientes terminais, torna-se necessário a definição de uma estratégia completa e focada no alívio e prevenção do sofrimento em suas diversas dimensões. (SAPORETTI; ANDRADE; SACHS; GUIMARÃES, 2012). O atendimento da criança com doença grave ou terminal é uma situação bastante delicada e ampla, que envolve questões psicológicas importantes da criança, dos membros familiares e de todos os envolvidos no seu cuidado, desde de o enfermeiro até a equipe de cuidadores multidisciplinares resposáveis pela sua terapeutica. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). 24 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA É importante auxiliar a identificar as reações que elas apresentam diante da sua própria doença e/ou morte. Vale destacar a importância da participação da consultoria psiquiátrica na internação hospitalar em pediatria, que pode ser requisitada para avaliar e/ou atender, do ponto de vista psiquiátrico, a criança portadora de doença grave ou terminal e, também, a família do paciente. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É bom frizar referente ao médico psiquiátrico o desafio de oferecer atenção à equipe assistente, visto que o estresse a que são submetidos os “profissionais da linha de frente” é de tamanha intensidade, que dessa maneira faz necessário um apoio e uma ajuda psicológica a esses profissionais envolvidos diretamente com esse sofriemento. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A procura de um conhecimento profundo sobre si mesmos e sobre os aspectos relacionados à doença e à natureza do paciente sob seus cuidados pode permitir que os profissionais de saúde se posicionem de forma tranquila e confiante diante de uma criança gravemente doente e sua família. Quaisquer decisões que venham a ser tomadas precisam estar de acordo com os princípios éticos que cada indivíduo adere, mas também de acordo com os princípios éticos válidos na modernidade. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A reação da criança diante da doença está diretamente relacionada a múltiplos fatores, tais como idade, estresse imediato representado pela dor física desencadeada pela doença, angústia de separação devido à hospitalização, traços de personalidade, experiências prévias e qualidade de suas relações parentais. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Para (BOWLBY, 1973 apud BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013), a conduta e a percepção da criança são influenciadas pela atitude dos pais, que é determinada pela postura geral do médico e enfermeiro frenta a patologia. Trad5 considera tambémque a equipe hospitalar, pelo seu papel instrutivo, pode oferecer aos pais da criança em estado grave condições necessárias para que possam suportar e entender a reação do filho à sua doença. Essa reação varia de acordo com seu nível de compreensão, decorrente da fase evolutiva em que se encontra. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Assim, somente à medida que a criança amadurece, ficando ela mais com mais idade, e assim adiquirindo mais entendimento, sua concepção da doença vai ficando mais ampla, complexa e realista. Quanto menor ela for, mais concreta será essa compreensão. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Para entender como a criança enfrenta a doença e as fases da hospitalização, as descobertas de Bassols, Zavaschi, Palma (2013) acerca de algumas características do 25 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I psiquismo do bebê são de grande valia. Pois início da vida psíquica, de acordo com esses autores, existe uma profunda ligação emocional do bebê com a mãe: trata-se de uma fase que denominaram “fase simbiótica do desenvolvimento”. Nela, o bebê não se percebe como um ser diferente. No período de quatro ou cinco meses, com o amadurecimento neurológico dos órgãos dos sentidos, assim como com o desenvolvimento e crescimento da memória, o bebê é capaz de identificar e assimilar a si e à mãe, progressivamente, como indivíduos separados. A esse período denominaram “fase de separação-individuação”. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA. 2013). Nessa fase, a criança torna-se cada vez mais capaz de afastar-se fisicamente da mãe, começando a exploração do ambiente a seu redor. Passa a utilizar objetos de brinquedos como: travesseiros, cobertores, entre outros, que assumem a importância de substitutos maternos (objetos transicionais). (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Nesse momento, pode separar-se apenas por períodos curtos da mãe, uma vez que a separação dealongada leva a criança a experimentar grande ansiedade (ansiedade de separação). Por isso, até os três anos de idade a criança sofre mais pela separação da família e de seu ambiente, dado pela hospitalização, do que pela doença propriamente dita. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Quando são separados de sua mãe ou familiares, os lactantes apresentam reação de pânico e aflição. Spitz descreveu o quadro clínico que denominou da seguinte forma: ‘Depressão anaclítica’, que significa que a criança afastada da sua mãe apresenta inicialmente um período de choro e gritos incessantes, que entende como manifestação de protesto diante da separação. Caso a mãe não retorne ou não seja substituída por outra figura de apego, a criança evolui para um quadro de apatia com recusa do contato ou indiferença aos circunstantes’’. (SPITZ. 1980, apud BASSOLS, ZAVASCHI, PALMA. 2013). Ao longo do crescimento, a criança amplia a noção de seu próprio corpo, ficando facilmente alarmada com pequenos ferimentos, desejando cobri-los, como temendo esvair-se, imaginando, assim, prevenir a perda de fluidos ou órgãos internos. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Essas manifestações clínicas se relacionam com ansiedades normais da expansão, correspondendo a um deslocamento dos seus interesses acerca do controle esfincteriano (fase anal) para um controle do corpo. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). 26 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA No entanto, na idade escolar, dos 6 aos 11 anos, a criança já se manista em condições intelectuais de entender melhor seu corpo, sua doença e o conceito de irreversibilidade da morte. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Para o professional, a família e o mais importante, a criança conseguir lidar com a ansiedade dessa etapa evolutiva, mobiliza defesas da linha obsessiva, valendo-se de intelectualizações, racionalizações e anestesia dos sentimentos. Assim, pode-se encontrar uma criança com leucemia nessa idade que entende e descreve sua doença com total correção, detalhes diagnósticos e prognósticos sem, no entanto, expressar sofrimento, tristeza e ansiedade. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É comum que crianças nessa faixa etária, frente a doença, desenvolvam uma reação patológica caracterizada por sintomas fóbicos (medo do escuro, da doença e da morte). Tais medos são subjacentes ao temor de não serem aceitos em função de seus desejos e impulsos hostis. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Muitas vezes, os efeitos depressivos da enfermidade são tão devastadores que a criança se defende também com alternativas maníacas, negando os efeitos da doença, agitando e até hostilizando e desprezando os pais e a equipe de saúde, que tentam por sua vez ter paciência e solidário com aquela criança em estágio terminal. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Figura 3. Prognóstico da doença. Fonte:<http://www.atribunamt.com.br/2013/10/anvisa-proibe-venda-de-xarope-e-de-bebida/> 27 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Aspectos emocionais e psicológicos Já é de conhecimento amplo a obra de (Kübler-Ross, 2005, apud Mendes, Lustosa, Andrade. 2009), sobre os estágios pelos quais passam pacientes tanto adultos quanto crianças, ao tomarem conhecimento da fase terminal de sua doença, ou seja, quando inexiste a possibilidade de cura. Muitos reagem, inicialmente, com negação, não aceitando seu quadro da doença e seu prognóstico. A negação, ou pelo menos a negação parcial, é usada por quase todos os pacientes, nos primeiros estágios da doença ou logo após sua constatação, ou até mesmo, em uma fase posterior. A negação inicial pode, em vários casos, auxiliar alguns pacientes a se preparar para considerar a possibilidade da própria morte, deixando de lado esta realidade, por algum tempo, para terem força e motivo para lutarem pela vida, mesmo ela estando desenganada pela equipe de saúde. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Este mecanismo de defesa contra a ansiedade frente ao confronto com a inexorabilidade existencial pode ser ruim para o prognóstico do paciente, nos casos em que o afastam da busca de auxílio profissional para conseguir lutar com a doença. Nestes casos, o diagnóstico desfavorável pode ameaçar tanto a estrutura do ego desta criança que precisa afastar de sua cognição, completamente, este fato que lhe assusta e causa medo, em prol da sobrevivência de sua estrutura interna, colaborando, muitas vezes, com o agravamento de sua condição física, por falta dos cuidados médicos necessários. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Diate do risco de morte, a negação desta realidade pode se apresentar, e não é atípico que isto ocorra no começo de uma doença séria, mais até do que no fim da vida. O tempo de existencia no estágio de negação do risco da morte dependerá de diversos fatores, incluindo: estrutura de personalidade, apoio familiar, apoio social, tipo de cultura, idade, forma de comunicação do diagnóstico etc. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Outra forma de reação, é representada por sentimentos de raiva, revolta, inveja e ressentimento, frente a doença a ser combatida e enfrentada, que por sua vez não tem cura. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). É muito difícil e complicado, do ponto de vista da família e da equipe de saúde, dentre ela do enfermeiro, lidar com o este tipo de reação. Deve-se isso ao fato dela se propagar em todas as direções, e projetar-se no ambiente, muitas vezes sem razão compreensível. Muitas vezes os enfermeiros são alvo constante da raiva destes pacientes, pelo fato de estarem mais próximos, no seu dia a dia, do que qualquer outra pessoa: médico, familiar, amigos etc. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). 28 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Várias vezes os familiares, amigos e até a equipe de saúde multidisciplinar não entendem o motivo da raiva e do estresse do paciente. Entretanto, basta colocarem-se no lugar do doente para facilmente entenderem de onde pode vir esta raiva. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Muitas vezes este sentimento tem origem como reação à interrupçãoprematura de atividades existenciais; de construções começadas que ficarão inacabadas; sonhos e realizações que se esperavam alcançar; objetivos que ainda se esperavam obter. Desta forma, revolta, ressentimentos, podem ser extravasados através de expressão de raiva, muitas vezes justamente naqueles que continuarão a desfrutar de tudo isso, que lhe será retirado. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). No entanto, vale lembrar, que um paciente que é respeitado e compreendido, a quem são dispensados tempo e atenção em grande parte do tempo, pode se recompor deste intenso susto, e com isto, recuperar equilíbrio suficiente para manejar, de forma diferente e mais adaptativa , a ansiedade e angústia vindas desta situação em que se encontra. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). O importante, neste periodo difícil, é compreender e verificar o motivo da raiva e do estresse do paciente e não assumir em termos pessoais quando, na sua origem, nada ou pouco tem a ver com as pessoas em quem é descarregada. De pouco adianta a família ou os enfermeiros reagirem pessoalmente a este estresse, muito menos retribuírem com uma raiva ainda maior, dado que só contribuirá para alimentar o comportamento hostil do paciente, assim como sua dor , desespero e desorganização interna. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). A barganha, outro dos estágios comuns nos pacientes sem chance de cura, se traduz pela tentativa do paciente fazer algum tipo de acordo interno, com o propósito de adiar o desfecho inevitável. Um tipo comum a essa classificação exposta é: “se Deus decidiu levar-me deste mundo e não atendeu a meus apelos cheios de ira, talvez seja mais condescendente se eu apelar com calma.”É muito comum ter esse tipo de apelação a Deus, mencionam (KÜBLER-ROSS, 2005 apud MENDES; LUSTOSA; ANDRADE,2009). A barganha na realidade é uma tentativa de adiamento, um apelo realizado á Deus; com isso tenta incluir um prêmio oferecido “por bom comportamento”, estabelecendo uma “meta” auto-imposta , incluindo uma promessa implícita de que o paciente não pedirá outro adiamento, caso o primeiro seja concedido. Percebe-se que a maioria das barganhas é feita com Deus e, mantida geralmente em segredo, e, em troca, almeja-se um pouco mais de tempo de vida. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). 29 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Quando o paciente em fase terminal não pode mais negar sua doença, quando é forçado a submeter-se a mais uma cirurgia ou hospitalização, quando começa a apresentar novos sintomas e tornar-se mais debilitado, não consegue mais esconder de si a doença. Seu afastamento, sua revolta e raiva darão lugar a um sentimento de grande perda, que poderá ter como consequência, a depressão. (KÜBLER-ROSS, 2005 apud MENDES; LUSTOSA;ANDRADE, 2009) É norma e esperado a apresentação da aflição inicial a que a criança em fase terminal é obrigado a se submeter, para se preparar para quando tiver de deixar este mundo, e longe dos seus pais, amigos e familiares. Diante disso, pode apresentar uma depressão reativa ou mesmo uma depressão preparatória, cujo aquela criança ja possua entendimento do que esta acontecendo. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). A permissão de exteriorização de pesar facilita o processo doloroso e estressante de aceitação da situação em que se encontra, e, talvez, possa ficar agradecido aos que se propuserem a estar com ele neste estado de tristeza profunda. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Vale lembrar que, a aceitação é o estágio atingido e classificado por aqueles pacientes que tiveram tempo necessário (que não tiveram morte súbita ou inesperada), e/ou tiveram recebido alguma ajuda para superar tudo que foi descrito anteriormente. O paciente alcançará um estágio em que não mais sentirá depressão nem raiva quanto ao seu “ doloroso destino” que é o momento final. Terá podido externar seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sadios, e sua raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte neste momento em que ele o está. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Não é para se confundir aceitação com um estágio de felicidade encontrada naquele paciente. É como se a dor tivesse esvanecido, a luta tivesse cessado e fosse chegado o momento do “repouso derradeiro antes da longa viagem”. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). A família nesse momento, sem dúvida alguma, necessita também de um suporte emocional, pois à medida que o paciente, às vésperas da morte, encontra uma certa paz e aceitação, seu círculo de interesse diminui para um tratamento , até mesmo paliativo. Com isso, muitas vezes este prefere que o deixem só, ou, pelo menos, que não o perturbem com notícias e problemas do mundo exterior, fazendo a família sentir- se aflita com este seu afastamento, e sem saber como lidar com este comportamento. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Segundo (KÜBLER-ROSS, 2005, apud MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009), há alguns pacientes que combatem até o fim, que se debatem e se agarram à esperança 30 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA que ainda lhe restam, dificultando atingir este estágio de aceitação. A família e a equipe de saúde podem achar que esses pacientes são resistentes e fortes, e encorajá-los na luta pela vida até o fim, deixando transparecer que aceitar o próprio fim é uma entrega covarde, uma decepção ou, pior ainda, uma rejeição à família. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Figura 4. Aspectos emocionais. Fonte:<http://www.fiscalizarextremosul.com/depressao-diagnostico-da-doenca-e-essencial/> Esperança É a que comumente persiste, em todos estes estágios. O que sustenta psicologicamente os pacientes através dos dias, das semanas ou dos meses que precedem a morte, é ter alguma esperança, mesmo que para isso ocorra a barganha com Deus. É a sensação de que tudo deve ter algum sentindo, que pode compensar, caso suportem por mais algum tempo. “É a esperança de que tudo isto não passe de um pesadelo irreal; de que acorde uma manhã com notícia de que os médicos estão prontos para tentar um novo medicamento que parece promissor e que vão testar nele.” (KÜBLER-ROSS, 2005, apud MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Esse sentimento proporciona aos doentes, em fase final da vida, um senso de missão especial, que os ajuda a erguer o ânimo e suportem a mais exames, medicamentos, quando tudo se torna penoso. Para outros continua sendo uma forma de negação temporária, mas importante. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Contudo, é necessário frizar que não se deve “desistir” de nenhum paciente, esteja ou não ele em fase final da vida, sem qualquer chance de cura. Quem está fora do alcance da ajuda médica merece maiores cuidados do que aqueles que ainda podem esperar. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). 31 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Desistir de um paciente pode fazer com que ele se entregue, e mais rapidamente encontre a morte. Não desistir dele, poderá fazer com que este paciente guarde um fio de esperança, esperança essa que o fará bem e ajudará a enfrentar uma morte ‘’boa’’ e ‘’tranquila’’, e continuar vendo em seu médico, enfermeiro e toda a equipe que lhe assistem um amigo que ficarão a seu lado até o fim. Esta atitude pode auxiliar ao paciente não se sentir abandonado nem desprezado, quando o médico o considerar fora de qualquer possibilidade de cura. (MENDES; LUSTOSA; ANDRADE, 2009). Figura 5. Esperança de uma criança. Fonte: <http://portal.metodista.br/fateo/noticias/pascoa-e-vida-esperanca-e-confianca-no-futuro> Veja Mais: <http://rbp.celg.org.br/detalhe_artigo.asp?id=108> 32 CAPÍTULO 2 Abordagem dos Cuidados Paliativos e sua Qualidade de Vida Cuidados paliativos em pediatria Vale lembrar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define Cuidados Paliativos como uma abordagem que melhora a qualidade de vida do doente e da sua família, perante uma doença potencialmente fatal ou que ameaça a vida. Esta abordagem faz-se por meio da prevenção e alívio do sofrimento,procurando identificar, avaliar e tratar precocemente a dor e outros problemas físicos, psicológicos, espirituais e sociais. (HUIJER et al, 2009). Diante dos fatos, os Cuidados Paliativos mencionam algumas características importantes frente ao seu objetivo, seguem os seguintes cuidados de acordo com Hunjer et al (2009): » não antecipam ou prolongam a morte; » afirmam a vida e encaram a morte como processo natural; » proporcionam o alívio da dor e outros sintomas importantes; » disponibilizam uma rede de suporte, que permite ao doente viver tão ativamente quanto possível até à morte; » otimizam a qualidade de vida dos doentes, podendo ainda, influenciar positivamente o curso da doença; » disponibilizam uma rede de suporte que facilita a adaptação da família à situação de doença, ajudando-a a lidar com o sofrimento e o próprio luto; » preconizam o trabalho em equipa, para dar resposta às necessidades dos doentes e suas famílias, mesmo no apoio ao luto; » integram os aspectos psicológicos e espirituais na abordagem do doente; » aplicam-se desde o início da doença, conjuntamente com outras terapias que visam o prolongar da vida, como a quimioterapia e radioterapia, e incluem a investigação clínica necessária para melhor entender e abordar situações clínicas complexas. 33 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Os CPP representam uma área importante de intervenção, dentro dos Cuidados Paliativos. A OMS conceitua Cuidados Paliativos para crianças e suas famílias como (HUIJER et al, 2009): » exigem uma abordagem ampla e multidisciplinar, que inclui a família e utiliza os recursos comunitários disponíveis, podendo ser implementados com sucesso, mesmo quando os recursos são escassos; » surge quando uma doença ameaçadora da vida é diagnosticada; » cuidados ativos e globais à criança na sua globalidade (corpo, mente e espírito), incluindo igualmente o suporte familiar; » os prestadores de cuidados devem avaliar e aliviar o sofrimento físico, psicológico e social da criança; » podem ser prestados em instituições de cuidados de saúde terciários, centros de saúde comunitários e centros de acolhimento para crianças. É necessário diferenciar cuidados paliativos de cuidados ao doente terminal. Cuidar em fase terminal da doença, refere-se ao tipo de cuidados proporcionado ao doente e família em uma fase em que o tratamento curativo foi interrompido e a morte está próxima (horas, dias ou semanas). (HUIJER et al, 2009). Uma interpretação errada deste conceito interfere seriamente nos critérios de inclusão em CPP, bem como, na identificação das necessidades distintivas dos doentes e na disponibilização dos recursos adequados, especialmente na pediatria. (HUIJER et al, 2009). Foi mencionado e explicado, ainda, segundo Huijer et al (2009), que nem todas as crianças que vivem com uma doença potencialmente terminal necessitam, de forma contínua, de cuidados paliativos, no curso da sua doença. CPP são: Cuidados globais e ativos prestados ao corpo mente e espírito da criança, envolvendo também o apoio à família. Surgem, quando uma doença potencialmente terminal ou ameaçadora da vida é diagnosticada e mantêm-se independentemente da criança receber ou não tratamento dirigido à doença. (HUIJER et al, 2009). 34 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA Situações que podem beneficiar nos Cuidados Paliativos Pediátricos Dentro da pediatria, as situações que podem beneficiar de Cuidados Paliativos são diferentes dos adultos, pois são múltiplas e abrangentes, onde a duração da prestação de cuidados se torna variável e difícil de prever, ja que o envolvimento é dado com a criança e não com adultos. (HUIJER et al, 2009). As doenças apresentadas nos pacientes infantis são frequentemente hereditárias (podendo afetar vários membros da mesma família) e raras e são limitadoras ou ameaçadoras da vida. “Doença que limita a vida” é definida como uma condição que a morte prematura é usual, embora não necessariamente iminente. “Doença potencialmente fatal ou que ameaça a vida” é aquela onde há grande chance de morte prematura, no entanto, há também possibilidade de sobrevivência em longo prazo, nomeadamente até à idade adulta. (HUIJER et al, 2009). Foram estudados diferentes condições na infância, que foram divididas em quatro grupos, relatam Huijer et al, 2009): 1. Grupo 1 ─ Situações que podem comprometer a vida nas quais o tratamento curativo pode ser possível, ainda assim, podendo falhar (por exemplo: cancro, falência multiorgânica, fígado, do coração ou rins e sepsis). 2. Grupo 2 ─ Situações que exigem longos períodos de tratamento intensivo que visa prolongar a vida, existindo sempre o risco de morte prematura (por exemplo: fibrose quística, anomalias cardiovasculares, HIV/SIDA ou prematuridade extrema). 3. Grupo 3 ─ Situações progressivas, sem opção curativa, nas quais o tratamento é paliativo desde o diagnóstico (por exemplo: distúrbios metabólicos, doenças neuromusculares ou degenerativas, alterações cromossómicas, cancro avançado com metastização). 4. Grupo 4 ─ Situações irreversíveis não progressivas, acompanhadas de incapacidade grave, tornando a pessoa vulnerável ao desenvolvimento de complicações de saúde (por exemplo: malformações congénitas, lesões espinhais, paralisia cerebral, doenças genéticas). Devem também ser considerados candidatos a cuidados paliativos os recém-nascidos muito doentes e em fim de vida. 35 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I Especificidades dos cuidados paliativos nas crianças Foram estudado e classificados por Huijer et al (2009) que a especificidade e a complexidade dos cuidados paliativos pediátricos advêm de vários princípios que são eles: 1. Pequenos números: comparativamente aos adultos, o número de casos pediátricos em cuidados paliativos é muito menor. Este aspecto, juntamente com a ampla distribuição geográfica, pode causar problemas ao nível organizacional, de formação e econômico. 2. Diversidade de patologias: As doenças podem ser múltiplas: neurológicas, metabólicas, cromossómicas, doenças cardiológicas, respiratórias e infecciosas, cancro, complicações relacionadas com a prematuridade, trauma/acidentes. A duração da doença é também imprevisível: muitas patologias são raras ou hereditárias, e algumas das crianças permanecem sem diagnóstico. 3. Disponibilidade limitada de fármacos específicos para crianças: a maioria dos tratamentos e fármacos disponíveis são desenvolvidos, elaborados e licenciados para os adultos. Na maior parte das vezes, os medicamentos são grandes, têm sabor desagradável e raramente estão disponíveis em suspensão líquida (especialmente os analgésicos de libertação prolongada, por exemplo: opioides). Muitos medicamentos não têm informação específica para uso pediátrico ─ indicações, idade, doses e efeitos secundários. Como resultado, na ausência de alternativas adequadas, Muitos fármacos utilizados em CPP são prescritos fora das suas indicações terapêuticas. 4. Fatores de desenvolvimento: as crianças estão em contínuo desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, o que interfere em todos os aspectos da prestação de cuidados, nomeadamente na dosagem da medicação, nas estratégias de comunicação, educação e apoio. 5. O papel da família: os pais são os representantes legais da criança em todas as decisões clínicas, terapêuticas éticas e sociais, sendo igualmente os principais prestadores de cuidados aos seus filhos. 6. Um ramo recente na Medicina: a necessidade de alargar os cuidados paliativos à pediatria, é consequência dos avanços tecnológicos que 36 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA permitiram uma maior sobrevivência de crianças com patologias complexas, que até então teria levado a uma deterioração e/ou morte rápida. Isto levou a que se desenvolvessem limitações culturais, bem como, falta de conhecimentos e competênciaspara a prestação de cuidados específicos a estas crianças. 7. Implicações Emocionais: quando uma criança está perto de morrer, pode ser muito difícil para os familiares e cuidadores aceitar o fracasso do tratamento dirigido para a cura, a irreversibilidade da doença e a morte. 8. Tristeza, sofrimento perda e luto: após a morte da criança, o luto passa a ser difícil prolongado e muitas vezes, complicado. 9. Questões éticas e legais: os representantes legais das crianças são os seus pais ou um tutor legal. Os direitos da criança, os seus desejos e a participação na decisão são frequentemente não respeitadas. Pode haver conflito entre a ética, conduta profissional e a legislação, especialmente quando se trata de uma criança. 10. Impacto social: pode ser difícil para a criança e sua família, a manutenção do seu papel na sociedade, durante o curso da doença (trabalho, escola, questões econômicas). As patologias que podem beneficiar de CPP são múltiplas e amplas, e na maioria das vezes, a duração do tratamento é variável e imprevisível. Os cuidados paliativos NÃO excluem o tratamento curativo. (HUIJER et al, 2009). Veja mais: <http://www.eapcnet.eu/Portals/0/Specific%20groups/Children/Publications/ PC-FACT(Por).pdf> Comunicação com as crianças É dever do enfermeiro e de toda a equipe multidisciplinar ajudar a criança a lutar pelo seu próprio bem-estar. O profissional deve também procurar desenvolver qualidades pessoais que o capacitem a tornar-se bem-sucedido nessa tarefa. Se o enfermeiro não tiver noções do desenvolvimento normal do ser humano, ele será incapaz de aplicar o seu conhecimento técnico de forma produtiva, especialmente em casos de bebês, crianças e adolescentes. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). 37 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I A constante luta por objetivos éticos requer interpretação constante e criatividade à luz das novas necessidades da criança. É mais fácil estabelecer regras de forma negativa, como não matar e não abusar sexualmente dos pacientes, do que normas positivas específicas, já que cada paciente, cada profissional e cada situação são exclusivos e únicos. Por consequência, aparece à necessidade de formação de grupos multidisciplinares, para que os casos possam ser enfocados sob diferentes ângulos, propiciando questionamentos, mudanças e crescimento na equipe. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Observamos, como vários autores, que crianças e adolescentes em fase final da vida apresentam uma percepção bem acurada da proximidade da morte. Várias vezes, para pouparem os pais ou técnicos resposável por ela, que diante das manifestações de dor e de suas queixas as crianças se mostram aflitas e impotentes, silenciam para não sofrer mais ou não fazer sofrer. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A consciência da morte próxima requer um trabalho de luto da própria criança, que ocorrerá de acordo com suas possibilidades evolutivas, seu nível intelectual, a relação com seus objetos primários (pais) e como tenha lidado com perdas anteriores. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Dessa forma, crianças pequenas, devido às suas limitações (como, por exemplo, o fato de não poderem expressar-se com clareza), apesar de perceberem a gravidade de sua situação, deixam transparecer sua angústia e medo e, de forma indireta, demonstram o desejo de “voltar para casa” ou recusam-se a permitir procedimentos anteriormente aceitos. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Torna-se claro, de acordo com o que foi abordado, que o enfermeiro e os demais profissionais que ali se encontrma para dar o apoio e o tratamento adequado, numa conduta ética e sensível, deve estar preparado para responder com clareza e adequação ao nível de desenvolvimento da criança às perguntas por ela formuladas, tendo o cuidado de respeitar o limite de até onde ela pode e quer saber. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É sabido que os pais questionam como e o que devem informar a respeito da doença a seus filhos em estado grave. Creem que a criança não terá condições de suportar o conhecimento de um diagnóstico fatale terminal, ou de um prognóstico reservado. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Faz necessàrio salientar que compartilhar informações com a criança não significa contar que ela tem uma doença terminal, incuràvel e que vai morrer, mas se trata, sim, de encorajar os pais e familiares para que encontrem palavras ou meios de auxiliar seu 38 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA ente amado a questionar sobre sua doença, a forma de tratamento, e a expressar o que eles, na realidade, já sabem, mas não conseguem comunicar. (DUNCAN; JOSELOW; HILDEN, 2006 apud BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Em vàrias situações, os pais não aceitam que o prblema ali instalado seja esclarecido a criança, então, a equipe se depara com um dilema ético, pois os pais são os responsáveis legais pelo filho e a equipe, pelos cuidados com a criança neste momento crítico. A equipe deve, por isso, entender e transmitir à família que o medo de compartilhar a verdade com a criança está baseado em projeções inconscientes de aspectos defensivos dos próprios pais que objetivam negar o sofrimento. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Fica claro que, a partir do momento em que os familiares tomam conhecimento desses mecanismos, cabe a eles a decisão final de conversar ou permitir aos profissionais que comuniquem à criança seu diagnóstico e prognóstico. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Duncan, Joselow, Hilden (2006) apud Bassols, Zavaschi, Palma (2013) apotam que estudos recentes demonstraram que aqueles pais que puderam conversar com seus filhos sobre sua doença, seu prognóstico e sobre a morte não se arrependeram de têlo feito. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Já com os pais e familiares, a equipe multidisciplinar precisa esclarecer a verdade do diagnóstico e prognóstico, por mais delicada e penosa que essa tarefa possa ser. A dificuldade dessa tarefa implica não somente na formulação verbal do diagnóstico e prognóstico letal, do ponto de vista técnico, mas, sobretudo, na carga afetiva de intenso sofrimento e desespero que sobre eles será imediatamente depositada após a revelação. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA,2013). Lewis 1991, apud Bassols, Zavaschi, Palma (2013) recomendam que o medico e ou enfermeiro chame a família de forma privada para propiciar o desenvolvimento de uma relação adequada. Para essa conversa, deverão ser evitadas interrupções, sendo necessária disponibilidade de tempo para: -que seja investigado o que a família sabe sobre a doença; -que seja propiciada a expressão de sentimentos; -que haja esclarecimentos acerca do diagnóstico, do risco e do fato de se tratar de uma doença grave; -que a família seja informada sobre as etapas da evolução e tratamentos, transmitindo-se a ela a certeza de que está sendo feito o possível. 39 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I O profissional de saúde composto pela equipe multidisciplinar que lida com tais situações necessita ser continente das ansiedades dos pais e das crianças. Assim, não só desempenhará seu papel de favorecer o tratamento, no caso de não dispor de mais recursos terapêuticos, como pode oferecer alívio para a dor física e conforto, com sua presença afetuosa, realística, forte, previsível e digna, ajudando a criança e a família a enfrentarem as vicissitudes da doença e da morte. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). O papel da Consultoria Psiquiátrica no atendimento da criança com doença em estágio incurável da doença e ou em fase terminal é fundamental para permitir a ampla discussão e o entendimento dos aspectos psicodinâmicos envolvidos no comportamento da criança, da família e da própria equipe assistencial. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A equipe de médicos, enfermeiros e psicólogos que atendem a criança funcionam como anteparo para todas as ansiedades da criança e da sua família. Dessa maneira, o familiar necessitaestar preparado para receber essa carga emocional. Parte desse preparo reside no conhecimento da doença da criança e dos mecanismos de defesa que costumam ser empregados por crianças doentes, pelos familiares e pelos próprios componentes da equipe. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É comum que a criança ou os familiares utilizem mecanismos de defesa, tais como dissociação, negação e projeção. Isso significa que, quando a dor é insuportável e há conflito na relação dos pais com a criança, por não ser a relação suficientemente boa ou pelo sentimento de culpa, eles costumam mobilizar a negação da gravidade da doença. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Dissociam o conhecimento de que dispõem sobre a enfermidade e projetam sobre a equipe como toda a responsabilidade da possível piora do quadro clínico, atribuindo à equipe, por exemplo, retardo no diagnóstico ou nos procedimentos terapêuticos como causa do mau prognóstico. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Caso a equipe não compreenda a que a família está muito angustiada e que, por isso, se vale de mecanismos de defesa contra a dor psíquica, poderá sentir-se acusada injustamente e passar a tratar familiares e criança com hostilidade, abandonando-os no momento mais difícil. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É impostante que se identifiquem as fantasias distorcidas da família. A equipe de profissionais ali responsàveis devem centrar sua intervenção na informação clara e verdadeira sobre a doença da criança, procurando manter um balanço cuidadoso entre dirigir essa família para a realidade e, ao mesmo tempo, respeitar sua esperança, 40 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA permitindo que use da negação quando o sofrimento for insuportável, sob pena de abandono precoce da criança. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Respostas comuns da equipe a essas vivências estressantes são: depressão, prejuízo do raciocínio clínico, afastamento emocional da criança doente, desumanização do atendimento, além de conflitos entre os membros da equipe. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Por falta de treinamento, capacitação dos profissionais ou por dificuldades pessoais, a equipe pode reagir à doença de forma inadequada, negando sua gravidade, aumentando-a, ou acusando outros profissionais. É importante o adequado acompanhamento da família, tendo-se consciência de que famílias perturbadas com as quais o relacionamento foi inadequado podem aumentar as tensões e conflitos entre os componentes da equipe. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). É de suma importância conter a situação de tensão dos profissionais da área da saúde quando se vive uma experiência social na qual há uma demanda maior de pacientes do que leitos disponíveis. Muitas vezes, os recursos materiais e os custos do atendimento devem ser levados em conta no momento das decisões de investir-se naquelas situações protelatórias de riscos evidentes à vida ou de possibilidades reais de intervenção. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Diante dos fatos, a equipe, muitas vezes, é colocada diante de um dilema ético e moral ao decidir sobre qual paciente atender: coloca-se no único respirador existente um homem de 70 anos com um acidente vascular cerebral devastador, ou uma adolescente de 15 anos com uma leucemia aguda ainda não tratada e acometida por uma insuficiência respiratória? Apontam Bassols, Zavaschi, Palma (2013), frente a esse fator difícil a ser escolhido. A criança com morte encefálica provoca emoções intensas na equipe, exacerbada por sentimentos de desamparo. Os familiares devem ser informados de forma imediata, apos a cofirmação de morte encefálica e que a criança está sendo mantida por meios artificiais e de que, em essência, está morta, não existindo nada mais a ser feito. Devem, dentro do possível, participar com a equipe das decisões de considerar a interrupção do suporte vital, sendo, porém, poupadas de assumir tal decisão. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). Bassols, Zavaschi, Palma (2013), explicam que: No momento da retirada do suporte vital, os pais devem ser consultados sobre se querem ou não estar presente. No caso de doenças agudas e 41 ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA│ UNIDADE I que evoluam para morte encefálica, muitas vezes, torna-se prudente e profilático, em termos de saúde mental, protelar-se a retirada do suporte vital para favorecer o início do processo da aceitação da morte. Vale lembrar que, as crianças com doenças graves de mau prognóstico provocam intensos dilemas éticos e morais nas equipes ali compostas e resposáveis pos aquele paciente. É, em geral, extremamente difícil estabelecer fronteiras entre o que é cuidar de um doente e aliviar seu sofrimento fornecendo-lhe conforto e uma morte digna e usar medidas invasivas e dolorosas decorrentes dos avanços tecnológicos, que só vão prolongar inutilmente a vida e o sofrimento por algum tempo (distanásia). (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A equipe assistencial que enfrenta essas situações de estresse precisa ser atendida ou apoiada pela consultoria psiquiátrica para dissipar o sofrimento inerente a esse processo difícil e doloroso. (BASSOLS; ZAVASCHI; PALMA, 2013). A visão da criança sobre a morte O conceito de morte está presente no desenvolvimento humano desde muito cedo. Logo nos meses iniciais de vida, o bebê tem a experiência da ausência materna, sentindo que ela não está presente o tempo todo. (KOVÁCS, 1992 apud SALVAGNI et al, 2013). Estas primeiras ausências são vivenciadas pela criança como mortes, pois ela se sente solitária e desamparada. São períodos cutos de ausência, sempre seguidos pelo reaparecimento de alguém. (KOVÁCS, 1992 apud SALVAGNI et al, 2013). Mas estas impressões iniciais ficam marcadas e apontam para a representação de “morte como perda, ausência, separação e a consequente vivência de aniquilação e desamparo” (KOVÁCS, 1992 apud SALVAGNI et al, 2013). Diante disso, o ser humano vive situações de perda desde seu nascimento, como a perda útero materno, o desmame, a retirada da chupeta, o nascimento de irmãos (o que pode levar a um sentimento de perda da atenção dos pais), a morte de um animal de estimação, a separação dos pais, dentre outras. Estas vivências possibilitam à criança enfrentar o sofrimento e a frustração causados pela perda. (BORGES; GENARO; MONTEIRO, 2010 apud SALVAGNI et al, 2013). Assim, perante estas situações e diante da possibilidade da morte real de uma pessoa amada, a criança vai tentar entender o que ocorre consigo no ambiente em que se encontra. (BORGES; GENARO; MONTEIRO, 2010 apud SALVAGNI et al, 2013). 42 UNIDADE I │ENTENDENDO OS CUIDADOS PALIATIVOS NA INFÂNCIA O conceito de morte não é sozinho, por isso deve ser abordado de maneira multidimensional a partir do momento que se torna irreversivel, não funcionalidade e universalidade, a fim de que se tenha a percepção acerca da compreensão das crianças nas diferentes fases do desenvolvimento. (BORGES; GENARO; MONTEIRO, 2010 apud SALVAGNI et al, 2013). Assim, é importante a definição das dimensões principais do conceito (TORRES, 1999, apud SALVAGNI et al, 2013). Irreversibilidade, não funcionalidade e universalidade são considerados indicadores fundamentais e indispensaveis do desenvolvimento do conceito de morte. A irreversibilidade refere-se à compreensão de que um ser com vida, quando morre, não pode tornar a viver; está vinculada à ideia da morte como algo final, inalterável e permanente. No caso das crianças que possuem uma concepção que leva em conta a existência de uma vida espiritual, apesar de haver o entendimento da irreversibilidade da morte, considera-se que a pessoa morta permaneceria vivendo espiritualmente (NUNES; CARRARO; JOU; SPERB, 1998; TORRES, 1999, apud SALVAGNI et al, 2013). De acordo com Kovács (1992), apud Salvagni et al, 2013, muitos adultos ainda têm presente em sua fantasia e pensamentos a atribuição da característica de reversibilidade da morte. Em tentativas de suicídio,