Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA Daniela Querino dos Santos A Saúde Bucal da Mulher Atleta: uma revisão literária Florianópolis 2022 Daniela Querino dos Santos A Saúde Bucal da Mulher Atleta: uma revisão literária Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao curso de graduação em Odontologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Cirurgiã-Dentista. Orientador: Prof. Sylvio Monteiro Júnior, Dr. Coorientadora: Sândyla Prata Paixão, Meª. Florianópolis 2022 Daniela Querino dos Santos A Saúde Bucal da Mulher Atleta : uma revisão literária Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de “Cirurgiã-Dentista” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Odontologia. Florianópolis, 25 de Novembro de 2022. ___________________________ Profª. Drª. Gláucia Santos Zimmermann Coordenadora do Curso UFSC Banca examinadora ____________________________ Prof. Dr. Sylvio Monteiro Júnior Orientador UFSC Profª. Drª. Renata Gondo Machado Avaliadora UFSC Profª. Drª. Ana Clara Loch Padilha Avaliadora UniAvan Florianópolis, 2022. Dedico este trabalho a meus pais e a meus avós, que foram a base para que eu pudesse me tornar quem sou hoje e o alicerce para chegar onde cheguei. Eu amo vocês. AGRADECIMENTOS Agradeço a meu orientador, professor Sylvio, por ter aceitado meu convite de orientação lá no início, na quinta fase, e por ter se mantido comigo mesmo com todas as mudanças de tema que aconteceram nesses anos. Em alguns momentos de incerteza durante a pandemia, ele foi uma das pessoas que conversou comigo, me acalmou e me ajudou a enxergar outras saídas, o enxergo como um exemplo de profissional e ser humano, e sou muito grata por tê-lo como professor. À minha coorientadora, Sândyla, meus mais sinceros agradecimentos. Esse trabalho não teria saído sem ela, que desde a pré-clínica de dentística se mostrou extremamente solícita e que foi a primeira a me ajudar no primeiro dia de clínica na sexta fase: quando tudo parecia estar dando errado e eu estava me sentindo incapaz foram seu abraço e suas palavras que me acalmaram e me fizeram acreditar mais em mim mesma. Foi a pessoa que mais me incentivou no andamento deste trabalho, que mais acreditou na minha capacidade e que me auxiliou de maneiras indescritíveis. Serei eternamente grata por estar saindo não apenas com uma mestre maravilhosa mas com uma amiga, pois nossas reuniões nunca foram apenas sobre o trabalho, e fico muito feliz em poder fazer parte, mesmo que um pouco, de sua vida e história. Ela veio para o mestrado na UFSC pois aqui éramos referências em docência, e gostaria de dizer que ela já se tornou uma grande professora, e espero poder continuar aprendendo cada vez mais com ela. Por fim, como Sândyla sempre fala para mim: “estamos juntas”, muito obrigada por todo apoio. Agradeço também aos demais professores da odontologia UFSC, as professoras Renata e Ana Clara por aceitarem participar da minha banca e a todos os servidores e funcionários que tornaram possível estudar nesta instituição: sem eles minha formação não seria a mesma, muito obrigada. Agradeço também a minha família, aos tios e tios-avós que de alguma forma sempre se fizeram presente, torcendo e me incentivando durante minha vida. Um agradecimento mais que especial a meus pais, Fabíola e Jairo, e a meus avós, Waldir, Maria de Fátima, Maria da Graça e Jairo (em memória), pois quem sou hoje é muito reflexo da presença deles em minha vida. Nem todos tem sorte de cair em uma família como a minha, que me amou incondicionalmente todos esses anos, fez tudo que pôde, cada um de sua forma, para que eu fosse feliz e tivesse todo apoio para ir atrás dos meus objetivos. Não há como mensurar meu amor por eles, e palavras não são o bastante para descrever esse sentimento. Minha eterna gratidão, e desejo que saibam o quanto são importantes em minha vida e que para sempre estarão comigo em meu coração, independente do que o futuro nos reservar. A minha madrasta, Andréia, e meu padrasto, Estevão, agradeço por terem me acolhido como um deles desde o início, por fazerem meus pais tão felizes, por sempre me incentivarem e apoiarem, por todas as conversas e conselhos que me deram, não consigo imaginar minha vida sem eles nela. A meus irmãos, Amanda e Patrick, serei sempre grata por existirem, independente de nossas diferenças e de nossas brigas quando crianças, eles são parte de mim e eu faria de tudo para protegê-los e ajudá-los, os amo com todo meu coração. Uma menção especial a minha tia, Graciela, que sempre foi presente mas que nos últimos anos me acolheu em sua casa e fez dela o nosso lar; estreitamos nossos laços e serei eternamente grata a amizade que fortalecemos e a tudo que aprendemos juntas. Amo vocês. A todos amigos e colegas que encontrei nessa jornada também sou grata, com certeza pude aprender muito com cada um de vocês. A meus amigos e parceiros de faculdade, Ana, Laura, Franciane, Luiz Antônio, Sérgio e Gabriel, meu muito obrigada por terem tornado meus dias de odontologia muito melhores, agradeço todas as risadas, histórias criadas, experiências vividas, cafezinhos pós clínica e por sempre estarem dispostos a ajudar um ao outro, espero carregá-los comigo para o resto da vida. Em especial a minha dupla, Maria Eduarda, agradeço por estar ao meu lado desde a terceira fase, me sinto sortuda por ter encontrado alguém que fecha tanto comigo, que está sempre ali para mim e com quem me entendo tão bem; agradeço por toda compreensão todas esses anos sendo minha dupla, por sempre conversar comigo sobre a vida e para resolver nossas diferenças, por ter se feito tão presente durante toda essa caminhada e por me complementar tão bem. As minhas amigas de vida, Amanda, Fernanda, Marcela e Vitória, cada uma delas esteve mais presente em determinados momentos de minha vida, no entanto sei que eternamente poderei contar com cada uma para qualquer coisa. Obrigada por todos esses anos, por sempre me ouvirem, aconselharem e consolarem quando necessário, por viverem e compartilharem comigo todas as vitórias, e também os momentos difíceis, por todas as conversas reflexivas sobre a vida e por acrescentarem tanto em mim como pessoa. Sei que nenhuma distância vai ser o bastante para me separar de qualquer uma delas, que são a família que eu escolhi a dedo, e que vou levar comigo, no coração e na mente, para todo lugar que eu for nessa vida. Mais do que amigas, elas são minhas irmãs de coração, e me dando a liberdade poética de citar Disney nesse momento: ohana significa família, e família significa nunca abandonar ou esquecer. Agradeço também meus amigos da dança, Laura, Laura Luz, Jéssica, Brenda, Leonardo, Guadalupe e demais colegas que foram aparecendo com o passar dos anos, meu amor pela dança não seria o suficiente para melhorar tanto meus dias se eu não tivesse vocês. Muito obrigada por toda parceria e companhia, por todas risadas e toda troca dentro e fora das aulas, me deixa extremamente feliz e completa ter vocês em minha vida. Dançar é quando a alma usa o corpo de instrumento musical. É se entregar ao vento e ao ritmo. É se sentir levada por algo maior que a gente. É uma levada boa, que expressa, que acalma. É desabafar sem dizer nada. É estar entregue e entregar o próprio controle. É ser controlada por outras notas de outra vida. (João Doederlein) RESUMO A conexão entre a saúde bucal e o desempenho esportivo ainda é pouco estudada na literatura brasileira, sendo tal escassez literária intensificada quando associada especificamente à saúde bucal da mulher atleta. Esta revisão literária visa acrescer conteúdo ao ambiente acadêmico nacional em relação a saúde da mulher atleta, com um destaque para a tríade da mulher atleta e suas possíveis repercussões sistêmicas e orais. Fontes dos dados:Pubmed, Scielo e Google Acadêmico. As palavras-chave empregadas para um correto delineamento para o assunto abordado, utilizadas nas línguas portuguesa e inglesa, foram: “saúde bucal”, “atletas”, “mulheres atletas”, “tríade da mulher atleta”, “osteoporose”, “distúrbios alimentares”. Em mulheres atletas, o reconhecimento da tríade da mulher atleta quanto a uma condição patológica ainda é bastante recente. Seus componentes contam com baixa disponibilidade energética (com ou sem associação a distúrbios alimentares), disfunções menstruais (subclínicas ou amenorréia) e diminuição da densidade óssea (osteopenia ou osteoporose). Repercussões intra orais como erosão, hipersensibilidade dentinária, cárie, hipertrofia das glândulas salivares, xerostomia, bruxismo, lesões em tecidos moles, gengivite e recessão gengival podem estar associadas com mulheres atletas, além de maior chance de periodontite, perdas dentárias e fratura por estresse. Sendo assim, é importante realizar mais estudos a fim de compreender e definir a prevalência de certas doenças e condições especificamente no grupo de atletas mulheres, para que o cirurgião dentista possa direcionar melhor a forma de abordar o trabalho com este grupo. Palavras-chave: saúde bucal; Odontologia do Esporte; Síndrome da Tríade da Mulher Atleta ABSTRACT The connection between oral health and sports performance is still little studied in the Brazilian literature, and such literary savings are intensified when specifically associated with the oral health of female athletes. This literary review aims to add content to the national academic environment in relation to the health of female athletes, with emphasis on the female athlete triad and its possible systemic and oral repercussions. The keywords used for a correct design for the subject addressed, used in Portuguese and English, were: “oral health”, “athletes”, “women athletes”, “women athlete triad”, “osteoporosis”, “disorders food”. In female athletes, recognition of the female athlete triad as a pathological condition is still quite recent. Its components include low energy availability (with or without association with eating disorders), menstrual disorders (subclinical or amenorrhea) and decreased bone density (osteopenia or osteoporosis). Intraoral repercussions such as erosion, dentin hypersensitivity, caries, salivary gland hypertrophy, xerostomia, bruxism, soft tissue injuries, gingivitis and gingival recession may be associated with female athletes, in addition to a greater chance of periodontitis, tooth loss and stress fracture. Therefore, it is important to carry out more studies in order to understand and define the prevalence of certain diseases and conditions specifically in the group of female athletes, so that the dental surgeon can better direct the way to approach the work with this group. Keywords: oral health; Sports Dentistry; Female Athlete Triad Syndrome. LISTA DE FIGURAS/QUADROS/TABELAS Figura 1 – Protetores bucais superior e inferior tipo IV ......................................................... 19 Figura 2 – Condições de saúde observadas em atletas .…...................................................... 25 Figura 3 – Pirâmide da TMA …............................................................................................. 31 Figura 4 – Erosão dentária .................................................................................................... 34 Figura 5 – Radiografia panorâmica de paciente com osteoporose …..................................... 39 Figura 6 – Osteonecrose mandibular após extração de molar inferior ……………………... 42 Figura 7 – Tratamentos recomendados para pacientes em uso de bifosfonatos ……………. 43 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CFO - Conselho Federal de Odontologia DTM - Disfunção Temporo-Mandibular FSH - Hormônio Folículo-Estimulante LH - Hormônio Luteinizante SHBG - Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais DE - Disponibilidade Energética TMA - Tríade da Mulher Atleta ACSM - Colégio Americano de Medicina Esportiva GH - Hormônio do Crescimento AHF - Amenorréia Hipotalâmica Funcional GnRH - Hormônio Liberador de Gonadotrofinas DMO - Densidade Mineral Óssea OMS - Organização Mundial de Saúde ISCD - Sociedade Internacional de Densitometria Clínica IGF-1 - Somatomedina C SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………… 14 2 OBJETIVOS ………………………………………………………………………. 16 2.1 OBJETIVO GERAL ……………………………………………………………….. 16 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ……………….……………………………………… 16 3 METODOLOGIA ………....……………………………………………………… 17 4 REVISÃO DE LITERATURA …………………………………………………… 18 4.1 ODONTOLOGIA DO ESPORTE ………………………………………………….. 18 4.2 SAÚDE BUCAL DOS ATLETAS …………………………………………………. 21 4.3 SAÚDE DA MULHER ATLETA ………………………………………………….. 26 4.3.1 A possível influência do contraceptivo oral ……………………………………... 27 4.3.2 Climatério e odontologia ………………………………………………………….. 29 4.3.3 Tríade da mulher atleta …………………………………………………………... 30 4.3.2.1 Baixa disponibilidade energética diária ……………..............................…………….. 32 4.3.2.2 Disfunções menstruais ………………………………………………........................…… 35 4.3.2.3 Diminuição da densidade óssea …………………………………........................……... 37 5 DISCUSSÃO ………………………………………………………………………. 44 6 CONCLUSÕES …..……………………………………………………………….. 52 REFERÊNCIAS …………………………………………………………………... 53 ANEXO 1 - ATA DA DEFESA …………………………………………………… 57 14 1. INTRODUÇÃO Apesar de já ser reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) como especialização odontológica (CFO, 2015), a odontologia do esporte ainda é pouco valorizada socialmente e pouco reconhecida como relevante para o desempenho esportivo dos atletas (PADILHA, NAMBA, 2014; NAMBA, PADILHA, 2016). Corriqueiramente, tende-se a associar a saúde de um atleta principalmente a sua alimentação e bom condicionamento físico, ignorando a saúde bucal e sua importância, visto que esta pode influenciar de diversas maneiras a vida de um esportista (CARVALHO et al., 2020). Inúmeros problemas bucais podem comprometer o rendimento do atleta na prática do esporte (CARVALHO et al., 2020). Aspectos nutricionais, desidratação oral, supressão imunológica induzida pelo exercício, falta de consciência com a própria necessidade de atenção à saúde, comportamentos negativos de saúde e desconhecimento sobre a importância da saúde bucal são desafios potenciais para os atletas (CARVALHO et al., 2020). A dor causada por algumas condições bucais, que pode levar a falta de disposição e noites mal dormidas, pode comprometer muito o rendimento nos esportes. Além disso, em algumas situações as bactérias presentes na boca podem avançar para outras doenças mais graves, dificultar a recuperação de lesões musculares, podendo ocasionar a interrupção das atividades do atleta e uma sucessão de cascata de consequências físicas, psicológicas e financeiras, a depender onde o atleta está inserido (PADILHA, NAMBA, 2014; NAMBA, PADILHA, 2016; CARVALHO et al., 2020). Também existem agravantes quando direcionamos essa atenção para o público atleta feminino, visto que apesar de os estudos acerca do fenômeno da tríade da mulher atleta, condição recentemente reconhecida como patológica, estarem cada vez mais frequentes, ainda há uma falta significativa de dados epidemiológicos relacionando este grupo de indivíduos e sua qualidade de saúde bucal (LEITÃO et al., 2000). Com isso, a odontologia do esporte assume um papel de extrema importância em relação a prováveis medidas que podem ser tomadas para a manutenção e prevenção da saúde bucal dos desportistas, podendo se tornar cada vez mais relevante na melhora e evolução do atleta como um todo (ANDRADE et al., 2017). 15 Como a conexão entre a saúde bucal e o desempenho esportivo ainda é pouco estudada na literatura brasileira, sendo tal escassez literária intensificada quando associada especificamente à saúde bucal da mulher atleta, esta revisão literária visa acrescer conteúdo ao ambiente acadêmiconacional em relação a saúde da mulher atleta, com um destaque para a tríade da mulher atleta e suas possíveis repercussões sistêmicas e orais. 16 2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Identificar as possíveis particularidades na saúde sistêmica e bucal de atletas mulheres. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ● Abordar os possíveis impactos da saúde bucal no desempenho e bem-estar dos atletas; ● Relacionar a saúde sistêmica da mulher à prática de atividades esportivas; ● Apresentar as possíveis influências do contraceptivo oral no rendimento esportivo da mulher atleta; ● Abordar o impacto da fase do climatério na saúde bucal; ● Definir e apontar os impactos da tríade da mulher atleta na sua saúde e desempenho esportivo; ● Detalhar os componentes da tríade da mulher atleta: baixa disponibilidade energética, disfunções menstruais e baixa densidade óssea. 17 3. METODOLOGIA A presente revisão narrativa da literatura evidencia cientificamente as particularidades existentes na saúde sistêmica e bucal de atletas mulheres. A coleta de dados foi realizada nas bases eletrônicas: Pubmed, Scielo e Google Acadêmico. A pesquisa foi limitada a artigos publicados nas línguas inglesa e portuguesa, no período de 1950 e 2022, empregando-se uma combinação de palavras-chave para um correto delineamento para o assunto abordado como: “saúde bucal”, “atletas”, “mulheres atletas”, “tríade da mulher atleta”, “osteoporose”, “distúrbios alimentares”, “oral health”, “athletes”, “female athletes”, “female athlete triad”, “osteoporosis”, “eating disorders”. A busca foi realizada em periódicos nacionais e internacionais com indexação nas bases de dados referidas, de artigos que avaliam as características de saúde referentes a atletas e demais condições que podem afetar especificamente a saúde bucal destes. Artigos em que o tema não teve relação com o objetivo desta revisão foram excluídos. 18 4. REVISÃO DE LITERATURA 4.1 ODONTOLOGIA DO ESPORTE A odontologia do esporte é uma área de atuação do cirurgião dentista, que visa a prevenção, diagnóstico e tratamentos de doenças orais em atletas, firmando um compromisso com a saúde humana (ASHLEY et al., 2015). O CFO, na resolução 160/2015, reconheceu a Odontologia do Esporte como uma especialidade odontológica, a definindo como: [...]a área de atuação do cirurgião-dentista que inclui segmentos teóricos e práticos da Odontologia, com o objetivo de investigar, prevenir, tratar, reabilitar e compreender a influência das doenças da cavidade bucal no desempenho dos atletas profissionais e amadores, com a finalidade de melhorar o rendimento esportivo e prevenir lesões, considerando as particularidades fisiológicas dos atletas, a modalidade que praticam e as regras do esporte. (CFO, resolução 160/2015). No Brasil, a abordagem inicial da odontologia do esporte se deu com a presença do dentista Mário Trigo nos anos de 1958, 1962 e 1966, enquanto ele acompanhava as Copas do Mundo de Futebol. De acordo com Mário, os jogadores que apresentavam focos de infecção dentária tinham como consequência uma recuperação de contusões mais demorada. No entanto, ao eliminar tais focos a recuperação se tornava mais rápida. Sendo assim, em 1958, Mário realizou 118 extrações em 33 jogadores da seleção brasileira de futebol após examiná-los (KNAPIK et al., 2013). O desempenho esportivo e as atividades dos atletas podem ser afetados pela falta de saúde bucal. Cárie dentária, erosão dentária e problemas periodontais são comuns na comunidade esportiva, além de que, muitos traumatismos poderiam ser evitados com um correto dispositivo de proteção. Com isso, o profissional visa contribuir para um melhor quadro da saúde geral do atleta, proporcionando um melhor desempenho em suas atividades (Andrade, et al., 2017). Depois de acidentes domésticos e ocupacionais, lesões devido ao esporte são o segundo tipo mais comum, sendo a maioria das injúrias em tecidos moles, danos ósseos e lesões dentárias. Quedas e colisões com outros jogadores e/ou objetos da categoria esportiva constituem as causas mais comuns de lesões orofaciais no esporte. Devido ao grande número de casos, a frequência, ao impacto causado na vida diária e ao custo do tratamento, o trauma 19 orofacial nos esportes é considerado um grande problema de saúde pública bucal (OLIVEIRA WERLICH et al., 2020). Esportes de contato são aqueles que apresentam interação física intensa entre os jogadores, com o objetivo de impedir que o time adversário vença. Os jogadores correm um alto risco de lesões orofaciais de acordo com o aumento do contato de alto impacto, da competitividade e do número de jogadores, sejam eles profissionais ou amadores (OLIVEIRA WERLICH et al., 2020). Necrose pulpar e reabsorção radicular são possíveis sequelas em consequência a um acidente esportivo envolvendo injúria orofacial, o que torna possível perceber que tais traumas podem causar danos irreparáveis durante ou após o tratamento, ou até mesmo anos depois. Além de problemas estéticos para o atleta, os traumas orofaciais podem interferir com as funções normais do indivíduo. Eles também podem impedir a participação do jogador em jogos e reduzir sua performance (OLIVEIRA WERLICH et al., 2020). Os protetores bucais há muitos anos vêm sendo indicados como uma maneira de prevenir e reduzir a incidência de lesões orofaciais e, possivelmente, concussões. A ASTM International (2000), conhecida como American Society for Testing and Materials, define os protetores bucais como ‘um dispositivo ou aparelho resiliente colocado dentro da boca (ou dentro e fora), para reduzir lesões na boca, particularmente nos dentes e estruturas circundantes’. Geralmente, o protetor bucal separa a dentição superior da inferior e ao menos uma parcela da dentição dos tecidos adjacentes. A geometria e os materiais usados na construção deste dispositivo podem afetar sua capacidade de proteção (KNAPIK et al., 2007). Os protetores bucais normalmente são divididos em categorias: de estoque, tipo I; adaptados na boca, tipo II; personalizados, tipo III, e personalizados multilaminados, tipo IV (Figura 1) (PADILHA, NAMBA, 2014). Figura 1: Protetores bucais superior e inferior tipo IV Fonte: Cortesia da co-autora Sândyla Prata Paixão 20 Existem alguns mecanismos de ação, por parte dos protetores bucais, para evitar lesões orofaciais. A separação dos dentes superiores e inferiores com absorção ou redistribuição do choque durante um impacto pode prevenir fraturas ou deslocamentos de elementos dentários. O dispositivo também afasta os dentes do tecido mole, amortece e distribui a força de um impacto, possibilitando precaver hematomas e lacerações das estruturas de tecido mole próximas. Além disso, o protetor bucal evita uma maior incidência de fraturas mandibulares por meio de uma absorção e redistribuição do choque e/ou estabilização da mandíbula durante o fechamento traumático dela. Por fim, a possível prevenção de concussões devido a golpes sobre a mandíbula se dá pelo posicionamento dela para que haja uma absorção das forças do impacto, que normalmente seriam transmitidas através da base do crânio para o cérebro (KNAPIK et al., 2007; GREEN, 2017). O primeiro esporte a adotar o uso do protetor bucal como algo obrigatório para todos os atletas foi o boxe. Inicialmente os boxeadores utilizavam algodão, esponja ou pequenos pedaços de madeira como protetores bucais. Nos anos 1890, um dentista londrino colocou tiras de guta-percha sobre os incisivos superiores dos boxeadores pouco antes de entrarem no ringue. Em 1919 um boxeador utilizou uma peça bucal feita por um dentista. Em 1930, os primeiros trabalhos sobre protetores bucais apareceram na literatura odontológica. No ano de 1960, a American Dental Association House of Delegates endossou o uso de protetores bucais de látex para o futebol americano e outros esportes de contato (KNAPIK et al., 2013). Durante os Jogos Olímpicos de 2012, sediados em Londres, 30% dos atletas reportaram haver históricode traumas orofaciais e 17,2% traumas recentes, dos quais 32,7% utilizavam protetor bucal. Rosto e lábios se mostraram como as áreas mais afetadas por lesões (NEEDLEMAN et al., 2013). Uma revisão sistemática de Werlich et al. (2020) mostrou que a prevalência de lesões dentofaciais é de aproximadamente 30% e que o esporte com maior índice de traumas dentofaciais é o Rugby, sendo seguido por basquete, handebol, hóquei em campo e futebol. Além disso, foi identificada a existência de um grupo de risco para injúrias decorrentes do esporte, sendo este composto por homens jovens com menos de trinta anos que jogam por pelo menos quatro horas na semana. 21 4.2 SAÚDE BUCAL DOS ATLETAS A saúde bucal é essencial para o bem estar e desempenho esportivo de atletas, tanto profissionais quanto amadores. No entanto, ainda que a prática esportiva seja encarada como um sinônimo para um estilo de vida saudável, a população atleta conta com o recorrente acometimento de doenças odontológicas, que podem ser responsáveis por um alto impacto negativo no desempenho, bem-estar e treinamento destes indivíduos (SOUZA, 2017). Atividades diárias ou profissionais podem sofrer interferência de situações tais como dor e alterações psicológicas e emocionais, estas podendo ser desencadeadas por um desequilíbrio relacionado à saúde bucal. Apesar dos grandes esforços realizados por atletas de alto rendimento para atingir determinados níveis de saúde e rendimento dentro de sua modalidade, nos deparamos com uma população com alta prevalência de doenças odontogênicas. Este grupo de indivíduos conta com potenciais desafios para sua saúde oral: desidratação oral, aspectos nutricionais, falta de consciência com a própria necessidade de atenção à saúde, supressão imunológica induzida pelo exercício, desconhecimento sobre a importância da saúde bucal e comportamentos negativos de saúde (SOUZA, 2017). O risco de transtornos alimentares é intensificado em diversos esportes onde peso/composição corporal e estética são fatores cruciais para o atleta, como por exemplo no boxe, ginástica, hipismo, corridas de longa distância e remo (NEEDLEMAN et al., 2015; QUEIROZ et al., 2021). Atletas de elite são mais suscetíveis a transtornos alimentares que membros comuns da sociedade. Os primeiros sintomas de transtornos alimentares podem se manifestar na cavidade oral, portanto é de extrema importância que o cirurgião-dentista se mantenha atento a sinais e sintomas de erosão dental, por exemplo (NEEDLEMAN et al., 2015). A prática de exercícios físicos conta com fatores anti-inflamatórios, sucedendo respostas pró-inflamatórias como resposta ao trauma tecidual. Apesar desses efeitos anti-inflamatórios serem normais e necessários, em atletas com excesso de treino eles podem resultar em imunossupressão, ou seja, pode ser uma reflexão da tentativa do organismo de conter a inflamação induzida pelo exercício físico demasiado (ROGERO et al., 2005). Ademais, comportamentos e crenças quanto à saúde, conhecimento acerca de saúde oral, acesso a programas de prevenção e prioridades na distribuição do uso do seu tempo são fatores determinantes para a saúde bucal. Pouco se sabe em relação a esses fatores quando o assunto é atletas de elite, no entanto, regularidade em consultas odontológicas não necessariamente determina uma melhor saúde oral, visto que a maior parte das clínicas foca 22 no tratamento e não na promoção de saúde e prevenção de doenças. A saúde oral de um indivíduo atleta é influenciada, ou até mesmo dependente, pela rede de apoio, equipe de suporte e organizações. Ou seja, tanto fatores proximais, que podem ser controlados pelo indivíduo, quanto fatores mais distantes, relacionados ao ambiente de inserção, são desafios que podem dificultar a manutenção de uma boa saúde bucal por parte do atleta (NEEDLEMAN et al., 2015). Alguns estudos mostram a incidência de doenças orais nos atletas e suas percepções a respeito do quanto tais condições podem afetar sistematicamente o corpo. Em uma revisão sistemática realizada por Ashley em 2015, foi observado que os atletas sentiram o impacto da saúde oral na performance. Tal estudo foi realizado a partir de pesquisas nas bases de dados do MEDLINE (1950 a outubro de 2013), EMBASE (1980 a outubro de 2013), EBSCO SPORT Discus (até outubro de 2013) e Open Grey. O objetivo do trabalho foi revisar sistematicamente a evidência para determinar a epidemiologia de traumas e doenças orais em atletas de elite, além de investigar o impacto da saúde oral na performance atlética. E concluiu que a saúde bucal dos atletas é precária, possivelmente estando relacionada com o que estes relataram sobre seus desempenhos. Outra revisão sistemática, desta vez de Needleman et al., também em 2015, apresentou que a incidência de determinadas condições orais não pôde ser claramente diferenciada pelo status social dos indivíduos. Com isso, foi possível observar que a saúde oral deficitária está presente tanto em atletas de países subdesenvolvidos quanto de países desenvolvidos, em atletas de elite ou profissionais, sendo a saúde oral destes similar às populações não atletas. Atletas reportaram um impacto negativo da saúde oral em relação a trauma (33-66%), incômodo pela sua saúde oral ou com impacto em sua qualidade de vida (28-40%) e afetando sua performance (5-18%) (NEEDLEMAN et al., 2015). Em um estudo realizado por Needleman et al. (2013), ao avaliar atletas participantes dos Jogos Olímpicos sediados em Londres, no ano de 2012, cerca de mais de 40% dos atletas reportaram sentir incômodo com sua saúde oral, tendo 28% reportado impacto na qualidade de vida e 18% impacto nos treinos ou performance. Além disso, estudos mostraram que os impactos de doenças orais na performance poderiam variar de dor, aumento de inflamação sistêmica e confiança e socialização prejudicadas (NEEDLEMAN et al., 2015). Sendo assim, Needleman et al. (2015) concluíram que a performance poderia ser diretamente afetada pela condição oral dos atletas, seja pelo aumento dos níveis de dor causados por doenças mas também mais 23 sutilmente pela inflamação sistêmica aumentada e impactos psicossociais que poderiam passar despercebidos pelos próprios atletas. Trauma dental, cárie, doença periodontal, erosão/desgaste, pericoronarite/terceiros molares impactados, fraturas maxilares/mandibulares, fraturas/avulsões dentários, lacerações orais, lacerações faciais e contusões foram condições de saúde observadas nos atletas (ASHLEY et al., 2015; NEEDLEMAN et al., 2015). Cerca de metade dos atletas em alguns esportes relataram experiências de lesão facial ou oral quando questionados (ASHLEY et al., 2015). Como forma de melhorar o desempenho esportivo, é comum que durante as práticas os atletas consumam em excesso géis ricos em carboidratos, isotônicos, hipotônicos, bebidas energéticas e refrigerantes. Tais substâncias contribuem para uma maior incidência de doenças bucais, tais como: cárie, erosão dental e doença periodontal, impactando negativamente na qualidade de vida desses atletas (QUEIROZ et al., 2021; NEEDLEMAN et al., 2015; JENA et al., 2019). O consumo elevado de carboidrato na dieta é um dos fatores causais mais conhecidos para a presença da cárie (NEEDLEMAN et al., 2015), além disso o açúcar presente nos géis e bebidas consumidos em abundância por atletas pode impactar significativamente na incidência da doença (JENA et al., 2019). Os efeitos pró-inflamatórios do alto consumo de carboidrato também podem aumentar o risco de doença periodontal (NEEDLEMAN et al., 2015). A cárie dentária é ocasionada pela desmineralização dos tecidos dentários causada por ácidos resultantes do metabolismo bacteriano, sendo uma das doenças bucais de maior significância e um tema importante de discussão da saúde pública (SOUZA, 2017). A prevalência varia bastante ao analisar-se a população de atletas (SOUZA, 2017), podendo ser difícil estabelecer respostas comparando atletas de elite com a populaçãonão atleta (ASHLEY et al., 2015). A prevalência da cárie pode estar relacionada aos hábitos comportamentais envolvidos com o estilo de vida e com a prática esportiva (SOUZA, 2017). O consumo de alimentos e bebidas acídicas se dá como fator causal para erosão dental (NEEDLEMAN et al., 2015; JENA et al., 2019). Erosão dentária é uma alteração causada por um processo químico, não bacteriano, que leva a uma perda irreversível da estrutura dentária. Devido a alta incidência de fatores de risco aos quais os atletas são expostos, estes estão mais sujeitos a sofrerem com esta condição (QUEIROZ et al., 2021). Equilibrar o consumo de 24 bebidas ácidas ao associar bebidas alcalinas pode manter os dentes mais saudáveis devido a uma neutralização sobre os efeitos ácidos possíveis (JENA et al., 2019). Os impactos dos carboidratos na aparição de processos cariosos e bebidas acídicas na erosão pode ser intensificado devido a desidratação e redução do fluxo salivar causada pela atividade esportiva (NEEDLEMAN et al., 2015; ASHLEY et al., 2015; JENA et al., 2019), visto que a saliva possui propriedades de proteção (NEEDLEMAN et al., 2015). Tais propriedades incluem características antimicrobianas de sua composição, também importantes na proteção contra doença periodontal, e sua capacidade de remineralização (NEEDLEMAN et al., 2015). Ademais, a proteção imunoinflamatória contra cáries e doença periodontal também pode ficar comprometida devido a supressão imunológica induzida pelo exercício (NEEDLEMAN et al., 2015; ASHLEY et al., 2015). Doenças infecciosas que abrangem os tecidos de sustentação dentários são consideradas doenças periodontais (SOUZA, 2017). A associação de comunidades microbianas disbióticas a respostas imunes irregulares nos tecidos periodontal e gengival é o motivo para que os tecidos moles e duros do complexo periodontal sejam destruídos progressivamente quando instalado o quadro de doença periodontal (SEDGHI et al., 2021). A evolução da doença pode afetar de forma intensa e negativa a qualidade de vida do indivíduo, visto que esta pode ter como consequência a perda dentária (SOUZA, 2017). Além disso, a doença periodontal também pode prejudicar a hipertrofia muscular, comprometendo o desempenho dos atletas e dificultando o reparo de lesões, pois o sistema de defesa do organismo se encontra dividido entre a lesão bucal e a física. A justificativa se dá pelo processo inflamatório comprometer a homeostase do corpo dificultando a recuperação, prejudicando a capacidade de regeneração do músculo e uma queda significativa no rendimento do atleta (TEIXEIRA, DE PAULA KLIMECK, REZENDE, 2019). Um estudo laboratorial de Souza em 2013 analisou, em ratos, a alteração do perfil inflamatório causada pela relação entre a doença periodontal e o exercício físico intenso. A doença periodontal influenciou o processo metabólico que envolve a hipertrofia muscular, pois houve diferenças em relação ao perímetro e o tipo de fibra muscular. Ademais, a doença influenciou negativamente no reparo dos músculos lesionados, apresentando pior efeito nos ratos com doença periodontal e que praticaram exercícios, apresentando maior quantidade de células inflamatórias. Durante o exercício físico os animais treinados apresentaram aumento da dosagem de lactato, sendo mais expressivos para os que tinham condições periodontais, 25 indicando a doença periodontal como fator negativo de modificação da adaptação do treino em esteira. Quando há a instalação de um processo inflamatório, infeccioso ou não, envolvendo o tecido mole que recobre a coroa de um dente, temos o que chamamos de pericoronarite, sendo esta mais comum em terceiros molares inferiores em processo de erupção ou semi incluso (PINTO et al., 2005). Durante os microdespertares noturnos, que são períodos de despertares curtos com duração de 3 a 15 segundos, pode ocorrer o bruxismo, que é uma atividade oral caracterizada pelo ranger ou apertar os dentes durante o sono (MACEDO, 2008). Outrossim, alguns gestos atléticos podem levar a um frequente apertamento mandibular, contribuindo para o aparecimento de Distúrbios Temporomandibulares (DTM) (QUEIROZ et al., 2021). Figura 2: Condições de saúde observadas em atletas. Fonte: Autoria própria 26 4.3 SAÚDE DA MULHER ATLETA Proveniente desde a Grécia antiga, o preconceito com a presença da mulher no esporte é histórico, passando por momentos onde as mesmas não podiam sequer assistir aos jogos olímpicos. Com o tempo, foi-se criando espaço para a sua inserção nas modalidades desportivas, tendo um grande passo sido dado em 1972, quando foi admitido que participassem de competições oficiais de maratonas e outros eventos de longa duração (LEITÃO et al., 2000). O passar dos anos trouxe consigo estudos que mostraram a importância do exercício físico na vida da mulher, tendo sido um deles um estudo de Blair e colaboradores, em 1996, conhecido como Coorte das enfermeiras. Este e estudos posteriores acompanharam milhares de mulheres por um longo período de tempo, apresentando resultados como: o fator de maior peso na mortalidade geral das mulheres foi a baixa aptidão física; e que a adoção de um estilo saudável de vida, que consistia em ser a associação de exercício físico regular, a dieta adequada e a restrição ao tabaco, é inversamente proporcional a maior incidência de eventos coronarianos (LEITÃO et al., 2000). A doença coronariana arterial na mulher se apresenta como um fator de mortalidade mais tardiamente quando comparado aos homens, cerca de dez anos após. Uma explicação parcial para tal fato se dá pelo papel protetor que o estrogênio possui, valendo lembrar que ele está presente no organismo feminino até a época da menopausa (LEITÃO et al., 2000). Os efeitos fisiológicos do exercício na mulher também são ligeiramente diferentes quando comparados aos efeitos sobre o homem. Isso acontece, pois, a composição física entre ambos os sexos se dá de maneira divergente: mulheres possuem um maior percentual de gordura corporal, enquanto os homens possuem maior massa muscular em termos absolutos e relativos. Essas diferenças conferem ao homem uma maior potência e endurance musculares, tal endurance significa a capacidade de um grupo muscular de realizar contrações repetidas contra uma carga ou para sustentar uma contração isométrica por um longo período de tempo (LEITÃO et al., 2000). Outros fatores que influenciam na resposta fisiológica da mulher ao exercício são o menor consumo de oxigênio pelas mesmas, que é consequência da menor massa e volume ventriculares que elas possuem, e a uma capacidade de transporte de oxigênio reduzida, devido ao nível médio de hemoglobina inferior decorrente das menstruações. No entanto, tais questões citadas acima não impedem que as mulheres possuam uma adaptação ao treinamento semelhante à dos homens (LEITÃO et al., 2000). 27 Além das disparidades entre os sexos masculino e feminino, ainda há também uma dissimetria entre mulheres adultas e meninas pré-púberes. Estas mais jovens possuem um consumo aumentado de oxigênio durante a caminhada ou corrida de intensidade submáxima, conferindo uma menor eficiência mecânica. Tal fato acarreta em uma menor reserva metabólica e fadiga mais precoce. Sendo assim, a potência aeróbica e a endurance muscular são muito menores em meninas em comparação com as mulheres, gerando um menor desempenho daquelas em saltos, corridas de velocidade e arremessos. Ainda, meninas apresentam uma menor adaptação ao treinamento que mulheres adultas (LEITÃO et al., 2000). O exercício físico regular, quando realizado de maneira correta, associado a ingestão alimentar adequada, não interfere na função hormonal. Na verdade, pode auxiliar a partir da adolescência na prevenção da osteoporose pós menopáusica (LEITÃO et al., 2000). No entanto, alguns estudos mostraram que as diferentes fases do ciclo menstrual podem influenciar no desempenho físico de mulheres que realizam treinamento resistido, ocorrendonormalmente na fase lútea um maior incremento de força quando comparado às demais fases (LOUREIRO, 2011; PEDREGAL, MEDEIROS, SILVA, 2017; OLIVEIRA, 2018). O período de diminuição fisiológica da função ovariana é conhecido como climatério, é um momento de carência hormonal, principalmente do estrogênio, e transição da fase reprodutiva para a fase não reprodutiva (LEITÃO et al., 2000; SPEZZIA, JÚNIOR, 2013). Essa passagem ocorre gradualmente e conta com mudanças relacionadas ao envelhecimento tanto quanto endócrinas (SPEZZIA, JÚNIOR, 2013). A menopausa se dá neste período, sendo a última menstruação da mulher. Há, ainda, uma relação inversa entre o exercício praticado regularmente e as principais causas de morte na mulher pós-menopáusica. Doenças como hipertensão arterial, cardiopatia isquêmica, diabetes, osteoporose, entre outras, são prevenidas primária e secundariamente devido aos efeitos benéficos do exercício físico. Tais atividades também possuem efeitos benéficos sobre os fogachos e a depressão psíquica no climatério. O exercício físico preserva ainda a massa óssea, seja por ação direta do impacto sobre o esqueleto ou por ação indireta, pelo aumento da força muscular (LEITÃO et al., 2000). 4.3.1 A possível influência do contraceptivo oral Um artigo de 2009, de Edwards e O’Neal, publicado pela Elsevier na edição “Hormones and behavior”, estudou o fenômeno de depressão dos níveis salivares de 28 testosterona em mulheres usuárias de contraceptivos orais, e sua ausência de influência no aumento destes níveis associado a competição atlética. A habilidade de medir a testosterona de maneira não invasiva pela saliva possibilitou a coleta de amostras individuais repetidas, permitindo a realização de um maior número de estudos associando tal substância a diversos fatores, como por exemplo: humor, escolha de roupa, habilidades cognitivas, atração a traços masculinos, status de relacionamento, personalidade/dominância, resposta competitiva a derrota, competição atlética e relacionamento com colegas de equipe. Estudos recentes vêm objetivando compreender como a testosterona media o processamento psicológico e o comportamento em homens e mulheres (EDWARDS, O'NEAL, 2009). Os contraceptivos orais mais modernos, nos EUA, usam uma combinação de um estrogênio sintético e uma progestina, que é um composto sintético do progestogênio com um efeito similar à progesterona. Tal arranjo bloqueia a secreção de gonadotrofinas, sendo estas o Hormônio Folículo-Estimulante (FSH) e o Hormônio Luteinizante (LH), responsáveis pelo desenvolvimento folicular e ovulação (EDWARDS, O'NEAL, 2009). No artigo de Edward e O’Neal (2009), o propósito foi alcançar um entendimento a respeito de como o aumento nos níveis da testosterona salivar, em mulheres em competição atlética em equipe, pode ser influenciado pelo anticoncepcional. Sendo assim, participaram do estudo apenas mulheres atletas ativas em competições e em idade reprodutiva. Foram recolhidas amostras de saliva no pré-aquecimento e após o jogo, e então esses valores foram usados para determinar o efeito do uso do anticoncepcional na resposta hormonal a competição intercolegial. 29 (vinte e nove) das 80 (oitenta) participantes faziam uso de contraceptivos orais, nenhuma reportando a adesão a métodos contraceptivos hormonais injetáveis ou implantados; tais participantes apresentaram níveis inferiores de testosterona na saliva. Como resposta a análise feita, a interação entre o uso do anticoncepcional e a testosterona não foi significativo devido ao fato de que em ambas usuárias e não usuárias de contraceptivo oral, o aumento da testosterona salivar pré e pós competição foi aproximadamente na mesma proporção. Os resultados deste aumento consistem em 50,5% em mulheres não usuárias de anticoncepcional, e 70,1% em mulheres usuárias de contraceptivo oral; estes valores não foram considerados significativamente divergentes. Este efeito a princípio resulta do declínio da secreção ovariana de testosterona devido a inibição da secreção hipofisária de FSH e LH, causada pelo contraceptivo oral. Anticoncepcionais normalmente elevam a concentração de Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais (SHBG), cuja ação de ligação efetivamente diminuiria a testosterona livre no 29 organismo. A SHBG é uma proteína produzida no fígado que se une ao estrogênio e a testosterona, os removendo da circulação direta no corpo, deixando-os inativos. Gerando, assim, um controle da quantidade de hormônios sexuais disponíveis, ou seja, é o que causa um equilíbrio destes hormônios. Como resultado do declínio da disponibilidade de testosterona livre no corpo, a mulher cisgênero usuária de contraceptivo oral pode sentir alguns efeitos colaterais como perda muscular, diminuição da libido, alterações no humor e dificuldade em atingir o orgasmo (EDWARDS, O'NEAL, 2009). Outro efeito observado foi que são as competições mais relevantes e importantes que tendem a afetar os níveis salivares de testosterona, enquanto partidas com menor importância como amistosos, que não possuem impacto nos resultados competitivos, dificilmente irão aumentar esses valores após os jogos. O estudo foi finalizado concluindo que ainda não se sabe o motivo para que tal aumento da testosterona aconteça, no entanto foi possível eliminar a possibilidade de a justificativa ser um aumento na secreção de gonadotrofinas, visto que tal fenômeno é prevenido pelo contraceptivo oral (EDWARDS, O'NEAL, 2009). 4.3.2 Climatério e odontologia As oscilações hormonais presente nas várias fases da vida da mulher podem influenciar também nos tecidos periodontais, reforçando a importância de um atendimento integrado médico-odontológico. Tais oscilações ocorrem na puberdade, nos ciclos menstruais, na gestação, ao fazer uso de contraceptivos orais e na menopausa, constituindo eventos importantes para a saúde bucal (SPEZZIA, JÚNIOR, 2013). A ação hormonal não favorece apenas o desenvolvimento de bactérias específicas para o início da doença periodontal, mas também modifica o metabolismo tecidual em relação à resposta inflamatória e imunológica. A queda da produção dos hormônios ovarianos é um importante fator epidemiológico, envolto no surgimento de cáries, advindo do fato de que a queda do estrógeno leva a perda de inserção dentária e/ou retração gengival, provocando exposição da porção radicular do dente, propiciando condições que irão favorecer o desenvolvimento da cárie a nível radicular (SPEZZIA, JÚNIOR, 2013). A redução do estrogênio também pode ser responsável pelo aparecimento de osteoporose e doenças periodontais. O hipoestrogenismo irá favorecer o aparecimento de retrações gengivais, facilitando a perda de inserção dentária, além de diminuir o conteúdo mineral da maxila e da mandíbula, acarretando osteopenia e osteoporose. A regressão nos níveis de estrógeno após a menopausa favorece a reabsorção do cálcio da crista óssea 30 alveolar, permitindo a perda de inserção dentária, provocando repercussões sérias para a saúde oral e geral (SPEZZIA, JÚNIOR, 2013). 4.3.3 Tríade da mulher atleta Oficialmente, o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) indica que toda mulher realize exercícios físicos e participe de esportes, visto que os benefícios da atividade física são muito maiores que os riscos (STAND et al., 2007). No entanto, em 1992 a ACSM reconheceu pela primeira vez a Tríade da Mulher Atleta (TMA), um complexo patológico observado principalmente em adolescentes e jovens adultas atletas de esportes que priorizam um físico mais enxuto (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). Inicialmente, os três pilares da TMA eram: transtornos alimentares, amenorréia e osteoporose (STAND et al., 2007). Atualmente, após mais estudos na área, a composição da tríade se dá por disfunções menstruais, baixa disponibilidade energética (associada ou não a distúrbios alimentares) e baixa densidade óssea (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012; MEHTAet al., 2018; DE LIMA et al., 2020). Contudo, não há necessidade de uma mulher apresentar as três condições em conjunto para se encaixar neste quadro patológico e sofrer as consequências negativas da TMA (NAZEM, ACKERMAN, 2012; MEHTA et al., 2018; DE LIMA et al., 2020). Ainda não há uma ampla gama de dados epidemiológicos relacionados a TMA disponíveis, visto que o reconhecimento da tríade quanto a uma condição patológica ainda é bastante recente. No entanto, é extremamente importante reconhecer quais são as populações mais afetadas pela TMA, para que seja possível uma abordagem dos riscos de alterações hormonais na mulher atleta, também possibilitando uma melhor orientação a atleta e sua equipe de suporte, sendo uma das melhores estratégias para lidar com o problema (DE LIMA et al., 2020). De acordo com De Lima et al. (2020), todas as meninas e mulheres fisicamente ativas correm risco de desenvolver um ou mais componentes da tríade. Temos destaque para meninas no período da adolescência, visto que é uma fase onde há uma maior internalização dos padrões e pressão sociais de beleza vigente e uma maior preocupação com a composição corporal, e também atletas de esportes de endurance (corrida de de longa distância e ciclismo), os que exigem o uso de roupas mais justas ao corpo durante a competição (vôlei e 31 natação) e aqueles que enfatizam uma aparência física pré-púbere para melhor desempenho (patinação artística, ginástica e saltos ornamentais). Contudo, é importante frisar que a busca ou tentativa de se manter em um peso corporal muito baixo, ainda que objetivando a melhora da performance, faz, na verdade, que a longo prazo o desempenho tenha uma tendência a cair, mostrando a ineficácia desta abordagem, além de trazer inúmeras consequências negativas para a saúde da atleta (DE LIMA et al., 2020). Algumas manifestações clínicas podem ser observadas na relação entre disponibilidade energética, função menstrual e densidade óssea, tais quais distúrbios alimentares, amenorréia hipotalâmica e osteoporose (STAND et al., 2007) além de condições subclínicas como ciclos anovulatórios, alteração na fase lútea, osteopenia, maior risco de fratura por estresse, entre outras (DE LIMA et al., 2020). Figura 3: Pirâmide da TMA. Fonte: adaptado de MEHTA et al., 2018 O triângulo na figura 3 mostra, em cada ponta, os componentes da TMA. As setas indicam que a função menstrual é influenciada pela disponibilidade energética, e que a densidade mineral óssea é influenciada tanto pela função menstrual quanto pela disponibilidade energética (DE LIMA et al., 2020). Dentro de cada componente da tríade há um espectro existente de disfunções, partindo de uma condição saudável até os pontos finais onde indicam sérios problemas de saúde, como baixa disponibilidade energética, amenorréia hipotalâmica funcional e osteoporose. Estudos comparando a prevalência dos componentes da tríade em atletas mulheres e população geral mostram que: a prevalência dos 3 componentes em conjunto não difere muito entre os dois grupos, sendo 4,3% em atletas e 3,4% em não atletas, no entanto, a 32 prevalência de 2 componentes da TMA variou de 5,4% a 26,6% em atletas (NAZEM, ACKERMAN, 2012). 4.3.3.1 Baixa disponibilidade energética diária Disponibilidade Energética (DE) é definida como a quantidade energética, proveniente da dieta, restante no corpo para as funções fisiológicas normais após o gasto com exercícios físicos (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). Este valor energético será utilizado para diversas funções no organismo, como manutenção das funções corporais, reparação celular e tecidual e até mesmo para processos fisiológicos como a menstruação (DE LIMA et al., 2020). A baixa DE é uma consequência de um gasto energético maior do que o valor energético ingerido (DE LIMA et al., 2020), que pode ser obtido tanto pela prática de exercício físico em excesso ou pelo consumo insuficiente de nutrientes (STAND et al., 2007; DE LIMA et al., 2020) e resulta em escassez de energia para prover a demanda metabólica diária (DE LIMA et al., 2020). A DE insuficiente pode estar associada a distúrbios alimentares, porém também pode ocorrer na ausência de diagnóstico psiquiátrico de condições como anorexia e bulimia nervosas (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Alguns atletas têm comportamentos alimentares anormais como jejum prolongado, compulsão alimentar e indução ao vômito, ou usam pílulas dietéticas, laxantes, diuréticos e enema como estratégias para manter a composição corporal (STAND et al., 2007). Alimentação desordenada pode causar baixa DE por descontrole e ansiedade relacionadas a alimentos específicos, flutuações crônicas de peso e dietas frequentes (DE LIMA et al., 2020). Contudo, também é possível a DE insuficiente se estabeleça apenas pela ingestão inadvertida de poucas calorias, seja por restrição de tempo ou falta de conhecimento nutricional (NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020) ou por tentativas de perda de peso sem a presença de transtorno alimentar (DE LIMA et al., 2020). Alguns estudos descobriram que o gasto energético em regimes intensos de exercícios pode causar a perda de apetite por parte do atleta, impedindo a ingestão necessária de alimentos (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Analisar a relação da paciente com a comida e realizar uma anamnese detalhada sobre os hábitos alimentares são fundamentais para poder identificar a causa para a baixa ingestão calórica, e se esta está associada ou não a transtornos alimentares. Algumas alterações no 33 exame físico que podem ser fortes indicativos de distúrbios alimentares, que podem ter associação a baixa DE, são erosões em esmalte dentário, úlceras ou escoriações dorsais da superfície das mãos e a presença de calos nos dedos pelo uso deste para indução de vômito (DE LIMA et al., 2020). Distúrbio alimentar é uma condição clínica psicológica caracterizada por hábitos alimentares irregulares, medo irracional de ganhar peso e crenças falsas acerca da alimentação, peso e forma (STAND et al., 2007). A pressão para manter um baixo peso corporal, associada a uma pobre condução a respeito de nutrição e perda de peso pela comunidade atleta, fazem com que atletas mulheres se encontrem no grupo de risco para o desenvolvimento de distúrbios alimentares (NAZEM, ACKERMAN, 2012). A anorexia nervosa é caracterizada pela restrição alimentar na qual o indivíduo possui dismorfia corporal, se enxergando acima do peso, ou com medo de engordar, mesmo que esteja ao menos 15% abaixo do peso ideal para sua idade e altura. Amenorréia é um critério para o diagnóstico da anorexia nervosa (STAND et al., 2007). Alguns pesquisadores utilizam o termo anorexia atlética quando este quadro está estabelecido em atletas do sexo feminino. Mulheres com anorexia atlética reduzem sua taxa energética obtida pela alimentação e se exercitam em demasia. Além disso, podem apresentar características de anorexia e bulimia nervosas sem atender aos critérios específicos para os diagnósticos (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Os indivíduos afetados por bulimia nervosa mantêm um ciclo vicioso de compulsão alimentar para então haver indução ao vômito ou comportamentos compensatórios, como jejum e exercício excessivo. É possível que a pessoa se encaixe nos sintomas de anorexia nervosa porém possua um ciclo menstrual regular, ou que se encaixe nos critérios de bulimia nervosa porém tenha compulsão e vomite menos de duas vezes na semana. Quando não se atinge todos os critérios para um diagnóstico específico de anorexia ou bulimia nervosas, é classificado que o indivíduo possui um transtorno alimentar não especificado (STAND et al., 2007). Além disso, o tipo de distúrbio alimentar também pode influenciar nas repercussões patológicas sistêmicas e orais. Kisely et al. (2015) observaram que pacientes com distúrbios alimentares possuem cinco vezes mais chances de ter erosão dental, no entanto, aqueles com hábitos de regurgitação se encontramcom risco ainda mais elevado de desenvolver tais lesões. Isso se dá devido ao pH ácido do conteúdo estomacal, bem como a menor capacidade tampão da saliva de indivíduos bulímicos (RODRIGUES, 2015). O avanço do processo 34 erosivo é o que leva também a hipersensibilidade dentinária desses casos, sendo uma manifestação da bulimia em 47% dos pacientes, de acordo com Rodrigues (2015). Esta sensibilidade se dá devido ao desgaste intenso sofrido pelo esmalte, levando a uma exposição da camada de dentina dentária (Figura 4) (RODRIGUES, 2015). Figura 4: Erosão dentária Fonte: Cortesia da co-autora Sândyla Prata Paixão Entre atletas mulheres existem inúmeras formas de dieta comumente observadas. Uma dieta saudável seria uma leve redução na quantidade calórica ingerida, entrando em déficit calórico, enquanto dietas agressivas ou disfuncionais incluem comportamentos restritivos extremos (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Abordar a baixa DE envolve muito além do paciente, é importante que também seja esclarecido para os treinadores, patrocinadores e responsáveis (em caso de menores de idade) os perigos para a saúde do(a) atleta em relação a hábitos alimentares desordenados ou distúrbios alimentares (DE LIMA et al., 2020), visto que muitos reportam que a rede de apoio é maior fonte de pressão física e psicológica para que se alcance uma composição corporal considerada ideal e uma performance cada vez melhor, independente dos métodos aplicados para alcançar tais objetivos (NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). Sendo assim, a abordagem para estes casos é multidisciplinar, havendo a necessidade de médicos e nutricionistas, e muitas vezes psicólogos, para que o tratamento completo destes indivíduos possa ser realizado (DE LIMA et al., 2020). 35 4.3.3.2 Disfunções mentruais A origem das disfunções menstruais é multifatorial, tendo como principais influenciadores a predisposição genética, estresse psicológico e físico, distúrbios alimentares e percentual de gordura muito baixo. Estas disfunções podem ser oligomenorreia, irregularidade menstrual, amenorreia (DE LIMA et al., 2020) ou então anovulação e deficiência da fase lútea (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Quando os ciclos menstruais ocorrem em intervalos maiores que 45 dias classificamos como oligomenorreia (RODRIGUES, CASTEDO, 2011), porém a anovulação e deficiência luteal não tem sintomas perceptíveis, visto que ciclos menstruais mais longos de 90 dias são raros (STAND et al., 2007). A disfunção mais comum e estudada em mulheres atletas é a amenorréia, que consiste na ausência de menstruação por três meses ou mais (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). A amenorréia pode ser causada por diversas doenças e anormalidades genéticas, bem como deficiência energética e estresse. A Amenorréia Hipotalâmica Funcional (AHF) é a ausência de menstruação resultante de mudanças na disponibilidade energética corporal, é comumente associada a prática de exercícios de forma excessiva e estresse, sendo a mais relevante para mulheres atletas (NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). Esse excesso de prática de exercícios físicos, acompanha de privações alimentares, leva a um aumento anormal e constante de hormônios, suprimindo o Eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovários e levando a um estado de hipoestrogenismo com repercussões graves e por vezes irreversíveis, causando assim a AHF (DE LIMA et al., 2020). Tais repercussões podem contar como eventos cardiovasculares consequentes de disfunção endotelial e progressiva aterosclerose (uma vez que o efeito protetor pelo estrogênio nos vasos sanguíneos não estará sendo exercido) e danos ósseos (DE LIMA et al., 2020). A AHF é causada por uma alteração na secreção do Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH), que por sua vez causa uma supressão da secreção de LH pela hipófise e liberação de esteróides gonadais dos ovários, refletindo em um estado de deficiência de estrogênio que pode ser uma das causas de densidade óssea diminuída (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Na atleta amenorreica também temos uma queda de leptina, uma citocina secretada pelo tecido adiposo e fortemente associada à gordura. Esta alteração provavelmente acontece devido às mudanças na composição corporal da atleta amenorreica, principalmente devido a 36 redução de massa adiposa/gordura. Visto que a leptina possui um efeito positivo na secreção de GnRH e regula a secreção de gonadotropinas, sua deficiência contribui para a ausência de menstruação. Em atletas com AHF, a secreção do LH é interrompida enquanto a resposta da hipófise ao GnRH é aumentada (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Esta anormalidade pode ser sub-categorizada em primária e secundária. A amenorréia primária acontece quando há atraso ou ausência de menarca em dois anos desde o surgimento de caracteres sexuais secundários femininos ou até os 15 anos de idade (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020), e está relacionada com atletas que deram início às práticas desportivas pré-puberdade (DE LIMA et al., 2020). A deficiência energética pré-puberdade suprime o crescimento e atrasa o desenvolvimento sexual (STAND et al., 2007). Um estudo observacional que tentou relacionar idade de menarca e treinamento atlético mostrou que a menarca aconteceu mais tarde em bailarinas com a mesma idade e peso que meninas não bailarinas, concluindo que o esgotamento energético combinado com baixo percentual de gordura pode prolongar a fase pré-púbere e induzir a amenorréia (WARREN, 1980). A amenorréia secundária se dá em mulheres que já passaram pela menarca porém param de menstruar (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012), ou seja, é a ausência de menstruação durante três ciclos consecutivos, no caso de mulheres eumenorréicas, ou seis ciclos consecutivos, em mulheres com histórico de ciclos irregulares (DE LIMA et al., 2020). Em mulheres que participam de esportes que enfatizam a estética ou a magreza, como balé ou corrida, a prevalência de amenorreia secundária pode chegar a 69%, em comparação com 2% a 5% na população geral (NAZEM, ACKERMAN, 2012). A amenorréia na TMA não é classificada como diagnóstico principal, e sim diferencial, portanto, se mostra necessário a realização de exames complementares para que outras possíveis causas dela possam ser investigadas, assim como compreender o perfil metabólico da paciente para a definição do diagnóstico. Quando executada adequadamente, atividades físicas são essenciais para um bom funcionamento do organismo, sendo um importante estímulo para a liberação do hormônio do crescimento (GH), sendo que este leva ao aumento da densidade óssea, da massa magra corporal e a redução da gordura visceral (DE LIMA et al., 2020). O quadro de amenorréia na TMA requer uma abordagem multifatorial, como redução do programa de treinamento, restabelecimento de um aporte calórico diário adequado 37 considerando o gasto diário da atleta e, em alguns casos, terapia de reposição hormonal. A terapia hormonal entra, normalmente, como uma segunda opção de estratégia, sendo escolhida principalmente quando a atleta se encontra em fase de competição onde não é possível, ou bem aceito, a diminuição dos treinos e o aumento do peso corporal (DE LIMA et al., 2020). 4.3.3.3 Baixa densidade óssea A puberdade é o período onde há o maior desenvolvimento da massa óssea, com os maiores acréscimos acontecendo entre os 11 e 14 anos em garotas. Durante os 2 anos próximos a menarca ocorre cerca de 25% do acúmulo de massa óssea, sendo assim, a menarca é um sinal de crescimento da massa óssea. Usualmente, até os 18 anos de idade jovens mulheres saudáveis já alcançaram 92% do seu conteúdo mineral ósseo corporal, chegando em aproximadamente 99% aos 26 anos. Naturalmente, a perda óssea ocorre com o envelhecimento e a menopausa (NAZEM, ACKERMAN, 2012). O processo constante de formação óssea, desenvolvimento da matriz por osteoblastos e reabsorção óssea por osteoclastos, é chamado de remodelação óssea.Ao interromper esse processo, o osso se torna mais frágil e suscetível a dano. Atletas saudáveis tendem a possuir uma maior Densidade Mineral Óssea (DMO) do que indivíduos não atletas que se exercitam, especialmente exercícios de levantamento de peso são bastante benéficos no acúmulo de massa e na arquitetura ósseas. Em mulheres, atividades físicas de alto impacto aumentam a densidade óssea. Em crianças pré-púberes, exercícios podem causar um aumento de 4% a 5% no acúmulo de massa óssea. No entanto, há uma discrepância em relação a DMO em atletas amenorréicas e eumenorréicas, sendo esta reduzida nas primeiras quando comparada às segundas. A DMO da espinha lombar tende a ser cerca de 10% a 20% menor em atletas amenorréicas (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Além disso, redução do volume trabecular e deterioração distal da tíbia também constam como alterações típicas de atletas com TMA (DE LIMA et al., 2020). Em atletas com a TMA um comprometimento ósseo pode acontecer muito mais cedo, podendo variar de baixa DMO e fraturas por estresse até osteoporose (NAZEM, ACKERMAN, 2012). A força óssea e o risco de fraturas dependem de diversos fatores, incluindo o conteúdo ósseo, DMO, microarquitetura, remodelação e qualidade das proteínas ósseas (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012), o que possivelmente explica 38 porque um indivíduo pode sofrer fraturas enquanto outro com a mesma DMO não (STAND et al., 2007). A baixa disponibilidade energética, estímulo hormonal desencadeado por exercícios intensos, oligomenorréia e amenorréia podem influenciar na baixa densidade óssea, visto que estes podem levar a um quadro de hipoestrogenismo, promovendo uma maior reabsorção óssea (NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020). O hipoestrogenismo irá afetar a DMO devido a menor ação estrogênica nos mecanismos de proteção à uma reabsorção óssea exagerada por ação osteoclástica (NAZEM, ACKERMAN, 2012; DE LIMA et al., 2020) e a uma possível interrupção, causada pela diminuição do estrogênio, no processo de remodelação óssea (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Receptores de estrogênio foram identificados em células ósseas, sendo a principal ação do hormônio em osteoclastos. A ligação estrogênio-receptor em osteoblastos inibe fatores estimulantes para a liberação de osteoclastos, esta ligação também podendo inibir a síntese de substâncias que normalmente inibem a liberação dos osteoclastos, resultando em menor ação osteoclástica (DE LIMA et al., 2020). Em mulheres com hipoestrogenismo a taxa de perda óssea é em média de 5 a 6 anos (DE LIMA et al., 2020), além de que possíveis disfunções menstruais em jovens mulheres atletas podem sobrepor os efeitos benéficos de atividade física na estrutura óssea corporal (NAZEM, ACKERMAN, 2012). A baixa densidade óssea também coloca essas mulheres em risco de aquisição de massa óssea de pico abaixo do ideal. Embora os efeitos possam não ser imediatos após o diagnóstico da TMA, ou após o início da amenorréia, uma diminuição no pico da DMO esquelética, juntamente com a desmineralização esquelética ocorrendo lentamente ao longo do tempo, pode levar a essas condições. Da mesma forma, a retomada da menstruação não restaura imediatamente a saúde óssea ideal, mas inicia a reconstrução óssea necessária para diminuir o risco de osteoporose e fraturas futuras, com o acúmulo de minerais melhorando sua DMO (STAND et al., 2007; NAZEM, ACKERMAN, 2012). Dependendo da idade da paciente, da duração da tríade e do tempo de recuperação, a DMO pode estabilizar e até melhorar, mas não necessariamente retornar a DMO normal e apropriada para a idade. Na idade adulta, uma diminuição de 10% na DMO está associada a um aumento de duas a três vezes no risco de fratura (NAZEM, ACKERMAN, 2012). O balanço energético negativo, uma das alterações metabólicas possivelmente encontradas na mulher com TMA, pode levar diretamente a diminuição dos níveis séricos de Somatomedina C (IGF-1), hormônio produzido pelo fígado que exerce um importante 39 estímulo ao crescimento ósseo, sendo assim, a manutenção da saúde óssea é prejudicada na mulher atleta com a redução deste. Ademais, a ingestão insuficiente de nutrientes para um metabolismo ósseo ideal presente na baixa DE, associado ao menor estímulo hormonal a osteogênese, pode levar a uma perda óssea ainda maior (DE LIMA et al., 2020). Outrossim, é importante frisar que outras questões além da baixa DE e da presença de distúrbios menstruais podem afetar na baixa densidade óssea, como fatores genéticos, a intensidade da disfunção menstrual e o estado nutricional da mulher. Além disso, a remodelação óssea e diminuição constante da DMO também podem ser causadas pela liberação contínua de paratormônio, quando devido a prática excessiva de exercícios de alta intensidade (DE LIMA et al., 2020). Osteopenia é o quadro de baixa densidade mineral óssea. Já a osteoporose é um distúrbio esquelético cuja característica é o comprometimento da resistência óssea, levando a uma predisposição a um risco aumentado de fratura no indivíduo. A osteoporose pode ser causada tanto pela perda mineral óssea acelerada na fase adulta quanto pelo acúmulo insuficiente de massa óssea durante a infância e a adolescência (STAND et al., 2007). A prevalência de osteopenia varia de 22% a 50% em atletas do sexo feminino, com osteoporose variando de 0% a 13%. Isso se compara à prevalência de 12% e 2,3% relatada na população média, respectivamente (NAZEM, ACKERMAN, 2012). Considerando a osteoporose, maxila e mandíbula podem ser acometidas por tal condição quando a doença já estiver mais avançada, visto que a esta acomete o indivíduo de forma sistêmica inicialmente. A osteoporose em âmbito bucal irá se manifestar, partindo de um quadro sistêmico de comprometimento do paciente. A perda óssea bucal pode estar relacionada com a perda óssea sistêmica (Figura 5) (SPEZZIA, 2017). Figura 5: Radiografia panorâmica de paciente com osteoporose Fonte: ANIL, 2013 40 Sua definição clínica é baseada tanto na evidência clínica de fratura por fragilidade, independente da massa óssea, quanto na avaliação da DMO, por meio de densitometria óssea (g/cm2) da coluna lombar, fêmur total, colo do fêmur ou ⅓ médio do rádio (DE PROTOCOLOS, 2022). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em mulheres na pós-menopausa é utilizado o T-escore para diagnóstico da osteoporose (STAND et al., 2007; DE PROTOCOLOS, 2022), sendo este o número de desvios padrão abaixo do normal em comparação ao adulto jovem (DE PROTOCOLOS, 2022). O T-escore não indica um risco absoluto para fraturas, e sim um risco relativo, ainda que a redução da massa óssea esteja associada a um maior risco de fratura (DE PROTOCOLOS, 2022). A taxa de fratura dobra para cada redução de um desvio padrão na DMO, no entanto, faltam dados epidemiológicos relacionando DMO a fraturas em adolescentes e mulheres na pré-menopausa (STAND et al., 2007). Em mulheres com TMA esse problema é agravado pela falta de dados longitudinais relacionando DMO a fraturas em mulheres hipoestrogênicas jovens e desnutridas expostas a cargas mecânicas elevadas (STAND et al., 2007). Pacientes com osteopenia possuem maior prevalência de fraturas. Em resumo, é definido o diagnóstico de osteoporose quando houver presença de: fraturas por fragilidade, na ausência de outras doenças ósseas metabólicas, mesmo com uma DMO normal; T-score ≤ -2,5 na coluna lombar (ântero-posterior), colo femoral, quadril total ou 1/3 do rádio (33%), mesmo na ausência de uma fratura prevalente. Quando o diagnóstico é realizado inicialmente por esse critério, mesmo que as densitometrias ósseas subsequentes mostrem resultados de T-score ≥ -2,5, o diagnóstico de osteoporose se manterá (DE PROTOCOLOS, 2022). A Sociedade Internacional de Densitometria Clínica (ISCD) publicou posições oficiais recomendando que os critérios da OMS para o diagnóstico de osteopenia e osteoporose não sejam aplicados a mulheres na pré-menopausa e crianças. Em vez disso, oISCD recomendou que a DMO nessas populações seja expressa como Z-escores para comparar indivíduos com controles pareados por idade e sexo. Sendo que Z-escores < -2.0 são denominados "baixa densidade óssea abaixo da faixa esperada para a idade" em mulheres na pré-menopausa e ''baixa densidade óssea para idade cronológica'' em crianças (STAND et al., 2007). Também foi recomendado que o termo osteopenia não seja usado e que a osteoporose seja diagnosticada nessas populações apenas quando a DMO baixa estiver presente com fatores de risco clínicos secundários, que refletem um risco elevado de perda mineral óssea e 41 fratura a curto prazo. Esses fatores de risco secundários incluem desnutrição crônica, transtornos alimentares, hipogonadismo, exposição a glicocorticóides e fraturas prévias. Atletas em esportes de sustentação de peso geralmente têm DMO 5-15% maior do que não atletas. Portanto, um Z-escore < -1.0 em um atleta merece investigação adicional, mesmo na ausência de fratura prévia (STAND et al., 2007). O ACSM define o termo “baixa DMO'' como uma história de deficiências nutricionais, hipoestrogenismo, fraturas por estresse e/ou outros fatores de risco clínicos secundários para fratura juntamente com Z-escore entre -1.0 e -2.0. Para refletir um risco aumentado de fratura por fragilidade, a ACSM define osteoporose como fatores de risco clínicos secundários para fratura com Z-escores ≤ -2.0. A DMO de um atleta reflete seu histórico cumulativo de disponibilidade de energia e status menstrual, bem como sua herança genética e exposição a outros fatores nutricionais, comportamentais e ambientais (STAND et al., 2007). Ademais, o tratamento realizado em caso de presença de osteoporose também pode levar a repercussões intra orais. Os bisfosfonatos orais são usados para tratar a osteoporose e a osteopenia. Os pacientes tratados com bisfosfonatos IV correm o risco de desenvolver osteonecrose da mandíbula colateral da terapia com bisfosfonatos (Figura 6) (TAVARES, CALABI, SAN MARTIN, 2014). A osteonecrose da mandíbula é definida como uma condição caracterizada por osso necrótico exposto que não cicatriza na mandíbula ou maxila, persistindo por mais de 8 semanas em um paciente que tomou ou está atualmente tomando um bifosfonato e que não tem histórico de radioterapia nas mandíbulas (ANIL, 2013; TAVARES, CALABI, SAN MARTIN, 2014). 42 Figura 6: Osteonecrose mandibular após extração de molar inferior. Fonte: ANIL, 2013 Este risco aumenta quando a duração da terapia excede 3 anos. Os pacientes que tomam bisfosfonatos orais apresentam um risco consideravelmente menor (TAVARES, CALABI, SAN MARTIN, 2014), enquanto esta complicação oral grave ocorre em 1,8% a 12,8% dos casos com administração intravenosa de bifosfonatos (ANIL, 2013). Uma verdadeira relação de causa e efeito entre a osteonecrose da mandíbula e o uso de bifosfonatos ainda não foi estabelecida. A grande maioria dos casos relatados foi associada ao ácido zoledrônico ou pamidronato administrado por via intravenosa para controlar a doença óssea metastática. A osteonecrose da mandíbula desenvolveu-se com muito menos frequência entre os pacientes que receberam bifosfonatos orais em doses mais baixas usadas para osteoporose do que entre pacientes que receberam doses mais altas usadas para câncer metastático. Há também uma compreensão incompleta de como a terapia de BP pode afetar a cicatrização dos tecidos e a taxa de sucesso dos implantes dentários (ANIL, 2013). Apesar de não haver uma alta prevalência quando associada apenas ao tratamento da osteoporose, é importante que o cirurgião dentista saiba reconhecer e conduzir o tratamento em casos de osteonecrose maxilomandibular. Além disso, uma vez reconhecida a osteoporose pelo cirurgião dentista e feito o encaminhamento para tratamento médico numa fase em que não existe muita perda óssea, pode-se ter menos repercussões ou sequelas nos ossos do complexo maxilofacial, reduzindo-se eventuais complicações que poderiam interferir desfavoravelmente nas condutas clínicas odontológicas (SPEZZIA, 2017). 43 Figura 7: Tratamentos recomendados para pacientes em uso de bifosfonatos Fonte: adaptado de TAVARES, CALABI, SAN MARTIN, 2014 44 5. DISCUSSÃO Com o passar dos anos, a odontologia do esporte vem tentando se tornar cada vez mais presente dentro da realidade do atleta, visto que com informações advindas de estudos realizados pode-se observar o quando uma saúde bucal de qualidade pode vir a beneficiar o indivíduo em sua carreira e qualidade de vida. Problemas orais podem levar a diversas complicações, sejam elas patológicas ou sociais, variando de dor a alterações nas condições psicossociais destes indivíduos. Apesar de atletas serem enxergados como referências de saúde, devido a ideia de que sua alimentação sempre será saudável, e contando também com a prática de atividade física regular, estes apresentam, com frequências, diversos processos patológicos odontológicos. No entanto, frequentemente pode-se observar que este grupo está sujeito a influências externas, provenientes de seus técnicos, equipe de apoio e até mesmo patrocinadores e organizadores de eventos. Sendo assim, a abordagem em muitos tratamentos não será apenas com o atleta, mas sim com todos aqueles que o rodeiam e que impactam em sua rotina diária. Como observado em diversos estudos, cárie, erosão, problemas periodontais, pericoronarite e traumas orofaciais são comumente encontrados nos grupos de atletas, no entanto nem todas as pesquisas apresentam a prevalência de condições orais patológicas com distinção entre grupos de atletas homens e atletas mulheres. Evans (2011) avaliou que nos Jogos Pan-Americanos de 2007, desconsiderando os terceiros molares, a média de dentes com cárie extensa por atleta homem (224 participantes) era de 0,64 e de dentes com cárie extensa e imagem sugestiva de lesão periapical era de 0,25. Já, em atletas mulheres (186 participantes), considerando apenas os 28 dentes da arcada (excluindo-se terceiros molares), a média por atleta de dentes com cárie extensa era de 0,50 e de dentes com cárie extensa e imagem sugestiva de lesão periapical era de 0,15. Needleman et al. (2013) pontuaram que atletas das Olimpíadas de 2012 (278 participantes, sendo 42,8% do sexo feminino) apresentaram uma prevalência de cárie de 55,1%, sendo 41% com dentina atingida, tendo uma média de 2 dentes cariados e 3,44 restaurados por atleta. A revisão sistemática de Ashley et al. (2015) identificou que a prevalência de cárie variou de 15% a 75% nos estudos, porém que em praticamente nenhum foi realizada comparação com um 45 grupo controle que representasse a população comum em geral. Galvão e De Bonis (2018) observaram que sua amostra (42 voluntários, sendo 38% do sexo feminino) de atletas da vila olímpica de Manaus possuía uma prevalência de dentes cariados de 57,2%, contra 42,8% que não apresentaram tal incidência. Com isso, pode-se observar que a população atleta sofre com grande frequência com a presença da doença cárie, no entanto faltam estudos que realizem a divisão das prevalências por sexo, para que possamos compreender melhor as necessidades específicas de atletas mulheres e possivelmente identificar se existem causas para cárie específicas a este grupo. Em 2013, o estudo de Needleman apontou que 44,6% dos atletas olímpicos apresentaram erosão dental, tendo uma distribuição semelhante entre as regiões anterior e posterior das arcadas; ademais, em 37,6% dos elementos anteriores e 48% dos posteriores com erosão os níveis já se encontravam de moderados a severos. Ashley et al. (2015) apontaram em sua revisão sistemática quatro estudos reportando erosão/desgaste dental, sem dados de população controle, com alta incidência de desgaste alcançando a dentina, variando de 36% a 85%. É importante destacar também que ansiedade, alto esforço físico e respiração bucal durante o exercício podem levar a hipossalivação no atleta, sendo tal condição um
Compartilhar